Jornal Dez #11

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O FUTEBOL PARA LER COM TODA A MAGIA DO DEZ

“TRIPLETE”

Nº11


“No dia em que perder a tranquilidade mal será” Paulo Bento, treinador


27/06/12

geral@jornaldez.com


EURO 2012

A HISTÓRICA FINAL SEM HIST


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TÓRIA Texto: Nuno Pereira Fotos: Getty Images

D

omingo, dia um de Julho de 2012. A cidade de Kiev, capital da Ucrânia, recebia o jogo mais esperado do calendário futebolístico do Velho Continente, que parou para ver a Espanha trucidar uma Itália feita em fanicos, num jogo arbitrado por uma equipa portuguesa encabeçada pelo todo contestado Pedro Proença.

se com isso livrado de um defesa desnecessário, uma vez que a Espanha surpreendeu ao jogar sem ponta-delança, relegando Torres para o banco. Ora a estratégia da Itália nesse jogo acabou por encaixar na perfeição no sistema castelhano. É evidente que este choque tático não foi inocente, mas também não terá sido totalmente propositado. E nesta final, Prandelli Depois de ter “arrumado” a Alemanha, não soube perceber isso, e por esse poucos esperariam uma Itália tão motivo baqueou com estrondo no impotente a permitir que Espanha palco principal do olimpo europeu. replicasse o resultado mais desnivelado do Euro 2012 (4-0), que de resto tinha Desta feita, o 4-4-2 italiano partiu já aplicado à Irlanda na fase de grupos. o jogo da equipa e foi como que As duas equipas tinham-se defrontado canelone para a mesa espanhola. já na ronda inaugural do campeonato Estiveram dois centrais soltos, sem da Europa, num jogo vibrante e bem homens para fazer a marcação e dois mais espetacular do que este da laterais incapazes de dar profundidade final que acabou por ser, por vários aos corredores que, ao não disporem motivos, uma final histórica mas que sequer de extremos, amordaçaram se traduziu num jogo sem história. a Squadra numa total incapacidade ofensiva. A verdade, verdadinha desta final foi que a Itália entrou em jogo completamente É que Portugal, apesar de ter jogado equivocada. Deslumbrado e rendido com uma linha de quatro defesas, tinha às prestações da sua equipa ante em Pepe um jogador mais subido à Inglaterra e Alemanha, e talvez também procura da marcação, não se limitando ludibriado pela magnífica performance a fazer as dobras a Bruno Alves. A que Portugal conseguiu frente La Roja juntar a isso a chamada de Negredo ao nas meias-finais, Cesare Prandelli 11 facilitou as operações da defensiva terá julgado que podia discutir o jogo portuguesa nesse jogo. Não obstante, com a Espanha de igual para igual. o modelo de jogo luso é sustentado Pura ilusão. O excesso de confiança em laterais e extremos que esticam do timoneiro dos transalpinos notou- o jogo até ao limite. Ora o mesmo se logo no discurso com que fez o não se verificou nesta Itália finalista. lançamento da partida: “Quando se E Prandelli falhou redondamente em fala da Itália é preciso sempre ter todos os capítulos do jogo, não tendo cuidado” - disse. O problema aqui foi demonstrado perspicácia para corrigir que a própria Itália esqueceu-se de o posicionamento da sua equipa zelar pelas suas próprias cautelas. durante a partida, contribuindo assim para a ‘fiesta’ espanhola, porque, No jogo da fase de grupos, a Itália diga-se o que se disser, não foi só a havia optado por povoar o seu meio fúria espanhola que contribuiu para campo, jogando num esquema de esta goleada, foi também uma Itália 3-5-2. Com isto, a Itália ganhou um que se colocou num presumiu acima médio para batalhar com o futebol das suas possibilidades. de passes curtos da Espanha, tendo-


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O resultado expressivo não deixa, por isso, de ser enganador. A Espanha não é assim tão boa para despachar a Itália com quatro castanholas. Podem apregoar o seu futebol e as suas conquistas que ninguém lhes tira o mérito. Afinal, mantiveram-se iguais a si mesmos durante todo o torneio independentemente das opções tomadas para cada jogo. Vicente Del Bosque, estupendo treinador, soube sempre surpreender mantendo a imprevisibilidade e potenciando a dinâmica desta equipa. No entanto foi a Itália que se pôs a jeito para dançar o flamengo. A falta de humildade e discernimento na abordagem ao jogo, explicam mais este desaire do que propriamente o cansaço, até porque, apesar do dia a menos de recuperação em relação à Espanha, a realidade é que a partida das meias-finais ante a Alemanha foi bem menos atribulada para os italianos do que foi para os espanhóis o duríssimo despique com Portugal que adiou a decisão da partida até às últimas consequências (prolongamento e grandes penalidades).

de cabeça. Num estilo de jogo que dá para tudo, a Espanha não foi de contemplações e manteve o jogo no sentido único da baliza à guarda de Buffon. Olhando para esta Espanha ninguém sabe de quem é suposto esperar que se resolva o jogo pois o seu futebol envolve de tal forma toda a equipa que qualquer jogador pode ser o herói improvável da partida. Em todo o torneio, apenas um golo sofrido. A sua ideia de jogo consiste em deixar a outra equipa fora do jogo. É quase como se só houvesse uma equipa em campo a tourear a outra, o que, para quem não gosta de touradas é deveras aborrecido.

