Informativo FESTCAMP 2011 - 1

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No centro das atenções

Campo Grande recebe a quinta edição do FESTCAMP, que traz para as ruas e palcos da capital espetáculos de teatro de diversas partes do país, e inclui pela primeira vez uma atração internacional. Confira nesta edição críticas dos primeiros espetáculos realizados, e um panorama do evento. Espetáculo ‘In conserto’ Foto de Daniel Lacraia

Espetáculo ‘A saga do sertão da farinha podre’ Foto de Lucas Pellicioni

Espetáculo ‘Conversa pra mais de metro’ Foto de Amanda Amaral


Autoridades prestigiam abertura Um representante da Caixa Econômica Federal, patrocinador do FESTCAMP, além do público, também prestigiaram o evento. Após a cerimônia de abertura houve apresentação do espetáculo Esparrela, monólogo do Grupo Teatral Bigorna, de João Pessoa/PB. No período da tarde, antes

Essa edição do FESTCAMP conta com a participação de companhias de teatro de Campo Grande, Dourados, São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Minas Gerais, Goiânia. E pela primeira vez recebe uma companhia internacional, de Lima, no Peru. O Festival que tradicional-

mente ocorria no mês de agosto foi adiado para o mês de outubro. De acordo com Anderson Lima, da comissão organizadora do evento, a data foi alterada para que não coincidisse com as festividades do aniversário de Campo Grande e também para que estivesse perto da semana da criança.

Foto: Lairtes Chaves - JOR/UFMS

A quinta edição do Festival Nacional de Teatro de Campo Grande – FESTCAMP – teve início no último sábado (15) e segue até o próximo domingo, 23 de outubro. A abertura oficial do Festival ocorreu às 20 horas no Teatro Glauce Rocha. Estiveram presentes na soleni-

COBERTURA FEITA POR ALUNOS DA UFMS o que inclui técnicas de entrevistas, redação e fotografia de espetáculos. Durante o Festival, eles estarão em contato com críticos de teatro, produtores culturais, atores e público, vivenciando a prática do jornalismo cultural.

Foto: Ana Carla Pimenta

mesmo da abertura oficial, houve apresentação de A Saga do Sertão da Farinha Podre, espetáculo encenado na Praça do Rádio Clube pelo coletivo Teatro de Margem, de Alunos do Curso de Jornalismo Uberlândia/MG. da UFMS estão realiando a cobertura jornalística do V FESTCAMP (Festival Nacional de Teatro de Campo Grande). Coordenados pelo Informativo do FESTCAMP é uma publicação do professor Silvio Costa Pereira e Festival de Teatro de Campo Grande, com textos pela jornalista Ana Carla Pimenta, críticos elaborados por Narciso Laranjeira Telles da os acadêmicos - distribuídos em Silva e Walter Lima Torres, e com conteúdo jornalístico grupos - acompanham todas as feito por alunos do Curso de Jornalismo da UFMS, atividades do Festival, produzindo sob coordenação do professor Silvio da Costa Pereira textos, fotos e vídeos. Todo material (MTb/SC-00881-JP) está sendo publicado no blog do Editoração Eletrônica: Ronaldo Braga Magalhães. Festival (www.festcamp.blogspot. Comissão organizadora do FESTCAMP: Anderson Lima, com) e também nas duas edições Espedito Di Montebranco e Marineide Cervigne. deste Informativo do Festival. Impressão: Lazuli Gráfica e Editora Estas atividades proporcioCampo Grande - outubro/2011 nam aos alunos o aprendizado e experiência na cobertura de eventos,

dade de abertura autoridades ligadas ao setor de cultura, como Américo Calheiros, presidente da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul e Ricardo Maia, representante da Fundação Municipal de Cultura.


