RelevO - Novembro de 2011

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PARANÁ | NOVEMBRO DE 2011 | EDIÇÃO 0 3 | ANO II

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Novembro de 2011

Assionara Souza Plinio Camillo Luisa Geisler Matheus Chequim Miguel Sanches Neto Alexandre Cossenza Sofia Ricciardi Adélia Woellner Daniel Zanella Farley Rocha Priscila Schip Henrique Noale Heitor Humberto Silvia Machete

Diego Lopes


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RelevO

Apoio Cultural

Manifesto aos novos Escritor, escritora, você aos vinte, aos vinte e tantos anos, você com disposição para isso. Vamos sentar à mesa do bar mais sujo e beber até sair da alma o canto dos desesperados, vamos sair garbosos para pisar no seio de nossos antepassados. Selvagens, bárbaros, iconoclastas, vamos quebrar as paredes e reescrever por cima dos escombros. Vamos se apaixonar por bandidos e mulheres de olhos verdes, rasgar todo o passado, somos nós, meus amigos, somos nós que vamos fazer da crônica (do conto, da poesia, seja o que for) o novo templo de anjos pagãos, somos todas as possibilidades e transfigurações. Somos jovens, somos grosseiros, líricos, inconsequentes, amamos nossas mulheres e homens perdidamente e chutamos as velhas intenções, so-

mos contemporâneos, vamos chutar o rosto do patrão, se nos demitirem, vamos entregar panfletos nos semáforos, ao menos teremos uma grana para torrar ao final do expediente, faremos o avesso do avesso. Seremos os patrões de nossa escrita. Somos a geração de agora, aqueles que serão superados daqui vinte anos, amados, odiados, considerados irregulares pela crítica de paletó e gravata, os bastiões da solucionática, das erráticas e das fábricas de produzir loucos. Vamos, escritores, vamos derrubar todos os nossos totens e escrever o que for de mais profundo e sincero. Porque somos o novo. E o novo está começando agora, agora e agora. Daniel Zanella

Mário Suzuki

^ Contato

Fundado em Setembro de 2010 Edição: Daniel Zanella Revisão: Kelly Knopik Impressão: Gráfica Helvética Tiragem: 2000 Edição finalizada em: 01° de novembro, 20h.

Twitter: www.twitter.com/jornalrelevo | Facebook: Jornal Relevo Envie suas crônicas, críticas e sugestões para jornalrelevo@gmail.com

O Relevo, às vezes, não se responsabiliza pelo conteúdo publicado de seus autores.

Obituário do Obituarista Daniel Zanella

Massoterapia (Roseli Incott) e Acupuntura (Renata Incott)

3642-4482

Colaboradores

Assionara Souza Leciona Literatura Brasileira e Produção Textual e é mestranda em Estudos Literários pela UFPR. É autora de Cecília Não É Um Cachimbo (2005) e Amanhã, Com Sorvete (2010). Publica seus textos no endereço cecinest.blogspot.com Daniel Zanella Cursa 4° período de Jornalismo na UP. Publica suas crônicas no endereço letrasnumcanto.com.br Plinio Camilo Escritor, publica seus textos no endereço cervejaerua.wordpress.com Luisa Geisler Universitária de Relações Internacionais na ESPM/RS. Publica seus textos através do twitter.com/luisageisler Miguel Sanches Neto Escritor, professor e crítico literário. É colunista da Gazeta do Povo e publica seus textos no endereço herdandoumabiblioteca.blogspot.com Alexandre Cossenza Jornalista e bacharel em direito. Trabalhou nas redações dos jornais “O Fluminense” e “Lance!”. Profissionalmente, cobre tênis há sete temporadas. Adélia Woellner Escritora paranaense, autora de diversos ensaios, biografias e coletâneas de poesia. Sofia Ricciardi Cursa 4° período de Jornalismo da Universidade Positivo e publica seus textos no endereço sofisticadablog.com.br. Farley Rocha Escritor e funcionário público de Espera Feliz (MG) Publica seus textos no endereço palavraleste.blogspot.com/ Henrique Noale Funcionário Público e escritor.Publica seus trabalhos no endereço indesejaveis.tumblr.com Heitor Humberto Nascido em Joinville, músico, jornalista e produtor cultural. Divulga seus trabalhos no endereço bandagentileza.com.br.

