Goeldi - O Encantador das Sombras

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Autoretrato (detalhe), 1950 - xilogravura, 30 x 22 cm - coleção André Buck - SP

O ENCANTADOR DAS SOMBRAS

21 de julho de 2010 a 05 de setembro de 2010 Rio de Janeiro

Realização


Certa vez, a escritora Rachel de Queiroz indagou: Que estranho homem será esse que resolve as nossas emoções mais subterrâneas com figuras de pavor, de solidão e tristeza. Que sortilégio especial emana daqueles quadrados escuros saídos da madeira e que nos gritam um apelo tão profundo e dramático, despertando inesperadas ressonâncias? Talvez possamos identificar esse misterioso homem como “o encantador das sombras”, o iluminado Oswaldo Goeldi que deixa perplexo o espectador diante de sua obra. Seu traço, sensivelmente realista, o predomínio e a contraposição do preto e do branco e suas nuanças nos conduzem aos mesmos contrastes que suas gravuras instigam, passando do lírico ao dramático, da luz à sombra, do dia à noite, da vida à morte... Ou então, celebrar o seu nome como “o mestre da gravura”, nesta exposição que o Centro Cultural Correios apresenta. “Goeldi – o encantador das sombras” reúne um painel apaixonante e comovente da obra desse artista carioca de grande expressividade nacional e internacional, admirado e respeitado por intelectuais, incompreendido por tantos e tão íntimo da alma de excluídos e miseráveis. A exposição – patrocinada pelos Correios – antecipa as homenagens ao cinquentenário de morte de Goeldi, que nasceu e morreu no Rio de Janeiro (31/10/1895–16/2/1961). Durante grande parte de sua vida, nos seus pouco mais de 65 anos, dedicou-se intensa e incansavelmente à sua arte com uma produção rica em referências à cidade natal e aos humilhados e menos favorecidos socialmente. A mostra prestigia o público com um especial momento de conhecimento. São gravuras, desenhos, vídeos, objetos pessoais e raro material iconográfico e documental, pertencentes aos acervos da Associação Artística Cultural Oswaldo Goeldi, de instituições públicas e coleções particulares, parte inédita do grande público e restaurada especialmente para a mostra, compondo a mais ampla e completa exposição sobre o artista no Rio de Janeiro. Um importante legado, autogravado por esse ilustre brasileiro na história da cultura e da arte contemporânea. Confira! Centro Cultural Correios


As imagens que produzia não eram de grandes dimensões, mas a monumentalidade de seu espírito não é encontrada no tamanho metrificado. Newton Cavalcante

Sem título, c.1960 xilogravura para o romance de Gustavo Corção, 18 x 14,5 cm - coleção particular

O ENCANTADOR DAS SOMBRAS

poucos vai repaginando a história desta exposição pela primeira vez com este enfoque.