Revolvendo a memória e ascendendo às consciências

Foto: Carolina Fasolo - JOR/UFMS

Por Walter Lima Torres O Coletivo da Margem (CTM) de Uberlândia, liderado e dirigido por Narciso Telles, trouxe ao FESTCAP a sua primeira incursão pelo universo do teatro de rua. Trata-se de um espetáculo arrojado que na sua forma faz apelo a matrizes populares da nossa cultura onde se mesclam a assimilação do importado e a cultura religiosa. As alusões ao popular estão desde os figurinos com suas cabeças-caveiras-de-boi até a malhação do Judas; o comportamento do bloco do sujo; o Trenzinho do Caipira de Villa Lobos; etc. Quanto à narrativa propriamente, o coletivo se atém ao fragmento, onde cada momento da ação cênica transcorre de maneira autônoma, entre as partes, num espaço específico dentro da Praça do Radio, no coração da cidade. O ponto de partida do espetáculo é a apresentação de uma versão para peça de Sófocles, Antígona, anunciada pelo “bloco de sujo” com suas faces cobertas por máscaras de carnaval. O verdadeiro rosto do ator é revelado quando os mesmos retiram a mascara e se apresentam, informando seu nome e o personagem que irá representar ao tomar parte na adaptação da peça grega. E nesse exercício de revelação da própria identidade de cada integrante, e por que não dizer da revelação da precariedade desses improvisadores-fazedores de teatro, eles informam ainda os seus números de CPF. Essa atitude revela uma espécie de reivindicação ao fato de que o ato teatral também é um ato de cidadania, que combate a tirania e revela as desigualdades. E neste caso, brevemente, a tirania é repre-

sentada por Creonte, o “ditador” que se opõem aos rituais de sepultamento para o corpo de Polinices realizados por Antígona. Logo depois será substituído por um outro tirano. A “Tia” traveca, imperialista e ariana, calçando coturnos e de chicote na mão, com visual Dzi-Croquete, que se põem a sufocar o arcaico, dando inicio ao seu circo pós-brega com direito a desfile de moças selecionadas onde o outro, o diferente, não tem lugar e é excluído. Esta ação cênica inicial, realizada pelo Coletivo da Margem (CTM), a qual não deixa de traduzir um conflito, é só uma espécie de apresentação dos conflitos que se desdobrarão, sempre de forma alegórica incitando o transeunte desavisado a refletir sobre sua própria condição de oprimido pelas mais diversas manifestações de controle exercidas, sobretudo pelas “figuras utópicas que representam a cidade ideal”, como não deixa de afirmar a sinopse do espetáculo. O Coletivo da Margem (CTM) parece ter elaborado sua prévia pesquisa de campo, para realização do espetáculo, entorno dos problemas existenciais e dos conflitos sociais atinentes à própria cidade de Uberlândia, entretanto percebe-se que o “sertão da farinha podre”, e, sobretudo “a farinha podre”, pode estar por toda parte espraiada, por diversas cidades. E o pior é que nem sempre conseguimos enxergar essas violências perpetradas pela manifestação do poder e da ordem, e sem querer

somos até coniventes na nossa alienação involuntária. Essas violências ganham formatos edulcorados, perucas louras, modos subliminares, para manifestarem ainda hoje com indelével desfaçatez a violência da exclusão. Sobretudo se pensarmos as relações sedimentadas pelo princípio do “homem cordial” enraizada nas nossas relações sociais. E nesse sentido, de forma alegórica o Coletivo da Margem (CTM) aborda o preconceito racial; a violência contra as mulheres; a tirania dos detentores do poder; a necessidade de criarmos santos e mitos, et. Grande parte do teatro realizado nos anos 1960 e 1970, no Brasil, esteve dedicada a manifestar o seu protesto contra um regime ditatorial, totalitário que havia suprimido as instancias de debate público e a liberdade de expressão do cidadão. Hoje as regras do jogo parecem ter mudado e respiramos ares democráticos, e o cidadão nunca teve tantos meios de expressão à sua mão. Porém em nossas cidades, em nosso país e pelo mundo afora persiste o conflito entre valores arcaicos e valores contemporâneos. Há um choque cultural permanente. Esse choque pode ser percebido ao dobrarmos a esquina de qualquer cidade brasileira, aonde vamos tropeçando nessas realidades, que apesar