aExpediente

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Priscila Schip Cursa 8° período de Jornalismo na Universidade Positivo e é editora do Lona, jornal-laboratório do curso. Publica seus textos no endereço letrastracadas.wordpress.com Matheus Chequim Cursa 4° período de Jornalismo na Universidade Positivo, e publica seus textos no endereço maisdivagar.blogspot.com Diego Lopes Jornalista e cartunista paranaense. Silvia Machete Cantora carioca. Divulga seu trabalho no endereço silviamachete.com.

Diego Lopes

Daniel Augusto Zanella nunca gostou de seu nome do meio. Dizia ser excessivamente religioso. Não era ateu convicto, mas nunca se filiou a ordens divinas. Desconfiava de quem tinha fé, inclusive de organizações, partidos, grêmios e reuniões com mais de duas pessoas. [Principalmente de quem anda de bicicleta.] Nasceu em Curitiba, mas construiu seu edifício profissional e sentimental em Araucária, cidade metropolitana em costumes e erros – o mal de não ser província e não ser cidade. [Parou de escrever província em contexto pejorativo após ler um manual de redação.] Quando jovem quis ser jogador de futebol, mas não se adaptou ao campo (ou a bola, diziam alguns). Acabou no futebol de salão – achava a palavra futsal destituída de camadas líricas –, onde conseguiu alguma projeção. Entretanto, sofria com problemas físicos e falta de inteligência, qualidade sempre contestada pelo pai. Encerrou precocemente a discreta carreira após ser dispensado de um clube catarinense que ficou lhe devendo duzentos reais. Começou a distribuir jornais e vender anúncios comerciais em Araucária. A relação do cronista – passou, de fato, a escrever após leituras de

jornais diários do interior – com a distribuição de impressos foi longa. Também distribuiu revistas, listas telefônicas e panfletos. Teve obscura passagem por uma organização de marketing de rede. Sempre omitiu isso de sua biografia. Ganhou e perdeu muito dinheiro – e credibilidade – nesse período. Também a namorada. Abriu empresa de distribuição de livros. Quebrou. Adquiriu dívidas jamais quitadas, mas nunca parou de vender livros, principalmente para si. Começou a cursar Jornalismo após insistência da sua mulher. Conseguiu bolsa integral financiada pelo Estado, apesar de abominar a esquerda mais radical. Teve apenas um grande amor. As outras, alegava, foram fantasmas e incompletudes. Foi permanentemente

Diego Lopes

apaixonado. Escreveu crônicas de mulheres de olhos verdes (ou azuis), perfis de zeladoras, obituários de gente simples e infinita, matérias sobre encontros de profissionais do ramo de fundição e reportagens sobre asfaltamento da Rua Paranapanema no cruzamento com a Avenida Capivari. Editou impressos literários que davam pouco prejuízo e escreveu

um único texto dimensionado em diversas entonações. Amava o fazer jornalístico bruto e dizia não existir assunto desinteressante, somente gente desinteressada. (A frase original é de G.K.Chesterton.) Morreu dormindo, após uma noite de vinho com os amigos. Era, acima de tudo, cronista. Tinha voz fina e não gostava de cenoura.