Simples, soturnos e solitários, em toda a obra de Oswaldo Goeldi Em sua cidade natal – o Rio de Janeiro, palco de suas maiores encontramos personagens assim descritos. inspirações, trago-o de volta à cidade maravilhosa. Perfis tão paralelos, porém tão divergentes, fazendo parte de Segui os passos do artista, procurando entender suas motivações cenários fantasmagóricos e repletos de melancolia. e delineando o campo profissional em que atuou, abandonei Sombras, ondas e o vento... algumas interpretações recorrentes, buscando novas fontes e valorizando manuscritos e livros ilustrados com suas gravuras e – Por favor, segurem os chapéus!... desenhos. E, ao olhar o horizonte, vejo um lindo céu vermelho, que me faz Procurei entre tantas obras ilustradas, algumas presentes nesta pensar como é belo andar na rua molhada depois da chuva. mostra, uma que estivesse mais próxima de seus admiradores. Às vezes me deparo com casarios antigos e reparo nas mulheres Nesta busca, presto homenagem a obra Goeldi de Aníbal Machado, exuberantes e malvestidas debruçadas nas janelas... da Coleção Artistas Brasileiros, de que foram impressos nove mil e Poesia pura, briga de rua e num beco obscuro, ouço ao fundo um seiscentos exemplares, pela Imprensa Nacional em 1955. lindo noturno. Trazemos a público gravuras e desenhos ali constantes. Goeldi, errante da madrugada, admirador do mar, peixes e pescadores, possuía poucos amigos, companheiros e cavaleiros, Há que observar e distinguir o Goeldi desenhista e o Goeldi gravador. Seus desenhos a lápis, a pena, a pincel ou a nanquim, desbravadores de sonhos, mares e estradas. aguada e carvão seriam talvez projetos prévios para os cortes e Vivia seu cotidiano insano e melancólico mesmo acreditando em vincos na madeira? contos de fadas, como certa vez afirmou. Seus desenhos e suas gravuras compõem o romance gráfico. A arte foi seu grande refúgio, tirou a luz das sombras e deu Muito embora Goeldi não tenha adotado um realismo direto, foi sombras à luz, ilustrando poemas e novelas, criando cenários de sempre fiel à arte figurativa, extraindo da paisagem a atmosfera sua intimidade mais sincera, realizando uma síntese de arte e dramática, retratando a condição humana. literatura. Aqui descortinamos parte dos mundos de Goeldi, algumas formas Sua arte como sua fonte de vida, luz de um beco escuro e lua entre entalhes, traços e linhas, juntando sua biografia analítica sobre o mar azul. Do contraste entre o vinco branco e o suporte e sua obra sintética em caminho feito por tacos da madeira renascidos em suas mãos. negro ele extraiu o legítimo sentido da gravura. Lani Goeldi Oswaldo Goeldi, o encantador das sombras, transcende o tempo, aos


O GRANDE GRAVADOR Goeldi, expressionista, descendente (ou irmão) de Alfred Kubin. Preocupado com o mistério do mundo, com o significado do ser e do existir, ia buscando na paisagem os pequenos segredos da existência, segredos que desvendava à custa de lágrimas e suor, à custa de um trabalho árduo, mais que cotidiano, um trabalho de todas as horas, com o sol e (principalmente) com a noite. Com a goiva abria os sulcos da vida; com incisões firmes, traçava os caminhos da luz, essa luz terrivelmente forte a recortar os perfis dos homens magros, dos trabalhadores do mar e dos animais abandonados. Dava à madeira uma função nova, criava-lhe a seiva perdida, fazia-a participar de novo da vida esvaída há tempos. A madeira lisa se transformava num mundo fantástico, de peixes, homens, animais, casas; Goeldi, o artista, derramava a sua alma, como um raio e como tinta. Mesmo a Morte vem iluminada entre corvos e galhos de árvores secadas. Este mundo fantástico surrealista, que Goeldi criou, mostra, antes de tudo, a alma generosa do homem, este que soube compreender os homens, que soube misturar-se com eles, bebendo a dor e as alegrias simples; soube dar a mão aos bêbados perdidos na chuva e soube cantar ou chorar com as criancinhas, aquelas dos bairros pobres, aquelas que buscavam canal para a sua expressão própria, na Escolinha, aquelas que se perdiam no lamaçal, catando restos para matar a fome. Goeldi, transpôs, como nenhum outro o soube, todas estas experiências para os planos da arte e a purificou a um tal grau que acabou lhe garantindo a eternidade. Goeldi construiu o fantástico.

Sem título, s/d

nanquim e aguada sobre papel - 35 x 23 cm - coleção Orandi Momesso

Mas a essa fantasia, aliava-se uma exigência objetiva de artesão, que talhava a madeira com extremo rigor, para tornar realidade e comunicação as suas experiências profundas. A par de suas experiências humanas, foi descobrindo no trabalho artesanal, novas possibilidades de expressão dentro do gênero. Experiências que aos poucos foram dando à sua gravura maior comunicação e impacto. A técnica se enriqueceu vagarosamente não foi por acaso que começou a usar as cores. E usou-as, não para efeito decorativo, como tradicionalmente é empregada, mas como elemento expressivo, integrado à composição. Ele próprio disse: Não fiz da gravura uma forma mecânica; ainda tenho esperanças, faço descobertas e gravo com a mesma satisfação de há 40 anos. Ferreira Gullar Peixaria, s/d

nanquim - 17 x 22 cm - coleção João Crispum Ferraz

Texto de apresentação de Ferreira Gullar para o livro Goeldi, de José Maria dos Reis Junior, publicação da Civilização Brasileira, Coleção Panorama das Artes Plásticas, Rio de Janeiro, 1966. [Texto publicado no Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 1966.]

