Darth bane path of destruction cap1

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Dessel estava perdido nos sofrimentos de seu trabalho, mal reparando nos arredores. Os braços doíam do esmagar interminável do macaco hidráulico. Pedacinhos de rocha escapavam da parede da caverna conforme o homem a perfurava, ricocheteando nos óculos de proteção dele, castigando-lhe o rosto e mãos expostos. Nuvens de poeira atomizada ­preenchiam o ar, obscurecendo a sua visão, e o choramingo guinchado do equipamento tomava a caverna inteira, afogando todos os outros sons ao mergulhar centímetro após agonizante centímetro no veio grosso de cortosis aberto na rocha à frente dele. Impermeável a calor e energia, o cortosis era valorizado para a construção de armaduras e blindagens tanto por setores comerciais quanto militares, principalmente com a galáxia em guerra. Muito resistente a disparos de arma de raios, a liga de cortosis poderia contrapor-se, supostamente, até a uma lâmina de sabre de luz. Porém, as mesmas propriedades que tanto valorizavam o metal também o tornavam extremamente difícil de minerar. Tochas de plasma eram virtualmente inúteis; seriam necessários dias para queimar até um setor mínimo de rocha velada por cortosis. O único jeito eficaz de minerar era pela força bruta de macacos hidráulicos socando o veio de modo ininterrupto e arrancando o cortosis dali, lasca por lasca. O cortosis representava um dos materiais mais duros da galáxia. A força do movimento logo gastava a cabeça da ferramenta, cegando-a até deixá-la quase sem utilidade. A poeira entupia os pistões hidráulicos, fa11


zendo-os emperrar. Minerar cortosis era difícil para o equipamento… e mais ainda para os mineradores. Des estivera martelando ali há quase seis horas-padrão. O macaco hidráulico pesava mais de trinta quilos, e o empenho em mantê-lo erguido e pressionado contra a rocha começava a cobrar seu preço. Os braços tremiam com o esforço. Os pulmões lutavam para puxar o ar, mas Des quase engasgava com as nuvens de fina poeira de minério que escapava pela cabeça do equipamento. Até os dentes doíam: a vibração chacoalhava tanto que lhe causava a sensação de que iam todos escapar da gengiva. Contudo, os mineradores de Apatros eram pagos com base na quantidade de cortosis que traziam de volta. Se ele fosse embora, outro minerador grudaria ali e começaria a trabalhar o veio, tomando para si parte do lucro. Des não gostava de dividir. O zunido do motor do macaco hidráulico assumiu um tom mais agudo, tornando-se um lamento afiado com que Des estava mais do que familiarizado. A 20 mil rpm, o motor sugava poeira feito um bantha com sede sorvendo água após uma longa travessia do deserto. O único modo de combater o efeito era com limpeza e cuidados constantes, e a Companhia de Mineração da Orla Exterior preferia comprar equipamento barato e trocá-lo a afundar créditos na manutenção. Des sabia exatamente o que estava prestes a acontecer – e, um segundo depois, aconteceu. O motor explodiu. A hidráulica travou com um resmungo horrendo, e a parte de trás do equipamento cuspiu uma nuvem de fumaça preta. Xingando a cmo e suas políticas corporativas, Des soltou o dedo travado do gatilho e jogou o equipamento gasto no chão. – Sai da frente, garoto – disse uma voz. Gerd, um dos outros mineiros, apareceu e tentou tirar Des do caminho aos encontrões para trabalhar naquele veio com seu próprio equipamento. Gerd trabalhava nas minas há uns vinte anos-padrão, o que transformara seu corpo em uma massa de músculos firmes e enganchados. Mas Des trabalhava nas minas por dez anos, desde adolescente, e era tão forte quanto o outro homem – e um pouco maior. Ele nem se mexeu. – Ainda não terminei – disse. – O macaco hidráulico morreu, só isso. Me dê o seu e posso continuar mais um pouco. 12