de suas mazelas estão repletas de memórias e poesia. Essa memória e essa poesia é que nos foi sugerida pelo trabalho do Coletivo da Margem (CTM) que alude sem afirmar, que indica sem determinar, pois ao optar por imagens metafóricas convida o transeunte espectador a meditar sobre seu próprio comportamento e as relações numa sociedade contemporânea que se teatraliza, ela própria, mascarando as relações de poder e afetividade, para não citarmos outras esferas relacionais. É emblemática a ação cênica numa das cenas finais, a da cantiga popular infantil sobre Terezinha de Jesus e seus três Cavalheiros. Ressignificando o sentido da canção, o Coletivo da Margem (CTM) chama atenção para violência silenciada pela moral e pelo peso do ambiente social. E ainda operando com o principio alegórico, os “Judas” de um “Sábado de Aleluia” que estão pendurados pelas árvores da Praça do Rádio, personificam, neste momento a “perdida” Terezinha. Trata-se da personificação de um princípio, o do feminino; a personificação de uma idéia, a idéia do Outro: que três vezes é violentado e ultrajado indo ao chão; a mulher que três vezes é castigada por Pai, Irmão e Marido; a voz que três vezes é silenciada, pela família e por aquele terceiro, a quem a Terezinha da cantiga não


A palhaçaria com seus (tre)jeit Por Narciso Telles Na segunda-feira (17) o dia no FESTCAMP foi dedicado à arte do Palhaço. Dois dos mais importantes grupos cariocas apresentaram seus espetáculos trazendo a relação entre a tradição e contemporaneidade desta arte para a Praça do Rádio e o palco do Teatro Glauce Rocha. A palhaçaria, antes restrita ao universo do picadeiro circense, há muito tem ocupado outros espaços e adentrado nas diferentes linguagens artísticas, indo do cinema mudo ao teatro contemporâneo. A pequena máscara vermelha tem ganhado configurações diversas pela prática dos coletivos cincenses-teatrais que localizam suas pesquisas no resgate das tradições circenses ou as redimensionam para um diálogo com a cena contemporânea. Seja qual for a escolha, o importante é a presença do riso, da gargalhada, da poesia e humor que aqui se faz presente. Na Praça do Rádio Clube: Café Pequeno e Psiu, do Grupo OffSina instaurou a tradição da dramaturgia de picadeiro, dos charlatões ou vendedores mambembes que percorriram o Brasil oferecendo a preços populares medicamentos e ervas milagrosas. Abriam sua mala e começam seu trabalho. Assim é a presença de Café Pequeno e Psiu: um banco, uma mala [ohh!!!], aberta sempre com a participação da platéia, e o espetáculo acontece. O jogo cômico

Fotos: Daniel Lacraia - JOR/UFMS no espaço aberto, precisa “sentir a cidade”, pois se apresenta ao transeunte sob a tensão entre uma coerência interna do espaço urbano e a possibilidade de emersão de tendências espontâneas nestes modos de apreensão. O palhaço [de rua] não está ‘protegido’ pela estrutura e práticas sociais que o teatro [espaço arquitetônico] nos oferece. No espaço aberto as interferências são múltiplas e em certos momentos aterradoras, tanto pela inércia do público em relação ao jogo, quanto a força de presença da população de rua que cria suas próprias regras de participação. A cidade contemporânea se constitui como o local destinado às mazelas do sistema, ou seja, àquela parcela da população excluída do avanço do capital global e da lógica de consumo capitalista. Neste sentido, o artista que toma a cidade como objeto/espaço de trabalho/criação tem por objeti-

vo, uma dupla relação com a cidade: de um lado expor as formas de vida da cidade em seu aspecto imaginário, e de outro reconquistar a coesão social por sua intervenção artística. Reinstaura-se a reaproximação entre arte e vida. E é na tradição do picadeiro que esta aproximação se estabelece. Café Pequeno inicia seu trabalho criando entre ele e os espectadores uma relação mais horizontal, mais próxima e fundamental para a seqüência de situações ou gags apresentadas no decorrer do espetáculo. Um entra e sai de espectadores nos variados números colocam o palhaço sempre em uma situação de risco, pois como a comicidade está centrada nesta relação é o próprio espectador, sem saber, é que re-cria o espetáculo a cada momento. O figura palhaço ai fica entre um mestre de cerimônia que amplia o ridículo presente na natureza humana [pú-

