Neuropsiquiatria Infantil

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Reunindo médicos de diversas especialidades, como Pediatria, Neurologia, Psiquiatria, Psicologia e Fonoaudiologia, a obra Neuropsiquiatria Infantil visa trazer, de maneira clara e objetiva, conceitos modernos sobre diversas questões que afetam a saúde mental de crianças e adolescentes. Organizada por professores da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e que trabalham no Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG) desta mesma instituição, a obra cobre uma vasta gama de transtornos mentais comuns da infância, cuja frequência vem aumentando nos últimos anos, como o transtorno do espectro autista, as dificuldades de aprendizagem e problemas relacionados com o uso de mídias eletrônicas de modo cada vez mais precoce. Com base na experiência assistencial e científica dos autores em um ambiente multidisciplinar, este livro servirá como referência para a prática clínica diária de profissionais que vivem o dia a dia de atendimentos de crianças e adolescentes com queixas neuropsiquiátricas.

Áreas de interesse Pediatria Neurologia Psiquiatria

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Organizadores

Giuseppe Pastura Neurologista Pediátrico pelo Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG/UFRJ). Mestre e Doutor em Clínica Médica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). MBA em Gestão de Saúde pelo Instituto de Pós-graduação em Pesquisa e Administração (Coppead/UFRJ). Pós-doutor em Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade pela Würzburg Universität, Alemanha. Professor Associado da Faculdade de Medicina da UFRJ. Ex-diretor Adjunto de Atividades Acadêmicas do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG/UFRJ). Chefe do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFRJ. Presidente da Associação Brasileira de Neurologia e Psiquiatria Infantil e Profissões Afins, capítulo Rio de Janeiro (Abenepi-Rio).

Flávia Nardes dos Santos Professora Adjunta da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Neurologista Infantil pelo Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG/UFRJ). Mestre e Doutora em Doenças Neuromusculares pela UFRJ. Título de Especialista em Pediatria pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Título de Especialista em Neurologia Infantil pela Associação Médica Brasileira (AMB). Residência Médica em Pediatria pelo IPPMG/UFRJ. Residência Médica em Neurologia Infantil pelo IPPMG/UFRJ. Graduação em Medicina pela UFRJ.

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Neuropsiquiatria Infantil Copyright  2022 Editora Rubio Ltda. ISBN 978-65-88340-13-4 Todos os direitos reservados. É expressamente proibida a reprodução desta obra, no todo ou em parte, sem autorização por escrito da Editora. Produção Equipe Rubio Capa Bruno Sales Imagem de capa Istock/kieferpix Diagramação Estúdio Castellani

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ N414 Neuropsiquiatria infantil/organização Giuseppe Pastura, Flávia Nardes dos Santos; [coordenação Adriana Rocha Brito ... [et al.]. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Rubio, 2022. 256p.; 24cm.   Inclui bibliografia e índice   ISBN 978-65-88340-13-4   1. Neuropsiquiatria. 2. Neuropsiquiatria pediátrica. I. Pastura, Giuseppe. II. Santos, Flávia Nardes dos. III. Brito, Adriana Rocha. 21-72020 CDD: 618.9289 CDU: 616.89-053.2

Editora Rubio Ltda. Av. Franklin Roosevelt, 194 s/l 204 – Castelo 20021-120 – Rio de Janeiro – RJ Telefone: 55(21) 2262-3779 E-mail: rubio@rubio.com.br www.rubio.com.br Impresso no Brasil Printed in Brazil

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Colaboradores

Adriana Rocha Brito

Bruno Palazzo Nazar

Neurologista Pediátrica pelo Instituto Fernandes Figueira (IFF)/Fiocruz. Mestre em Saúde da Criança e do Adolescente e Doutora em Neurologia pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Professora Adjunta de Pediatria da UFF. Membro do Grupo de Trabalho de Saúde Mental da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), do Departamento Científico de Neurologia da Sociedade de Pediatria do Estado do Rio de Janeiro (Soperj) e do Comitê de Neurologia da Associação Brasileira de Neurologia e Psiquiatria Infantil e Profissões Afins (Abenepi).

Médico-Psiquiatra supervisor do Grupo de Obe­ sidade e Transtornos Alimentares (Gota) do Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia (Iede) Luiz Capriglione, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor do Programa de Pós-graduação em Psiquiatria e Saúde Mental do Instituto de Psiquiatria da UFRJ (Propsam-Ipub-UFRJ). Membro Associado do King’s College, London.

Alexandra Prufer de Queiroz Campos Araújo Neuropediatra. Professora-Associada de Neuropediatria da Uni­ versidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pesquisadora principal do Centro de Pesquisa em Doenças Neuromusculares do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG/UFRJ).

Aline Chacon Pereira Neurologista Infantil. Professora Adjunta de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Neurofisiologista sócia da Sociedade Brasileira de Neurofisiologia Clínica (SBNC).

Andreia de Santana Silva Moreira Neuropediatra pelo Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPMG/UFRJ), com Título de Especialista pela Sociedade Brasileira de Pediatria/ Academia Brasileira de Neurologia (SBP/ABN). Doutora e Mestre em Medicina (Saúde da Criança e do Adolescente) pela UFRJ. Professora Adjunta de Medicina do Centro Uni­ver­ sitário Serra dos Órgãos (Unifeso), RJ. Presidente do Departamento de Neuropediatria da Sociedade de Pediatria do Estado do Rio de Janeiro (Soperj) – triênio 2019-2021.

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Camila Bernardes Psicóloga pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Especialista em Terapia Cognitivo-comportamental pelo Centro Universitário Redentor (UniRedentor), RJ. Psicóloga do Centro de Neuropsicologia Aplicada (CNA) do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (Idor). Mestre em Saúde Mental pelo Instituto de Psiquiatria da UFRJ (Ipub/UFRJ).

Carlos Gadia Diretor-associado do Dan Marino Center – Nicklaus Children’s Hospital, FL, EUA. Professor-assistente Voluntário do Departamento de Neurologia da University of Miami Miller School of Medicine – FL, EUA. Professor-associado Voluntário do Departamento de Neurociências do Herbert Wertheim College of Medicine – Florida International University, EUA. Professor-assistente Voluntário do Departamento de Pediatria do Dr. Kiran C. Patel College of Allopathic Medicine – Nova Southeastern University – FL, EUA.

Christianne Martins Bahia Neurologista pela Academia Brasileira de Neurologia (ABN). Especialista em Medicina do Sono pelo Instituto do Sono, SP. Mestre em Medicina pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Responsável pelo setor de Distúrbios do Sono do serviço de neurologia do Hospital Universitário Pedro Ernesto da UERJ (HUPE-UERJ).

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Cíntia Andrade Doutora em Farmacologia pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Professora Adjunta do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Daniel Segenreich Psiquiatra. Mestre e Doutor em Psiquiatria pelo Instituto de Psi­ quiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Ipub/UFRJ). Professor da Faculdade de Medicina de Petrópolis (FMP) – Faculdade Arthur Sá Earp Neto (Fase). Vice-presidente da Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA).

Dídia Fortes Formada em Medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Residência Médica em Psiquiatria pelo Instituto de Psiquiatria (Ipub) da UFRJ. Médica do Centro de Neuropsicologia Aplicada (CNA) do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (Idor). Especialização em Neurociências pelo Idor. Formação em Terapia Cognitivo-comportamental pelo CPAF-RJ.

Emanuelle Ximenes Rios Médica pela Universidade de Pernambuco (UPE). Psiquiatra pelo Instituto de Medicina Integral Pro­ fessor Fernando Figueira (Imip), Recife-PE. Mestre em Saúde Integral pelo Imip.

Evelin Mascarenhas Soffritti Médica Psiquiatra, colaboradora do Grupo de Obe­ sidade e Transtornos Alimentares (Gota) do Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia (Iede) Luiz Capriglione, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mestranda do Programa de Pós-graduação em Psiquiatria e Saúde Mental do Instituto de Psiquiatria da UFRJ (Propsam-Ipub-UFRJ).

Guilherme Gonçais Psiquiatra da Infância e Adolescência pela Univer­ sidade Federal Fluminense (UFF). Professor Auxiliar do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental da UFF.

Heber de Souza Maia Filho Neurologista Pediátrico. Doutor em Psiquiatria pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

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Professor Associado da Universidade Federal Fluminense (UFF). Membro do Departamento Científico de Neurologia da Sociedade de Pediatria do Estado do Rio de Janeiro (Soperj) e do Comitê de Neurologia da Associação Brasileira de Neurologia e Psiquiatria Infantil e Pro­ fissões Afins (Abenepi).

Isabella Ganem Salomão de Souza Psiquiatra. Mestre e Doutora em Psiquiatria pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Josemar Marchezan Neuropediatra e Neurofisiologista Clínico. Doutor em Saúde da Criança e do Adolescente pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professor do Departamento de Pediatria da Univer­ sidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). Professor do Programa de Pós-graduação em Ciên­ cias Médicas da Universidade do Vale do Taquari (Univates), RS.

Luciana Mendes Fonoaudióloga da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Clínica Lexus – Linguagem, Desenvolvimento e Aprendizagem. Doutora e Mestre em Linguística pela UFRJ. Especialista em Linguagem e Fonoaudiologia Educa­ cional pelo Conselho Federal de Fonoaudiologia (CFFA). Pós-graduação em Reabilitação Aplicada à Neurologia Infantil pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e em Educação Inclusiva na Universidade Gama Filho (UGF), RJ.

Maíta Bittar Psicóloga Clínica Cognitivo-comportamental Infantil. Especialista em Psicomotricidade Clínica pelo Centro Universitário IBMR, RJ. Especialista em Neuropsicologia Infantil pelo Centro de Pós-graduação da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro. Mestre em Saúde Materno-Infantil pelo Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Maria Angélica Regalla Psicóloga. Doutora em Saúde Mental pelo Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPUB/UFRJ). Psicopedagoga Clínica pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

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Maria Antônia Serra-Pinheiro

Renata Mousinho

Psiquiatra da Infância e Adolescência. Doutora em Psiquiatria e Saúde Mental pela Univer­ sidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Fonoaudióloga. Professora Titular do Departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mestre e Doutora em Linguística pela UFRJ. Pós-doutorado no Programa de Pós-graduação em Psicologia, na linha de Cognição, Desenvolvimento e Subjetividade, da UFRJ. Especialista em Psicomotricidade pelo Institut Supérieur de Rééducation Psychomotrice (ISRP), na França, e em Educação Inclusiva pela Universidade Gama Filho (UGF). Coordenadora do Projeto ELO: escrita, leitura e oralidade, da UFRJ.

Mariana Cabizuca Psiquiatra da Infância e Adolescência. Doutora em Psiquiatria e Saúde Mental pela Univer­ sidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Marília Bezerra Magalhães Martins Neurologista Pediátrica pelo Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mestranda em Neurologia pela Universidade Federal Fluminense (UFF).