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Sofia Ricciardi

Tríptico: Palavras

Alteração Cansada de escrever sobre as mesmas linhas que seus fãs esperam ler, ela resolveu organizar sua mente de referências, arrumar espaço e se alimentar de novos escritores. Assim como se alimenta diariamente de paixões fracassadas e revistas paulistas. Houve ainda outra mudança: o fone. Agora, no caminho para o trabalho ela ouve o jornal do rádio. Um dos mais clássicos e puros modelos de jornalismo. Outrora divagaria sobre isso, mas prefiro focar nas mudanças dela. Mudanças que talvez transformem aquela mulher tão agradável. Talvez se afunde em mais de si mesma. Admito que tal feito me assusta um pouco. Creio que por baixo de sua pele queimada de sol, exista

uma pessoa mais lunática do que imaginamos. Ela não bebe mais. Sobreviveu ao final de semana inteiro sem álcool, mas é verdade que nada teve a mesma graça. Graça teve quando percebeu que todos a esperavam vestida de alguma mudança inovadora, mas nada aconteceu. A surpresa estava dentro, não fora. Não procure mais a mesma mulher. Acredito que finalmente algo tenha mudado em sua maneira de ver o mundo e escrevê-lo para quem talvez não saiba ler e, por ingenuidade, pergunte e queira entender o que há de tão confuso nos parágrafos que agora são escritos… Sem rimas, sem beijos, sem gritos.

Silencioso Pouco antes de eu colocar as malas no carro, ele pediu que reservasse alguns segundos no aeroporto. Isso aconteceu antes de eu viajar pra cá e trazer comigo todas as lembranças que agora tomei coragem para escrever. Prometi e cumpri, depois de despachar as malas fui tomar um café com ele. Sentamos ao lado um do outro – porque essa coisa de comer sentado de frente nunca nos agradou muito – e pedimos o nosso preferido: cappuccino gelado com canela em cima da espuma. Sabe, nunca me senti desconfortável ao lado dele, nunca mesmo. Se havia algo que eu amava naquele cara era a capacidade de me deixar ser o que eu sou e ainda assim me carregar como se eu fosse um troféu. Às vezes, principalmente quando não estou me atrapalhando no inglês tentando conversar com alguém por aqui, sinto uma saudade enorme misturada com pena. Pena de não ter encontrado ele antes. Ficamos pouco tempo juntos e já posso garantir que nunca senti nada igual. Essa sensação engana um pouco a gente, porque nos faz acreditar que só porque é único, diferente, será eterno. Como já havia comprado as passagens, preferi repetir quase todos os dias para mim mesma, que nada havia de inacabável ali. Tudo era passageiro e ele era só mais um momento meu no Brasil. Algo relacionado à Lei de Murphy, que nos dá tudo que chamamos de felicidade, momentos antes em que precisamos largar tudo. Ou seja, tentei ser racional. Hoje, penso naqueles minutos no café do aeroporto e me pergunto como pude-

mos agir tão friamente e naturalmente ao mesmo tempo. Acho que estávamos tão satisfeitos com nossas companhias, que não pensávamos que aquilo se parecesse com uma despedida. Parecia só mais um programa de casal. Enfim, foi a última vez que ficamos juntos em carne viva, pele e osso, mãos dadas. Até hoje posso sentir o gosto da canela no canudo, mesmo que não estivesse dando a mínima bola para o cappuccino, com os olhos atentos aos monitores para não perder o voo. Quando enfim a hora chegou, sei que esqueci de perguntar o que ele realmente queria com aqueles segundos a sós que me pediu. Só deu tempo de receber um bilhete quente do bolso dele, com um pedido no ouvido que indicava leitura silenciosa dentro do avião. “Para quando todo mundo estiver dormindo, menos você”. De alguma forma ele sabia que eu estaria tão ansiosa e tão angustiada, que passaria algumas horas daquele voo em estado de alerta total. Pela primeira vez na vida superei minha curiosidade, dei um último beijo naquele cara e desapareci no corredor do aeroporto. Horas depois, já dentro do avião, li o bilhete que tinha suas primeiras linhas lotadas de características minhas, algumas boas e outras estupidamente irritantes que me deixaram com uma baita vergonha de ser assim como sou. No decorrer do texto, palavras se embaralhavam entre despedidas e declarações. Algo singular. Até hoje este é o melhor bilhete que já recebi na vida. Enfiei no meu diário de bordo e nunca conversei sobre ele em nossas conversas à distância. Deixei como ele preferiu deixar: em uma leitura silenciosa. Assim como o amor deveria ser.