blico] e o próprio palhaço que se expõe, que se revela tanto em seu aspecto grosseiro como lírico. Café Pequeno e Psiu tem percorrido diversas cidades brasileiras, e aporta em Campo Grande com a firmeza de quem já possui, não somente o domínio, mas o entendimento da arte de rua, dos artistas mambembes e populares que vendem ‘seu peixe’ atrás do seu ‘ganha pão’, e isto Café Pequeno, como tão Grande Otelo, sabe fazer muito bem. No palco do Teatro Glauce Rocha: O Teatro de Anônimo, um dos mais conhecidos grupos cariocas de palhaços e palhaças, trouxe ao palco do Teatro Glauce Rocha seu espetáculo In Conserto. Trata-se de um encontro [ou desencontro] de três Palhaços – Seu Flor, Buscapé e Prego – para realizar um Grande


tos e espaços Conserto para o público presente. Daí tudo pode acontecer: da dificuldade de subir na cadeira até a morte dos apitos até finalmente assistirmos o grande conserto de acordeon e trompetes. O In Conserto promovido pelo Anômino, na verdade foi de gargalhadas. Com a maturidade artística conquistada por muito trabalho sobre a arte do riso, e digo isto porque os conheço deste CuraTul, o trio nos apresenta também uma sequência de gags da tradição clownesca, com uma pitada bem carioca de humor, visto a bandeira do Flamengo, para delírio de uns e indignação de outros. Este espetáculo criado a partir do Encontro do Anônimo com o palhaço Nani Colombaioni, um mestre desta arte, já tem uma trajetória de seucesso nacional e internacional que podemos verificar pelo jogo estabelecido entre os palhaços e o público e no domínio técnico dos números. Algumas gags poderiam ter seu tempo um pouco mais distendido, por exemplo, o momento que a palhaça Buscapé passa diante dos outros dois palhaços agonizando pela perfuração do guarda-chuva,

poderia retornar mais uma vez antes de revelar o jogo. Produzindo um momento de estranhamento e depois o efeito cômico da revelação do truque. Como também o clímax da Grande Ópera, numero de inicio do espetáculo. O trio cômico ao

longo do espetáculo alterna entre os tipos clássicos da clownaria: branco e augusto proporcionando uma variação interessante para o espectador na criação do efeito cômico, ou mesmo acontece nas intervenções com o público, realizadas sempre em momentos precisos e no tempo certo. Nada tira o mérito e o brilho do Teatro de Anônimo [gritos histéricos] e seu In Conserto, e graças a eles, a arte do Palhaço no Brasil tem ganhado terreno e respeito nacional e internacional.

Palhaços alegram a terceira noite A terceira noite do 5º FESTCAMP foi marcada pelo riso, provocado pelo grupo Teatro de Anônimo, do Rio de Janeiro, com o espetáculo “In Conserto”. A companhia tem mais de 20 anos e

foca na comicidade dos palhaços como forma de atingir e entreter o público. Com música e muita interação com a platéia, a apresentação terminou aplaudida de pé pelo público presente ao Teatro. A bióloga Stéfany, 22, enalteceu a iniciativa do espetáculo. “Quase nunca tem nada e quando tem, é sempre bom”. Ela também comentou sobre o preço das entradas serem bem acessíveis. “A população tem que aproveitar mais”, diz Stéfany.

Geraldo Saldanha, 19, ator do Grupo de Teatro Independente Desnudos Del Nombre e estudante de Artes Cênicas da UEMS (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul), disse ter “curtido” a peça principalmente por ser composta de palhaços, área do teatro que ele se identifica e pratica. Já o pequeno Pedro Montebranco, 10, afirma que mesmo com a pouca idade costuma acompanhar as peças de teatro e classificou o espetáculo como sendo “legal”. Depois da apresentação, em papo descontraído no camarim, os atores do Teatro de Anônimo Shirley Britto, Fábio Freitas e João Carlos Artigos falaram de suas impressões a respeito do FESTCAMP e da receptividade do público. Segundo Artigos, esse tipo de Festival deveria ser política de Estado tamanha sua importância na formação cultural do indivíduo. “O contato com a arte é fundamental na formação e na percepção de mundo das pessoas, sejam elas garis ou economistas”, destaca o ator.