Marlos Melo Martins Neurologista Pediátrico. Mestre em Medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Coordenador Médico do Serviço de Neurologia Infan­ til do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG), da UFRJ. Membro do Comitê de Neurologia Infantil da So­ ciedade de Pediatria do Estado do Rio de Janeiro (Soperj).

Paulo Mattos Doutor em Psiquiatria e Saúde Mental pela Univer­ sidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pesquisador do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino. Ex-professor da Faculdade de Medicina da UFRJ.

Priscila Silveira Martins Residência Médica em Neurologia Infantil pela Uni­ versidade Estadual de Campinas (Unicamp), SP. Mestrado em Saúde da Criança e da Mulher pelo Ins­ tituto Fernandes Figueira (IFF), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Pós-graduada em Neurociências pelo Instituto D’Or.

Raquel Martins Fonoaudióloga. Título de Especialista em Fonoaudiologia Educa­ cio­­nal e Linguagem pelo Conselho Federal de Fono­ au­diologia (CFFa). Especialização em Linguagem, com ênfase nos Dis­ túrbios de Aprendizagem e na atuação educacional, pelo Centro Especializado em Fonoaudiologia Clínica (Cefac), RJ. Mestrado em Clínica Médica pela Universidade Fede­ ral do Rio de Janeiro (UFRJ).

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Rudimar dos Santos Riesgo Neuropediatra. Mestre e Doutor em Pediatria pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Fellow in EEG and Epilepsy no Miami Childen’s Hospital. Professor de Medicina da UFRGS. Chefe da Neuropediatria do Hospital das Clínicas de Porto Alegre (HCPA/UFRGS). Líder do Grupo de Pesquisa em Neuropediatria (HCPA/CNPq).

Tiago Figueiredo Médico Psiquiatra. Residência Médica em Psiquiatria pelo Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Ipub/UFRJ). Mestre em Psiquiatria Clínica pelo Ipub/UFRJ. Doutorado em Ciências Médicas pelo Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (Idor). Especialista em Transtorno do Controle dos Impulsos pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (Fmusp).

Vanessa Ayrão Franco Médica Psiquiatra Residência Médica pelo Instituto de Psiquiatria (Ipub) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Coordenadora do Programa de Residência Médica em Psiquiatria do Instituto Municipal Philippe Pinel. Psiquiatra do Centro de Neuropsicologia Aplicada (CNA) do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (Idor).

Vanessa Nóbrega Fonoaudióloga. Especialista em Educação Inclusiva pela Universidade Gama Filho (UGF). Mestre em Linguística pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

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Dedicatória

Aos meus filhos, à minha esposa, aos meus pais, ao meu irmão e sua família. Aos nossos mestres e às crianças por nós atendidas. Giuseppe Pastura

Este trabalho foi resultado de empenho, dedicação, paciência e, especialmente, estruturação de um texto que trouxesse informação útil e prática, despida de prolixidade desnecessária. Agradeço todo esforço científico empreendido pelos coordenadores e escritores em prol da construção de mais uma fonte de saber. Dedico a obra a todos os colegas que empenham energia e amor a sua prática assistencial e de ensino. Flávia Nardes dos Santos

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Agradecimentos

Ao Sr. Fabio Rubio e ao Sr. Leonardo Navarro pelo meticuloso e dedicado trabalho de edição desta obra.

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Apresentação

Transtornos de saúde mental representam um problema crescente na população jovem em todo o mundo. Segundo dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), em torno de 20% dos jovens sofrem de problemas psiquiátricos. Esta proporção de jovens acometidos representa um enorme desafio uma vez que é necessário tanto capacitar profissionais para lidar com esta questão como prover acesso destes pacientes a sistema de saúde preparado para recebê-los. Cabe ainda ressaltar que os diagnósticos em saúde mental têm aumentado nos últimos anos e a presença de um transtorno amplia a chance de diagnóstico de uma segunda condição mental ao longo dos anos de vida de um paciente, segundo dados do CDC. O propósito deste livro é reunir especialistas em saúde mental de diversas especialidades (neurologia, psiquiatria, psicologia e fonoaudiologia) a fim de traçar um panorama sobre cada um dos problemas que afetam a saúde mental

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de crianças e adolescentes, bem como trazer informações relevantes sobre a condução clínica destes casos. Este trabalho foi idealizado a partir de nossas experiências assistenciais e científicas realizadas no Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG), o hospital universitário pediátrico da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que serve de referência para atendimento da população infantil do estado do Rio de Janeiro. Selecionamos profissionais que trabalham diretamente com as questões abordadas de modo a trazer uma visão não apenas teórica, mas também prática sobre como lidar com esses jovens pacientes com transtornos neuropsiquiátricos. Esperamos que aproveitem a leitura e que a obra seja útil para a vida profissional de todos os médicos que lidam com crianças. Os Organizadores

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Prefácio

Como muito bem assinalado pelos organizadores deste livro, os transtornos de saúde mental em crianças e adolescentes são extremamente prevalentes na população. Embora não tenhamos estudos de abrangência nacional no Brasil, investigações regionais bem conduzidas metodologicamente indicam prevalências entre 10% e 12%. Dados recentes sugerem, como seria de se esperar, que a pandemia de COVID-19 também determina um crescimento de problemas de saúde mental, como transtornos de ansiedade, depressão e estresse pós-traumático na população infantil. Mais importante ainda é a carga de doença associada a esses transtornos na infância e adolescência, medida por meio dos anos de vida vividos com incapacidades ou anos de vida perdidos. Dados do Global Burden of Mental Disorders, da Organização Mundial da Saúde (OMS), documentam claramente que os transtornos mentais ocupam o segundo lugar em termos de carga de doença em indivíduos entre 5 e 14 anos de idade nos continentes americanos. Por fim, estudos brasileiros indicam que apenas cerca de 20% das crianças e adolescentes com transtornos mentais têm acesso a algum tipo de tratamento e, nem sempre, tratamentos com base em evidência científica.

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Nesse contexto, uma obra que revisa e discute conteúdos atualizados sobre aspectos clinicamente relevantes do desenvolvimento infantil, bem como relacionados aos principais transtornos mentais da infância e adolescência, é muito bem-vinda! Vale ressaltar a fácil leitura e como os capítulos fluem harmoniosamente, respeitando tanto aspectos desenvolvimentais quanto aspectos clínicos e terapêuticos. Como tenho dito em outras oportunidades, um livro é feito, entre muitas outras coisas, a partir da experiência clínica de quem o escreve. Nesse quesito, reside outro mérito da obra. Ela reú­ne um grupo ímpar de profissionais com larga experiência na clínica de neuropsiquiatria da infância e adolescência. Torna-se, portanto, uma referência para os profissionais de saúde e, em especial, o neuropediatra, que busca melhor entender os transtornos de saúde mental que afetam nossas crianças e adolescentes. Luis Augusto Rohde Professor Titular de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professor da Pós-graduação em Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP).

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Lista de Siglas e Abreviaturas

AASM

Academia Americana de Medicina do Sono

ADOS

Autism Diagnostic Observation Schedule

AH

alucinações hipnagógicas

AN

anorexia nervosa

APA

Associação Americana de Psiquiatria

AV

atrioventricular

BiPAP

pressão positiva de dois níveis nas vias respiratórias (do inglês, bilevel positive airway pressure)

DSM-5

Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5a ed. (do inglês, Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 5a ed.)

DTI

técnica do tensor de difusão

ECA

Epidemiologic Catchment Area Program

EDSC

Escala de Distúrbios do Sono em Crianças

EEG

eletroencefalograma

EM

entrevista motivacional

ESEMeD

European Study of the Epidemiology of Mental Disorders

BN

bulimia nervosa

CARS

Childhood Autism Rating Scale

FA

anisotropia fracionada

CBG

(base) corticobasal ganglionar

FDA

Food and Drug Administration

intervenção comportamental abrangente para tiques (do inglês, comprehensive behavioral intervention for tics)

GABA

ácido gama-aminobutírico

GWAS

análise da associação genômica ampla (do inglês, genome-wide association study)

CDI

Children’s Depression Inventory

HDL

lipoproteína de alta densidade

CDS

Children’s Depression Scale

HIV

COMT

polimorfismo da enzima catecol O-metiltransferase

vírus de imunodeficiência adquirida

HLA

CPAP

pressão positiva contínua nas vias respiratórias (do inglês, continuous positive airway pressure)

antígeno leucocitário humano (do inglês, human leucocyte antigen)

IAH

índice de apneia-hipopneia

ICSD-3

Classificação Internacional de Transtornos do Sono (do inglês, International Classificafion of Sleep Disorders)

ISRS

inibidores seletivos da recaptação de serotonina

LDL-c

colesterol da lipoproteína de baixa densidade

CBIT

CS

cognição social

DCSR

distúrbio comportamental do sono REM

DI

deficiência intelectual

DMN

default mode network

DRGE

doença de refluxo gastroesofágico

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LOC eating

perda de controle sobre o comer (do inglês, loss of control eating)

LTD

depressão de longa duração (do inglês, long-term depression)

LTP

potenciação de longa duração (do inglês, long-term potentiation)

MCP

proteína quimioatrativa de macrófagos (do inglês, monocyte chemoattractant protein)

SBP

Sociedade Brasileira de Pediatria

SCA

análise baseada em regiões de interesse (do inglês, seed-based correlation analysis)

SED

sonolência excessiva diurna

SNC

sistema nervoso central

SNr

parte reticulada da substância negra (do inglês, substantia nigra pars reticulata)

TA

transtorno de aprendizagem

TAG

transtorno de ansiedade generalizada

MD

difusibilidade média

MMR

vacina tríplice viral (do inglês, measles, mumps and rubella)

TARE

NCS-R

National Comorbidity Survey/ Replication

transtorno alimentar restritivo ou evitativo

TC

transtorno de conduta

NREM

(sono) não REM

TCA

OMS

Organização Mundial de Saúde

transtorno de compulsão alimentar

PANDAS

transtornos neuropsiquiátricos autoimunes pediátricos associados a infecções estreptocócicas (do inglês, pediatric autoimmune neuropsychiatric disorders associated with streptococcal infections)

TCC

terapia cognitivo-comportamental

TCC-FT

terapia cognitivo-comportamental focada no trauma

TCI

transtorno do controle de impulsos

TCMA

Texas Children’s Medication Algorithm

TDAH

Pediatric Acute-onset Neuropsychiatric Syndromes

transtorno de déficit de atenção com hiperatividade

TDC

transtorno dismórfico corporal

PAP

pressão aérea positiva

TDS

PIRS

paralisia isolada recorrente do sono

transtorno de diferenciação ou desenvolvimento sexual

TE

transtorno de escoriação

PPA

ácido propiônico

TEA

transtorno do espectro autista

PSG

polissonografia

TEI

transtorno explosivo intermitente

Q.I.