Vendaval, s/d

nanquim e aquarela sobre papel - 22 x 30 cm - coleção Orandi Momesso


Rua, s/d

xilogravura (prova do artista) - 21 x 25 cm - coleção Orandi Momesso

Mar Calmo, s/d

xilogravura, 7/12 - 20 x 27 cm - coleção Simão Abrahão dos Santos


Luz noturna, 1960

xilogravura - 20 x 14 cm - coleção particular

O ladrão, s/d

xilogravura, 224/400 - 21,5 x 17 cm - coleção Simão Abrahão dos Santos


Despedida, s/d

xilogravura - 20 x 32 cm - coleção Orandi Momesso

Chuva, 1957

xilogravura - 22 x 29,5 cm - coleção Dr. Luiz Antonio de Almeida Braga


Eclipse, s/d

xilogravura - 20,5 x 27 cm - coleção Simao Abrahão dos Santos

Pescadores, s/d

xilogravura - 21 x 26,5 cm - coleção João Crispum Ferraz


Sem título, c.1960

xilogravura para romance de Gustavo Corção- 19,5 x 14 cm - coleção particular

Peixaria, s/d

xilogravura - 25,5 x 30 cm - coleção particular

Sem título, c.1960

xilogravura para romance de Gustavo Corção - 19 x 14,5 cm - coleção particular

Sem título, s/d

xilogravura - 17 x 12 cm - coleção particular

Homem de chapéu, c.1960

xilogravura - 18 x 11,5 cm - coleção particular

Sem título, c.1960

xilogravura para romance de Gustavo Corção - 19 x 14 cm - coleção particular


Sem título, c.1960

xilogravura para romance de Gustavo Corção - 19 x 14,5 cm - coleção particular

Cavaleiro, s/d

xilogravura - 35 x 42 cm - coleção particular

Sem título, c.1960

xilogravura para romance de Gustavo Corção - 17,5 x 12 cm - coleção particular

Rato, s/d

xilogravura - 18 x 12 cm - coleção particular

Mendigo, s/d

xilogravura - 35,5 x 33,5 cm - coleção particular

Ventania, s/d

xilogravura - 35,5 x 33,5 cm - coleção particular


Sem título, c.1960

xilogravura para romance de Gustavo Corção - 19 x 14 cm - coleção particular

Três homens e uma mulher, s/d

xilogravura - 19,5 x 12,5 cm - coleção particular

Mesa, s/d

xilogravura - 18 x 12 cm - coleção particular

Homem de cartola, s/d

xilogravura - 18 x 12 cm - coleção particular


O homem e doente, s/d

xilogravura - 12,5 x 18 cm - coleção particular

Portão, s/d

xilogravura - 13 x 18 cm - coleção particular

Bacia de sangue, s/d

xilografia - 20 x 34,5 cm - coleção particular

Pescadores, s/d

xilogravura - 26,5 x 29,5 cm - coleção particular

Sem título, s/d

xilogravura - 14,5 x 15 cm - coleção particular

Estrada, s/d

xilogravura - 27,5 x 41 cm - coleção particular

Gatos, s/d

xilogravura - 44,5 x 49,5 cm - coleção particular


ao exercício desta antiga arte, a pedido de Álvaro Moreyra (1888-1964), conhecido diretor da revista Paratodos, realiza ilustrações para o periódico “O Malho”. A longa trajetória de ilustrador lhe permitiu atingir um nível de comunicação mais amplo com o público. 1926 1895

1901

1914

1916

1917

Nascido no Rio de Janeiro, parte com a família para Belém do Pará onde permanece até os seis anos. Seu pai, o eminente naturalista Emílio Goeldi desempenhou papel importante na formação dos estudos científicos sobre a fauna e a flora amazônicas. Esta infância embalada à sombra da exuberância do mundo tropical marcará sua atividade de ilustrador.

