RelevO - Outubro de 2010

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Paraná | Outubro de 2010 | Edição 02

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Editorial “Em literatura, o meio mais seguro de ter razão é estar morto” Victor Hugo É quase um atestado de incredulidade promover a periodicidade de um jornal impresso em tempos atuais tão céleres. A cada dia surgem novas plataformas de comunicação, mais dinâmicas, mais coerentes com o impacto e predominância da internet, e a informação, antes detida por um grupo restrito, hoje transmuta em novos formatos, instantânea – também rarefeita. E toda semana surgem oráculos prevendo o fim do impresso. Não podemos negar que os jornais impressos, no formato como o que conhecemos, estão encolhendo, seus leitores convencionais estão morrendo ou se informando através de outros meios, e seu papel, em muitos casos, já sai da gráfica naturalmente obsoleto. A discussão também passa pela adequação. Nenhum meio de comunicação soterra outro. É imprescindível reconhecer que o impresso ainda possui importância quando não se propõe a correr contra o tempo, quando se permite uma análise mais fria e embasada, quando procura outras abordagens e percorre caminhos mais amplos, quando sugere ao leitor um outro tipo de abordagem e proposta. O Relevo, por não se tratar de um veículo noticioso, pretende entregar ao leitor um pouco do que está sendo produzido em literatura contemporânea, promover novos autores, abrir espaço aos cronistas sem jornal, aos cronistas que cada vez menos detém espaço nas linhas editoriais modernas – quando a literatura é cada vez mais considerada um item supérfluo em uma sociedade cada vez mais acelerada. Uma boa leitura a todos.

Cola

Paraná, Outubro de 2010

boradores Rogério Pereira Sandi Bart – Formado em Letras Português / Inglês, redator, publica seus textos no endereço www.umpontoeoutrapalavra.blogspot.com

Sofia Ricciardi Cursa 2° período de Jornalismo na Universidade Positivo. Colabora com o Lona, periódico impresso da UP e escreve para a revista digital A Barca. Publica suas crônicas no endereço sofisticada.wordpress.com Marcos Monteiro Cursa 2° período de Jornalismo na Universidade Positivo. Colabora com o Lona e publica suas fotografias no endereço flickr.com/marcos_fe e textos no endereço disfim.wordpress.com Daniel Zanella Cursa 2° período de Jornalismo na UP, colabora com alguns impressos e sites da região metropolitana de Curitiba e integra algumas coletâneas de crônicas por editoras independentes. Também colabora com o Lona e publica suas crônicas no endereço www.letrasnumcanto.com.br Jéssica Carvalho Cursa 4° período de Jornalismo na Universidade Positivo. Colabora com o Lona e escreve sobre cinema para o blog da Rádio Mix Curitiba. Publica suas crônicas no endereço www.tudoalheio.blogspot.com Marcelo Aglio Cursa 6º período de Letras no Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio (CEUNSP) em Itu. Publica suas crônicas e poesias no endereço www.merostolos.blogspot.com Erik Nascimento Artista plástico, estudante de Belas Artes na

CENTRO EDUCACIONAL

EMBAP. Contato: eriknascimentoarts@gmail.com Victor Amaral Cursa 4° ano de jornalismo na UP e fotografa para o jornal “O Popular do Paraná” Daniel Silveira Músico e escritor, cursa 3° ano de ensino médio no Ponto de Ensino, em São Paulo. Publica no endereço http:// danielcst.blogspot.com Manolo Ramires Cronista, formado em jornalismo na UP. Publica nos endereços bloginparana.wordpress.com e nabocadocavalo.blogspot.com Eder Alex Professor de Comunicação e Expressão de Textos da FACEAR, publica sobre cinema, literatura, quadrinhos, crônicas e contos no endereço www.devaneiosdocotidiano.zip.net Daniel Castro Cursa 4° período de Jornalismo na UP, onde compõe a equipe de editores do Jornal Laboratório da Notícia (LONA). Diego Silva Cursa 6° período de Jornalismo na UP, e também compõe a equipe de editores do Jornal Laboratório da Notícia (LONA). Fotografia, cinema, editoração de revistas e jornais são alguns de seus “passatempos”. Nathalia Cavalcante Cursa 6° período de Jornalismo na UP, e é integrante feminina da equipe de editores do LONA. Escreve sobre cinema no seu blog cineticamentefalando.blogspot.com O Relevo não se responsabiliza pelo conteúdo publicado de seus autores.