O urubu...a corda... e o ator Foto: Daniel Lacraia - JOR/UFMS

Por Narciso Telles No momento em que a cena contemporânea apresenta uma multiplicidades de relações entre o teatro e as demais manifestações artísticas e coloca a noção de presença cênica, como a relação mediada pelo corpo do ator diante do espectador, em questão. O espetáculo Esparrela encenado pelo Grupo Bigorna, recoloca para mim a pergunta: o que é necessário para se fazer teatro? Ou melhor: o que se apresenta como uma possível característica primeira do fenômeno teatral? Um ator, um tambor, uma bela narrativa e um tapete (?). Diante destes elementos, propostos pelo espetáculo, podemos acionar conceitos como: o teatro essencial de Denise Stocklos, o teatro vivo de Peter Brook, o teatro pobre de Grotovski, ou simplesmente o TEATRO no que há de mais comunicativo. Ao acompanhar a história de Arquimedes, uns destes inúmeros urubus que povoam os céus dos sertões brasileiros, e de seu adestrador Manoel, sou conduzido a lugares, povoados e ações de demarcam o espaço ficcional da narrativa e des-

velam a condição animal de Arquimedes. Aqui como, na metáfora de Leonardo Boff, sobre a condição da águia e da galinha, a corda aparece com símbolo da condição humana, a prisão, o elo que uni o urubu e seu adestrador. Desvelando o mundo dos homens e toda a sua crueza, a morte também é condição de vida na narrativa apresentada. Nos familiares de Manoel, assassinados em incêndio criminoso e no próprio adestrador que, picado por uma cobra, espera em agonia a morte chegar. Como diz Manoel de Barros ‘no alto da árvore mais próxima, antes mesmo do bicho [o adestradorManoel] encomendar, urubu já discuti, em assembléia com os primos, quem que vai no olho, quem que vai no ânus.’ Arquimedes vai no olho, devora-o, depois a perna, no ritual antropofágico, corta a corda. Em última análise, é a morte que possibilita que Arquimedes alcance sua liberdade. A liberdade, em Esparrela, se materializa na condição de voar, de ver o mundo de outra forma, de uma nova condição. Do ponto de vista da encena-

Um pouco de história O FESTCAMP foi criado e é organizado por Espedito Di Montebranco e Anderson Lima, com apoio de Marineide Cervigne. Ao longo dos primeiros quatro anos contou com mais de 56 mil espectadores prestigiando os 80 espetáculos exibidos. O 1º FESTCAMP, realizado em 2007, teve 14.300 espectadores, 17 grupos teatrais e 17 espetáculos. Em 2008, o 2º FEST-

CAMP teve 15.769 espectadores, 17 grupos de teatro e 19 espetáculos, além de oito workshops. O 3º FESTCAMP, aconteceu em 2009 e contou com 11.230 espectadores, 16 grupos de teatro, 16 espetáculos, uma conferência e duas oficinas. Em 2010, o 4º FESTCAMP contou com a presença de 14.710 espectadores, 20 grupos de teatro, 28 espetáculos e três oficinas.