Diego Lopes

Coincidências Jogou a palavra como quem tem medo de pensar em algo muito excêntrico. Como se fecha o livro, não? Fecha-se rápido porque não devemos nos perder ali dentro. Para quê se perder em palavras, mulher? Se gasta mais tempo pensando no que precisamos fazer para alterar o que já somos, do que em melhorar nossas escritas, nossas virtudes, nossos mais profundos desejos. Desejos como este, que sinto em você desde longe. Está perdida em suas escolhas, em seus dedos longos, nessa sua quase impulsividade de notar semelhanças no caos do dia a dia. Busca algo, mulher? Busca algo em mim? Talvez ache que sei mais de você do que o seu próprio instinto exala. Um adendo: somente com o olhar ele tentou explicar que aquilo não era mágica. Não se sabe, nem por uma desconfiança, o porquê havia tanto dela ali. Ele a construiu, sem saber, sem pensar, em um papel fino, sujo, que logo ficaria amarelo. Jornal. Colocaram pedaços de seus amores secretos, pedaços das palavras, pedaços das defesas e mistérios. O quanto dela ele sabia? Voltou a explicar com o olhar. Nada. Não sabia de nada. Foi intuição, ou nem isso! Pediu, agora com as sobrancelhas, que ela desfizesse os olhos arregalados. Prometeu entender que não havia nada dela por ali. Não acredito em algo que não podemos explicar. É como um musical. É preciso se desligar do mundo para compreender. Como você, mulher! Absurda, intangível, cifrada. O tempo todo comparada a essas coisas inexplicáveis, que prefiro jogar para escanteio a ter que me esforçar em entender. Mas você não precisa ser assim. Você pode continuar se perguntando pelo todo da vida. Você sempre busca resposta, sempre acha que fiz algo de propósito. Então você finalmente não pode? Não pode desfazer a fantasia, o sonho, o conto, o mito e carregar seu caderninho, ir embora desta sala quente, achar que o email, que a música, que o nome, que o filme, que o cantor, que eu… Não somos apenas coincidências?

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De volta Alexandre Cossenza

Roger Federer venceu a semifinal do US Open jogando o “seu” tênis. Era um “daqueles” dias. Foram três sets muito rápidos, e o suíço saiu de quadra tão feliz que resolveu parar para dar autógrafos perto do chafariz de Flushing Meadows. Na empolgação, Federer até pegou uma de suas raquetes e bateu bola com algumas das crianças que estavam ali no momento. Uma multidão se formou em volta, dando apenas o mínimo espaço suficiente para que o tenista e os garotos brincassem. Do nada, aparece um cidadão com uma bandeira da Espanha, passa pelo meio do bate-bola e dispara uns palavrões na direção de Federer. O suíço fecha a expressão, responde algo (que eu não entendi) de volta e fica encarando o sujeito. O torcedor volta, para a pouco mais de 30 centímetros de distância e fala outra meia dúzia de palavrões na cara do suíço. O ex-número 1 do mundo perde a paciência, dá um passo para trás e usa o espaço para gerar velocidade na raquete. Ela atinge o lado esquerdo do rosto do torcedor, que se estatela no cimento, com sangue escorrendo pelo chão. O público entra em histeria. Cercado de seguranças, que não estavam sequer perto na hora da discussão, Federer volta para o vestiário. Muitos gritam por primeiros socorros, por uma ambulância. Eu era o único jornalista no local. Só eu filmei tudo aquilo. Corro para a sala de imprensa. Algum problema no celular impede que eu passe o filme para o computador. A internet do US Open cai. Só eu tenho as imagens mais chocantes da história do tênis, mas não consigo publicá-las. Foi aí que acordei. Era a primeira noite das minhas férias, a Copa Davis estava prestes a começar e eu estava fora do país, numa espécie de segunda lua de mel, tendo pesadelos com o tênis. Não era um bom sinal. Nem costumo dar muita atenção a significados de sonhos, mas tomei aquilo como um aviso para eu relaxar durante os próximos 30 dias. Foi o que fiz. Pretendia ficar apenas duas semanas sem postar nada em meu blog, mas vi que precisava de mais um tempinho. Cedi ao ver Guga em ação.