www. exato al. n o i c a c u ed com.br

Relevo

“O caso de Zizinho mostra o seguinte: o tempo é uma convenção que não existe nem para o craque, nem para a mulher bonita. Existe para o perna de pau e para o bucho. Na intimidade da alcova, ninguém lembraria de pedir à Cleópatra uma certidão de nascimento. Do mesmo modo, que importa a nós Zizinho tenha dezessete ou trezentos anos, se ele decide as partidas? Se a bola o reconhece e o prefere? No jogo Brasil X Paraguai, ele ganhou a partida antes de aparecer, antes de molhar a camisa, pelo altofalante, no intervalo. Em último caso, poderá jogar de casa, pelo telefone.” Nelson Rodrigues

Expediente Edição: Daniel Zanella Revisão: Sandi Bart Diagramação: Daniel Castro, Diego Silva e Nathalia Cavalcante Impressão: Gráfica Helvética Tiragem: 2000 Edição finalizada em 22 de setembro, 19h. Contato www.twitter.com/jornalrelevo Envie suas crônicas, críticas e sugestões para danielaugustozanella@hotmail.com O Relevo não se responsabiliza pelo conteúdo publicado de seus autores.

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Para Escrever uma crônica

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Daniel Zanella Para escrever uma crônica. É preciso, primeiramente, estancar a veia salutar do cotidiano, parar a máquina de interpretações que absorve os dias e desperdiça papel, iluminar as pequenas estrelas dos hábitos mais mundanos, perceber que os melhores olhos são estrangeiros. Afinal, o que é a confusão do mundo diante da camiseta vermelha da moça

da floricultura, com um furinho no ombro? Para escrever uma crônica. É preciso não ter medo de escrever. Esquecer os pais, os irmãos, as companheiras, os amigos, os contadores, os atendentes dos bancos, os donos dos jornais, o que os outros irão dizer, e escrever, escrever a letra mais amorosa, constrangedora, autêntica, necessária e sincera. Lembrar de todos eles. Para escrever uma crônica. É preciso não se levar a sério, rir do que mais causa vergonha e repugnância, chorar quando se quer chorar, procurar a casa onde as palavras mais puras moram e dizer, no tom que julgar apropriado, toda a saudade que mata, pois muitas coisas matam, amor demais mata, tristeza mata, fome mata, desejar a cronista mata, as dívidas matam — aos poucos — e a melancolia do carteiro que entrega os malotes todas as manhãs aqui em casa também mata. Para escrever uma crônica. É preciso acreditar que nunca faltará assunto. Os dramas alheios são nossos, o aumento da inflação é nossa culpa, os amantes somos nós, o frio é mais frio quando relatamos seis linhas de inverno, a morte é mais morte quando tentamos capturar o indizível. Ser fra-

co, não ter verdade, amar, apaixonar e odiar com toda a intensidade. Para escrever uma crônica. É preciso gostar de poesia e nunca escrever poesia. É preciso se encantar com a música das palavras, com o rumo de nossos humores, ler o canto dos animais quando o dia nasce, tentar aplainar o sofrimento de quem sofre, dividir a amargura, as ironias, a preguiça. Para escrever uma crônica. É preciso beber sempre. Nunca confiar em quem não bebe, sempre reescrever o passado, mentir com tanta sinceridade que nem lembraremos quem somos antes e depois, sonhar os copos mais fundos, tentar alcançar o esplendor das estrelas quando a noite cai. Escrever sobre o nada, observar o rio quando o rio não faz nada, fazer do nada a faísca que cria a substância, com essa faísca iluminar o quarto todo, abraçar o travesseiro da madrugada mais longa, ter no peito sempre uma canção, rememorar o acalanto mais singelo, saber que é preciso seduzir o leitor — nosso confidente, nosso sangue — compartilhar com ele a brevidade do tempo, nossas fúrias e serenidades, se possível, também atenuar um pouco nossos corações em brasa, lava e lama, se alimentar da lama. Para escrever uma crônica.