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– Você sabe as regras, garoto. Se parar de trabalhar, outra pessoa pode entrar no lugar. Tecnicamente, Gerd tinha razão. Mas ninguém nunca passava por cima de outro mineiro por causa de equipamento defeituoso. A não ser que quisesse comprar briga. Des deu uma olhada rápida ao redor. A câmara estava vazia, exceto pelos dois, parados a menos de meio metro um do outro. Não era de se surpreender; Des costumava escolher cavernas bem distantes da rede principal de túneis. Tinha de ser mais do que uma mera coincidência Gerd aparecer ali. Des conhecia Gerd desde sempre. O homem de meia-idade fora amigo de Hurst, pai de Des. Quando este começara a trabalhar nas minas, aos 13, sofrera muito abuso dos mineiros maiores. O próprio pai fora o pior dos torturadores, mas Gerd constituiu um dos principais instigadores, distribuindo uma porção maior do que a comum de provocações, insultos e ocasionais tapinhas na orelha. O assédio cessara pouco depois que o pai de Des morreu de um ataque cardíaco fulminante. Mas não porque os mineiros sentiam dó do jovem órfão. Quando Hurst morreu, o adolescente alto e magrelo que eles adoravam azucrinar tinha se tornado uma montanha de músculos de mãos pesadas e pavio curto. Minerar era um trabalho duro; o que havia de mais similar ao trabalho pesado das colônias prisionais da República. Qualquer um que trabalhasse nas minas de Apatros se tornava grande – e Des acabou virando o maior de todos eles. Meia dúzia de olhos roxos, incontáveis sangramentos de nariz e um maxilar quebrado ao longo de um mês foi tudo de que precisou para os amigos de Hurst concluírem que seriam muito mais felizes se deixassem Des em paz. Entretanto, era quase como se culpassem o jovem pela morte do pai, e, após um ou outro mês, algum deles tentava de novo. Gerd sempre fora inteligente o bastante para manter distância – até esse momento. – Não estou vendo nenhum dos seus amigos aqui com você, meu chapa – disse Des. – Então saia do meu lugar, e ninguém se machuca. Gerd cuspiu no chão, aos pés de Des. – Você nem sabe que dia é hoje, né, garoto? Maldita desgraça, você é! Estavam tão perto um do outro que Des sentia o cheiro amargo do 13


uísque corelliano no hálito de Gerd. O homem estava bêbado. Bêbado o bastante para arranjar briga, mas ainda sóbrio o suficiente para segurar a onda. – Faz cinco anos hoje – disse Gerd, balançando tristemente a cabeça. – Cinco anos que seu pai morreu, e você nem se lembra! Nessa época, Des raramente pensava no pai. Não ficara triste ao vê-lo partir. As lembranças mais remotas que possuía eram do pai batendo nele. Nem se lembrava do motivo; Hurst quase nunca precisava de motivo. – Não posso dizer que sinto falta do Hurst como você sente, Gerd. – Hurst? – Gerd bufou. – Ele te criou sozinho depois que a sua mãe morreu, e você nem tem o respeito de chamá-lo de pai? Seu ingrato, filho de um kath! Des olhou para Gerd de modo ameaçador, mas o homem menor estava muito imbuído de birita e hipócrita indignação para ser intimidado. – Devia ter esperado isso de um cãozinho sujo como você – Gerd continuou. – Hurst sempre disse que você não prestava. Sabia que tinha algo de errado com você… Bane. Des estreitou os olhos, mas não mordeu a isca. Hurst o chamava assim quando ficava bêbado. Bane. A desgraça. Culpava o filho pela morte da mãe. Culpava-o por ter ficado preso em Apatros. Considerava seu único filho a desgraça de sua existência, fato que tendia a cuspir em Des quando estava na fúria da bebida. Bane. A palavra representava tudo de rancoroso, pequeno e maldoso que tinha o pai. Ela cutucava os medos mais íntimos de toda criança: medo de desapontar, medo do abandono, medo da violência. Quando criança, esse nome machucara Des muito mais do que todos os safanões dos punhos pesados do pai. Mas Des não era mais criança. Com o tempo, aprendera a ignorá-lo, junto de toda a bile de ódio restante que jorrava da boca do pai. – Não tenho tempo pra isso – ele murmurou. – Tenho trabalho a fazer. Com uma das mãos, arrancou o macaco hidráulico de Gerd. Colocou a outra mão no ombro de Gerd e o empurrou dali. Cambaleando para trás, o homem inebriado bateu com o calcanhar numa pedra e caiu no chão. 14