ção, o trabalho está centrado na instauração da presença do ator-personagens-narrador em sua condição primeira, física, corpórea-vocal, sem artíficios ou elementos de espetacularidade que possam nevoar nosso olharouvido, diante de jogo e da narrativa. A opção de colocar o público no palco bem próximo ao ator cria um grau de intimidade com a cena, proporcionando momentos de uma ‘quase’ entrada dos membros da audiência no espaço ficcional, ou seja, não espectadores, mas cúmplices das confissões de Arquimedes, ou mesmo, urubus que se preparam para também saborear a carniça. Além do ator, o único elemento presente em cena, já que o tapete ocupar um lugar de marcação espacial é o tambor. Sua função é modular a narrativa, modificar ritmos e andamentos do texto. Fora o tambor Esparrela também utiliza músicas gravadas, o que durante a encenação funciona em alguns momentos e em outros são desnecessárias, pois a própria palavra já conduz os espectadores para os momentos de atmosferas ‘dramáticas’. A luz é um elemento da encenação que produz espetacularidade, especialmente nos momentos em que o foco está fechado no ator, intensificando a narrativa e a jogo interpretação.

O grande mérito do espetáculo Esparrela está na força do trabalho atoral e na qualidade com que é apresentado. Numa narrativa densa, volumosa como a história que assistimos, é a presença do ator, com toda a sua maturidade artística e de vida que dinamiza a força motriz do teatro. Acompanhamos atentos a instauração do fenômeno, cremos no jogo e juntos o teatro assumi seu lugar e seus riscos. Riscos como a rapidez e a projeção da voz na entrada do personagem e da narrativa, que dificulta a percepção do espectador no inicio do da função. Como utilização do tambor, que poderia ser mais imprevisível para o público, quase algo inesperado, e como momentos de pausa, breves, onde possamos criar nossos adestradores para depois devorarmos e voarmos... Voar, ação finalizadora da função. E novamente me lembro de Manoel [o poeta]: ‘como eles [os urubus], sobre as pedras, eu cato restumes de estrelas. É muito casto o res-


Dentinho e a mágica do lúdico Foto: Carolina Fasolo - JOR/UFMS

Por Walter Lima Torres Desde o titulo de sua apresentação, Raba da Cabra, Dentinho propõem uma inversão. Não se trata propriamente de um palíndromo. Um palíndromo seria a propriedade atribuída a leitura tanto da direita para a esquerda, quanto da esquerda para a direita de uma palavra ou de um grupo de palavras, ou até mesmo de uma frase completa. As letras estão penduradas na tampa da mala que Dentinho encontra. As letras descolaram da mala que, possivelmente, pertencia a um mágico que, distraidamente, a esqueceu em algum lugar da coxia, e da qual Dentinho se apropriou. E para passar o tempo, Dentinho procura realizar os números de mágica que acabam sendo improvisados à leitura do “manual do mágico” e à medida que Dentinho encontra os objetos dos números de magia. Para realizar seus números, todo mágico precisa de um assistente, e não será diferente com o apren-

diz de feiticeiro, o “Mágico-Dentinho”. E é aí que entra em campo a artimanha do Palhaço que, metido a mágico, realiza melhor em dupla ou em conjunto, aquilo que não consegue fazer sozinho, isto é, lembrar às crianças que elas são crianças, lembrar aos adultos que ainda é possível brincar. E é aí, nesta inversão de relação com a platéia, que Dentinho

inalcançável ou se vê confrontado, por meio de uma triangularização, às situações absurdas vividas entre dois palhaços. Dentinho promove o lúdico em lugar do cômico. A ilustração, da situação absurda que faz o espectador normalmente rir, dá lugar a uma experiência orientada e dirigida por Dentinho que seleciona e convida os espectadores mirins e adultos para jogar e atuarem sob a sua batuta. O restante dos espectadores participa incentivando com seus aplausos a coragem daqueles, que mais ou menos inibidos e envergonhados, se propõem uma outra lógica para este arriscam, se expõem, ao atenderem espetáculo. Pois, via de regra, todo o apelo do “Mágico Dentinho”. E a espetáculo de palhaço se organiza brincadeira dá tão certo, que tudo dentro de uma sucessão de núme- é feito sem nenhuma palavra. Ou ros, desempenhados com maior ou melhor, talvez uma... Abracadabra! menor destreza, com maior ou me- Que quando é descoberta, e escrinor eficiência, com a finalidade de ta corretamente sobre a tampa da promover o riso. Nestes casos o es- mala, como num passe de mágica, pectador se defronta com a vonta- a apresentação se termina tão leve e de do palhaço em tentar alcançar o rápido como começara.