quociente de inteligência

TEPT

Q.I.T

quociente de inteligência total

transtorno de estresse pós-traumático

REM

movimento rápido dos olhos (do inglês, rapid eye moviment)

TGW

peso-alvo de tratamento (do inglês, treatment goal weight)

RJA

responder à atenção compartilhada (do inglês, responding to joint attention)

THC

tetra-hidrocanabinol

TI

terapia interpessoal

TLMS

teste de latência múltipla do sono

RN

recém-nascido

TOC

transtorno obsessivo-compulsivo

SAOS

síndrome de apneia obstrutiva do sono

TOD

transtorno de oposição desafiante

ToM

teoria da mente

PANS

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TPAS

transtorno de personalidade antissocial

TT

transtorno de Tourette

TTM

tricotilomania

TPOC

transtorno de personalidade anancástica ou obsessivo-compulsiva

TUS

transtorno de uso de substâncias

Unicef

Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas para a Infância (do inglês, United Nations International Children’s Emergency Fund)

TR

transtorno de ruminação

TRAIL

Tracking Adolescents’ Individual Lives Survey

TRH

treinamento de reversão de hábitos

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Sumário

1

Desenvolvimento Cognitivo e Psicossocial: Da Idade Pré-escolar à Adolescência 1 Dídia Fortes | Camila Bernardes | Tiago Figueiredo

2

Aprendizagem Normal na Infância 9 Josemar Marchezan | Rudimar dos Santos Riesgo

3

Avaliação Neuropsicológica 21 Maria Angélica Regalla | Maíta Bittar | Paulo Mattos

4

Transtornos Específicos de Aprendizagem 29 Renata Mousinho | Luciana Mendes | Raquel Martins | Vanessa Nóbrega

5

Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade 37 Giuseppe Pastura | Paulo Mattos | Flávia Nardes dos Santos

6

Transtornos Disruptivos, do Controle de Impulsos e da Conduta na Infância e Adolescência 49 Maria Antônia Serra-Pinheiro | Priscila Silveira Martins

7

Transtorno do Espectro Autista 61 Giuseppe Pastura | Flávia Nardes dos Santos | Carlos Gadia

8

Deficiência Intelectual 79 Giuseppe Pastura | Flávia Nardes dos Santos

9

Depressão na Infância e Adolescência 91 Isabella Ganem Salomão de Souza

10

Transtornos de Ansiedade 99 Giuseppe Pastura | Flávia Nardes dos Santos

11

Tiques 111 Giuseppe Pastura | Flávia Nardes dos Santos

12

Esquizofrenia na Infância 119 Vanessa Ayrão Franco

13

Transtornos Alimentares na Infância e Adolescência 127 Evelin Mascarenhas Soffritti | Bruno Palazzo Nazar

14

Transtorno Obsessivo-Compulsivo e Transtornos Relacionados 141 Maria Antônia Serra-Pinheiro | Mariana Cabizuca

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15

Transtorno de Uso de Substâncias na Adolescência 155 Emanuelle Ximenes Rios | Tiago Figueiredo

16

Transtornos do Sono-Vigília 165 Andreia de Santana Silva Moreira | Marlos Melo Martins | Alexandra Prufer de Queiroz Campos Araújo | Marília Bezerra Magalhães Martins | Christianne Martins Bahia | Aline Chacon Pereira

17

Dispositivos Eletrônicos e Saúde Mental 183 Giuseppe Pastura | Flávia Nardes dos Santos

18

Gênero e Sexualidade em Crianças e Adolescentes – Aspectos Relevantes para a Clínica 191 Daniel Segenreich

19

Transtornos Relacionados com Traumas e com Estressores na Infância e na Adolescência 203 Guilherme Gonçais | Cíntia Andrade

20

Psicofarmacologia na Prática Diária: Abordagem Prática 211 Adriana Rocha Brito | Heber de Souza Maia Filho

Índice 227

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C ap í t u l o 1

Desenvolvimento Cognitivo e Psicossocial: Da Idade Pré-escolar à Adolescência Dídia Fortes | Camila Bernardes | Tiago Figueiredo

Introdução O desenvolvimento cognitivo humano compreende a aquisição de habilidades que vão sendo desen­volvidas e adquiridas ao longo dos anos de maturação do cérebro e permitem a resolução de problemas, desenvolvimento da memória, das habilidades individuais (potencialidades) e o desenvolvimento da inteligência global. Já o desenvolvimento psicossocial envolve o processo de desenvolvimento e aquisição de habilidades sociais e da capacidade de flexibilização comportamental para se adequar melhor aos diversos contextos sociais de vivência. Os estudos que cercam o desenvolvimento cognitivo humano são embasados em seis correntes distintas: 1. Abordagem behaviorista: destina-se a compreender como o comportamento sofre influência das experiências de vivência, estudando os mecanismos básicos da aprendizagem. 2. Abordagem psicométrica: tem como principal objetivo tentar mensurar, de maneira quantitativa, as habilidades que compõem a inteligência por meio de testes que indicam ou tentam prever essas habilidades. 3. Abordagem piagetiana: objetiva compreender como a mente se desenvolve para se adaptar ao ambiente em que está inserida. Estuda as mudanças qualitativas do funcionamento cognitivo, inserindo as mudanças em estágios que vão se desenvolvendo de acordo com a demanda do ambiente. 4. Abordagem do processamento de informações: objetiva compreender como as crianças processam os estímulos mais variados ao

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longo do desenvolvimento e como esse processo tem impacto no desenvolvimento de habilidades cognitivas como inteligência, memória e aprendizagem. 5. Abordagem da neurociência cognitiva: objetiva identificar quais estruturas do cérebro estão envolvidas em aspectos específicos da cognição. 6. Abordagem sociocontextual: avalia a influência dos aspectos ambientais no desenvolvimento da aprendizagem, principalmente focando nos pais e nos outros cuidadores. A partir do posicionamento de que todas as correntes são complementares e dinâmicas e apostando nisso como um dos diferenciais deste capítulo, associaremos a maioria destas abordagens e indicaremos os principais pontos de cada uma destas correntes na elaboração da ideia do desenvolvimento das funções cognitivas. Este posicionamento visa aproveitar as principais contribuições de cada corrente e creditar essas influências ao dinamismo do desenvolvimento cerebral e psíquico de cada indivíduo.

Desenvolvimento Cognitivo Humano O ser humano nasce com uma determinação genética combinativa e variada que lhe permite “guiar” o processo de desenvolvimento global. Fazendo um paralelo com o desenvolvimento físico, a estatura figura como um bom exemplo do papel da genética versus o papel do ambiente: a criança nasce com uma determinação de canal de crescimento que finda com a expectativa embasada pela perspectiva da genética parental.

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Esse final previsto pode ocorrer ou não, de acordo com a presença de estimuladores (p. ex., atividade física) ou limitadores ambientais (p. ex., desnutrição, doenças adquiridas). O desenvolvimento cognitivo também obedece a esse modelo: apesar da impressão genética inicial, o ser humano nasce com a capacidade de aprender de acordo com os estímulos experimentados ao longo do desenvolvimento.1 A idade em que a criança falou as primeiras palavras ou deu os primeiros passos é um marcador conhecido para o acompanhamento do desenvolvimento neuropsicomotor. Tomando como exemplo o desenvolvimento da marcha, sabemos que um há um período esperado para acontecer (por volta do 1o ano de vida), mas que para algumas crianças acontecerá antes e, para outras, depois. Os períodos que funcionam como marcos do desenvolvimento estão inseridos em “períodos sensitivos do desenvolvimento”. O período sensível ou sensitivo compreende um lapso de tempo em que a presença de fatores positivos (estimuladores) e a ausência de fatores negativos (limitadores) resultam no desenvolvimento normativo. Entre os fatores positivos, incluímos a presença de habilidades prévias necessárias ao desenvolvimento posterior. No desenvolvimento da marcha, a habilidade adquirida de engatinhar possibilitará o melhor desenvolvimento do tônus motor que facilitará o processo de deambulação. Assim também ocorre com o desenvolvimento cognitivo em geral: o desenvolvimento da linguagem é de extrema importância para o posterior desenvolvimento do raciocínio abstrato, por exemplo.2

Domínio Cognitivo Para que um adolescente consiga estar em uma sala de aula e cumprir as demandas acadêmicas comumente solicitadas, é necessário que já tenha desenvolvido algumas habilidades, como: Ter adquirido a capacidade de compreender e expressar os signos de sua língua. Executar a habilidade motora fina de maneira adequada para se expressar por escrito. Exercer o autocontrole de permanecer em sala de aula durante o tempo previamente estabelecido.

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Sustentar e alternar a atenção durante o processo de aprendizagem; entre outros. A associação de todas estas funções cognitivas apontadas como exemplo nos permite entender a inter-relação dessas funções ao longo do processo de aprendizagem, possibilitando ao indivíduo vivenciar situações que contribuem enormemente para o processo de desenvolvimento global. O “domínio cognitivo” refere-se às seguintes funções cognitivas: atenção, memória, pensamento, funções visuoconstrutivas, funções executivas e linguagem. O desenvolvimento destas funções está diretamente relacionado com o desenvolvimento cognitivo social. A abordagem do desenvolvimento da cognição social será feita em mais profundidade na segunda parte deste capítulo. O processo de organização e desenvolvimento neuronal ocorre ainda no útero, e após o nascimento há uma aceleração na mielinização dos principais tratos cerebrais (aumento do volume da substância branca do cérebro). Até por volta dos 2 anos de idade acontece o período de maior desenvolvimento desses tratos, resultando em um dos principais períodos sensitivos do desenvolvimento humano. No período pré-escolar (2 a 6 anos de idade), ocorre o aumento volumétrico também da substância cinzenta (aumento do número de corpos celulares), principalmente nas regiões parietal e frontal do cérebro. Aos 6 anos o volume do cérebro já corresponde a 95% da massa cerebral de um adulto. O desenvolvimento acelerado dos neurônios com formações sinápticas diversas é um dos grandes marcos do período pré-escolar. Esta intensa formação de novas sinapses é justamente o que embasa a permissão de aprendizagem de novas habilidades para capacitar o indivíduo a se adaptar diante de contextos variados. A maioria dessas sinapses, apesar de “prontas”, não será utilizada e, desta forma, ficará pouco desenvolvida. O reconhecimento da não utilização dessas sinapses indica a pouca utilidade e permite a ocorrência do processo de poda sináptica.1,2 A poda sináptica representa a eliminação das sinapses consideradas “desnecessárias” pelas células que compõem o exército de vigilância

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Aprendizagem Normal na Infância Josemar Marchezan | Rudimar dos Santos Riesgo