Só que a intenção é mesmo essa. Que qualquer um resolva, numa lógica que revolucionou por completo os cânones mais antigos de jogo, onde os defesas defendem, os médios recuperam e criam jogo para os avançados resolverem. Não é nada disso que se passa com a Espanha. Por isso foi também sem surpresa que a Europa viu Jordi Alba, lateralesquerdo e novo reforço do Barcelona, na cara de Buffon a desviar com uma simplicidade grotesca para o 2-0. Ao intervalo, a verdade é essa, a Espanha revalidava já o seu ceptro No fim de contas, aquilo a que o adepto europeu. comum assistiu foi à confirmação da firmação, ao encontro do óbvio com o evidente. Foi A segunda metade foi, por isso, penosa. com toda a naturalidade que David Silva E foi-o também porque o espetáculo de abriu o marcador logo aos 13’, imagine-se, insanidade de Prandelli começou. Depois


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de ter perdido Chiellini por lesão na primeira parte, o que talvez até nem tenha sido mau visto que estava a jogar a lateral-esquerdo, Prandelli resolveu tirar Cassano do jogo, ele que até era dos mais inconformados, para lançar Di Natale – troca por troca. Ou seja, a perder por dois golos de diferença, Prandelli fez uma substituição que apostava numa potencial divina inspiração individual e, na realidade, nada mudou. Nada mudou que não fosse a predisposição italiana que tentava reentrar no jogo com incursões individuais de Balotelli e pela obstinação de Pirlo. Di Natale falhou ainda o 2-1, só que, neste período em que os transalpinos esboçavam uma reação, o treinador da Squadra Azurra resolve-se por nova jogada de mestre: sai Montolivo, o médio mais criativo da equipa, autor de um passe de morte para o segundo golo de Balotelli ante a Alemanha e coloca em campo… Thiago Motta – médio defensivo. Recorde-se que a Itália estava a perder por dois golos. Para mal dos seus pecados, Prandelli esboçava uma expressão de incredulidade ao ver que, minutos depois de ter entrado, Thiago Motta estava estendido no chão. KO para o médio brasileiro naturalizado italiano e as substituições esgotadas com meia hora de jogo pela frente. Foi o canto do cisne para a Itália, cada vez mais um touro esbaforido perante os ‘olés’ espanhóis. Depois entraram Fernando Torres e Mata para dividirem o golpe final no touro com um golo para cada um. Mata então só precisou de 13

minutos em campo para marcar na final do Europeu. Dá mesmo para tudo. E agora a parte histórica da coisa. Optemos por enumerar, é mais fácil. Então, foi a primeira vez que… uma selecção venceu três grandes provas internacionais seguidas (dois europeus e um mundial), que um treinador (Del Bosque) coleccionou um Europeu, um Mundial e uma Liga dos Campeões, que um jogador (Fernando Torres) conquistou e marcou na final da ‘Champions’ e do Europeu no mesmo ano e que um árbitro (o português Pedro Proença) apitou em ambas as finais. Para além disso, a Espanha, que em 2007 só tinha conquistado um Europeu no longínquo ano de 1964 - jogando em casa - é agora um dos países mais galardoados da zona euro: três Europeus arrecadados (só a Alemanha tem tantos) e um Mundial. No próximo ano, no Brasil, poderão conquistar a única prova de selecções que lhes falta no cardápio: a Taça das Confederações, que reúne último Campeão Mundial, o organizador do próximo Mundial e os campeões continentais (a representar a Europa estará a Itália). Com uma selecção de sub-21 também campeã da Europa, e um estilo de jogo cada vez mais vincado, o mundo pergunta-se se haverá alguém que consiga acordar deste canto da sereia com que a Espanha do futebol enfadonho encanta os seus adversários, ou se irá continuar a repetir-se a imagem, também já enfadonha, de Casillas a levantar a Taça Henri Delaunay (ou outra qualquer que seja).


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“ A MALAPATA DAS M


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MEIAS” Texto: Nuno Pereira Fotos: Getty Images

Donetsk, quarta-feira, 27 de junho de 2012 pelas 19:45, o duelo ibérico entre Portugal e Espanha definia o primeiro finalista do Euro2012 com o favoritismo a pender para o lado espanhol, não estivéssemos nós perante a campeã da Europa e do Mundo. Os onze iniciais de lado a lado provavam, no entanto, que a selecção treinada por Paulo Bento não mudaria um centímetro ao que vinha sendo habitual (apenas a entrada de Hugo Almeida, forçada, para o lugar do lesionado Hélder Postiga – no jogo anterior frente à República Checa) e, pelo contrário, era Del Bosque quem tentava surpreender, com a chamada à titularidade do avançado Álvaro Negredo para um lugar ora ocupado por Fàbregas (que viria a substituir o avançado do Sevilha) ora por Fernando Torres (que não sairia do banco nessa partida). A opção por Negredo poderia ter duas leituras distintas: por um lado, o avançado espanhol poderia ter um papel de intimidação para a dupla de centrais portuguesa pois, nos jogos anteriormente disputados, 3 dos 4 golos sofridos foram apontados por um ponta-de-lança, em lances de futebol aéreo (Mario Gómez no jogo inaugural e Bendtner, por duas vezes, na segunda partida) e, para além disso, serviria também para incomodar os centrais na sua missão de criar jogo, uma vez que, sobretudo através de Pepe, a selecção saía muitas vezes a jogar.

E foi assim que, num jogo em que não imperaram as grandes oportunidades, com Portugal a tentar impedir o tradicional jogo espanhol, onde Iniesta ia demonstrando estar a atravessa grande momento, Arbeloa, aos 9’, em boa posição e depois de uma jogada de insistência de Iniesta, atira sobre a baliza de Rui Patrício. Logo a seguir, aos 10’, foi o próprio Iniesta a tentar a sua sorte mas, descaído para a esquerda, atirou, igualmente por cima e, os 35 minutos que se seguiram passaram sem lances de perigo para a baliza de Patrício. Pelo contrário, foi Portugal quem começou a dominar a partida, mas o único lance digno de registo ocorreu à passagem da meia hora quando, servido por Moutinho, Cristiano Ronaldo atirou rente ao poste esquerdo da baliza de Casillas. E, até ao intervalo, o único registo vai para os cartões amarelos a Sergio Ramos e Fábio Coentrão. Começou a segunda parte e, não vendo alterações no jogo da sua equipa, Del Bosque foi obrigado a mexer, fazendo sair Negredo e colocando Fàbregas, voltando à formação mais utilizada pela “Roja” no Euro2012. Apesar da alteração era Portugal quem continuava a demonstrar superioridade e, por volta do quarto de hora da segunda parte, o seleccionador espanhol voltava a mexer na equipa, fazendo entrar Jesús Navas para o lugar de David Silva. Mas a selecção lusa não acusava o desgaste e continuava a colocar problemas à Espanha, faltando apenas que em duas situações de Hugo Almeida (aos 68’ e aos 70’) tivessem melhor finalização ou que Ronaldo, aos 72’, na transformação de um livre direto, conseguisse aplicar o seu famoso Tomahawk com sucesso.

