Eles sempre estarão ao seu lado

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The Dogs Were Rescued (and So Was I) Copyright © 2014 by Teresa J. Ryne © 2015 by Universo dos Livros Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da editora, poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros.

Diretor editorial: Luis Matos Editora-chefe: Marcia Batista Assistentes editoriais: Aline Graça, Rodolfo Santana Tradução: Jonathan Busato Preparação: Guilherme Summa Revisão: Cássio Yamamura, Giovana Sanches Arte: Francine C. Silva, Valdinei Gomes

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Angélica Ilacqua CRB-8/7057 R362e

Rhyne, Teresa J.

Eles sempre estarão ao seu lado / Teresa J. Rhyne; tradução de Jonathan Busato. – São Paulo : Universo dos Livros, 2015. 288 p.

ISBN: 978-85-7930-815-4

Título original: The dogs were rescued (so was I) 1. Câncer – pacientes – biografia 2. Donos de animais de estimação 3. Relação homem-animal 4. Pesquisas em animais I. Título II. Busato, Jonathan

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Universo dos Livros Editora Ltda. Rua do Bosque, 1589 – Bloco 2 – Conj. 603/606 CEP 01136-001 – Barra Funda – São Paulo/SP Telefone/Fax: (11) 3392-3336 www.universodoslivros.com.br e-mail: editor@universodoslivros.com.br Siga-nos no Twitter: @univdoslivros

CDD 926.36755


Nota da Autora

Este é um livro de memórias. Como tal, é a história de minhas experiências e lembranças, e somente minhas. A maioria dos nomes foi alterada, alguns personagens são combinações de pessoas, e, de vez em quando, para o bem da história, a cronologia ou datas de eventos foram modificadas ou eventos foram misturados – porque a vida nem sempre faz sentido, mas um livro deveria. Este é um livro de memórias. Como tal, não é um manual de instruções, nem um livro de receitas, tampouco um thriller psicológico (você já esperava por isso, certo?). Esta é a história de como eu adotei um estilo de vida mais compassivo, inspirada por alguns beagles adoráveis, e as batalhas que todos tivemos ao longo do caminho. É também uma história de amor. Mas em nenhum dos dois casos eu pretendo dar conselhos. (Talvez alertas, mas não conselhos.) Este é um livro de memórias. Como tal, espero que você goste de lê-lo. E se isso o fizer pensar sobre os animais um pouco mais do que costumava fazer, bem, será minha vez de ficar feliz.



Para os animais. E, como sempre, para Chris, meu animal favorito.



“Penso que, quanto mais indefesa uma criatura, mais ela merece proteção do ser humano contra a crueldade do ser humano.” Mahatma Gandhi



Sumário

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Enxergando vermelho É pessoal Mel e anchovas Palavras, vinho e sacudidas Respirando fundo Sozinha na multidão Namastê Uni-duni-treta Na presença do milagre Siga-me Um bom cachorro Um lugar ao sol Um tiro no escuro Dias quentes de verão na terra do vinho Farejando tudo Lá vem o beagle Briga de cachorro (nem tão) grande A tofu frio Noites de sofá e manhãs de café Eu não fazia ideia Yappy hour Um pouco de paz de espírito Totalmente vegana Superpoderes Santuário Tambores tribais Eu, negativa Grande amor Fontes Agradecimentos

11 17 25 39 49 55 61 69 79 89 103 113 121 131 139 153 163 169 179 189 197 211 221 233 243 259 265 269 279 285