Introdução Aprender é uma capacidade intrínseca a todo ser humano, desenvolvida ao longo de toda a vida. Juntamente com as forças seletivas da evolução, a aprendizagem e a memória são os principais meios de adaptação dos seres vivos às modificações do ambiente. O aprendizado faz parte do desenvolvimento da criança e o sucesso do indivíduo na sociedade moderna está ligado à sua capacidade de aprender.1-5 É importante que tanto profissionais da área de saúde quanto da educação tenham noções básicas sobre o processo de aprendizagem normal e seus distúrbios.6,7 A aprendizagem pode ser definida como um processo que se cumpre no sistema nervoso central (SNC), no qual se produzem modificações mais ou menos permanentes, que se traduzem por uma modificação funcional, permitindo melhor adaptação do indivíduo ao seu meio.2,3,7,8 Contudo, aprender não é apenas memorizar informações: também é necessário usar outras habilidades cognitivas que envolvem conhecimento, compreensão, aplicação, análise, síntese e avaliação. Das funções corticais, a aprendizagem é a mais complexa e importante.3,9,10,11 Biologicamente, a capacidade de aprender se baseia em sofisticadas estruturas neuronais que são geneticamente determinadas para serem plásticas.9,12 Por se realizar no SNC, mais especificamente no encéfalo, o processo de aprendizagem requer a integridade anatômica e funcional desse sistema para ocorrer. Além disso, não é separado da memória. A memória é essencial em todos os processos de aprendizagem e de adaptação.2,7,13-16

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Por fim, para entendermos melhor esse complexo processo, devemos recordar que a evolução ou desenvolvimento do sistema nervoso começa na concepção e termina na idade adulta. O aprendizado e o desenvolvimento estão intrinsecamente ligados, pois a capacidade de aprender algo novo e depois armazenar as informações na memória de longo prazo é parte do desenvolvimento normal.2,7,13,15,16

O CÉREBRO O SNC pode ser dividido em medula e encéfalo. O encéfalo é constituído pelo cérebro, o cerebelo e o tronco encefálico.17 Ao contrário da medula espinhal, que sofreu poucas alterações ao longo da evolução dos vertebrados, o cérebro foi drasticamente modificado. O cérebro linear de peixes e anfíbios se expandiu enormemente nos mamíferos, alcançando uma notável complexidade em humanos.18 O cérebro é dividido pela comissura longitudinal em dois hemisférios, cuja principal estrutura de conexão é o corpo caloso.7,17 No passado, houve uma tentativa de dividir as funções corticais entre os hemisférios, como se não houvesse comunicação entre eles. Atualmente, admite-se que existe uma lateralização bem definida para funções mais antigas, como a motricidade. Em contrapartida, nas funções mais complexas como a linguagem, ambos os hemisférios atuam juntos, ocorrendo somente uma dominância hemisférica, ou seja, cada hemisfério atuando de forma mais intensa em diferentes aspectos da função.7 O cérebro pode ser dividido em lobos: frontal, parietal, temporal e occipital. Apesar de não

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haver uma estrita divisão funcional, é possível atribuir algumas tarefas principais a cada lobo:7,17 Lobo frontal: elaboração do pensamento, planejamento e tomada de decisão, controle ou regulação das emoções, movimentos voluntários e linguagem (escrita e falada). Lobo temporal: linguagem, fala, audição e capacidade de reconhecer, identificar e nomear objetos. Lobo parietal: sensibilidade consciente (toque, temperatura e dor), reconhecimento do espaço e processamento de informações de receptores que estão localizados dentro do corpo. Lobo occipital: visão; incluindo reconhecimento de letras e palavras.

CÓRTEX CEREBRAL Córtex cerebral é uma fina camada de substância cinzenta que reveste o cérebro. Todas as áreas do córtex têm uma estrutura básica, consistindo em diferentes tipos de neurônios ordenados em seis camadas orientadas paralelamente à superfície dessa estrutura. Além disso, os neurônios são organizados em colunas orientadas perpendicularmente à superfície cortical. As camadas corticais diferem uma da outra na origem de suas contribuições; portanto, há certo grau de especialização nas camadas em relação ao tipo de informação que elas processam. As conexões entre essas camadas garantem a integração de dados e, portanto, de respostas.7,17 As várias áreas funcionais do córtex foram inicialmente classificadas em dois grandes grupos: áreas de projeção e áreas de associação. Áreas de projeção são as que recebem ou dão origem a fibras relacionadas diretamente com a sensibilidade e com a motricidade. As demais áreas são consideradas de associação e, de modo geral, estão relacionadas com funções complexas. As áreas de projeção podem ser divididas em dois grandes grupos de função e estrutura diferentes: áreas sensitivas e áreas motoras.17 As áreas de associação ocupam uma extensão maior do córtex e são os locais de atividades mentais elevadas. O córtex recebe informações sensoriais de diferentes áreas e as integra com memórias armazenadas, estabelecendo conexões complexas

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e numerosas com áreas corticais do mesmo hemisfério cerebral ou do hemisfério contralateral, que são responsáveis por funções cognitivas superiores exclusivas para seres humanos.7,18 O esquema proposto pelo neuropsicólogo russo Alexander Romanovich Luria é uma forma de entender a organização neuroanatômica do cérebro.19 Luria divide o cérebro em três sistemas morfofuncionais:2,7,17 1. Primeira unidade morfofuncional ou de vigília: constituída por unidades do tronco encefálico e suas conexões pré-frontais, que regem o ciclo de sono-vigília. Alterações nessa unidade causam desatenção. 2. Segunda unidade morfofuncional: relacionada com a recepção, o armazenamento e análise de informações. Corresponde a toda a porção posterior dos hemisférios cerebrais, atrás do sulco de Rolando. É subdividida em áreas primárias, secundárias e terciárias, que se relacionam com a visão, a audição e a sensação tátil-somestésica. Nas áreas primárias chegam as informações aferentes, que não são aí interpretadas, mas apenas registradas. A área primária da visão (número 17) está no lobo occipital, no sulco calcarino; a área primária da audição (números 41 e 42) está no primeiro sulco temporal; e a área primária somestésica ocupa todo o giro pós-central. As áreas secundárias estão junto das primárias, processam as informações e são responsáveis pelas gnosias. As áreas secundárias da visão são a 18 e 19; da audição, a 22; e, a somestésica, a 5 e 7 de Brodmann. As áreas terciárias são de associação multissensorial, sem localização precisa. Possibilitam a noção de esquema corporal, espaço, tempo, cálculo e linguagem. 3. Terceira unidade morfofuncional: é responsável pela programação, regulação e verificação contínua da atividade. Corresponde a toda a porção anterior dos hemisférios cerebrais, situados frontalmente ao sulco de Rolando. Cabe ressaltar que não é apenas o córtex que está relacionado com a aprendizagem. A atenção, pré-requisito para que se dê aprendizagem, depende de uma complexa interação de

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Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade Giuseppe Pastura | Paulo Mattos | Flávia Nardes dos Santos

Introdução Ao longo dos anos, muito se discute sobre a consistência do diagnóstico de transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), e até mesmo se esta condição seria um modismo dos tempos atuais. Os primeiros relatos médicos a respeito do TDAH remontam ao final do século XVIII, quando o médico escocês Alexander Crichton publica seu trabalho intitulado An inquiry into the nature and origin of mental derangement: comprehending a concise system of the physiology and pathology of the human mind and a history of the passions and their effects, dividido em três livros. Trata-se de um dos primeiros estudos a conferir um caráter biológico às questões mentais. No segundo livro da série, On Attention and its Diseases, o autor aborda a questão da atenção ressaltando que esta pode variar de indivíduo para indivíduo e também em diferentes horários na mesma pessoa. O quadro de desatenção patológica é definido por Crichton como “incapacidade de atender com um grau necessário de constância a qualquer objeto. O autor ressalta que esta condição pode nascer em uma pessoa ou pode ser o efeito de doenças acidentais. Nascido com uma pessoa, fica evidente em um período muito precoce da vida, e tem um efeito muito ruim, na medida em que o torna incapaz de atender com constância a qualquer objeto [...]. Mas raramente é tão grande que impeça totalmente toda instrução; e, o que é muito afortunado, geralmente reduz-se com a idade”. Este relato de Crichton reflete observações sobre o TDAH que se mantêm

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atuais após 200 anos. Assim, enfatiza-se que o quadro surge com o indivíduo desde idade precoce e prejudica seu desempenho acadêmico. Além disto, pode atenuar-se com a idade, embora atualmente saibamos que 50% das crianças permanecem com sintomas na vida adulta. Por outro lado, Crichton não menciona sintomas de hiperatividade que compõem o quadro de TDAH atual. Outro relato bastante interessante sobre as primeiras descrições do TDAH refere-se ao livro intitulado Lustige Geschichten und drollige Bilder mit 15 kolorierten Tafeln für Kinder von 3 bis 6 Jahren (Histórias alegres e fotos engraçadas com 15 desenhos coloridos para crianças de 3 a 6 anos, em tradução livre), que foi publicado em 1845 pelo psiquiatra alemão Heinrich Hoffmann e originalmente idealizado como presente de aniversário para seu filho, Carl Philipp, de 3 anos. Hoffmann foi um importante psiquiatra de sua cidade, Frankfurt am Main, e costumava enfatizar, ao contrário do senso comum naquele tempo, que os doentes mentais não eram criminosos, e sim pacientes com transtornos orgânicos. Seu livro continha as imagens feitas por ele próprio para entreter as crianças portadoras de transtornos psiquiátricos durante a anamnese e o exame físico. O personagem mais famoso dessas histórias era o Zappelphilipp (Inquieto Philipp, em tradução livre), cujo comportamento hiperativo o leva a cair da mesa de refeições junto com a própria comida. Antes desse acontecimento, o pai o adverte perguntando se seria capaz de sentar-se calmamente à mesa como um pequeno gentleman, evidenciando a característica crônica de

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comportamento agitado. Entretanto, o próprio narrador menciona que o jovem é incapaz de ouvir quando se fala diretamente com ele, outro traço observado em crianças com TDAH. Embora não exista certeza absoluta de que Hoffmann tenha descrito uma criança com TDAH há mais de 150 anos, esta história é bastante compatível com o conhecimento que se tem, hoje, sobre o transtorno e serve como caso ilustrativo. O primeiro relato científico moderno a respeito do TDAH coube ao Pai da Pediatria britânica, Sir George Frederic Still (1868-1941). Em palestras proferidas no Royal College of Physicians of London, Still (1902)1 descreve crianças com um defeito de controle moral, mas sem um comprometimento geral do intelecto. Still divide esses casos em dois grupos: crianças com um defeito mórbido de controle moral associado à doença física, tal como tumor cerebral, meningite, epilepsia, traumatismo craniano ou febre tifoide, e crianças com defeito de controle moral como manifestação mórbida, sem prejuízo geral do intelecto e sem doença física. Neste último grupo, Still inclui crianças com histórico de distúrbios cerebrais graves na primeira infância. Este conceito perdurou nos anos seguintes, com as denominações do TDAH como lesão cerebral mínima, disfunção cerebral mínima e hiperatividade. Still ainda descreveu dois aspectos interessantes: 1. A discrepância entre o diagnóstico de meninos e meninas, que não foi considerado acidental. 2. A possibilidade de déficits atencionais como causa desses comportamentos descritos. O primeiro tratamento para crianças com TDAH foi descrito por Charles Bradley em 19372 enquanto trabalhava no hospital Emma Pendleton Bradley Home, em Rhode Island. A descoberta foi incidental, uma vez que Bradley utilizava o estimulante benzedrina para tratar cefaleia pós-exame de pneumoencefalografia (acreditando que o estimulante modificaria a absorção liquórica pós-­ exame). Esta medicação tinha pouca ação sobre a cefaleia, mas mostrou-se muito eficaz para melhora do desempenho acadêmico, redução da hiperatividade e aumento da atenção em crianças com quadros compatíveis com TDAH.