evento que lhe propiciou o primeiro e definitivo contato com a obra de Alfred Kubin (1877-1959), que, a partir de 1911, participara com Franz Marc e Wassily Kandinsky de uma exposição que circulou pela Europa – “O Cavaleiro Azul” (Der Blaue Reiter). 1920

O período amazônico se encerra com a viagem da família para a Suíça. Goeldi realizará os estudos básicos e secundários na Europa. Ainda adolescente começa a desenhar, porém, apenas depois da morte do pai, em 1917, abandonará os estudos de engenharia na Escola Politécnica (Academiae Technicae Helvetiae), de Zurique, e passará a se dedicar integralmente à arte. Durante a Primeira Guerra Mundial, Goeldi é enviado como sentinela à fronteira da Suíça com a Áustria. Neste período mundialmente conturbado, Goeldi ainda era um estudante de engenharia na Escola Politécnica de Zurique. Vigiando um distante posto suíço, estabelece comunicação com um soldado austríaco, Martin Wenger, que viria a se casar com sua irmã. Ao se mudar para o Brasil, a convite do próprio Goeldi, Wenger se tornaria um rival influenciando negativamente a própria família. Ingressa na Escola de Artes e Ofícios (École des Arts et Métiers de Genève), em Genebra. Decepcionado, desliga-se dessa escola e dedicase ao trabalho de ateliê com dois pintores, Serge Pahnke (1875-1950) e Henri van Muyden (1860-1936). Permanece um tempo curtíssimo sob a tutela dos dois artistas e resolve continuar seu trabalho artístico isoladamente, sempre desenhando muito, seguindo sua necessidade interior. Depois da morte do seu pai abandona definitivamente os estudos de engenharia. Realiza sua primeira exposição, na Galeria Wyss, em Berna,

1922

1924

Goeldi retorna ao Brasil, pois, após a morte do patriarca Emílio Goeldi, a família não consegue recursos para mantê-lo na Europa. Inicialmente trabalha no Banco de Londres (London and River Plate Bank), como escriturário bancário. Inicia neste ano, humildemente, os primeiros trabalhos para a revista Paratodos, além das páginas dominicais do jornal A Manhã. Dedica-se então, exclusivamente, à ilustração de periódicos e livros, fazendo desta atividade um meio de subsistência. A volta ao Brasil gerou muitos conflitos tanto na esfera familiar quanto na crítica de arte, a qual não aprovou sua linguagem despojada. Depois da primeira exposição no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro, recebeu o descaso da crítica à sua obra, fato que o abalou profundamente. As raízes estéticas estavam, em definitivo, vinculadas às fantásticas obras do grupo expressionista alemão e, naquele momento, o que predominava no Rio de Janeiro eram as manifestações artísticas centradas na Academia Imperial de BelasArtes, com influências marcadamente neoclássicas. Depois de uma dramática decisão familiar, Goeldi é enviado à Europa, sem destino, a bordo de um vapor de terceira classe, o Valdívia. No dia 25 de setembro, recebe uma mensagem transatlântica da poetisa Beatrix Reynal, amiga das rodas literárias no Rio de Janeiro. Ao chegar a Dacar, recebe o dinheiro para retornar ao Brasil e, daí em diante, passará a morar com o casal que adotará como amigos de toda uma vida. Inicia-se na arte da gravação em madeira, por influência do amigo Ricardo Bampi, gravador que o introduz no conhecimento das goivas, madeiras e técnicas de impressão da xilogravura. Paralelamente

1930

Grandes amigos de juventude, Goeldi enviou, durante vários anos, cartas e provas de gravuras ao amigo. Esta, que era a maior coleção do artista fora do país, foi adquirida por um brasileiro que a trouxe recentemente para o seu verdadeiro lar, o Rio de Janeiro. Preparandose para realizar uma visita a Alfred Kubin, escreve a Hermann Kümmerly, antecipando os temas do esperado encontro: “Se tudo der certo vou embarcar, no dia 15 de abril, num transatlântico enorme (Cap Ancona) que vai me deixar na sua vizinhança. Vou poder te levar várias notícias dos jornais nacionais.”