Diego Lopes


6 Gosto de sair para o bar no meio do expediente com meu companheiro de fechamento de jornal. A gente conversa sobre essas coisas do mundo, sobre a minha relação caótica com a minha mãe que parece a relação terrível com a irmã dele e como a gente quer ver aquele filme do José e da Pilar. No meio do nada ele diz que eu devia voltar pra aquele cara, porque é visível a falta que um faz pro outro. E eu digo que as coisas não são tão simples quanto parecem e ele se diz pacifista demais, me dando brecha pra mudar de assunto. A gente vai conversando e eu fico imaginando o quanto serei exposta nos textos do blog dele amanhã e me perguntando se ele se pergunta isso também. O tempo vai passando e quando a gente vê já se passou uma hora e a gente precisa voltar pra redação. Eu levanto pra pagar a conta, mas ele já pagou. Que mania é essa de pagar antes de mim? Peço pra pagar a metade, mas ele não tem troco. E eu fico pensando que não pode ser assim, meu amigo. Gastar vinte reais por dia com sua companheira de jornal. E a falta que isso faz no orçamento da casa? Sua mulher pode reclamar, causar problemas. Quando você chegar às 23h30 e ela não estiver com a janta pronta, pode saber, é o seu castigo. Janta pronta. Essas ideias que boicotam o meu feminismo. Mas nem tanto, já que te vejo assim, chegando em casa e jantando com a mulher, mas me vejo tão próxima assim também. Sonho com a chegada em casa, cansada pelo fechamento no jornal. Me vejo abrindo a porta e olhando pra ele sentado no sofá, me esperando. Eu chegaria jogando as sapatilhas pela sala, falando que aquele repórter nunca entrega a matéria completa, que as fotos sempre estão muito óbvias e que…, bem, nessa hora ele ia me interromper dizendo que o cabelo ficava bonito daquele jeito. E então, me desfazendo nos braços dele, trocaríamos abraços e sorrisos de reconforto. Ele me contaria que a sopa está pronta e eu me deitaria no sofá vermelho com a minha xícara preta de tomar sopa. Ele sentaria comigo, segurando meus

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Vai nada.

Scintille dell’ eterno

Priscila Schip Priscila Schip

Adélia Woelner

Diego Lopes

Nel tutto, Nel seme L’espressione Del tutto Nella poesia, Riesco a essere Creatore e creato, Quando mi permetto Di fondermi com l’universo E avvertire L’infinito in me

Maior Com Sétima Heitor Humberto

Quem precisa de poética Quando tem maior com sétima Eu jogo tudo na fonética Pra soar bem E soa bem porque Esse samba não fede nem cheira Não importa se é besteira Ou se é coisa inteligente

Diego Lopes Diego Lopes

pés no colo, contando sobre o seu dia tão mais bonito que o meu. E é assim que eu vejo a minha vida, sabe meu amigo? Confesso que me via assim com aquele meu cara que você espia as conversas. Mas não consegui me ver assim com o

namorado poeta que você gosta de dividir cervejas, muito menos com aquele cara mais velho de quem eu falei tão pouco pra você. Talvez pudesse ver com aquele cara com quem você acha que eu deveria voltar. Talvez, acho que não.

Mas sabe meu amigo, eu ando com medo do futuro e sinto raiva da sua demora em responder meus e-mails. Mas tudo bem se você me deixar pagar a conta amanhã e me dizer que volta logo pra não me deixar sozinha.