Capítulo 1

Enxergando vermelho Meu cachorro Seamus e eu estávamos sentados no quintal da casa de um amigo – a mesma casa em que eu havia comemorado o fim dos meus tratamentos contra o câncer com uma festa temática Survivor – quando eu vi vermelho. Era um e claro e radiante dia de outono em 2011. Quando Seamus pulou no meu colo, o sol iluminou uma poça de sangue bem no fundo de seu olho. Imediatamente neguei o que estava vendo, incapaz de acreditar que poderia ser um outro problema de saúde. Não agora. Tinha sido uma sombra, um reflexo da minha camisola magenta, uma ilusão. Qualquer coisa, menos o que eu sabia que era. Se não tivesse ficado tão chocada, teria visto a ironia em descobrir o vermelho em seu olho naquele momento. Estávamos posando para a foto de autora para o meu livro de memórias sobre como ele – meu beagle, meu amor, meu hilariante e espirituoso guia para a vida – sobreviveu a seu próprio câncer e me deu força e coragem para sobreviver ao meu. Assim que a sessão terminou, numa rotina que me era familiar, agendei uma consulta com o veterinário, que rapidamente nos enviou a um especialista. Estava de volta a um quarto branco e esterilizado, com meu cachorro – confiante e destemido – em pé sobre uma mesa de metal. A avaliação inicial foi feita por um estagiário. Ele foi educado, tranquilo, e pareceu compenetrado no exame, mas me falou muito pouco. Seamus ficou calmo sobre a mesa, como sempre fazia, olhando para mim de vez em quando. Quando o exame terminou, Seamus uivou. – Ele quer um biscoito – eu disse. – Está bem treinado para saber que recebe um petisco quando o exame acaba. De preferência um ossinho verde, se você tiver um. O estagiário sorriu. – Coitado. Vou buscar um petisco, mas não sei se é verde. Trago quando o médico chegar.


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Alguns minutos depois, o estagiário, o médico e um técnico entraram na sala – toda uma equipe (e com ela um mau presságio). O estagiário entregou a Seamus um biscoito. Não era verde, mas Seamus alegremente o abocanhou e uivou por mais. O estagiário riu e afagou a cabeça de Seamus. O médico prometeu que lhe daria mais depois. Fora isso, porém, o médico foi muito profissional. Talvez isso também fosse uma pista. Seamus foi diagnosticado com câncer pela primeira vez um ano depois que eu o adotei. Tinha apenas dois, talvez três anos de idade na época. Passou um ano em tratamento – duas cirurgias, muitos meses de quimioterapia –, e depois mais um ano e meio de consultas e exames de sangue antes que fosse considerado livre do câncer e liberado do tratamento. Seis meses depois, fui diagnosticada com câncer de mama triplo negativo e passei eu mesma quase um ano em tratamento. Ainda fazia exames oncológicos de check-up semestrais. Então, não era como se eu fosse principiante em médicos e diagnósticos devastadores. Você até pensaria que eu estava acostumada. – Não gosto disso – disse ele, olhando com o oftalmoscópio, seu ponto de luz brilhando no olho esquerdo de Seamus. – Está vendo esse...? – Nesse momento, ele soltou um jargão médico que alguns profissionais da saúde usam tão facilmente, sem nem pensar que o paciente – ou, nesse caso, o guardião do paciente – não pode entendê-lo e, portanto, só vai se assustar com isso. – Eu vi – respondeu o estagiário, me olhando e desviando rapidamente o olhar. Claro que há algo para ver. É por isso que eu o trouxe. Tentei manter a calma, mas a abordagem do médico não estava ajudando. – É, isso não é nada bom. Não gosto do que estou vendo – disse ele, para ninguém em particular, já que ainda estava olhando o olho de Seamus. Eu queria bater nele. Estou bem aqui. Segure seu diagnóstico até que esteja pronto para falar comigo. Mas tenho um histórico de querer avançar pra cima dos médicos. Sentia-me assim em relação à primeira oncologista de Seamus (referia-me não muito carinhosamente a ela como doutora Puta da Fraternidade) e à oncologista com quem fiz quimioterapia (a doutora P... bem, nem precisa ex-