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Epidemiologia Ao longo dos anos, a real prevalência de TDAH e a validade do construto têm sido alvos de grandes debates, especialmente em razão de questionamentos sobre a variabilidade de estimativas; a uma aparente maior prevalência em países ocidentais; e a um possível incremento de diagnóstico ao longo dos anos.3,4 O primeiro estudo voltado, especificamente, para dirimir esta questão foi a metanálise de Polanczyk et al. (2007),5 que reuniu 102 estudos mundiais sobre o tema. Foram catalogados trabalhos que utilizaram critérios diversos, tais como a 9a e a 10a edições da Classificação Internacional de Doenças (CID-9 e CID-10, respectivamente) e a 3a revisada e 4a edição do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM3, DSM-3R e DSM-4), da American Psychiatric Association,6-8 e encontrou-se uma prevalência de 5,29%. Este estudo demonstrou ainda que as principais fontes de heterogeneidade das estimativas de prevalência eram: variabilidades nos critérios clínicos; obtenção de dados a partir de diferentes fontes de informação; e exigência, ou não, de comprometimento funcional como requisito para o diagnóstico. Posteriormente, Willcutt (2012)9 publicou outra metanálise reunindo apenas estudos que faziam uso do DSM-4 e observou valores de prevalência variando de 5,9% a 7,1%, com grande heterogeneidade entre os trabalhos. Quanto ao aumento de casos de TDAH ao longo dos anos, há estudos evidenciando que houve incremento no número de diagnósticos realizados de 21,8% nos Estados Unidos entre 2003 e 2007, o que não necessariamente reflete aumento da prevalência de TDAH.10 Mudanças nos critérios diagnósticos e os programas de inclusão em educação especial podem explicar um incremento no diagnóstico.11 No primeiro estudo voltado primariamente para pesquisar o real aumento na prevalência de TDAH ao longo dos anos, Polanczyk et al. (2014)12 realizaram revisão sistemática de 135 trabalhos entre 1985 e 2012, evidenciando que, nas últimas três décadas, não houve mudança na prevalência de TDAH. Assim, o maior número

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Transtorno do Espectro Autista Giuseppe Pastura | Flávia Nardes dos Santos | Carlos Gadia

Introdução Existem diversos relatos históricos a respeito da existência de indivíduos autistas ao longo dos tempos.1 O registro mais antigo refere-se a uma disputa judicial por herança envolvendo dois irmãos, Hugh e John Blair, de Borgue (Escócia), em 1747. Na corte de Edimburgo, o irmão mais novo, John, conseguiu anular o casamento de seu irmão mais velho, Hugh, alegando não ser ele mentalmente capaz, uma vez que apresentava comportamentos inadequados, tais como: Olhar anormal. Ecolalia (ele costumava repetir frases simples e, quando examinado no catecismo da escola, sempre respondia com perguntas e respostas). Maneirismos motores. Coletar penas e gravetos. Obsessão por sempre sentar no mesmo assento na igreja. Insistir para que objetos domésticos fossem mantidos no mesmo lugar. Embora seja difícil ter certeza de que se tratava de um indivíduo com autismo, a descrição é bastante compatível com o quadro clínico conhecido nos dias atuais.2 No final do século XVIII, encontramos o relato do selvagem de Aveyron (França). Tratava-se de criança encontrada sem roupas e com feridas, perdida na floresta. A criança tinha cerca de 11 anos e foi acompanhada pelo psiquiatra francês Jean Itard. Victor, como foi chamado, era insensível a barulhos altos e indiferente a cheiros, mas cheirava cada objeto; fazia apenas sons guturais;

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não imitava; e balançava o corpo para a frente e para trás. Parecia profundamente melancólico, mas dava gargalhadas e respondia com alegria ao sol, à lua brilhante e à neve. Victor foi tratado por cinco anos e sua linguagem e suas relações sociais progrediram de forma satisfatória.3 No século XIX, mais precisamente em 1809, John Haslam4 publica seu trabalho Observations on Madness and Melancholy, onde encontramos um capítulo intitulado Cases of insane children. Nesta parte, Haslam descreve uma criança de 7 anos com histórico de sarampo e varíola. Seu comportamento mostrava isolamento social e preocupações obsessivas (ir à igreja, falar apenas de soldados e músicas militares), compatíveis com síndrome pós-encefalite associada a comportamento autista. Em 1943, Leo Kanner5 publica seu trabalho que lançou as bases do que hoje se conhece como autismo. Kanner enfatizava importantes aspectos do transtorno, como a existência de sintomas desde os primeiros anos de vida e a presença de sinais cardinais como a extrema solidão autista (extreme autistic aloneness); fala anormal com ecolalia, reversão pronominal, literalidade e incapacidade de usar a linguagem para comunicação; e comportamentos monótonos e repetitivos. Também percebeu a clara preponderância no sexo masculino e um dado que seria confirmado muitos anos depois: o aumento do volume do crânio. Outro dado percebido por Kanner foi a semelhança entre pais e filhos, o que sugere a herança genética do transtorno, hoje bem conhecida. No ano seguinte à publicação de Kanner, em 1944, Hans Asperger,6 pediatra vienense, publica

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seu trabalho no qual descreve quatro casos de “psicopatia autista na infância”. As crianças descritas por Asperger apresentavam importante dotação em matemática ou ciências naturais, mas seus relacionamentos sociais e emocionais eram fracos. Demonstravam poucos sentimentos pelos outros e tinham comportamentos estereotipados e interesses especiais. A aquisição da linguagem ocorria no tempo esperado, mas o uso da linguagem era peculiar. Da mesma forma que Kanner, Asperger também notou que o transtorno poderia ser reconhecido na primeira infância.

Epidemiologia Dados norte-americanos evidenciam um aumento importante na prevalência de transtorno do espectro autista (TEA) nos últimos anos. As estimativas de prevalência em crianças de 8 anos em várias comunidades dos Estados Unidos aumentaram de aproximadamente 1:150 crianças durante o período de 2000 a 2002 para 1:68 no período de 2010 a 2012, para 1:59 em 2014 e para 1:54 em 2016.7 Tradicionalmente, a prevalência de TEA sempre foi maior em pacientes brancos quando comparados a negros, porém a razão entre brancos e não-brancos vem caindo nos últimos anos.8 A prevalência de TEA em meninos é de 26,6 por 1.000 e, em meninas, de 6,6 por 1.000, fornecendo uma proporção de 1:4. Quanto ao quociente de inteligência (Q.I.), as meninas são mais propensas que os meninos a ter Q.I. ≤70 e os meninos, mais propensos a ter Q.I. >85.9 O incremento na prevalência do transtorno não tem uma explicação única. Diversos fatores devem ser colocados em perspectiva para se encontrarem as causas dessa mudança na epidemiologia desta condição clínica. Em primeiro lugar, nos últimos anos, passamos a adotar os critérios da 5a edição do Manual Diagnóstico e Estatístico (DSM-5) da Academia Americana de Psiquiatria10 para realizar o diagnóstico de autismo. Além de os critérios atuais apresentarem o conceito de espectro, que torna o diagnóstico mais sensível a novos casos, a própria mudança nos critérios representa um elemento importante para o aumento no número de casos, como já

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ocorreu com edições anteriores do DSM.11 Ainda há dúvidas se esse mesmo efeito observado em edições anteriores se repetiu na mudança do DSM-4 para o DSM-5. Há trabalhos como o de Maenner et al. (2014)12 que evidenciaram estimativas de prevalência de transtorno do espectro autista mais baixas pelo DSM-5 do que pelos critérios diagnósticos do DSM-4-TR (2000). Além disso, estudo de Wiggins et al. (2018)13 mostrou que o diagnóstico de TEA com base nos critérios do DSM-5 é bastante comparável àquele baseado nos critérios do DSM-4-TR e identifica crianças com características demográficas e intelectuais semelhantes. Por fim, Wiggins et al. (2019)14 avaliaram pré-escolares de 2 a 5 anos de idade de diversas cidades norte-americanas e observaram que os critérios do DSM-5 maximizam a sensibilidade e a especificidade do diagnóstico de TEA na amostra estudada, apoiando o uso desta nova classificação em crianças em idade pré-escolar. Em segundo lugar, citamos o diagnóstico impreciso de novos casos de autismo, tendo em vista que nem todos os casos são detectados por profissionais com treinamento suficiente e muitos pacientes são avaliados por meio de instrumentos não padronizados.15 Outro fator a se considerar no aumento da prevalência de crianças com autismo é a maior sobrevivência, nos últimos anos, de crianças prematuras extremas. Estas representam um grupo de pacientes com risco maior de insulto hipóxico-isquêmico, que é fator de risco para o desenvolvimento de autismo.16 Por fim, é importante salientar a importância de fatores culturais para o desenvolvimento desta condição clínica. Um caso clássico é o aumento na prevalência de autismo em imigrantes etíopes, quando comparados à mesma população que não imigrou e permaneceu no país de origem.17

Fatores de risco De acordo com dados populacionais de cinco países, a herdabilidade de TEA foi estimada em aproximadamente 80%, indicando que a variação na ocorrência de ASD na população deve-se principalmente a influências genéticas herdadas.18

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Depressão na Infância e Adolescência Isabella Ganem Salomão de Souza

Introdução Depressão tem sido um dos principais diagnósticos clínicos na vida moderna, com aumento significativo tanto na incidência quanto na prevalência. Nas últimas duas décadas, o aumento do número de pacientes com diagnóstico de depressão e as evidências de significativo comprometimento na vida funcional causado por sintomas depressivos fez com que essa condição recebesse cada vez mais atenção, tanto em serviços médicos quanto em políticas de saúde pública. Por esse motivo, a Organização Mundial de Saúde tem alertado para a gravidade dessa condição e estima que mais de 300 milhões de pessoas ao redor do mundo sejam afetados por essa condição. Outro motivo de preocupação é o risco de suicídio entre esses pacientes, uma vez que na população jovem (entre 15 e 29 anos de idade) essa é a segunda causa mais comum de morte.1 Em estudos epidemiológicos que utilizam escalas como Children’s Depression Inventory (CDI) ou Children’s Depression Scale (CDS) foi demonstrada prevalência de depressão infantil de cerca de 4% na Espanha, 6% na Finlândia, 8% na Grécia, 10% na Austrália e 25% na Colômbia.1 No Brasil, estima-se que 0,4% a 3% das crianças e 3,3% a 12,4% dos adolescentes apresentem sintomas depressivos.2 Durante muitos anos, o diagnóstico de depressão em crianças e adolescentes era pouco discutido. Alguns fatores contribuíram para isso, como o reconhecimento tradicional de que a infância é um momento de descobertas e de alegria e não combina com a ideia de tristeza e melancolia. A incompatibilidade entre infância e