1931

A visita a Hermann Kümmerly, na propriedade de Muri, afastou-o das discussões sobre o modernismo no Rio de Janeiro, lançadas no Salão Revolucionário de 1931 por Lúcio Costa e Manuel Bandeira. No ano seguinte, Henrique Pongetti escreve uma crônica em Bazar, a 7 de outubro, a respeito do salão concebido por Lúcio Costa:

Exacerbado o conflito com o acanhado panorama artístico carioca, Goeldi, num distante 4 de agosto, sentindo-se em “pleno abandono”, resolveu enviar a Alfred Kubin um pedido de aprovação à sua obra. Caro senhor Kubin, queira ter a bondade de olhar os meus desenhos. [...] A forte influência que o senhor exerce sobre mim, sem dúvida, se nota logo. [...] Num momento crítico da minha vida foi o senhor que me deu forças. O artista austríaco respondeu demonstrando entusiasmo e, sentindose uma espécie de vizinho e parente na “estrutura primária da personalidade”, qualificou os trabalhos de tecnicamente magistrais.

1928

1929

Em trecho do artigo “O Brasil que insiste em pintar”, do jornal paulista A Província, datado de 13 de setembro de 1928, o poeta Manuel Bandeira nos dá alguns esclarecimentos sobre a produção artística da época. Os antigos salões da Escola de Belas Artes, atual Museu Nacional de Belas Artes, se recobriam de telas selecionadas de maneira tolerante, que, apesar da participação oficial, não eram adquiridas posteriormente. O texto nos diz da má qualidade das obras, que Manuel Bandeira chama de “monótono realismo anedótico, sem emoção ou poesia”. Neste ano Goeldi recebe o convite para ilustrar “Canaã”, de Graça Aranha, considerada a primeira obra moderna da literatura brasileira. O romance denuncia as extorsões praticadas pelos poderosos, os preconceitos e o racismo da sociedade brasileira. Viaja a São Paulo onde são publicados dois artigos extremamente positivos sobre sua obra, um de Mário de Andrade e outro de Geraldo Ferraz. Goeldi trabalhou durante um ano, lixando e polindo madeiras para imprimir artesanalmente o álbum 10 xilogravuras em madeira. Consegue com a venda dinheiro suficiente para realizar o sonho de conhecer o artista austríaco. Ainda neste ano realiza algumas xilos para “O Mangue”, de Benjamin Costallat, livro que não chegou a ser publicado.

O Salão de 1931 foi o último clarinar das forças revolucionárias na trincheira conquistada pelo Sr. Washington Luís. [...] Como amostra da situação em que estamos em face das artes plásticas contemporâneas, o primeiro Salão revolucionário foi também o primeiro Salão digno de ser levado a sério em todo o nosso passado artístico. 1932

Este período é de grande produtividade e experimentação. Goeldi dedica-se com profundidade à construção da sua conquista técnica e continua ilustrando jornais e revistas como meio de subsistência. A gravura Bahiana é uma experiência de Goeldi, datada de 1932, aproximadamente. Através da utilização de tinta à base de água, numa impressão em duas cores e estudo das figuras em guache preto, o artista inicia aqui o que seria uma marca registrada do seu processo de gravador, a cópia trabalhada com um caráter de impressão sensível e irreprodutível.

1935

Cada vez mais é convidado a ilustrar álbuns e livros. Neste ano produziu várias xilos para o álbum de Heckel Tavares (1896-1969), que compôs sua primeira música, uma suite sinfônica em quadros. O álbum foi editado com recursos próprios do autor. – “André de Leão e o Demônio de Cabelo Encarnado”, poema sinfônico baseado no poema de Cassiano Ricardo (1895-1974), lançado com libreto ilustrado pelo gravador. Nessa época o músico continuava inspirando-


se na música regional e produzindo no gênero erudito e editava suas obras por conta própria. Goeldi participou ativamente do projeto de Heckel Tavares, realizando as ilustrações e as vinhetas para o álbum. O gravador interessava-se mais e mais pela literatura modernista o que o levaria a produzir trabalhos voltados para os temas das lendas e mitos brasileiros. 1937