Mas a verdade é que, no jogo em que houve mais faltas neste Europeu, Portugal não deixou, durante os 90 minutos regulamentares, que a Espanha utilizasse a sua famosa troca de bola, impondo muitas dificuldades à selecção espanhola, mas faltandolhe, quase sempre, mais objectividade Aos 81’, Nelson Oliveira entra para quando tinha a bola. o lugar de Hugo Almeida, e, nos


últimos 10 minutos, mais 3 oportunidades para Portugal, todas para Ronaldo: dois livres diretos, sem perigo para a baliza de Casillas e, em cima do minuto 90, num lance perfeito de contra-ataque, o craque português não finalizou da melhor forma, após passe de Raúl Meireles. Pouco antes disso, a Espanha esgotava as substituições com a entrada de Pedro para o lugar de Xavi, abaixo do normal e muito desgastado e, com o zero a zero no marcador, a partida ia para um inevitável prolongamento.

E se os 90 minutos foram controlados (e, muitas vezes, dominados) pela equipa portuguesa, os 30 que se seguiram foram uma longa agonia e um eterno sofrimento para as cores nacionais, com os espanhóis, servindo-se dos três ases que saíram do banco a controlarem por completo e a deixarem a defensiva nacional em permanente sobressalto. Mérito para os espanhóis e demérito para os portugueses que, dominados pelo cansaço, iam perdendo a bola em zonas proibidas e permitindo que os lances de perigo fossem surgindo. Aqui, pela primeira vez em grande estilo neste


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Europeu, apareceu Patrício que, aos 104’, faz uma enorme defesa a remate, à entrada da pequena área, evitando o golo de Iniesta que, certamente, seria decisivo. No início da segunda parte do prolongamento, Paulo Bento ainda colocou Custódio no lugar de Veloso, mas seria, aos 111’, novamente Patrício a brilhar, ao defender um remate de Navas. A oito minutos do fim, Varela entrou para o lugar de Meireles, mas o jogo estava destinado a terminar na conversão de grandes penalidades. Os espanhóis foram os primeiros a rematar, mas mais uma enorme intervenção de Patrício, evitou que o remate de Xabi Alonso resultasse em golo. A selecção nacional parecia estar em vantagem mas, na grande penalidade

seguinte, seria Casillas a parar o remate de Moutinho, voltando tudo à forma inicial. Depois os espanhóis não voltaram a falhar: Iniesta, Piqué, Sergio Ramos e Fàbregas fizeram 4 golos contra os dois de Portugal (Pepe e Nani) com Bruno Alves, a acertar com estrondo na trave a dar a possibilidade a Fàbregas (que também acertou no poste, mas com a bola a entrar) de acabar com o jogo, algo que o catalão não perdoou. A Espanha seguiu, desta forma, para a final, deixando pelo caminho uma selecção de Portugal que esteve brilhante a defender, faltando que, num lance de ataque, alguém fizesse a diferença e desse a segunda final a uma selecção que voltou a cair nas meiasfinais.


EURO 2012

“ O RE


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ECREIO” Texto: Carlos Maciel Fotos: Getty Images

Toca a campaínha, metes os livros na mochila como podes e corres escadas abaixo. Uma imagem infantil. O tempo de intervalo não se negoceia e cada minuto extra que os professores nos dão é um suspiro de liberdade. Enquanto os menos dotados abrem a lancheira á procura de um pacote de bolachas, os outros ocupam a pista de asfalto, dás três toques na bola, escolhes as equipas e está tudo pronto para começar. Enquanto não começa, analisas o teste de matemática que acabaste de fazer e a previsão do jogo ao mesmo tempo: temos o repetente, o talentoso e o bom. O repetente é o rebelde, o nosso avançado. O perfil de um ‘9’ clássico que nas aulas, entre brincadeiras, julga-se mais experiente que os demais. Apesar de preguicoso e brincalhão é bastante b jogador. Não gosta do uniforme da escola e prefere a sua camisola escura de sempre, ainda que os professores lhe digam que o deve fazer. É tão preguicoso nas aulas quanto em campo, encara a escola devagar. Passo a passo. Ás vezes perguntamos se a vida o incomoda ou se é a maneira de ser dele. Não joga sempre connosco, porque está castigado a maior parte das vezes e não tem direito ao recreio. Quando as coisas lhe saem bem, faz jogadas de génio e normalmente goleamos. Chamemos-lhe Balotelli. Depois temos o melhor da turma. É baixinho e não fala muito. Quero pensar que tem monólogos interiores interessantíssimos, porque tem uma personalidade tímida. Joga por prazer e sempre com a bola no chao, ás vezes parece que levita. Gosta de jogar subido no terreno e pede que lhe passem bolas rasteiras, sempre e quando não haja muita gente no recreio... Porque quando se juntam

mais de 3 jogos é muito difícil evitar todas as pernas. Com ele de certeza que ganhamos. Depois dos jogos come umas sandes de presunto de sonho que ás vezes fazem com que as pernas lhe pesem mais. Acaba sufocado e custa-lhe terminar os jogos. Mas é bom rapaz este Cassano. A tranquilidade é dada pelo bom. Nas aulas é conhecido porque joga muito bem futebol e é o alvo dos olhos das miúdas da nossa turma. É o primeiro a ser escolhido nos sorteios e os mais velhos das outras turmas já sabem que o tem de marcar de perto. Alguns perguntam-lhe porque é que não tenta a sorte num clube qualquer para começar uma carreira, mas ele diz que joga por gosto e para divertir-se. Imagino o que diriam os relatórios dos olheiros sobre ele... Não é muito rapido, geralmente cai mal e não ganha uma bola no ar. Mas é o melhor, vê-lo jogar é como se o tempo não passasse. Quando lhe passo a bola respiro de alivio porque sei que não a vai perder e corro, porque sei que vai haver uma jogada de perigo. A este vou-lhe chamar Pirlo. A campainha volta a tocar e já se passaram 20 minutos. O jogo passou tão rápido quanto as nossas infâncias e outros, mais velhos, entre passes, assistências choram porque alguém lhes roubou o sonho outra vez.