Campo Grande sedia o 5º FESTCAMP Em 2011, o FESTCAMP (Festival Nacional de Teatro de Campo Grande) apresenta sua 5ª edição. O evento vem se tornando referência em Mato Grosso do Sul, no Brasil e em outros países. Com a proposta de se tornar um festival internacional, já agrega espetáculos e oficinas internacionais. O FESTCAMP busca oportunizar apresentações teatrais de todos os cantos do Brasil, favorecendo a amostragem e a discussão teatral, abrangendo todas as linguagens das artes cênicas com foco no teatro, dança teatro, teatro de animação, bonecos e formas animadas, rua, cir-

co, palhaços, comédia de picadeiro e formas alternativas, palco italiano e congêneres, a fim de ampliar o acesso ao público fortalecendo a democratização à arte teatral, bem como incentivo à produção teatral regional. Este ano a coordenação inova seu formato substituindo os tradicionais debates, por uma atividade teórica desenvolvida pelos críticos teatrais Walter Torres e Narciso Telles. Além disso, lança pela primeira durante o Festival um jornal com informações e críticas dos espetáculos.

Na programação de 2011 tem espetáculos de dança, palhaçaria, drama e mágica, concebidos para formatos tradicional, alternativo e rua. O 5º FESTCAMP é constituído por 20 companhias vindas de cinco estados brasileiros, além de Mato Grosso do Sul e da cidade de Lima (Peru), totalizando 26 apresentações que tomarão os palcos, praça e escola, além da lona do Festival, na Praça do Rádio Clube, com apresentações a preços populares e sessões gratuitas. O 5º FESTCAMP oferece também discussões e oficinas de capacitação gratuitas, contribuindo

assim, na formação artística sulmatogrossense. O evento tem patrocínio da Fundação de Cultura e Governo do Estado de MS, do FIC-MS (Fundo de Investimentos Culturais de MS), do Governo Federal/Funarte (Prêmio de Apoio a Festivais de Teatro2010) e da Caixa Econômica Federal (Caixa Cultural)


O que é um teatro de tese? Por Walter Lima Torres O Grupo Identidade Teatral apresenta no FESTCAMP uma peça cujo tema e os personagens são muito oportunos para se problematizar e se refletir sobre nossa realidade social e política. Entretanto, dado ao grau de maturidade artística e de intimidade com a formulação de um texto teatral, o Grupo Identidade e o autor do texto ficam muito preso, primeiro a um modelo dramatúrgico que é a peça de tese, e, em segundo lugar, prisioneiros de uma certa concepção realista da cena que só contribui para exacerbar as características menos satisfatórias e interessantes desta escola dramatúrgica. Isso não quer dizer que o texto e o trabalho dos atores não sejam eficientes e não cumpram, satisfatoriamente, em termos comunicacionais o que se quer dizer. Porém, o trabalho pode ser aperfeiçoado, ganhar densidade e o jogo dos atores vir a ser mais nuançado. O olhar do grupo para nossa realidade é justo e correto. Aliais, muito bem vindo. As intenções do autor do texto, que são as melhores, também são pertinentes. Esse olhar e essa intenção refletem a percepção dos abusos perpetrados por políticos e dos desajustes sociais existentes na sociedade brasileira. Porém, para se escrever uma ficção, e mais precisamente uma dramaturgia, seja no formato que for, é necessário um pouco mais do que uma boa idéia na cabeça e de atores talentosos e disponíveis sobre palco. No caso de “Conversa prá mais de metro” o título da peça já sinaliza a “tagarelice” tão pertinente ao dito teatro de tese, matriz dramatúrgica à qual a peça do Grupo Identidade se filia, talvez sem sabê-lo. De toda forma, o autor de “Conversa prá mais de metro” está na companhia de um grupo de dramaturgos