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plicar – eu posso ser bem criativa com as palavras quando estou furiosa). O estagiário reacendeu as luzes da sala de exame. Finalmente, o médico virou-se para mim. – Isso não é bom. O que eu vejo é provavelmente – tenho quase certeza – um melanoma. Há muito tempo eu já tinha percebido, em minha vasta experiência com o câncer, que muito poucas pessoas, inclusive os profissionais da saúde, pronunciam, de fato, a palavra com “C”. – Câncer? – perguntei. – Temo que sim. Droga! Estou cheia do câncer. Será que é grave? Isso não pode estar acontecendo. Será que é grave? Não. Pode. Estar acontecendo. De novo, não. Será que é grave? Fiquei quieta, afagando a cabeça de Seamus enquanto me acalmava. – Pode lhe dar outro biscoito agora? – E talvez um para mim? O médico tirou um biscoito de cachorro do bolso do jaleco e o deu a Seamus, que de bom grado o comeu com apenas algumas mordidas rápidas e depois uivou, abanando o rabo. – Ele é uma graça de cachorro – disse o médico. – É sim. E já sobreviveu a um câncer uma vez, um tumor de mastócitos. Passou por duas cirurgias e meses de quimioterapia – enquanto uma das minhas mãos afagava Seamus, a outra estava fechada em punho na lateral do meu corpo. – Isso está relacionado ao câncer? Recorrência agora... sete anos depois? As sobrancelhas do médico se levantaram, mas ele foi rápido em se recuperar. – Não, não está relacionado. É um câncer completamente diferente. Ele só não tem muita sorte. Sorte? Era apenas a sorte, ou, mais precisamente, o azar, o que determinava quem teria câncer? – Acho que não tenho muita sorte também. Também sou uma sobrevivente do câncer. A surpresa agora tomava o rosto do médico. – Uau, nossa. Caramba, é muito câncer numa só casa. Você mora perto de um reator nuclear ou algo assim?


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Eu não era amadora em ouvir um diagnóstico de câncer – houve melhores e piores do que esse. Não sabia dizer se ele achava que estava fazendo uma piada, mas, piada ou não, foi um comentário totalmente inapropriado. Tínhamos passado de “sorte” para uma possível causa do câncer. Hora de trazer o foco do médico de volta para onde ele deveria estar – e agora? – Então, o que fazemos agora? Qual é o tratamento? Tem certeza de que é câncer? Ele deu uma longa explicação, com a quantidade usual de termos médicos confusos e assustadores. Chegou à cirurgia. O médico estava 99% certo de que havia um melanoma no olho de Seamus. Fosse o que fosse, tinha de ser removido. Químio e radioterapia não eram opções para esse tipo de câncer. Eles poderiam remover o olho e provavelmente estaria acabado. Ou poderiam tentar retirar o tumor e salvar o olho, mas, se voltasse a crescer, teriam que retirar o olho de qualquer forma. As chances eram de que iria voltar a crescer; era uma questão de quanto tempo levaria. Quanto mais tempo levasse, naturalmente, mais tempo ele manteria o olho – poderiam ser semanas, meses, anos. Seamus tinha nove, talvez dez anos. Como o adotei de um abrigo, não sabia ao certo sua idade. Mas, ainda assim, com nove ou dez anos, ele poderia viver quatro, cinco anos, talvez mais. Tentar salvar o olho parecia a coisa certa a fazer. Se ele fosse mais velho, eu me preocuparia mais com a possibilidade de duas cirurgias e as complicações que isso poderia trazer. Mas ele tinha sido um soldado durante tudo o que passou, e eu tinha muita fé em sua capacidade de recuperação. Além disso, estava acostumada a vencer as probabilidades de câncer; talvez até, inexplicavelmente, um tanto arrogante em relação a isso. – Eu quero tentar salvar o olho dele. – Isso é o que eu faria também – o médico se dirigiu para a porta. – Nós vamos lhe dar um orçamento e agendar a cirurgia. Marcamos a cirurgia para dezembro. Considerei esperar até janeiro, porque dezembro é quando tudo de ruim parece acontecer na minha vida. Toda a minha família tem um histórico ruim com o período entre a Ação de Graças e o Natal – acidentes, mortes, diagnósticos de câncer (note o plural em todos esses eventos). Temo