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REPORTAGEM

“O TIGRE NAS GARRA


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AS DA ARANHA” Texto: Carlos Maciel Fotos: Getty Images

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inverno de 1941 foi dos mais frios do século XX. Enquanto o exercito alemão via as suas tropas caírem ás portas de Moscovo. Hitler nunca pensou que seria derrotado e ainda por cima antes que Setembro acabara. Dentro da cidade, as fabricas metalúrgicas trabalhavam num ritmo frenetico e a procura de mão de obra era de tal modo elevado que os pais levavam os filhos para ajudar no trabalho. Assim o pedia o General Inverno, expressão russa para definir o que se passa entre Setembro e Novembro. Os pais de Lev não foram uma excepção e aos 12 anos já trabalhava na industria bélica. Lev Yashin sempre gostou de servir o seu país, mas uma fabrica de armamento era um ambiente demasiado pesado para uma criança. Ele só esperava pelos intervalos onde podia jogar á bola com os seus companheiros. As balizas eram feitas com o lixo da fabrica e foi aí que deu os primeiros passos para se tornar uma lenda. O trabalho na fabrica fez com que o seu físico se desenvolvesse, assim como a força. Tinha uma grande envergadura e aos 20 anos, os responsáveis do Dínamo de Moscovo decidiram apostar nele. Apesar da juventude Yashin sempre foi muito ambicioso. Queria a titularidade no Dínamo, apesar do lugar estar ocupado por Alexei Khomic, apelidado de Tigre pelas brilhantes exibições durante um estágio feito pelo Reino Unido em 1945. Isto valeulhe uma fama além fronteiras. Antes já havia vencido 4 ligas soviéticas consecutivas. O objectivo de ser titular parecia complicado e depois de três temporadas no banco, o homem que apostou nele fez-lhe um estranho convite: ser guarda-redes da equipa de hockey no gelo. Lev não só se adaptou bem ao novo desporto, como foi a peça fundamental para a conquista do título. Com este feito, ganhou balanço para o segundo assalto á baliza da equipa de futebol. Conseguiu tirar o lugar a Khomac, que se tornou seu amigo e mentor. Yashin conseguiu melhorar o seu estilo debaixo dos postes com o seu novo treinador. Se antes era bastante estático entre os postes, agora inovava na posição. Foi o primeiro guarda redes a dar instruções á defesa para posiciona-la,


REPORTAGEM

o primeiro a agarrar a bola nos cruzamentos (em vez de a golpear com os punhos), um dos primeiros a lançar contra-ataques rápidos e a sair dos postes para se antecipar ao jogador. Verdade seja dita que a posição de libero não poderia ser entendida sem o contributo que Lev Yashin deu ao futebol. A partir da titularidade foi criando a sua lenda. Vestido completamente de preto para intimidar os adversários, que lhe chamavam a aranha negra. Em alguns penaltis, os marcadores juravam a pés juntos que viram mais que duas mãos a parar a bola. Defendeu 150 ao longo da sua carreira.

Uma vez disse “O prazer de ver Yuri Gagarin a voar no espaço, só é comparável ao gosto que me da defender um pénalti”. Questionado sobre a preparação antes dos jogos dizia: “Fumar um cigarro acalma os nervos e um trago de uma bebida forte para tonificar os músculos”. A sua personalidade combinava com o seu talento descomunal. Ganhou 5 Ligas Soviéticas, uma medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Melbourne em 57 e uma bola de ouro. Foi o primeiro e único guarda redes a arrecadar esse prémio. Os voos da aranha negra sobrevoam todos os estádios do mundo e a sua ultima picada permanecerá até que alguém consiga superálo.


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REPORTAGEM


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“O sonho comanda a vida... vamos lutar até à morte. Desculpe o pleonasmo” Carlos Padrão, ex-guarda redes


PORTUGAL

LIGA ZON SAGRES 12/13 Texto: Pedro Vinagreiro Fotos: AP

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ais uma época se inicia e muito se especula sobre quem poderá subir e descer no campeonato português. Qual será a equipa sensação? Quem irá longe nas competições europeias? Quais os jogadores que surpreenderão? E muitas mais perguntas poderiam ser feitas. Alterações Uma nota importante para esta nova época e que muito influenciará as prestações desportivas e financeiras dos clubes prende-se com a medida que proíbe o empréstimo de jogadores a clubes da mesma divisão. O impedimento consta da nova proposta de Regulamento de Competição dos campeonatos profissionais, iniciativa levada a cargo pelo Nacional, que teve o voto favorável de 19 clubes contra nove

e uma abstenção. Esta medida já aplicada no campeonato português, vem trazer uma maior verdade desportiva, mas também é um facto que esta mesma medida, pode ser contornada pela venda simbólica dos jogadores excedentários dos grandes clubes, onde poderá incluir-se uma cláusula de recompra do jogador ou preferência de compra. O que é certo numa primeira analise é que os clubes com maiores dificuldades financeiras e são muitos, terão de fazer um investimento maior para colmatar as ausências de empréstimos. Se por um lado mais salários terão de ser suportados, por outro também podem valorizar os seus próprios jogadores e posteriormente ganharem numa futura transferência. O problema no imediato não será fácil de resolver por parte desses clubes com dificuldades e uma das medidas para aumentar as receitas passa