Ele não protesta e nem critica Se a rima é pobre ou rica Ou tão pouco coerente Nessas horas eu nem me preocupo Se causei algum estupro A tal da língua portuguesa Até porque ela dá uma relaxada E nem reclama de nada É só usar bem as palavras E um pouco de gentileza


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Miguel Sanches Neto

A pedido de um dos herdeiros de Wilson Martins, fui ver o escritório que o crítico deixou, e ao qual tentaremos dar um destino público. São poucos livros, uns 500, pastas com correspondências e outros materiais. Nas estantes, Wilson só retinha livros de referência e de amigos. Os demais iam para a Biblioteca Pública do Paraná – já que a imensa biblioteca da época da História da Inteligência Brasileira fora vendida para a Universidade de Princeton, antes da vinda definitiva dele para o Brasil. Entrei no apartamento quase todo vazio, apenas uns móveis perdidos nos cômodos e quadros na parede. No pequeno escritório, onde estive várias vezes, o que mais me machucou foi um envelope que ele estava endereçando a alguém – ficou no carro de sua máquina de escrever elétrica. Na mesa, uma carta padrão de fim de ano, dizendo que estava mal da pneumonia (era câncer, mas ele não comentava nem com os parentes) e que não podia mandar notícias, mas em breve ele as enviaria, completando: “se o homem do crematório não chegar antes”. Chegou. Na prateleira, o livro-chave para ele: Sertões, de Euclides da Cunha, em edição de 1937, com uma dedicatória de todos os seus colegas de secundário. Ali começava a carreira do crítico. Era, segundo os amigos, uma obra para ser conservada durante a vida inteira. Ele a conservou. Agora são seus amigos que devem continuar conservando-a.

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Qualquer

Conservação de livros

Assionara Souza

Os intolerantes só toleram Os slogans que eles usam As roupas que eles vestem As frases que eles criam A bebida que eles tomam A pasta que eles engolem O cu que eles comem A boca que eles beijam A merda que eles cagam Fazem isso como se erguessem Muralhas em vez de bandeiras Para diferenciar o mundo imprestável da perfeição na qual estão equivocadamente envoltos Ainda assim para que o mundo não se converta à ordem do que eles pregam: É preciso tolerar os intolerantes

Diego Lopes

Diego Lopes

Henrique Noale cólera, ira, destruição, Fome, tigela, degustação, tocos, quireras, mastigação Cólera, quimera, obstrução trato, sem merda, solução A fonte, espera, ilusão... E traço ainda o espaço O tempo não é vão... Deflora, deplora, explora Chora, demarca, solidão, fora, demora, corta, cordão, clora, cólera... Obstrução, canoa, sal Tração, humana, animal, Colocação, subatômica, subastral, intuição, não linear, descomunal...! E traço ainda o espaço O tempo não é vão...


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14 de maio de 1985 Terça feira

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Primeira entrevista em jornal Luisa Geisler

Plinio Camillo

teja em um bom lugar. C h o r o constatando que agora eu vou poder descansar. Só eu cuidei dela no hospital. Minha irmã diz que tem vários problemas para vir. Consolo. Desobrigo. Sem problema. Já morreu! C h e g a uma vizinha que soube pelo jornal. Fique aqui. Não a deixe sozinha. Vou e volto. Enxugando as lágrimas: pago o velório e peço para abrir o túmulo. Temos desde 1939. Chegam amigas, parentes e ou-

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Diego Lopes

Diego Lopes

tras vizinhas. Conto os últimos dias. Foi depois da queda. Reconto as últimas horas. Semana passada ela estava até conversando. Minha mãe chega e meu pai não

veio. Tinha a esperança. Que bom!! Ele com certeza iria tentar explicar a diferença de velório e vigília. Conversamos, choramos, rimos com a minha tia ali.