Foto: Amanda Amaral - JOR/UFMS seletos que também tiveram suas incursões pelo teatro de tese, porém essa produção, infelizmente, não foi o seu melhor legado. O dito teatro de tese teria por finalidade sistematizar e injetar no formato teatral convencional uma mensagem didática. Por mensagem didática compreende-se um conteúdo imaginado, aprioristicamente, anterior a formulação da dramaturgia e da encenação. Um teatro que tem por objetivo instruir o público, um teatro que convida o espectador a uma reflexão sobre um problema, examinando-se esse problema, mais profundamente, por meio de uma situação que é apresentada dramaticamente. Entretanto, nos dias de hoje apesar desse formato ser pouco, ou quase nada, explorado pela dramaturgia produzida na atualidade, ele é sempre um modelo interessante para o aprendizado da própria dramaturgia, da sua carpintaria teatral, dos seus códigos e das suas convenções. Em geral, o teatro de tese demonstra, exatamente, como diz seu nome, uma tese, seja ela filosófica, política, moral; e por meio desta dramatização procura conquistar a adesão do espectador, isto é, convencer o público de que sua tese está correta, e assim sendo, os espectadores podem formar um juízo objetivo sobre determinada questão. Filiam-se em alguma medida, graças ao seu desejo de discussão de problemas sociais atinentes às suas épocas algumas obras de autores, desde Alexandre Dumas Filho com sua “A Dama das Camélias” até Henrik Ibsen com sua “Casa de Bonecas”, passando por nomes como Bernard Shaw e Máximo Gorki, entre ou-

tros.

Uma das qualidades ao mesmo tempo positiva e negativa desse teatro de tese é exatamente o fluxo de um diálogo muitas vezes tagarela demais, como é o caso de “Conversa prá mais de metro”. O drama rigoroso como foi se definindo ao longo da tradição ocidental, resumidamente, poderia ser reduzido ao conflito inter-subjetivo entre identidades ficcionais. Isso é exatamente o que ocorre em “Conversa pra mais de metro” porém de forma muito ilustrativa, ou muito explícita, sem contornos psicológicos que possam dar maiores densidades ao embate ideológico entre o político corrupto e o preso comum. A situação dramática de partida é excelente, porém o desenvolvimento desse conflito ideológico é frágil, se não for ingênuo, marcado por um excesso de didatismo que procura mostrar, por si, cada um dos personagens, ao invés de nos apresentalos segundo um jogo dialético entre proposições distintas acerca de determinados assuntos e as contradições passíveis de serem geradas desde esse próprio fluxo. Cada personagem é uma visão de mundo. E cada personagem quer alguma coisa e é movido por algo que lhe faz agir.

Um bom texto brasileiro para se estudar o fluxo dialético da ação, do ponto de vista do diálogo seria, por exemplo, o texto de Plínio Marcos, “Dois perdidos numa noite suja” ou até mesmo “Barrela”, neste caso pela própria situação de semelhança na questão da reclusão dos personagens. Ou ainda qualquer texto de Anton Tchékov, dado ao seu aspecto existencial que caracterizam seus personagens. E ainda um texto como “Os fuzis da Senhora Carrar” de Bertold Brecht para que se observe a tomada de posição, a mudança de atitude de um personagem diante das circunstancias que lhe cercam. Porque é ao fluxo do diálogo que deve estar ajustada uma ação dramática consistente que se realizará, completamente, ao término da representação. Momento inexistente em “Conversa prá mais de metro”, visto que na despedida, depois dos oito anos passados juntos atrás das grades, os personagens resolvem manter a mesma conversa que já se prolongara pelo tempo da detenção. Ora, a necessidade compulsiva de falar é do personagem do político ou é do autor propriamente dito, na tentativa de passar a sua mensagem? Ao longo desses anos de reclusão, que transformações podem ser percebidas no caráter dessas personagens? O que mudou em suas intimidades? Apesar de sabermos que o personagem não é uma pessoa, é um ser ficcional. “Conversa prá mais de metro” apresenta uma excelente situação de partida, um ajustado projeto de critica social, que deve ser aprofundado e aperfeiçoado pelo estudo da dramaturgia. Certamente esse estudo reverberá em ajustes que só aperfeiçoarão a excelência da iniciativa do Grupo Identidade.


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