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pela centralização dos direitos televisivos, outra medida que o presidente da Liga Mário Figueiredo já confirmou, através da aprovação por unanimidade dos clubes. Na sequência de um estudo económico realizado por uma entidade britânica especializada em estudos de análise de mercados televisivos, conclui que a venda coletiva de direitos televisivos é benéfica e acrescenta um aumento de receitas a serem distribuídos percentualmente pelos clubes. Em relação à arbitragem também já existem novidades, com o novo regulamento de Arbitragem da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, que obriga ao anúncio das nomeações dos árbitros ate 48 horas antes da data dos jogos para os quais estão nomeados. Transferências A maior parte das equipas começa esta semana a habitual pré-epoca, com os habituais testes e com a definição dos objetivos para a época mas muitos dos planteis não estão completos. Os grandes clubes portugueses esperam vender jogadores aos grandes da europa e com isso investir parte dos lucros em promissores jogadores, com isto os pequenos clubes portugueses esperam pelos excedentes. Grandes nomes como Hulk, Witsel, Moutinho, Cardoso, Gaitan, Wolfswinkel, Álvaro Pereira, James Rodriguez, fazem parte do lote de jogadores que poderão ser transferidos a qualquer momento, dando um encaixe financeiro considerável aos respectivos clubes. Ola John é a aquisição mais sonante até ao

momento por parte do Benfica, um jovem com dupla nacionalidade holandês/liberiano de 20 anos, extremo avançado adquirido por 9M€ e com uma cláusula de rescisão de 45M€. Treinadores Outro dos pontos quentes para esta nova época está em saber como se aguentarão treinadores com Jorge Jesus, Vítor Pereira, Sá Pinto e José Peseiro. 4 treinadores portugueses nos 4 principais clubes portugueses do momento. Da parte dos portistas espera-se que seja a época de afirmação de Vítor Pereira mas a sul benfiquistas contam com o seu treinador pela quarta época consecutiva, um feito notável visto o Benfica ser um cemitério de treinadores ate há bem pouco tempo. Um treinador sem margem de manobra que terá de ser campeão ou a pressão aumentará muito sobre a direção. Sá Pinto tem a difícil missão de aguentar as suas tropas coladas a Porto e Benfica para não ser mais um treinador a sair sem honra nem gloria, uma missão ainda mais difícil se pensarmos nas dificuldades financeiras do Sporting para manter e contratar novos reforços de qualidade. José Peseiro estará ensombrado pela fabulosa época de Leonardo jardim, agora com nova aventura na Grécia. Peseiro já provou ser capaz de colocar as equipas onde treina a jogar um futebol bonito mas tem o handicap de falhar nos momentos decisivos. Os ingredientes estão lançados e espera-se uma época de grande nível e com grandes feitos europeus.


INTERNACIONAL

VERSÃO ITALIANA DA PROEZA CHECA Textos: Tiago Soares Fotos: Getty Images

A

Europa futebolística ficou de olhos em bico. Andrea Pirlo, “Mr. Precision” (“Senhor Precisão”, como lhe chamou o comentador inglês da BBC ainda antes de ele marcar o penalti), cometia a audácia de marcar um pénalti que ficou celebrizado como “à Panenka”: guarda-redes para um lado, bola devagarinho no meio da baliza. E com isso mudou o rumo daquela decisão do jogo. O penalti à Panenka (os brasileiros chama-lhe “cavadinha”) teve o seu início com o jogador homónimo – internacional pela Checoslováquia, Antonin Panenka era uma das figuras da equipa no Europeu de 1976. Defrontando a Alemanha Ocidental (Campeã Mundial em 1974) na final da competição, e frente a Sepp Meier, na altura considerado melhor guarda-redes do Mundo, Panenka teve a desafaçatez de marcar um penalti como nunca se tinha visto: Maier para um lado, bola para o

meio, devagarinho, num momento que durou horas para jogadores e adeptos de cada uma das equipas. Na altura, Panenka confessou que já tinha tentado a habilidade em vários treinos, alguns jogos particulares e até em jogos da Liga Checoslovaca. Tudo começou com uma aposta com o guarda-redes Zdenek Hruska nos treinos – quem vencesse no duelo privado ganhava um chocolate ou uma cerveja. Revelou também que passou noites inteiras a pensar em como havia de derrotar o seu colega de equipa – e quando descobriu este método, passou meses a aperfeiçoá-lo. Sabia que os guarda-redes se atiravam sempre para um dos lados, que para o meio era uma aposta certa e tinha 100% de certeza que ia marcar naquela situação. Com isso, criou uma escola. Vários jogado-


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“Jogamos como uma galinha sem cabeça.” John Toshack



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res tentaram a façanha até hoje – e o próprio Pirlo, que marcou o penalti de forma perfeita, até já falhou uma vez num amigável contra o Barcelona. Descrever as sensações daquele penalti, mesmo sendo apenas como observador, é um mero exercício de retórica. Mas vamos tentar, neste artigo, dar-vos a nossa interpretação de como terão sido aqueles momentos. Recorde-se que a Itália já havia falhado um penalti neste final de jogo, pois Montolivo tinha já enviado a bola para fora na sua vez. A Itália estava sob pressão, pois mais um falhanço podia ditar que a Inglaterra tivesse a oportunidade de sentenciar, quase definitivamente, o jogo. Joe Hart: Confiante, o guarda-redes inglês parecia ter o Mundo a seus pés no momento da marcação das grandes penalidades. Hart tinha a máscara do vencedor, imperturbável e quase feliz. No momento em que Pirlo avança para a bola, decide lançar-se para a sua direita (é provável que um jogador dextro como Pirlo tenha mais facilidade em marcar um penalti para a sua própria esquerda). Pirlo parte para a bola, remata e Hart estica-se todo mas a bola parece demorar uma eternidade a chegar à baliza. Hart já está completamente no chão e vê, de forma impotente, a bola a chegar às redes – devagar, muito devagar, como se planasse. Andrea Pirlo: Pirlo sabia que a Inglaterra estava por cima dos acontecimentos e confidenciou mais tarde que viu “o guarda-redes muito confiante, com a cara