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35 Minutos

Cheguei antes. Cheguei antes do funeral de minha tia faladeira, que o marido largou, sem filho, minha madrinha que faleceu ontem. Seis e meia, o sol aparece como todos os dias, sem nenhuma diferença. Uma boa manhã quente para velar. Não tem ninguém. Ligo para um. Conto sobre o falecimento. Ligo para outra. Conto todo o padecimento. O corpo chega e o apressado condutor leva-o para outra sala. Não era ali. Minha tia ficará aqui. Com ajuda trago para a sala sete. Abre o caixão. Ela está ali. Morta. Morta e diferente da agonia babada que passou. Morta e diferente do torpor que viveu nestes últimos dias. Ela está morta. Meu segundo choro. Choro de dobrar as pernas. Com quem vou contar? Choro pedindo desculpas por faltas que nem sei se fiz. Choro rezando para que ela es-

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Farley Rocha

Temos exatamente 2 minutos antes que o próximo ônibus passe, o tempo necessário para um beijo de despedida. Antes que a revolução comece, temos ainda 5 minutos para decidirmos se faremos parte dela, ou se passaremos ocultos pela história. A distância entre nosso abraço de boas-vindas é de apenas 3 minutos, o tempo que nos falta para o final dessa viagem. Para que o expediente termine, temos 6 minutos para fecharmos todas as pendências. Antes que o sono chegue, resta-nos 4 minutos de atenção, tempo hábil para lermos um último poema. Antes que o sol se ponha, 2 minutos é o que gastaremos para tirarmos uma fotografia perfeita. 6 minutos é o que reservamos para fazer uma prece. 2 minutos é o prazo que nos separa entre a última palavra e o bater da porta. E 5 minutos é o tempo que levamos para ouvir uma canção a qual nunca mais esqueceremos. Não parece, mas são 35 minutos que nos passam diariamente sem darmos conta de que a natureza da vida não para de acontecer.

Saiu no Diário de Canoas, dia 07/05, sábado. - A jornalista pediu três opções de foto para divulgação e escolheu a que eu mais parecia uma mendiga. - Na reportagem, Luiza, Luísa e Luisa. - Entre meus autores favoritos, Hemingway. - A headline não condizia com o que eu achava que a reportagem poderia ser. Mas adorei. Hoje, a Secretaria Municipal de Cultura de Canoas me ligou. Eles leram a reportagem, querem fazer algo na Feira do Livro de Canoas, o jovem e a literatura. Queriam fazer algo com o Contos de Mentira, mas o lançamento será dia 04/07, enquanto a feira canoense será em junho. Irei lá amanhã e falaremos a respeito. Aparentemente, minha cara de mendiga não os assustou.

Diego Lopes

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A Cigarra

Diego Lopes

Silvia Machete

Tantas vezes me mataram, Tantas vezes eu morri, Sem problema estou aqui Ressuscitando. Graças dou pela desgraça E a mão com um punhal, Porque me matou tão mal, E segui cantando Cantando ao sol, Como a cigarra, Depois de um ano Embaixo da terra, Igual a sobrevivente Voltando da guerra Tantas vezes me apagaram, Tantas desapareci, Ao meu próprio enterro eu fui, Só e chorando. Vestido o lenço no pescoço,

Nem Sarah, Nem Sandra [2] Matheus Chequim

Mas esqueci depois E não foi a única vez E segui cantando Cantando ao sol, Como a cigarra, Depois de um ano Embaixo da terra, Igual a sobrevivente Voltando da guerra Tantas vezes te mataram,

Nem Sarah, nem Sandra

Tantas ressuscitarás

De manhã na cama

Quantas noites passarás

Engole o vazio

Desesperado

Na cama, de manhã Não sara e nem sangra

E na hora do naufrágio E da escuridão

Não Lívia ou Lúcia

Alguém te resgatará,

Que hoje, bem longe

Pra seguir cantando...

Desperta e inspira Sei como e por onde

Cantando ao sol,

Alívio e angústia

Como a cigarra, Depois de um ano Embaixo da terra, Igual a sobrevivente Voltando da guerra

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