1938

O livro Cobra Norato de Raul Bopp (1898-1984), com impressão semiartesanal, é uma publicação de apenas 150 exemplares numerados com xilogravuras em cores. Raul Bopp retoma o tema do “brasilianismo” e das lendas amazônicas. O livro vem a público em 27 de agosto de 1937, em edição coordenada pelo próprio artista. O autor encontra em Goeldi um ilustrador competente, interessado em passar ao leitor a poética do texto. É nessa época, depois de várias tentativas iniciadas em 1932, que Goeldi sistematiza a utilização de cores nas gravuras. Em carta a Kubin, datada de 24 de dezembro, Goeldi escreve: “Também aqui os movimentos estão se fazendo valer, e a gente se sente forçada a tomar posição a respeito.” O clima de tensão também exigia posicionamento diante do acirramento da II Guerra Mundial. Beatrix Reynal se envolve diretamente no movimento da Resistência no Brasil, dilapidando seu patrimônio para ajudar os franceses na luta contra os nazistas. Goeldi participa do II Salão de Maio, em São Paulo, e expõe, pela primeira vez, obras surrealistas e abstratas, ao lado de artistas brasileiros como Volpi, Di Cavalcanti, Guignard, Cícero Dias, Flávio de Carvalho, Tarsila do Amaral e Victor Brecheret.

1941

É chamado por José Olympio para ilustrar os livros de Dostoiévski: “Recordações da casa dos mortos”, “O idiota e Humilhados e Ofendidos”. A produção das gravuras levará mais de dois anos de trabalhos diários. Múcio Leão solicita a Goeldi as ilustrações das páginas dominicais do suplemento literário Autores e Livros de “A Manhã”. No mesmo período dedica-se a ilustrar uma série sobre a guerra – As luzes se apagam, agitam-se os monstros. A II Guerra Mundial o obriga a buscar refúgio na Bahia, pois nesse momento ocorriam perseguições aos alemães radicados no Brasil. Entre os anos de 1941 a 1944 sua obra percorre os Estados Unidos da América, integrando uma exposição itinerante da International Business Machine Corporation.

1942 Sua gravura, nesta época, já havia incorporado definitivamente a temática dos pescadores e da natureza, no entanto, os horrores da guerra, a violência e a morte inútil ainda acompanhavam as visões recriadas por sua sensibilidade. Totalmente adaptado à vida dos trópicos, seu trabalho como ilustrador no jornal “A Manhã” participava de uma linha editorial arrojada, coordenada por Múcio Leão. Goeldi dedicava grande parte do seu tempo a ilustrar jornais, livros e revistas além da quantidade de desenhos a carvão e nanquim que produzia incansavelmente no período. O reconhecimento de seus trabalhos não parava de crescer.

crítica de arte. Goeldi participa de várias exposições internacionais entre 1950 e 1960. São vários os países que recebem exposições das suas gravuras e desenhos. Itália, Paris, Suíça, Uruguai, Equador, Argentina, Alemanha e Áustria, estão entre os principais. Como confirmação da sua importância, recebe Medalha de Ouro no II Salão Baiano de Belas Artes em Salvador. 1961 1951

1944 São deste ano a série de xilogravuras “Balada da Morte”, publicadas na revista Clima, editada em São Paulo. Os desenhos e as gravuras sobre a morte o tornam símbolo da consciência moderna desgarrada, afogada em angústia.

O seu esforço é totalmente distinguido pelo maior prêmio de gravura na I Bienal Internacional do Museu de Arte Moderna de São Paulo. Após vários anos de dedicação exclusiva à sua arte, a crítica finalmente reconhece o valor inovador dos seus trabalhos e o agracia com este importantíssimo prêmio.

1952

Neste mesmo período, produz diversas ilustrações para o livro de Manuel Villegas Lopes, “Carlitos”. Realiza exposição individual no Instituto dos Arquitetos do Brasil e participa de uma coletiva em Belo Horizonte. A José Olympio publica, com ilustrações suas, “Humilhados e Ofendidos” de Dostoiévski. Rachel de Queiroz, num elogio emocionado, afirma que apenas Goeldi poderia dar aos textos do autor russo a sua verdadeira tessitura dramática.