muito alegre e pensei em marcar o penalti assim para lhe retirar a confiança”. Acreditamos que tudo lhe deve ter passado pela cabeça, mas um jogador deste nível, com o Europeu que tem vindo a fazer, está quase obrigado a fazer o papel de herói. Pirlo avança para a bola, volta a ajeitá-la por aviso do árbitro da partida. Parte para a bola e dá um pequeno toque apenas. Num momento que também deve ter durado horas para ele próprio, vê Joe Hart a atirar-se para o lado que utiliza mais nos seus penaltis “habituais” e deve, nesse momento, ter soltado um suspiro de alívio. Sabia que podia ser o momento que mudava aquela decisão por marcação de grandes penalidades. Sabia que ia pressionar os jogadores seguintes. E, com efeito, o penalti de Pirlo mudou o desempate. A Itália ainda estava em desvantagem, mas os ingleses pareceram afectados por aquele momento de pura arte futebolística. Ashley Young, no penalti seguinte, pareceu nervoso e acabou por atirar a bola com estrondo à barra da baliza defendida por Buffon; Ashley Cole, que tão bem havia marcado o seu penalti na final da Liga dos Campeões apenas um mês antes, enviou um remate denunciadíssimo e sem convicção para uma defesa muito fácil do guarda-redes italiano. Diamanti acabou com as dúvidas ao marcar o último penalti e levou a Itália para as meias-finais. “Uma obra de arte”, disse o “La Repubblica”; “uma afonta a Sua Majestade, a Rainha Isabel II”, brincou a “Gazzetta dello Sport”. Por todo o Mundo sucederam-se


INTERNACIONAL

as reacções, mais ou menos espantadas e, de uma forma geral, elogiosas à coragem de Andrea Pirlo. Tem havido, um pouco pela história do futebol, vários jogadores a homenagear Panenka da forma que Pirlo fez. Totti (Itália) e Zidane (França), em fases finais de competições de selecções, já o haviam feito; “El Loco” Abreu (Uruguai) já o fez, com resultados diversos – tanto se transformou num semi-Deus para os adeptos com os levou ao desespero; Hélder Postiga levou-nos ao Céu no jogo contra a Inglaterra do Euro 2004, numa performance simplesmente épica da equipa portuguesa

na marcação de grandes penalidades; Sérgio Ramos tramou Rui Patrício neste Europeu de 2012, dando uma resposta aos críticos pelo falhanço pelo Real Madrid nas meias-finais da Champions League deste ano; e até a nível de clubes, é de recordar um amigável em Jorge Fucile, na altura jogador do FC Porto, teve direito a uma reprimenda bem perceptível por parte de Jesualdo Ferreira ao marcar um penalti assim, num amigável de pré-época em 2008. Procure as imagens no Youtube (Jorge “Panenka” Fucile), caro leitor: há palavras que não podemos colocar numa publicação séria como esta...


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“Com a popularidade que tenho, podia ser Deus� Jesus Gil y Gil


ENTREVISTA

JOÃO MIGUEL TAVARES Nuno Pereira/Carlos Maciel Fotos: AP

João Miguel Tavares é, aparentemente, um espírito chistoso que se licenciou em Ciências da Comunicação. A carreira de jornalista (não de engraçadinho) deste portalegrense de 38 anos começou no ‘Diário de Notícias’. Em 2007, porém, decidiu que era tempo de fazer surgir a revista ‘Time Out Lisboa’, e se bem o pensou, melhor o fez. Tanto assim é que a continua a fazer. Ao cargo de sub-director da revista mensal junta ainda a sua opinião a uma coluna do Correio da Manhã. Mas, não satisfeito com tudo isto que faz, tende ainda a dar voz ao seu sentido de humor na TSF, ladeado por Pedro Mexia e Ricardo Araújo Pereira na rubrica ‘Governo Sombra’. É uma entrevista de DEZ valores em outros tantos possíveis de um profissional que vê no dia desta publicação o ponto alto da sua carreira. Sem sombra de dúvidas.

Como homem da rádio, como vê a relação da rádio com o futebol? Deixem-me discordar da premissa inicial. Eu não sou, nunca fui, nem pretendo ser um homem da rádio. Até porque sou deficiente da fala. Mas, sim, acho que não há nada como um bom locutor para nos pôr a vibrar com o que se passa dentro de campo. Não é por acaso que, quando a própria televisão quer pôr o país a comover-se com os golos da selecção nacional, a primeira coisa que faz é ir buscar um relato radiofónico eufórico da bola a entrar na baliza. O futebol pode ser cultura ou é apenas um passatempo? Há uma longa linhagem de grandes escritores, com Nelson Rodrigues à cabeça, que podem responder a essa pergunta melhor do que eu. De qualquer forma, cultura e passa-


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tempo não são opostos. Não acho que o futebol deva pagar menos do que 23% de IVA, mas acho que ele preenche um lugar muito importante na nossa cultura, no sentido mais lato da palavra. O futebol é um espantoso indutor de paixões, e as paixões são a matéria dos filmes, dos livros e dos discos. Se não é cultura, dorme com ela muitas vezes. Acha que os governos e os políticos se aproveitam do fenómeno do futebol? Hoje em dia menos, porque, graças a todos os santos, Rui Rio foi uma fantástica vacina contra isso. Um tipo que está assumidamente de costas voltadas para a bola e para o Futebol Clube do Porto, foi eleito e reeleito presidente da Câmara do Porto, demonstrando aos nossos políticos que os portugueses são menos estúpidos do que eles pensam e sabem separar as águas. Claro que os políticos, como qualquer ‘portuga’, gostam de cravar uns bilhetes e umas viagens de avião para ir ver jogos ao estrangeiro. Mas se for só isso, menos mal. Imagina algum líder político como dirigente desportivo? Imagino um país onde nem os líderes políticos ambicionam ser dirigentes desportivos, nem os dirigentes desportivos ambicionam ser líderes políticos. Cada macaco no seu galho.