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Memórias (À minha mãe) Manolo Ramires Marcos Monteiroiro

A neta assiste televisão. São sete e meia da manhã. Ela está despreocupada no sofá. Sua avó desce a escada. Ela está pasma. A neta nem lhe dá bola. Mas a avó se aproxima. - O que você está fazendo aí? - Nada. - E a missa? - Esqueci completamente. O sofá fica vazio. As pantufas são abandonadas. A escada é golpeada rapidamente. Os degraus são tocados suavemente. O armário abre-se. Uma calça jeans, uma camiseta e uma sapatilha são arrancadas das gavetas. O quarto recebe mais um corpo. O pijama é despido. A cama é sentada. As roupas são vestidas. O guarda-chuva é pegado. A escada é novamente utilizada. Aos ponta-pés. Ao balé. E o guardaroupa, no quarto revirado, fica aberto. Um pouco mais tarde, enquanto o carro é deslocado, lembra-se: - Filhinha, você tirou o frango da geladeira? - Era para tirar, vó? - Eu não te avisei? - Será que a Lourdes pode fazer isso? - Você está com o celular aí? - Alô? - Lourdes, querida, você pode tirar o frango para o almoço? - É pra fritar, dona? Na igreja, a missa não

anda. O sono geral toma conta. E começa a chover. O sermão parece para surdos. Mas a chuva bate o ponto de saída. O sol entra no seu turno. É o momento da comunhão. Centenas de preces são entoadas. - Ides em paz e recordes de Deus, Nosso Senhor. De volta à casa, o frango está bem frito, as três mulheres ocupam a mesa e o almoço está servido. Um garfo é tombado sobre o prato. A avó abaixa a cabeça. Ouve-se o choro. - Tudo bem, vovó? - Dona, se lembrou do sermão? - Não, minhas queridas, deixei o guarda-chuva na paróquia.

O sofá fica vazio. As pantufas são abandonadas. A escada é golpeada rapidamente. Os degraus são tocados suavemente. O armário abre-se.


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sentido

Cotidiano

fazem

crônicas

Nem

sempre

Marcelo Aglio Era mais um dia comum em que ele chegava em casa, ao fim de um expediente de trabalho não tão cansativo quanto deveria ser, mas o suficiente pra ele se sentir bem consigo e seguir adiante. Como estava com tempo livre à noite, decidira por entreter-se com alguma coisa ou outra, sem significado. Sem significado tal qual sua vida, seus vícios, suas paixões. Ele — eu, você, nós — estava certo que nada mais fazia sentido. Não sentido no sentido sentimento, mas no sentido sentir. Acordar cedo, ir ao trabalho, ocupar-se lá de algo que lhe fazia útil, tornar à casa (semelhantemente ao bom filho), entreter-se, conversar com alguéns e ir dormir... Tudo tão obsoleto, vazio e oco. Ele procurou de onde viria a culpa: de si próprio ou de outros? Num primeiro momento culpara seus desamores e desafetos; em seguida, culpara-se; por fim, desistiu de procurar e foi dormir. Chorar na cama que é lugar quente.

