As sombras do 'nuno', os bustos azuis e as fragrâncias do açafrão

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Projecto Gráfico Isabel Lopes de Castro

Edição Associação dos Arqueólogos Portugueses

ISBN 978-972-9451-87-4

Lisboa, Outubro, 2020


dedicatória

5

agradecimentos

6

texto de acolhimento institucional (Dra. Célia Nunes Pereira, conservadora do Museu Arqueológico do Carmo)

7

texto de apresentação da exposição (José Quaresma)

9

Pigmentos e sedimentos: um ocre ‘pré-moderno’ com 60 000 anos

11

O recuo das Musas Máscara calcária

13 15

O artista ‘esteve presente’ em La Pasiega

17

‘Catarina’ em território de Millares

19

‘Nuno’, Matisse e o gato fauvista

21

Peças de um colar Neandertal

23

Iconoclasta bizantino em “flagrante branqueamento” de imagens (Alusão ao manuscrito Chludow Psalter, séc. X)

25

3


Estilhaços de “Shooting into the Corner” (Alusão à obra de Anish Kapoor na Royal Academy)

26

Kairos e Kapoor: viscosidade lenta e leve

27

Vestígios de uma “paleo-instalação” (A égua ferida da gruta de El Castillo)

28

O alquimista de D. Fernando I

29

Um bicho medieval

Nas “asas do desejo”

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dedicatĂłria

Ao meu querido Mestre AmĂŠrico Marinho

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agradecimentos

Célia Pereira Helena Ferreira Isabel Nunes José Arnaud Maria Albergaria Paulo Lourenço AAP FBAUL MAC

6


texto de acolhimento institucional

O modo de ser próprio do animal, que define o seu relacionamento com o desinibidor; é o stordimento.”1

O Museu Arqueológico do Carmo nasce em 1864, tutelado pela Associação dos Arqueólogos Portugueses (1863), com o propósito de zelar e salvaguardar património que corria o risco de ser destruído. O seu fundador, Joaquim Possidónio da Silva, tinha preocupações que iam muito para além da protecção do património português, procedendo à encomenda de manuais e materiais que permitissem aos arqueólogos, arquitectos e artistas portugueses uma actualização permanente dos seus conhecimentos. Neste sentido o Carmo, rapidamente, se torna uma “escola”, centro de debates e núcleo de exposições permanentes e temporárias. Aos longos dos seus 157 anos de existência, fazendo face às mais diversas vicissitudes, as Direcções do MAC têm procurado manter estes princípios, posicionando este museu entre a comunidade científica e artística, produzindo conteúdos abertos para a comunidade em geral. E é no âmbito destas participações que travámos conhecimento com o professor de Belas-Artes e artista José Quaresma, que só agora se estreia neste espaço com a sua primeira exposição individual As Sombras de “Nuno”, os Bustos e as Fragâncias de Açafrão, após onze anos de profícuas colaborações em projectos artísticos colectivos, onde tem assumido o papel de coordenador, em parceria com a FBAUL.

Esta exposição reflecte a relação entre o homem, o animal2 e os

lugares mais remotos da História, proporcionando uma ligação entre o espólio do museu, as eras da sua produção original e a actualidade, onde o homem mais uma vez altera «(…) a ordem da natureza com o pensamento (…)»3 e o seu trabalho (aqui) plástico, convidando-nos a fazer uma viagem pela transmemória dos objectos representados, ao longo das catorze obras que compõem esta exposição. Estes ganham agora uma nova vida reinterpretativa, exposta pela pintor, que desoculta outros códigos,

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mensagens e leituras (gráficas e iconológicas), que ultrapassam o modo de ver mais superficial, do qual ele mesmo faz parte, auto-retratando-se, recorrendo a uma paleta que oscila entre cores vibrantes e a suavidade dos tons azuis e violácios. Célia Nunes Pereira

Conservadora do Museu Arqueológico do Carmo

1

AGAMBEN, Giorgio, O Aberto. O Homem e o Animal, Edições 70, Lisboa, 2012, p.73

2

Aqui representado pelos gatos Nuno e Carlota que ajudam a preservar,

preventivamente o MAC, afastando os roedores e aves.

3

8

HERBERT, Zbigniew, Um Bárbaro no Jardim, Cavalo de Ferro, Lisboa, 2019, p.19


apresentação da exposição

Mago respirou fundo. Abriu o nariz e encheu o peito de ar ou de luar, não podia saber ao certo, porque a noite era uma mistura de brisa e claridade. Mas fosse de frescura ou de luz a onda que bebera dum trago, de tal modo o inundou, que em todo o corpo lhe correu logo um frémito de vida nova. Esticou-se então por inteiro, firmado nas quatro patas, arqueou o lombo, e deixou-se ficar assim alguns instantes, só músculos, tendões e nervos, com os ossos a ranger de cabo a rabo. Arre que não podia mais!