É difícil ser adepto do Benfica nos dias que correm? Nada disso. O Benfica dá-me muito mais alegrias agora do que há dez anos. O clube está mais sustentado, tem um rumo, não despede o treinador ao primeiro desaire, e parecendo que não isso faz toda a diferença. Estou mesmo convencido de que o Benfica vai voltar a ganhar campeonatos com regularidade. Sim, se por reflexo da realidade portuguesa entendermos: o país está falido, e o dinheiro no futebol não abunda. Os clubes podem ser melhor ou pior geridos, mas no final o que conta, no século XXI, em que uma equipa já pode ter quase tantos estrangeiros quantos lhes apetecer e a oferta é infinita, é mesmo o pilim. Hoje em dia o Sporting está a afastar-se das contas do título não por ser necessariamente pior gerido do que o Benfica, mas porque tem muito menos adeptos e não consegue gerar tantas receitas. Nenhuma das escolas dos clubes grandes produz actualmente quaisquer frutos, só que o Benfica consegue ir buscar dinheiro a outros lados. Infelizmente, acho que a tendência é mesmo para o Sporting se aproximar do Braga, e não do Benfica. Comente as seguintes manchetes: “José Mourinho candidata-se a Primeiro-Ministro” O meu voto iria para Pep Guardiola.


“Cristiano Ronaldo retira-se para dedicar-se ao cinema” Tendo em conta os anúncios que grava, não tem qualquer espécie de talento. “José Sócrates será o novo presidente do Benfica” Dezenas de milhares de sócios (eu incluído) entregariam o cartão. “Cavaco Silva assessor de imprensa da federação portuguesa de futebol” Só se for numa peça de teatro dos netos. Cavaco tem tanta vocação para assessor como Cristiano Ronaldo para actor.

exemplo. Quando o carro substituiu a charrete, os fabricantes de charretes poderiam estar a construir as melhores charretes do mundo que não deixariam de ser charretes. Perante o desafio das novas tecnologias, os jornais são isso: charretes tramadíssimas pela evolução da técnica. Acredita que o jornalismo desportivo tende a ir pelo caminho mais fácil? Por exemplo as capas dos desportivos fazem manchete dos treinos, apesar de haver histórias muito mais interessantes no futebol... Acho que, demasiadas vezes, o jornalismo desportivo é o jornal ‘Avante!’, só que com bola - e isso pura e simplesmente não é jornalismo. Acho também que muita coisa não é escrutinada por medo de represálias dos principais clubes. Acho, finalmente, que nada irá mudar. As publicações sabem perfeitamente o que funciona ou não em termos de capas, e num meio com escassíssima publicidade são as vendas em banca que contam.

A crispação que existe no mundo do futebol é culpa da imprensa? Não. É culpa em 90% dos dirigentes dos clubes, que tentam invariavelmente esconder os seus erros e incompetências com o fantasma do sistema e os falhanços dos árbitros. São eles que incendeiam os estádios e se comportam como crianças irresponsáveis. Deviam Scolari, Carlos Queiroz e Paulo Bento. ter vergonha na cara. Como vê o impacto de cada um no futebol português? Gosta de ler os jornais desportivos? Segue Eh pá, isso é pergunta para tese de doutoraas crónicas de algum jornalista em parti- mento. Assim de repente, diria que o grande cular? mérito de Scolari é mais psicológico do que Raramente leio jornais desportivos, até por- futebolístico: apanhou uma grande geração e que as secções de desporto dos jornais ge- soube criar um espírito de Selecção à volta neralistas dão bastante atenção ao futebol. dela, com bandeirinhas nas janelas e canções Mas diria que, nos tempos mais recentes, a foleiras nos autocarros. Queiroz foi muitíssisecção de desporto do ‘jornal i’ conseguiu mo importante... aí entre 1989 e 1991. Com marcar o jornalismo desportivo, e já há quem adultos nunca conseguiu fazer nada. Pior: se entretenha a copiá-los, sobretudo as mag- destruiu todo o seu capital de simpatia com níficas entrevistas do Rui Miguel Tovar. arrogâncias e ressabiamentos. Paulo Ben to chegou às meias-finais do Europeu. Tem A crise actual nos meios de comunicação é o pior penteado de sempre e a teimosia de só económica ou também é de conteúdos? uma mula, mas... chegou às meias-finais de Também é de conteúdos, porque o jornalis- um Europeu. mo português tem os mesmos problemas de qualidade e produtividade de quase todos os Que jogador o impressionou mais? outros sectores da economia. Mas é inde- O jogador que mais me impressiona - sempendente dos conteúdos, no sentido em que pre - é Messi. Faz lembrar aqueles jogos de acredito que os problemas económicos per- futebol com velhos de 40 e 50 anos em que maneceriam mesmo que tivéssemos os me- um deles tem um filho de 20 anos cheio de lhores jornais do mundo. Eu costumo dar este técnica e velocidade que os outros só vêem


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passar de mota. Messi faz isso, só que com atletas profissionais. É o maior (desculpa, Cristiano)! Qual é o seu livro de cabeceira? Algum sobre futebol? Eu tenho não um livro mas uma estante (a sério) à cabeceira. Vou saltando entre autores e géneros, consoante os estados de espíritos, o tempo disponível e as obrigações profissionais. Mas é muito raro ler livros sobre futebol. Recomendaria algum filme sobre desporto? Ou são demasiado ‘clichés’? Se há algum bom filme sobre futebol, assim de repente não estou a ver. Mas o velho “Fuga para a Vitória” (John Huston, 1981) há-de ficar para sempre no meu coração. Um filme que tem no mesmo elenco Sylvester Stallone e Pelé merece tudo de bom. Faça sombra às seguintes personalidades: Passos Coelho O tenor de Massamá ainda é um mistério. Tem o mérito de não abdicar de cumprir o memorando; tem o demérito de estar a demorar eternidades a reformar o país. Pinto da Costa É um grande piloto à frente de um grande carro. Infelizmente, gosta tanto de acabar corridas em primeiro lugar como de atirar os concorrentes para fora da pista. Jorge Jesus Faltam-lhe títulos, mas ao contrário de tantos outros é um mestre a valorizar jogadores. Vieira fez bem em segurá-lo. Sá Pinto Uma surpresa, já que pôs o Sporting a jogar com garra - só que depois falhou todos os objectivos do clube. A avaliar em 2013. Paulo Bento A teimosia começa no penteado e acaba nas suas equipas. Mas conseguiu instalar um espírito de grupo na Selecção e isso é uma grande conquista.