O sol foi surgindo gradualmente e os meus olhos passaram a se comprimir na mesma medida. Era o peso da luz acordando o meu sono. Observei as cortinas que eram movidas pelo vento que apagava a fumaça saída da tua xícara, e o som uniforme dos grilos foi se esgotando. Me lembrei de como costumava reproduzir esse mesmo som quando o silêncio se instalava, depois de uma das suas perguntas impetuosas. Mas pela manhã a calma impera. Eu me sentia tão esmagada que meus ossos gritavam por socorro, mas apesar de parecer que eu havia corrido uma maratona, a minha dor não havia sido causada pelo esforço físico. Era uma dor prazerosa. Era felicidade, porque eu sobrevivi a mais uma noite com você, fazendo com que pela manhã só restasse a tua voz rouca, vencida pelo cansaço, e duas mãos inquietas que se movimentavam num esforço inútil, tentando explicar o inexplicável. Acho que Wayne Coyne estava com a razão no rádio do táxi que me levou até você pela primeira vez. Cheguei a pensar que todos os poemas, padrões e raças cujo mundo foi tragado pelo mar, de Neil Gaiman, não faziam o menor sentido, porque você deixava o mundo todo azul-celeste quando torcia os lábios, lutando contra o seu melhor sorriso: o que teima em se abrir quando me chama pelo nome. O sol brilhou mais forte e meus olhos se fecharam por alguns segundos. Sua respiração se tornou mais pesada e próxima. Perto de você o planeta é uma pequena ilha. E assim se passou um quarto da manhã.

Victor Amaral

Marcos Monteiroiro


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Relevo Erik Nascimento

café

café café

Café

café

Sofia Ricciardi

Foi só um abraço. Com ele, decidimos ser amigos pra sempre. Decidiu-se também que podia rolar um beijo depois do abraço, mas que ia ser só um beijo, nada mais. Com o beijo, a gente decidiu que o “nada mais” merecia algumas exceções. Foi só um abraço, um beijo, uma noite. Com a noite veio o frio e achamos melhor dormir junto pra ninguém ficar gripado de solidão. Mas a solidão a dois tem cheiro de camisinha e água gelada na madrugada. Tem gosto de café tomado em pé no balcão da cozinha. Solidão a dois começa com um abraço e termina com o sofá na manhã de domingo, com as roupas jogadas perto da janela pra sair o cheiro de cigarro. Estendeu-se a manhã, porque se deu a permissão de estender o abraço, como se estendeu o beijo e estenderam-se todas as outras exceções.


Relevo

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Se Eder Alex

Ela

ligou

bo

O rapaz entra no sebo à procura de um livro qualquer. Não. Na verdade ele não busca livro nenhum, quer apenas passar os olhos pelas lombadas e matar algumas horas. Deseja ter tempo livre para fazer o que gosta, mas quando consegue esse tempo, acaba ficando angustiado, não sabe explicar ao certo por que motivo, mas o fato é que sente alívio quando entra naquele lugar e se depara com o universo organizado em ordem alfabética. Da prateleira logo mais adiante, uma guria retira um livro da Virgínia Woolf e começa a folhear. Ele apanha um Machado de Assis para impressioná-la (tem plena convicção que um dia encontrará o amor da sua vida entre a estante de literatura universal e a de literatura brasileira, ali, perto daquela montoeira absurda de Morris West e Jorge Amado). Mas ela devolve o livro, dá alguns passos para o outro lado e

retira um Danielle Steel e qualquer pretensão de um amor literário ou cinematográfico se desfaz imediatamente. Porra, Danielle Steel? Deixa o quase-amor-dasua-vida para trás e segue para a estante de poesia, lá no fundo. Retira alguns exemplares e lê versos avulsos, sabe que é importante ler para encontrar novas perguntas, mas quando ninguém está olhando ele lê poesia procurando respostas, caminhos ou algo que lhe diga “calma, você não está sozinho”. Dickinson, Drummond, Cabral, dá uma espiada num Whitman, mas é em inglês, devolve. Acha um do Bandeira todo rabiscado. Gosta de livros com anotações, é como se estivesse lendo acompanhado, misturando duas solidões e confundindo tempo/espaço. Vontade de conversar com a pessoa a respeito daquilo tudo. Uma, duas páginas amareladas e o poema fala

dois anos

após a Marcos Monteiro

diretamente com ele, como se o poeta tuberculoso fosse um velho amigo, que soubesse dos seus segredos mais azedos e se dispusesse a dividir aquele fardo. É isso, o livro o escolheu e não o contrário. Vai ao caixa e paga um preço irrisório por um momento de felicidade que é sutil, mas que não raro esbarra no sublime. Quando chega à calçada, a luz do meio-dia cega-lhe por alguns instantes — holofotes avisando da vida real — sente a angústia girar novamente em seu estômago. Coloca o livro debaixo do braço e se mistura à multidão.

partida Eu ainda estou aqui: mordendo caneta, falando besteira e contentando o engano com arco-íris de mangueira. Não mudei (só um pouquinho). E você, que viajou por aí, viu tanta coisa chover viu tanta água subir, onde e quem você está? Eu? Eu ainda estou aqui.