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depressão foi reforçada pela contribuição de Freud (1917) à Psicanálise, que identificava a depressão como consequência de baixa autoestima e de ideias ilusórias de punição.3 De acordo com a teoria de Freud, essas características estariam relacionadas com o superego e crianças não poderiam ter depressão, uma vez que o superego ainda não estaria totalmente formado. Assim, a depressão na infância foi compreendida por uns como um estado de melancolia pela perda do objeto amado (Abraham, 1912), privação da mãe (Spitz, 1946) ou sentimentos ambivalentes pelo objeto (Freud, 1957).4,5 Por outro lado, a adolescência corresponde a uma fase complexa no desenvolvimento emocional do indivíduo, marcada por acentuadas mudanças físicas, hormonais e emocionais. Durante essa fase, é comum o jovem sentir-se mais instável e reativo e apresentar frequentes mudanças de humor, sem que isso assuma maior proporção ou represente um transtorno mental diagnosticável que exija tratamento específico. Por esses motivos, o diagnóstico de depressão em crianças e adolescentes foi negligenciado por muito tempo. Somente a partir das décadas de 1960 e 1970, com o avanço de pesquisas em saúde mental na infância e adolescência, o diagnóstico de depressão começou a ser investigado de maneira mais cuidadosa nessa população. Atualmente, os transtornos depressivos são vistos como uma condição de grave prejuízo no desenvolvimento emocional, social e acadêmico da população infanto-juvenil e podem ainda acarretar outros transtornos psiquiátricos, como uso abusivo de substâncias e suicídio. Os quadros depressivos não devem ser entendidos apenas

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como tristeza ou rebaixamento de humor. Pacientes deprimidos frequentemente apresentam quadros mais complexos, caracterizados por alterações no humor, alterações na atividade psicomotora, sintomas somáticos e neurovegetativos.6

Sintomas Clínicos de Depressão As principais classificações para doenças mentais estão na 5a edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) e na 10a versão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10), que classifica e codifica todas as doenças com o objetivo de documentar as taxas de mortalidade. Os sistemas classificatórios oferecem diferentes categorizações dos transtornos depressivos. O DSM-5 classifica entre os transtornos depressivos: Transtorno disruptivo de desregulação de humor. Transtorno depressivo maior. Transtorno depressivo persistente. Transtorno disfórico pré-menstrual. Transtorno depressivo induzido por substância ou medicação. Transtorno depressivo associado à condição clínica. Transtorno depressivo não especificado. Transtorno depressivo com outra especificação.

Os transtornos depressivos caracterizam-se por uma mudança no estado normal de humor (eutimia) para um humor persistentemente depressivo. De acordo com a atual versão do DSM-5, para o diagnóstico de humor depressivo são necessários pelo menos cinco sintomas de uma lista de nove (Tabela 9.1), um dos quais deverá ser obrigatoriamente:7,8 1. Humor deprimido; ou 2. Perda de interesse ou prazer, que tenha duração mínima de duas semanas, dure a maior parte do dia e provoque alteração no funcionamento prévio. Pacientes depressivos comumente referem sintomas que, embora não apareçam na lista dos critérios do DSM-5, contribuem para prejuízo e gravidade do quadro. Entre esses sintomas, destacam-se: Desesperança. Irritabilidade. Retraimento social. Dificuldades com a memória. Sintomas somáticos de ansiedade. Negativismo. Sintomas paranoides. Sintomas obsessivo-compulsivos. Baixa autoestima. O nível do desenvolvimento psíquico pode influir na expressão dos sintomas – por exemplo,

Tabela 9.1  Sintomas de humor depressivo, segundo o DSM-5 1. Humor deprimido na maior parte do dia, quase todos os dias, conforme indicado por relato subjetivo (p. ex., sente-se triste, vazio, sem esperança) ou por observação feita por outras pessoas (p. ex., parece choroso)* 2. Acentuada diminuição do interesse ou prazer em todas ou quase todas as atividades na maior parte do dia, quase todos os dias (indicada por relato subjetivo ou observação feita por outra pessoa) 3. Perda ou ganho significativo de peso sem estar fazendo dieta (p. ex., uma alteração de mais de 5% no peso corporal em um mês), ou redução ou aumento do apetite quase todos os dias** 4. Insônia ou hipersonia quase todos os dias 5. Agitação ou retardo psicomotor quase todos os dias (observáveis por outras pessoas, não meramente sensações subjetivas de inquietação ou de estar mais lento) 6. Fadiga ou perda de energia todos os dias 7. Sentimento de inutilidade ou culpa excessiva ou inapropriada (que podem ser delirantes) quase todos os dias (não meramente autorrecriminação ou culpa por estar doente) 8. Capacidade diminuída para pensar ou se conectar, ou indecisão, quase todos os dias (por relato subjetivo ou observação feita por pessoas) 9. Pensamentos recorrentes de morte (não só medo de morrer), ideias recorrentes de suicídio sem um plano específico, uma tentativa de suicídio ou plano especializado para cometer suicídio * Em crianças e adolescentes, pode ser humor irritável. ** Em crianças, considerar o insucesso em obter o ganho do peso esperado.

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Tiques Giuseppe Pastura | Flávia Nardes dos Santos

Introdução Tiques são movimentos ou vocalizações repentinas, rápidas, involuntárias e não rítmicas. Resultam do movimento de um músculo ou grupamento muscular e caracterizam-se por sua localização anatômica, número, frequência, duração e complexidade.1 Podemos classificar os tiques como: Simples: envolvem um grupo muscular ou som (p. ex., piscamento, encolher os ombros e sacudir a cabeça ou o pescoço). Tiques vocais simples são caracterizados pela emissão de um som breve, como pigarro, tosse ou fungação. Complexos: são mais lentos, com propósito, e envolvem vários grupos musculares ou vários sons, palavras ou frases (p. ex., tocar, pisar seguindo determinado padrão e circular em um ambiente). Chamamos de palilalia a repetição das próprias palavras ou frases, ao passo que ecolalia refere-se a repetição das palavras ou frases de outras pessoas. A coprolalia, expressão involuntária de obscenidades, é um tique vocal complexo mais raro e que se associa à síndrome de Tourette.1

História A descrição histórica da síndrome de Gilles de la Tourette ocorreu em 1885, quando o autor, Georges Albert Édouard Brutus Gilles de la Tourette, a pedido de seu mestre Charcot, publicou um artigo em que identificava uma combinação de tiques motores e vocalizações “involuntárias” que, com o tempo, aumentavam em número e variedade e podiam ter curso explosivo. O transtorno

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foi chamado de maladie des tics convulsifs avec coprolalie, e Gilles de la Tourette enfatizava que esta entidade era diferente das coreias e histerias descritas na época.2 Ainda segundo o autor, a doença era resistente a todas as intervenções, tinha uma etiologia hereditária degenerativa, e não havia esperança de cura completa.3 Segundo esta teoria da degeneração, dieta e hábitos, como alcoolismo e comportamento imoral, tinham efeito destrutivo cumulativo no sistema nervoso, herdado pelas gerações seguintes. Na época da publicação do trabalho de Gilles de la Tourette, houve muitas discussões a respeito da descrição dessa nova entidade clínica. Seus colegas parisienses alegavam que os quadros clínicos dos pacientes de Gilles de la Tourette foram descritos tanto em pacientes histéricos como em pacientes coreicos.4-6 Desta forma, Charcot e Gilles de la Tourette admitiram que tiques e coprolalia motores e vocais também eram sintomas de histeria e que, portanto, esses sintomas e sinais não eram exclusivos da síndrome por eles descrita. Segundo os autores, o diagnóstico de tique convulsivo só poderia ser feito quando tiques e vocalizações persistiam, resistindo a todas as intervenções, e quando um paciente apresentasse histórico de degeneração. Assim, a doença de Gilles de la Tourette não é a mesma que, hoje, é chamada síndrome de Tourette.7

Classificação Segundo a 5a edição do Manual Estatístico e Diagnóstico de Transtornos Mentais, da Academia Americana de Psiquiatria (DSM-5),8 existem três tipos de transtornos de tiques:

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1. Transtorno de Tourette. 2. Transtorno de tique motor ou vocal persistente (crônico). 3. Transtorno de tique transitório. Os critérios diagnósticos, segundo o DSM-5, são: Transtorno de Tourette (TT): yyPresença de vários tiques motores e um ou mais tiques vocais em algum momento durante o quadro, embora não necessariamente ao mesmo tempo. yyOs tiques podem aumentar e diminuir em frequência, mas persistem por mais de um ano desde o início do primeiro tique. yyO início ocorre antes dos 18 anos de idade. yyA perturbação não é atribuível aos efeitos fisiológicos de uma substância (p. ex., cocaína) ou a outra condição clínica (p. ex., doença de Huntington, encefalite pós-viral). Transtorno de tique motor ou vocal persistente (crônico): yyPresença de tiques motores ou vocais únicos ou múltiplos durante o quadro, embora não ambos. yyOs tiques podem aumentar e diminuir em frequência, mas persistem por mais de um ano desde o início do primeiro tique. yyO início ocorre antes dos 18 anos de idade. yyA perturbação não é atribuível aos efeitos fisiológicos de uma substância (p. ex., cocaína) ou a outra condição médica (p. ex., doença de Huntington, encefalite pós-viral). yyJamais foram preenchidos critérios para transtorno de Tourette. Transtorno de tique transitório: yyPresença de tiques motores e/ou vocais, únicos ou múltiplos. yyOs tiques estão presentes pelo menos há um ano desde o início do primeiro tique. yyO início ocorre antes dos 18 anos de idade. yyA perturbação não é atribuível aos efeitos fisiológicos de uma substância (p. ex., cocaína) ou a outra condição médica (p. ex., doença de Huntington, encefalite pós-viral). yyJamais foram preenchidos critérios para transtorno de Tourette ou transtorno de tique motor ou vocal persistente (crônico).