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todas as temporadas de férias, mas especialmente as de dezembro. Agora, mais uma razão para desprezá-las. Mas eu não queria simplesmente deixar um câncer dependurado no olho do pobre cachorro tanto como não queria deixá-lo dependurado em meu seio direito quando fui diagnosticada em dezembro de 2008. Seamus, em seu estilo habitual, e conforme eu já esperava, recuperou-se dessa cirurgia rapidamente. Mas ele ainda precisava de cuidados – troca de curativo, medicação para a dor, colírios –, então retomei nossa velha rotina. Eu era sua enfermeira, trabalhando de casa, e ele era ele mesmo, usando sua fofura diabólica e agora seu novo tapa-olho de pirata para tentar me cavar mais guloseimas. E naqueles dias, em casa com Seamus, as palavras do médico fermentavam em meu cérebro. “Você mora perto de um reator nuclear ou algo assim?” Não, é claro. Quem hoje em dia vive? Eu morava em um condomínio, no alto de um planalto em Riverside, um subúrbio no sul da Califórnia (geralmente descrito como a meio caminho entre Los Angeles e Palm Springs). Vivia lá com Seamus e Chris, os amores canino e humano da minha vida. Não havia nenhum reator nuclear. Mas três tipos de câncer em uma casa ao longo de sete anos era muito câncer. Câncer demais. Eu estava fazendo algo errado? E, claro, eu havia associado tanto minha própria recuperação com a de Seamus que era difícil não pensar que eu poderia ter uma recorrência também. “O cão viveu, e eu também vou” tinha sido o meu mantra quando passei por uma cirurgia de mama, três meses de quimioterapia e trinta e seis sessões de radiação. “O Cão Viveu” [The Dog Lived] era o nome do meu blog, e, eventualmente, The Dog Lived (and So Will I)1 foi o nome que dei para o livro de memórias que tinha escrito. E, agora, o cão estava com câncer novamente. Era impossível não pensar “e eu também vou ficar”. Talvez eu tivesse feito tudo errado. Com o primeiro câncer de Seamus e depois com o meu, nunca passei muito tempo me questionando por que o câncer havia surgido. Não fiquei me culpando ou perguntando “por que eu?”. Mas agora era difícil evitar o pensamento de que talvez houvesse uma razão para isso estar acontecendo conosco. 1  N o Brasil, Os cães nunca deixam de amar, também publicado pela Universo dos Livros. (N.T.)


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O que eu estava fazendo de errado? Por que isso foi acontecer? Quando terminei meus tratamentos, rapidamente retomei meu antigo estilo de vida. Não tive a grande epifania que se ouve falar em muitos pacientes com câncer: fiquei esperando a vontade de correr maratonas, resgatar órfãos ou largar meu trabalho e viajar pelo mundo, mas o fiz enquanto lia revistas, bebericava um Martini e comia lula frita. Meu câncer foi triplo negativo – o que significa que não responde aos hormônios – e por isso os médicos não me passaram nenhuma restrição alimentar. Naturalmente, usei isso como desculpa para muitas refeições comemorativas de valor nutricional duvidoso. Agora, porém, com Seamus no sofá ao meu lado, enrolado e dormindo profundamente, seu tapa-olho claramente visível, os frascos de analgésicos e antibióticos alinhados no balcão da cozinha e a apenas alguns meses da minha própria visita ao oncologista, eu soube que precisava fazer alguma coisa. Precisava mudar. Jurei – para Seamus, para mim, para nossa família – que encontraria uma maneira de fazer melhor do que isso. Encontraria uma maneira de lutar por todos nós.


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