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Paraná, Outubro de 2010

Sandi Bart

Relevo

Tina e ra vez que se encontraram, na discoteca, e foram apresentados por uma amiga em comum (que depois Tina descobriu ser ex-namorada dele). E Tina lembrou que tocava “Love Hurts” no momento em que dançaram. Com um ano de namoro, Tina comprou o disco duplo do Nazareth para presentear Jair. Dançaram juntos inúmeras vezes e Tina às vezes chorava quando lembrava de como no início tudo era bom. Lentamente ela procurou uma caneta. Demorou a encontrar, mas havia uma Bic azul no fundo de uma gaveta que há muito tempo estava fechada. Meio enrolada em um terço de madrepérola. Teve que riscar várias vezes o canto da capa para que a caneta soltasse tinta. E funcionou. Então Tina foi direta. Não queria subentendidos. Não queria que Jair ousasse fingir que não sabia do que ela falava. Com todas as palavras, mas só as necessárias: “Jair. Vou embora porque não aguento mais você só me bate e fica dando chingos”. Jair saberia do que ela estava falando. Mas faltava alguma coisa. Jair era dissimulado. Ia sair dizendo pra todo mundo que Tina tinha ido embora porque “arranjou outro macho”. Que ele sempre soube e estava certo quando gritava duvidando da fidelidade de Tina. Então Tina aplicou o golpe final: “Eu te amo”. Tudo o que qualquer pessoa poderia dizer em situação semelhante foi dito por Tina. Tina foi sábia como poucos. Tina amava Jair. Mas amava mais a si mesma.

Jair

“Jair. Vou embora porque não aguento mais você só me bate e fica dando chingos. Eu te amo. Tina.” Depois de tantos anos, não consegui esquecer o recado que Tina deixou para Jair quando o deixou. As melhores poesias são as frases escritas e ditas sem intenção poética. Isso foi escrito na capa de um disco do Nazareth. Meu amigo emprestou o disco de outro amigo que ganhou de outro amigo... De amigo em amigo, acabei tendo o disco em mãos. Não sou perito mas arrisco dizer que a escrita tinha pelo menos uns dez anos. Tina amava Jair. Tina já tinha tentado falar com Jair sobre as agressões. Tina pediu conselhos a sua mãe, à melhor amiga e a colegas de trabalho. Ela não queria de verdade ouvir a resposta, mas o veredicto de todos foi o mesmo: Jair era incorrigível. E também disseram a Tina que “mulher apanha uma vez porque o marido quer, mas na segunda é porque a mulher gosta”. Tina ainda resistiu mais algumas vezes. Se fossem só os tapas talvez ela ficasse. Mas ela preparava doces para Jair. E Jair chegava bêbado e batia nela. Mas Jair fazia pior. Jair dava “chingos” nela. Isso, sim, era inaceitável. Então Tina, com toda a dor que sentia, humilhada por Jair — e ainda assim amando Jair — tomou a decisão. Iria mesmo embora. Não brigaria pela casa, não havia filhos. Voltaria para a casa de sua mãe, que a criou sem pai. Mas Tina não era mulher de ir embora sem deixar claro o motivo. Tina olhava os discos e lembrava de tudo o que havia passado com Jair. Na primei-

Love hurts, Love scars, Love wounds' and mars

Any heart not tough or

strong enough To take a lot of pain, take

a lot of pain

Love is like a cloud, it holds a lot of rain

Love hurts

Revistaria e livraria

ZANELLA Rua Gralha Azul, 269, Jardim Industrial, próximo do Supra, Araucária 3332-7224


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