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Ele se levantou com um rosnado, as mãos fechando-se em punhos. – Pelo visto, seu pai tem feito muita falta, moleque. Tá precisando de alguém pra te dar umas boas palmadas! Des percebeu que Gerd estava bêbado, mas não era nenhum bobo. Des era maior, mais forte, mais novo… mas passara seis horas trabalhando com um macaco hidráulico. Estava coberto de lodo e o suor pingava-lhe do rosto. A camisa estava encharcada. O uniforme de Gerd, por sua vez, encontrava-se relativamente limpo: nada de poeira, nenhuma mancha de suor. O homem devia ter passado o dia todo planejando aquilo, pegando leve e descansando, enquanto Des dava tudo de si. Des, entretanto, não pretendia amarelar perante uma briga. Largou o macaco hidráulico de Gerd no chão, agachou, abriu espaço entre os pés e estendeu os braços à frente. Gerd avançou, girando o punho direito num furioso soco de baixo para cima. Des estendeu o braço e capturou o soco com a palma da mão esquerda, absorvendo a força do golpe. A mão direita avançou e agarrou o punho direito de Gerd por baixo; enquanto puxava o mais velho para a frente, Des baixou-se e girou, metendo o ombro direito no peito do outro. Usando o impulso do oponente contra ele mesmo, Des ergueu-se e puxou com força o punho de Gerd, girando-o para o alto e para trás, fazendo-o cair com tudo no chão, de costas. A briga devia ter acabado por aí; Des contou com um átimo de segundo durante o qual podia ter mergulhado o joelho no oponente, arrancando-lhe o ar dos pulmões e prendendo-o ao chão, enquanto batia nele com os punhos. Mas isso não aconteceu. Suas costas, exaustas das horas erguendo a ferramenta de mineração de trinta quilos, tremeram. A dor foi uma agonia; por instinto, Des endireitou-se e tocou os músculos tesos da lombar. Isso deu a Gerd a chance de rolar dali e ficar de pé. Os dois colidiram e lutaram sobre as rochas duras e irregulares do chão da caverna. Para se proteger, Gerd enterrara o rosto no peito de ­Dessel, impedindo que Des lhe metesse uma cotovelada ou uma forte cabeçada. Estava também agarrado ao cinto do outro, mas agora uma das mãos, livre, socava cegamente o local em que ele achava estar o rosto do rapaz. Des foi forçado a envolver os braços de Gerd com os seus, travando-os de modo que nenhum dos dois homens pudesse dar um soco. 15