Na década de 1950, participa de várias bienais internacionais; em Veneza integra as bienais de 1950, 1952, 1956 e 1958. Neste ano de 1952, o artista é convidado a expor seus trabalhos em Paris, na Associação Artística e Literária; participa de uma Bienal Internacional de xilogravura em Tóquio e expõe em Santiago do Chile. Torna-se professor de xilogravura na Escolinha de Arte do Brasil, uma iniciativa inovadora de Augusto Rodrigues.

1953

Participa da II Bienal de São Paulo, com sala especial destinada para seus trabalhos. Nos anos seguintes, com o crescente interesse por sua obra, Goeldi passa a trabalhar em formatos maiores, encomendando madeiras tropicais de extrema resistência e dureza, como é a peroba-rosa. Suas gravuras atingem um nível expressivo e técnico inquestionável. Ele dava preferência a madeiras resistentes, de superfície uniforme extraindo delas um preto denso e aveludado. Os contrastes da impressão eram sempre conseguidos pela manipulação do uso da colher de impressão. O artista expõe seguidamente no exterior, seja individualmente ou em coletivas.

1960

Recebe o I Prêmio Internacional de Gravura na II Bienal Interamericana do México, no Palácio de Belas Artes da Cidade do México. Este prêmio, ainda que tardio, o deixou extremamente feliz pois chegou quando o artista já estava gravemente doente e, mais ainda, porque veio de um país onde a xilogravura tem grande importância cultural e política. A gravura mexicana é famosa por seu vínculo com o povo e suas lutas por liberdade e cidadania.

1945 Ilustra o romance de Dostoiévski – Recordações da casa dos mortos –, com xilogravuras feitas em pau-marfim. Ainda neste mesmo ano, grava as madeiras que ilustrarão “Martim Cererê - O Brasil dos Meninos, dos Poetas e dos Heróis”, de Cassiano Ricardo, em edição da Empresa A Noite. Goeldi continua sua colaboração como ilustrador do suplemento dominical Letras e Artes do jornal A Manhã. A escolha de Goeldi por José Olympio é coerente politicamente e reflete a vinculação do editor e do artista com o pensamento que envolve um claro posicionamento de luta contra o fascismo. 1949 Em 22 de junho, Goeldi redige uma rápida autobiografia narrando de modo muito particular o seu ponto de vista sobre a arte que para ele significava sacrifício, disciplina e dedicação constantes. Esta sua frase expressa sua visão: “Nunca sacrifiquei a qualquer modismo o meu próprio eu – caminhada dura, mas a única, que vale todos os sacrifícios.” 1950 Sua evolução artística atinge um reconhecimento cada vez maior da

Grava duas xilogravuras para o livro Poranduba amazonense, de João Barbosa Rodrigues (1842-1909), projeto que permanece inacabado. Este último grande projeto já o encontrou extremamente fragilizado, sem forças para dar continuidade ao trabalho de toda sua vida – a xilogravura. No dia 15 de fevereiro, numa quarta-feira de cinzas, morre Goeldi, no acanhado e pequeno ateliê que alugava no Leblon, na Rua Dom Pedrito. “Como um legítimo herdeiro do romantismo alemão, Goeldi tinha o amor pelo mistério da noite, pelas ruas humildes, pelas casas velhas, pelos namorados tristes, pela tragédia da morte”. (Texto de Antônio Bento, extraído do catálogo da exposição Oswaldo Goeldi, no MAM/RJ, maio, 1961).

Última foto do artista feita por Leonardo Fróes.