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Epidemiologia e fatores de risco Segundo dados do Centers for Disease Control and Prevention – CDC (2009),9 a prevalência de TT varia entre 0,3% e 1% dos jovens de 6 a 17 anos de idade, sendo três a quatro vezes mais comum em meninos do que em meninas. Já a prevalência de tiques transitórios pode chegar a 20% da população de crianças em idade escolar.10 Em estudo longitudinal realizado no Brasil, Alves & Quagliato (2014)11 observaram prevalência de TT de 0,43% (predominantemente no sexo masculino) e de 2,91% para todos os transtornos de tiques. Parentes em primeiro grau de indivíduos com TT têm risco cinco a 15 vezes maior de desenvolver esta condição, quando comparados à população geral,12 o que corrobora o caráter genético e hereditário desse transtorno. Existem baixas evidências de associação entre fatores pré- e perinatais e o desenvolvimento de TT. Dos fatores de risco estudados, tabagismo materno e baixo peso ao nascer parecem ser os mais consistentemente implicados.13

Neurobiologia Atualmente, procura-se entender a fisiopatologia dos tiques dividindo-se as redes neurais em duas categorias: aquelas de expressão, mediando os sintomas deste transtorno; e aquelas de controle, que regulam sua expressão.14 As redes de expressão envolvem: Substrato neural subjacente à manifestação de tiques: os gânglios da base possuem duas estruturas de entrada primárias: o estriado (caudado, putâmen e núcleo acumbente), via sinapses GABAérgicas, e o núcleo subtalâmico, por meio de sinapses glutamatérgicas. Essas estruturas recebem estímulos excitatórios do tálamo e do córtex cerebral e se projetam para as estruturas de saída, tais como globo pálido e a parte reticulada da substância negra (SNr; do inglês, substantia nigra pars reticulata). Estudos em cobaias evidenciam que há claro envolvimento dos gânglios da base na gênese dos tiques. Estudos post-mortem evidenciam redução

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Transtorno Obsessivo-Compulsivo e Transtornos Relacionados Maria Antônia Serra-Pinheiro | Mariana Cabizuca

Introdução O transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) caracteriza-se essencialmente pela presença de obsessões e/ou compulsões. Pelo fato de essas manifestações serem suas características fundamentais, o TOC passou a ser classificado não mais entre os transtornos ansiosos, mas em uma categoria à parte, juntamente com outros transtornos em que comportamentos compulsivos ou obsessões são particularmente proeminentes, como transtorno dismórfico corporal (TDC), transtorno de acumulação (TA), tricotilomania (TTM) e transtorno de escoriação (TE). Estes transtornos serão o foco deste capítulo.

Transtorno obsessivo-compulsivo Quadro Clínico e Epidemiologia Obsessões são pensamentos, imagens ou impulsos recorrentes e invasivos que causam desconforto ou sofrimento significativo e que o indivíduo tenta suprimir, frequentemente, por meio de compulsões. Compulsões são comportamentos ou atos mentais, de natureza repetitiva, que o sujeito se sente levado a realizar em resposta a uma obsessão ou a um conjunto de regras muito específicas. As compulsões têm por objetivo prevenir ou aliviar a ansiedade causada pelas obsessões, mas não estão relacionadas de forma realista com obsessões e, se estiverem, a relação é francamente exagerada.1 Pensamentos podem ser compulsões, caso tenham natureza afirmativa. Neste caso, inicialmente diminuem a angústia causada pelas

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obsessões. Por exemplo, o paciente pode repetir mentalmente justificativas ou explicações de que se portou de maneira adequada em alguma situação em que esteja obcecado pela possibilidade de ter-se conduzido mal. O efeito das compulsões de aliviar a ansiedade costuma ser efêmero, e a obsessão ou a necessidade de repetir o comportamento compulsivo retornam. Para crianças, pode ser particularmente difícil expressar verbalmente o objetivo tranquilizador das compulsões. Crianças também têm mais dificuldade de reconhecer os aspectos egodistônicos de seus sintomas, ou seja, de perceber que seus pensamentos ou comportamentos as perturbam ou contrariam. Dessa forma, elas apresentam menor tendência a resistir a esses sintomas. Em crianças, obsessões relacionadas com a contaminação e a agressão são as mais comuns.2 As compulsões relacionadas com limpeza2 são as mais frequentes, mas existem também apresentações nas dimensões de checagem, acumulação e religiosa. Assim, a apresentação pode ser muito diferente entre pacientes com TOC. Nem sempre a obsessão mais frequente é a que causa mais sofrimento. As obsessões mais associadas a sofrimento são aquelas relacionadas com dúvidas sobre uma decisão tomada e com pensamentos sobre a família ser ferida ou se algo terrível irá acontecer por culpa do paciente.2 Compulsões de lavagem, reescrita (para que o manuscrito fique sem manchas ou exatamente alinhado, com tracejado preciso) e checagem costumam ser as mais aflitivas para os pacientes pediátricos com TOC.2 A criança frequentemente sente vergonha de suas obsessões e compulsões e, na maioria dos casos, os pais não são capazes de identificar

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e reportar os sintomas, de modo que a entrevista com a criança é essencial,3 pois a maior parte dos casos de TOC na infância não é diagnosticada.4 Os critérios diagnósticos estão apresentados na Tabela 14.1. São chamados fenômenos sensoriais, frequentes no TOC, sensações, sentimentos ou impulsos5 de que “algo está faltando”, de que algo “não está exatamente certo”.6 São sensações desagradáveis que precedem as compulsões em 65% dos pacientes com TOC.7 Sintomas obsessivo-compulsivos estão presentes em cerca de 40% de jovens de 11 a 21 anos em amostra comunitária,8 mas apenas 1,8% a 3% preenchem critérios diagnósticos para TOC,8 sendo que as estimativas mais baixas correspondem aos grupos etários mais novos.9 O TOC é um pouco mais comum em mulheres do que em homens, especialmente na idade adulta.10,11 Cerca de 40% a 60% dos pacientes com TOC iniciam o quadro antes dos 18 anos11,12 e 21% dos pacientes têm sintomas antes dos 12 anos.11 Há dois picos de incidência: no final da infância a início da adolescência, situação em que é mais comum em meninos; e outro pico no fim da adolescência, quando mulheres são mais acometidas do que homens.13 No subgrupo de início precoce, há mais gravidade e maior frequência de compulsões semelhantes a tiques e maior comorbidade com tiques.14 Pacientes com pouco insight tendem a ser mais graves e ter menos chances de atingir a remissão.15,16 Tabela 14.1  Critérios diagnósticos de TOC, segundo o DSM-5 (simplificado) Presença de obsessões e/ou compulsões As obsessões ou compulsões consomem tempo (p. ex., levam mais de 1h ao longo do dia) ou causam angústia clinicamente significativa ou prejuízo na vida ocupacional, social ou em outros domínios de funcionamento Os sintomas obsessivos e compulsivos não são atribuíveis ao efeito fisiológico de uma substância ou a outra condição clínica Os sintomas não são mais bem explicados por outro transtorno mental Fonte: adaptada de APA, 2013.1

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Neurofisiologia e Fatores de Risco O TOC tem associação familiar e uma herdabilidade calculada em torno de 50%,17 havendo uma associação entre um polimorfismo da enzima catecol-O-metiltransferase (COMT) e TOC em homens.18 Fatores ambientais também têm relação com o quadro. Entre eles, o estresse se associa a surgimento e agravamento dos sintomas de TOC.19 Além do estresse, fatores perinatais podem estar relacionados com TOC.20 Há um subtipo de TOC, que se correlaciona a um quadro agudo de infecção, especialmente estreptocócica.21 Nesses casos, provavelmente ocorre uma reação autoimune cruzada. Estudos de neuroimagem sugerem que o córtex orbitofrontal e o cíngulo anterior podem estar hiperativados no TOC.22 A resposta terapêutica aos inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS) indica a importância desse neurotransmissor na fisiopatologia do TOC. Um possível papel para a dopamina é sugerido pela associação de um polimorfismo da COMT e o TOC em homens.18

Diagnóstico Diferencial e Comorbidades Eventuais preocupações e comportamentos repetitivos são muito comuns na população geral. Para o diagnóstico de TOC, é essencial observar o tempo gasto e/ou o prejuízo causado pelas preocupações ou imagens ou comportamentos repetitivos. No TOC, as obsessões e compulsões causam sofrimento ou prejuízo significativo (na vida acadêmica, na vida social ou em outros domínios) e/ou ocupam pelo menos 1h por dia. Tanto o tempo quanto a gravidade do prejuízo causado pelos sintomas podem ser definidores do diagnóstico, não sendo necessário um critério de tempo, quando o prejuízo ou sofrimento são importantes. Diversos diagnósticos psiquiátricos também podem se manifestar por obsessões e compulsões. Além disso, a comorbidade com outros transtornos psiquiátricos é muito comum em pacientes com TOC;23 menos de 10% de pacientes com TOC não apresentam outra comorbidade psiquiátrica,24 sendo que 85% de uma amostra

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Transtorno de Uso de Substâncias na Adolescência Emanuelle Ximenes Rios | Tiago Figueiredo

Introdução O uso nocivo de substâncias psicoativas na adolescência configura um problema de saúde pública, em razão da elevada prevalência e do perfil de consequências individuais e sociais. Em geral, é no período da adolescência que ocorre o primeiro uso de álcool, maconha ou outras drogas. Mais de 90% dos adultos que apresentam algum problema com o consumo de substâncias lícitas ou ilícitas iniciaram o uso ainda na adolescência.1 Dados epidemiológicos de saúde indicam que aproximadamente 5% dos adolescentes que experimentam alguma substância psicoativa evoluem para padrões de uso nocivo e comprometimentos compatíveis com o transtorno de uso de substâncias.2 A adolescência constitui um período crítico do processo de desenvolvimento e maturação do cérebro. Na primeira metade da adolescência ocorre o fenômeno de poda neuronal, eliminação pré-programada de sinapses neuronais, e acontecem transformações psicossociais de extrema importância na formação da personalidade do indivíduo. O uso de substâncias psicoativas apresenta-se como fator nocivo a esse processo de desenvolvimento, com potencial de impacto significativo nos aspectos cognitivo e psicossocial. Este capítulo objetiva discutir os principais fatores de risco que predispõem o adolescente ao uso nocivo de substâncias psicoativas, bem como oferecer uma atualização das principais abordagens terapêuticas relacionadas com o transtorno de uso de substâncias (TUS).