Miguel Torga, “Mago”, in Os Bichos

9


Esta exposição consiste na criação de diversas evocações — algumas indiciais e tendencialmente abstractas, outras parcialmente figurativas — resultantes do entrelaçamento entre a expressão da pintura (bidimensional e tridimensional) e determinadas peças arqueológicas do Museu Arqueológico do Carmo (MAC), intactas ou fragmentadas, tais como bustos, túmulos, colunas, outras. Inclui ainda duas obras que aludem a um tempo mais remoto e característico da eclosão do próprio acto de pintar, como a reconfiguração plástica de objectos naturais (conchas spondylus) com pigmentos usados há cerca de 60.000 anos pelo homem de Neandertal, segundo investigações conduzidas por João Zilhão e outros especialistas dos vestígios da simbolização humana.

Sendo assim, a intenção consistiu no desenvolvimento de um diálogo

vivo e interpelante entre a pintura, a instalação pictural, o poder evocativo de certos “objectos” que o MAC conserva, e a relação imemorial entre o “pintar de hoje” e o “pintar mais remoto” que já se investigou no espaço europeu até ao presente, seja a “escada” pintada de La Pasiega, a “mão” stencilizada de Maltravieso, ou as misteriosas “conchas” da Cueva de los Aviones, Cartagena.

Mais concretamente a exposição compõe-se de onze pinturas e de

três instalações de pintura no espaço interior do Museu Arqueológico do Carmo. A produção destas obras orientou-se segundo três sugestões nucleares. (1) Potencial matérico, ou seja, a exploração da materialidade intrínseca à própria elaboração de uma pintura, em confronto e assimilação das matérias (algumas já transformadas devido ao processo de erosão) usadas nos elementos arqueológicos que caracterizam a atmosfera específica do MAC. (2) Potencial pictural com origens dispersas pela nossa vida mais remota, nomeadamente do homem de Neandertal, fruto da exploração de diversas grutas na Península Ibérica por especialistas em Arqueologia e Paleo-antropologia, elaborando a estratigrafia e remexendo em sedimentos, aspirando a tocar a rocha mãe. (3) Potencial afectivo, desta vez entre os humanos e os animais em ambiente arqueológico e cultural, pois, nada mais tocante, disruptivo, mas ao mesmo tempo natural, do que imaginar um “Mago” como o de Miguel Torga, entrever um “Nuno” ou dar com uma “Carlota” miando e “arqueando o lombo” sob a pureza espacial das ogivas do MAC.

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José Quaresma


Pigmentos e sedimentos: um ocre ‘pré-moderno’ com 60 000 anos

Técnica: acrílico sobre linho branco Dimensões: 80x60 cm 2020

11


12


O recuo das Musas

Instalação de pintura Materiais: tinta acrílica sobre madeira e massa para madeira Dimensões variáveis. Duas peças de madeira de pinho 200x50 cm, uma peça de madeira de pinho

13

com 200x30 cm 2020


14


Máscara calcária

Técnica: acrílico sobre estopa Dimensões: 100x70 cm 2020

15


16


O artista ‘esteve presente’ em La Pasiega

Técnica: acrílico sobre linho branco Dimensões: 80x60 cm 2020

17


18


‘Catarina’ em território de Millares

Técnica: acrílico sobre serapinheira Dimensões: 100x160 cm 2020

19


20


‘Nuno’, Matisse e o gato fauvista

Instalação de pintura Materiais: tinta acrílica sobre vidro acrílico preto Dimensões variáveis: duas peças de vidro acrílico, 100x50 cm e 100x40 cm, respectivamente; duas telas brancas de 120x60 cm

21

2020


22


Peças de um colar Neandertal

Objecto tridimensional de pintura Materiais: tinta acrílica sobre caixas de madeira e assemblage Dimensões: duas caixas de madeira sobrepostas, 30x35x27 cm

23

2020


24


Iconoclasta bizantino em “flagrante branqueamento” de imagens (Alusão ao manuscrito Chludow Psalter, séc. X)

Técnica: aguarela Dimensões: 32x26 cm

25

2020


Estilhaços de “Shooting into the Corner” (Alusão à obra de Anish Kapoor na Royal Academy)

Técnica: aguarela Dimensões: 26x32 cm 2020

26


Kairos e Kapoor: viscosidade lenta e leve

TĂŠcnica: aguarela DimensĂľes: 23x32,5 cm 2020

27


Vestígios de uma “paleo-instalação” (A égua ferida da gruta de El Castillo)

Técnica: aguarela Dimensões: 26x32 cm 2020

28


O alquimista de D. Fernando I

Técnica: aguarela Dimensões: 27x27 cm 2020

29


Um bicho medieval

TĂŠcnica: aguarela DimensĂľes: 27x27 cm 2020

30


Nas “asas do desejo”

Técnica: aguarela Dimensões: 27x27 cm 2020

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