De uma cidade vulturina vieste a nós, trazendo o ar de suas avenidas de assombro onde vagabundos peixes esqueletos rodopiam ou se postam em frente a casas inabitáveis, mas entupidas de tua coleção de segredos, Goeldi: pesquisador da noite moral sob a noite física. Ainda não desembarcaste de todo e não desembarcarás nunca. Exílio e memória porejam das madeiras em que inflexivelmente penetras para extrair o vitríolo das criaturas condenadas ao mundo. És metade sombra ou todo sombra? Tuas relações com a luz como se tecem? Amarias talvez, preto no preto, fixar um novo sol, noturno; e denuncias as diferentes espécies de treva em que os objetos se elaboram: a treva do entardecer e a da manhã, a erosão do tempo no silêncio; a irrealidade do real.

21 de julho de 2010 a 05 de setembro de 2010 de terça-feira a domingo, das 12h às 19h

Estás sempre inspecionando as nuvens e a direção dos ciclones. Céu nublado, chuva incessante, atmosfera de chumbo são elementos de teu reino onde a morte de guarda-chuva comanda poças de solidão, entre urubus.

Não sinistra mas violenta e meiga, destas cores compõem-se a rosa em teu louvor.

Carlos Drummond de Andrade Homenagem A Goeldi – a vida passada a limpo (1958) publicada no Jornal Macunaíma, n.4 – Rio de Janeiro, agosto de 1961 – ano I.

Centro Cultural Correios Rua Visconde de Itaboraí, 20 Centro Rio de Janeiro 20010-976 Tel.: 2253.1580 DISTRIBUIÇÃO GRATUITA COMERCIALIZAÇÃO PROIBIDA Detalhe em seu ateliêno leblon na década de 60.

Tão solitário, Goeldi! mas pressinto na Glauco reflexo furtivo que lambe a canoa de teu pescador e na tarja sanguínea a irromper, escândalo, de teus negrumes uma dádiva de ti à vida.

Entrada Franca

Ficha Técnica Curadoria: Lani Goeldi Projeto e Coordenação: Anderson Eleotério Assistente de Produção: Izabel Ferreira Assistente de Curadoria: Paulo Leonel Gomes Vergolino Programação Visual: Leo Teixeira, Leobug.com Projeto Expográfico: Anderson Eleotério Assessoria de Imprensa: Raquel Silva Pesquisa: Noemi Ribeiro Museologia: Thereza Kuhnert Cenografia Atelier: Elisio José de Souza Pereira Video 1: “Depoimentos” Concepção: Anderson Eleotério, Edição: Allan Ribeiro Video 2: “O Guarda Chuva Vermelho” – Lygia Pape Fotos Cronologia: Leonardo Fróes - Coleção Beatrix Reynal e Jacqueline Zalka Fotos Arquivos: Noemi Ribeiro Educativo: Bernardo Domingos de Almeida Monitores: Gabriela Noujaim, Fabiana Arruda, Karla Cristina Gomes, Taína Basílio de Barros Iluminação: Antonio Mendel Revisão de Texto: Rosalina Gouveia Produção Gráfica: Raquel Silva Seguro: Ace Seguros – Pro Affinite Molduras: Isonete Porto Molduras Transporte: Art Quality Estagiários: Maria Amorim e Américo Oliveira Cabral Produção Executiva: ADUPLA Produção Cultural Ltda. ADUPLA.net Realização: Centro Cultural Correios Patrocínio: Correios Catálogo Organização: Anderson Eleotério e Izabel Ferreira Textos: Lani Goeldi, Ferreira Gullar, Carlos Drummond de Andrade e Newton Cavalcante Design e Diagramação: Leo Teixeira, Leobug.com Revisão e Padronização: Rosalina Gouveia Produção Gráfica: Raquel Silva Produção Executiva: ADUPLA.net Agradecimentos Academia Brasileira de Letras, Adir Botelho, Anna Letycia, Darel Valença Lins, Fabio e Melina Eleres, Ferreira Gullar, Guido Paloma, Jane Ritter, João Crispum Ferraz, Luiz Antonio de Almeida Braga, Marcelle Pithon, Mauricio Fleury Buck, Museu de Arte Moderna de São Paulo, Mônica Xéxeo – MNBA, Museu Nacional de Belas Ar tes / IBRAM / MinC, Orandi Momesso, Paula Pape, Rubem Grilo, Simão Abrahão dos Santos, Tereza Miranda.


Realização

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Patrocínio


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