HISTÓRICO

“ANTONIN PANE

Texto:


ENKA”

: Ricardo Sacramento Fotos: Maisfutebol

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B

ola debaixo do braço, olhar descontraído, confiança total. Os outros que estão na bancada roem as unhas, desesperam, puxam pelos cabelos, pelos cigarros, vai tudo à frente. O coração bate, as veias pulsam, o sangue aquece, aquele ritmo está louco, o suor já escorre. Acaba lá com isso, que ansiedade. Está tudo à beira do colapso. Aguenta, coração. Um país inteiro está a pressionar as costas daquele homem. É uma final, não há volta a dar. Antonín Panenka pousa a bola, recua e espera que o mandem avançar. Aquele instante dá um calafrio na barriga, junta o pânico com a adrenalina, é uma mistura explosiva carregada de perigo iminente. Inquietude sem fim. Sepp Maier enche a baliza e tem-no marcado. Soa o apito. É agora. Os checos arregalam os olhos, suspiram e anseiam por um golo. Basta-lhes um remate forte, colocado, longe do guarda-redes e já está. Depois é só festa, só glória, só champanhe. Não é preciso inventar. Mas é nestes momentos que aparecem os loucos. A loucura apetece quando o risco é maior. Panenka corre, sente um raio de luz sobre si, lembra-se de todos aqueles que escreveram que a loucura é indispensável e faz o que ninguém tinha feito. Pega a bola por baixo, levando-a a subir e cair no meio da baliza. Herr Sepp tomba, olha para o lado, está perto mas é impotente. Não consegue fazer nada. Os checos correm. Ganharam e isso é o que interessa. Mas para Antonín Panenka, jogador mediano, tudo mudou: inventou uma nova forma de marcar penalties, foi mais louco do que todos os outros, desafiou as regras e eternizou-se. A Checoslováquia ganhou o Europeu de 1976. Antonín Panenka ganhou a

História. Quem ganhou mais? Muitos devem dizer que foi o futebol. Porque loucos destes não aparecem todos os dias. Quando instado a comentar o penálti de Panenka, Pelé gracejou, afirmando que para se marcar um golo assim, o homem só podia ser um génio ou um louco. Não há registos psiquiátricos que considerem válida a segunda hipótese, e em abono da verdade também será difícil considerar o jogador checo como um génio. Mas afinal de contas, o que define um génio? O que não há dúvidas é que o penálti de Panenka passou à história. Há um antes de Panenka e um depois de Panenka, no que toca à marcação de grandes penalidades. Zidane imitou-o no início da final do mundial de 2006, o italiano Totti sempre adorou fazer “La Panenka”, Hélder Postiga arriscou a eliminação de Portugal no Euro 2004, mas não resistiu a fazer uma «Panenka» a David James e mais recentemente neste europeu 2012 Pirlo e Sergio Ramos deixaram a assinatura de panenka na competição. Tivesse sido um remate normal, num outro jogo de uma outra edição e Panenka passaria ao lado da história, sem deixar uma marca. Mas Panenka cunhou uma forma de marcar grandes penalidades, foi o responsável pelo primeiro (e único) título da Checoslováquia em grandes competições, e por muito menos, tantos conquistaram a imortalidade.


MIÚDO MARAVILHA

RAFAL WOLSKI Texto: Pedro Martins Fotos: google.com

Em certos casos o talento nasce com os jogadores, outros são fruto do trabalho árduo e empenho frutífero, mas neste caso é o talento puro de Rafał Wolski que merece destaque. Nascido em Kozienice, Polónia, começou a dar os primeiros toques apenas com nove anos no Jastrzab Glowaczów e apenas com 17 anos transferiu-se para um dos grande do futebol Polaco, o Légia Varsóvia. Estreou-se pela equipa principal em 2011 num jogo a contar para a Taça Polaca, que acabaram por conquistar, mas foi na época transacta que, após algumas oportunidades bem aproveitadas, ganhou o seu espaço na equipa principal marcando 8 golos, ajudando o seu clube a lutar pela conquista do campeonato até às ultimas jornadas, o que lhe valeu a convocatória para representar a selecção Polaca no seu Euro sem ter qualquer internacionalização anterior. Este jovem de apenas 19 anos, pode jogar a extremo ou mesmo a segundo avançado, mas é a médio centro ofensivo que costuma demonstrar todo o seu valor, ora com o seu toque preciso e requintado de bola, na hora de desmarcar e assistir os seus colegas na hora do golo, ora a desembaraçar-se facilmente de vários adversários em espaços curtos com recorte técnico apurado, sempre com movimentos de brio e de classe para a sua tenra idade, daqueles que todo o bom adepto de futebol devora com gula. O seu ponto menos bom é o seu físico, que precisava de ser mais trabalhado para se tornar mais resistente ao choque, mas ao mesmo tempo é bastante imprevisível, pois decide rápido e com requinte usando qualquer um dos pés o que dificulta a acção dos seus oponentes, possuindo um remate fácil sem necessitar de grande preparação. Ultimamente tem surgido grandes nomes de jogadores Polacos nas grandes ligas Europeias, como Lewandowski e Błaszczykowski, e certamente Wolski irá Rafał Wolski dar continuidade a esse ascender do futebol Polaco, Rafał Wolski um miúdo maravilha do hoje para o amanha.


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“O que hoje é verdade, amanhã é mentira” Pimenta Machado, ex-presidente do Vitória de Guimarães


EDITORIAL

INTERNET

Coordenação: Carlos Maciel e Ricardo Sacramento Editor Chefe: João Sacramento Direcção de arte e maquetização: Carlos Maciel Redação: Tiago Soares, João Sacramento, Tiago Jordão, Pedro Martins, Bruno Gonçalves, Ricardo Sacramento, Nelson Souso, Carlos Maciel, Nuno Pereira, Francisco Baião, José Lopes, Pedro Vinagreiro Publicidade: Ricardo Sacramento

facebook.com/jornaldez twitter.com/jornaldez http://www.jornaldez.com O Jornal Dez não se faz responsável da opinião dos seus colaboradores.


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