Com os membros presos, estratégia e técnica faziam pouquíssima diferença. A briga passou a ser um teste de força e resistência, com os dois combatentes lentamente cansando um ao outro. Dessel tentou rolar Gerd de costas, mas seu corpo cansado o traiu. Seus membros estavam pesados e moles; ele não conseguia apoiar-se como precisava. Na verdade, foi Gerd quem conseguiu girar, libertando uma das mãos enquanto ainda mantinha o rosto pressionado contra o peito de Des, para que não fosse exposto. Des não teve tanta sorte… seu rosto estava à mostra e vulnerável. Gerd meteu um golpe com a mão livre, mas não bateu com o punho fechado. Em vez disso, enfiou com força o polegar na bochecha de Des, a poucos centímetros do verdadeiro alvo. Atacou mais uma vez utilizando o dedo, querendo arrancar um dos olhos do oponente e deixá-lo cego, contorcendo-se de dor. O rapaz levou um segundo para entender o que estava acontecendo; sua mente cansada se tornou tão lenta e desajeitada quanto seu corpo. Ele virou o rosto no segundo em que o golpe surgiu; o polegar atingiu a cartilagem de sua orelha e causou muita dor. Uma raiva violenta explodiu dentro dele: um estouro de enfurecida paixão que queimou toda a exaustão e fadiga. Subitamente, sua mente ficou clara, e seu corpo recobrou a força e a juventude. Ele sabia o que fazer em seguida. Mais importante: tinha certeza absoluta do que Gerd também faria. Des, entretanto, não conseguia explicar como sabia; às vezes, simplesmente adivinhava o próximo movimento do oponente. Instinto, alguns diriam. Des sentia que era outra coisa. Muito detalhado – muito específico – para ser puro instinto. Era mais como uma visão, um lampejo breve do futuro. E, sempre que acontecia, Des sabia o que fazer, como se algo guiasse e direcionasse suas ações. Quando veio o golpe seguinte, Des estava mais do que pronto. Pôde visualizá-lo com perfeição em sua mente. Sabia o momento exato em que viria e precisamente onde atingiria. Dessa vez, ele virou o rosto para o lado do oponente, expondo-o para o golpe iminente – e abriu a boca. Mordeu com força, no momento perfeito, e seus dentes mergulharam fundo na carne suja do polegar intrometido de Gerd. 16


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O homem gritou quando Des fechou a boca, seccionando os tendões e esmagando o osso. Ele imaginou se poderia morder até o final, e então – como se apenas de pensar nisso o fato se materializasse – decepou o polegar de Gerd. Os gritos se tornaram guinchos quando Gerd largou o oponente e rolou para o lado, encobrindo com a mão boa a que fora machucada. Um sangue carmesim brotou por entre os dedos que tentavam estancar o fluxo que saía do toco. Levantando-se lentamente, Des cuspiu o dedo para o chão. O gosto do sangue ainda estava fresco em sua boca. Sentiu o corpo forte e reenergizado, como se um grande poder insurgisse por suas veias. Toda a valentia do oponente fora arrancada; Des podia fazer o que quisesse, ali, com Gerd. O mais velho rolava de um lado ao outro no chão, a mão apertada junto ao peito. Gemia e soluçava, implorando por misericórdia, pedindo ajuda. Des balançou a cabeça, com desgosto; Gerd pedira que isso acontecesse. Tudo começara num simples mano a mano. O perdedor acabaria com um olho roxo e uns hematomas, mas nada mais. Então, o mais velho levara as coisas a outro nível ao tentar cegar o jovem, que respondera à altura. Há muito tempo, Des aprendera a não elevar uma luta a não ser que estivesse disposto a pagar o preço que a perda envolvia. Agora Gerd acabava de aprender a mesma lição. Des tinha pavio curto, mas não era do tipo que continuava batendo num oponente indefeso. Sem olhar para o inimigo derrotado, deixou a caverna e subiu o túnel para dizer a um dos capatazes o que acontecera a fim de que alguém fosse cuidar do ferimento de Gerd. Ele não se preocupava com as consequências. Os médicos poderiam recolocar o polegar do outro, então, na pior das hipóteses, Des seria multado em um ou dois dias de ganhos. A corporação não ligava muito para o que os empregados faziam, contanto que sempre voltassem a minerar o cortosis. Era comum haver brigas entre os mineiros, e a cmo quase sempre fazia vista grossa, embora essa briga em particular tivesse sido mais agressiva que a maioria – selvagem e curta, com um fim brutal. Assim como a vida em Apatros. 17


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