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Desenvolvimento normativo do cérebro adolescente O período da adolescência é comumente relacionado com uma fase transicional atrelada a inúmeros conflitos internos, sociais e familiares. Emblematicamente, trata-se de um período que naturalmente envolve comportamentos de risco, maior aproximação com pares e distanciamento parental. O que acontece com o cérebro durante o período da adolescência? A definição de adolescência limitada a período transicional entre a infância e a vida adulta é muito pobre diante da perspectiva científica, justificada pelo fato de ser um período que está longe de ser um período “estático” e apenas passageiro. A adolescência deve ser vista como um fenômeno, dentro do desenvolvimento humano, que envolve intensas mudanças nos aspectos psicossociais, biológico (puberdade) e cognitivo. A conceituação de quantos anos dura a adolescência é muito heterogênea, por sofrer influência de teorias científicas, culturais e sociais. Da perspectiva científica, a adolescência tem início com a chegada da puberdade e pode ser dividida em três períodos: 1. Precoce: de 10 a 14 anos. 2. Médio: de 15 a 17 anos. 3. Tardio: de 18 a 25 anos. O período estendido da fase final vai ao encontro do modelo teórico que considera ser o final da adolescência o período em que o indivíduo adquire autonomia. O desenvolvimento do cérebro acompanha as diversas mudanças fisiológicas

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que ocorrem em cada um desses períodos e se relaciona com as mudanças comportamentais. Do ponto de vista estrutural, o cérebro sofre diversas mudanças em todas as regiões. O que acontece é que existe um “desequilíbrio” entre a velocidade de amadurecimento das diferentes regiões do cérebro. As áreas posteriores atingem o amadurecimento antes das regiões anteriores. Na parte anterior encontra-se o córtex pré-­ frontal, que exerce papel regulador das áreas subcorticais (núcleo acumbente, globo pálido e núcleo caudado), diretamente envolvidas com o sistema de recompensa cerebral. O “atraso” no amadurecimento do córtex pré-frontal está diretamente relacionado com o fato de o adolescente comumente apresentar comportamentos impulsivos e tomadas de decisão pouco deliberadas (Figura 15.1). Nesse período ocorrem também redução volumétrica da substância cinzenta e aumento do volume da substância branca, que resulta em afilamento cortical do cérebro.3 A redução da massa cinzenta do cérebro decorre do processo de poda sináptica, processo que envolve a eliminação pré-programada de sinapses pouco utilizadas. Já o aumento da substância branca decorre do processo de mielinização dos axônios envolvidos em conexões comumente ativadas, a fim de

garantir maior fortalecimento e amadurecimento das sinapses. No aspecto psicossocial, a adolescência representa o encontro do indivíduo consigo mesmo. Há aquisições da capacidade de questionar seus próprios pensamentos (metacognição) e elaborar crítica em relação ao mundo. Esse cenário de intensas mudanças justifica o fato de que a presença de fatores externos nocivos, como o uso de substâncias psicoativas, está relacionado com maior número de desfechos negativos, inclusive de longo prazo.

Neurobiologia do Transtorno de Uso de Substâncias Existem fatores biológicos (genéticos) e ambientais que tornam o indivíduo mais suscetível ao uso nocivo de substâncias psicoativas. Essa conjuntura de fatores embasa a heterogeneidade de resposta fisiológica a partir de um único contato com a substância e também se relaciona com o padrão de comprometimento apresentado. Por isso, a presença anterior de transtorno psiquiá­ trico é um importante fator de risco biológico. Os circuitos cerebrais e sistemas neurotransmissores envolvidos no transtorno de uso de substâncias fazem parte do sistema de recompensa

Córtex pré frontal (ação reguladora) Núcleo Accumbens (circuito de recompensa)

Figura 15.1  Córtex pré-frontal, responsável pelo efeito regulador do circuito de recompensa (núcleo

acumbente)

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Psicofarmacologia na Prática Diária: Abordagem Prática Adriana Rocha Brito | Heber de Souza Maia Filho

Introdução “Doutor, esse remédio vicia?” São considerados psicofármacos as substâncias que, administradas sob supervisão médica especializada, apresentam efeitos positivos no psiquismo e na cognição, aliviando sintomas que geram sofrimento psíquico, melhorando comportamentos disfuncionais ou incrementando o funcionamento e o desempenho cognitivos. Tais medicamentos diferem substancialmente, em diversos aspectos, das substâncias psicoativas de uso recreativo. Estas, embora atuem em sistemas neuroquímicos similares aos dos psicofármacos, têm efeitos adicionais, normalmente associados à distorção sensorial ou psíquica, estados de excitação, relaxamento ou prazer. Apresentam potencial de abuso por serem de livre demanda, gerarem maior tolerância, graus variados de dependência física e psíquica (o que ocorre com número limitado de psicofármacos) e síndromes de abstinência mais graves com efeitos sistêmicos mais intensos. Medicações psicotrópicas podem ser usadas de forma não controlada, por livre arbítrio do usuário ou seus cuidadores. Em doses acima das doses terapêuticas ou por vias de administração não convencionais, podem ter efeitos psíquicos assemelhados aos efeitos das drogas recreativas, com riscos equiparáveis. Essa distinção é importante no processo de orientação à família, uma vez que são muitos os preconceitos e informações incorretas sobre a psicofarmacoterapia, particularmente na infância. O fato de muitos transtornos do neurodesenvolvimento e psiquiátricos estarem associados a maior uso abusivo de substâncias complica

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a distinção entre riscos inerentes ao transtorno e potenciais efeitos danosos de seu tratamento. Em geral, o tratamento medicamentoso reduz, e não aumenta, o risco de uso abusivo de substâncias, uma vez que atenua o sofrimento psíquico, melhora as chances de sucesso acadêmico e integração social, fatores de proteção contra a dependência química.1,2

PARTICULARIDADES DA PSICOFARMACOTERAPIA PEDIÁTRICA A prescrição de psicofármacos para a faixa etária pediátrica deve levar em conta diferenças maturacionais que modificam a farmacocinética e a farmacodinâmica. Embora as crianças tenham um tamanho corporal absoluto menor, a massa relativa do tecido hepático e renal é maior do que nos adultos quando ajustado para o peso corporal. As crianças também têm relativamente mais água no corpo, menos gordura, e menos albumina plasmática à qual os medicamentos podem se ligar. Em consequência, o volume de distribuição de um medicamento tende a ser maior em crianças do que em adultos. Por todas essas razões, há menor biodisponibilidade e o metabolismo e a eliminação são mais rápidos. Desta forma, ajustar a dose adequada de medicamento para a criança não é simplesmente reduzir doses de adultos com base no peso da criança. Na adolescência, juntamente com um crescimento acentuado no tamanho do corpo, há uma redistribuição de seus compartimentos. Em homens, o percentual de água corporal aumenta e o percentual de gordura corporal diminui, enquanto

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o oposto ocorre nas mulheres. De modo geral, o metabolismo mais acelerado gera necessidade de doses terapêuticas relativamente mais altas e intervalos posológicos mais estreitos.3 Há maior probabilidade de efeitos colaterais sistêmicos e neuropsiquiátricos, bem como sintomas de retirada abrupta de medicamentos. Efeito colateral e efeito terapêutico são, muitas vezes, questão de ponto de vista. O efeito anorexígeno dos psicoestimulantes pode ser positivo em uma criança obesa com transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) e péssimo em uma criança com baixo peso ou com maus hábitos alimentares. O efeito sedativo de um antipsicótico pode ser benéfico em uma criança com transtorno do espectro autista (TEA) com dificuldades de conciliar o sono e péssimo para o rendimento escolar se a medicação for prescrita para ser tomada de dia. As comorbidades, que são regra nesta área, devem ser sempre consideradas por ocasião da decisão sobre prescrição. Crianças com TDAH com comorbidades podem piorar a ansiedade (p. ex., transtorno de ansiedade generalizada), o humor (transtorno bipolar) ou tiques (síndrome de Tourette) com o uso de psicoestimulantes. Nesses casos, deve-se atentar para uma hierarquia terapêutica: quadros mais graves devem ser tratados ou estabilizados inicialmente, com atenção posterior a sintomas ou diagnósticos “menos graves”. As doses pediátricas, tradicionalmente calculadas em miligramas por quilo (mg/kg) de peso corporal, nem sempre são aplicadas em psicofarmacoterapia. Muitas vezes, tais informações especificamente para a população pediátrica são incompletas, ou as liberações normais em bula e órgãos reguladores não atendem todas as indicações que a prática clínica e a experiência já consagraram, levando a questões éticas e legais.4-6 Explicar aos pais esses limites e, sempre que não se tratar de risco de vida, exercitar a decisão compartilhada são boas práticas no cuidado desses pacientes. Os efeitos positivos de uma medicação psicotrópica podem ser alcançados com doses tradicionalmente subterapêuticas, em conformidade com a posologia. Nunca é demais lembrar a máxima de começar com doses baixas e aumentar lentamente (start low and go slow).

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PSICOFARMACOTERAPIA NO CONTEXTO DO TRATAMENTO MULTIMODAL O tratamento dos transtornos do neurodesenvolvimento e dos transtornos psiquiátricos deve levar em conta a indissociabilidade da criança e do adolescente do seu entorno afetivo, educacional e cultural (família, escola e pares), a interpenetração dos sintomas e diagnósticos comórbidos, a inter-relação do funcionamento cognitivo e psicoafetivo e o impacto dos fatores de proteção e de agravamento. Nenhum tratamento será bem-sucedido se for baseado, exclusivamente, em medicamentos ou se for de curta duração. O tratamento ideal é multimodal, ou seja, consistindo em várias estratégias concomitantes e sinérgicas. Além da medicação, são necessárias as medidas psicoeducativas com a família, o paciente e a escola (explicar e orientar sobre o transtorno em questão), as terapias de habilitação ou reabilitação e modificação de comportamento, a inclusão escolar e a integração social.7 O tratamento com medicamentos psicotrópicos é voltado essencialmente para sintomas, não para diagnósticos. A indicação medicamentosa será ditada essencialmente pelo grau de sofrimento e prejuízo (para o paciente e entorno), bem como pelo nível de disfunção adaptativa e de riscos à integridade física.7 Desta forma, quadros leves costumam ter indicação primeira de tratamento não farmacológico e quadros moderados a graves já indicam medicação desde o início. Psicoterapia e farmacoterapia não são excludentes; muitas crianças e adolescentes podem se beneficiar da associação de ambos os tratamentos, e, em casos como depressão e ansiedade, o tratamento associado mostrou-se até mais benéfico.8 A Tabela 20.1 sintetiza os sintomas-alvo, os diagnósticos associados e os grupos medicamentosos mais utilizados. Estereotipias, encoprese, agressividade proativa (intencional), comportamentos antissociais, dificuldades específicas de aprendizagem e rebaixamento intelectual não respondem diretamente ao uso de psicofármacos. Mutismo seletivo em alguns casos pode se beneficiar de medicação. A masturbação e outros

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Psicofarmacologia na Prática Diária: Abordagem Prática | 213 Tabela 20.1  Síntese de psicofarmacoterapia pediátrica Sintoma-alvo

Diagnósticos associados

Grupos medicamentosos possíveis*

Agressividade impulsiva

TDAH TOD/TC TEA DI TBH

Antipsicóticos Estabilizadores de humor Antidepressivos Psicoestimulantes Clonidina

Hiperatividade ou impulsividade

TDAH TEA DI TBH

Psicoestimulantes Antipsicóticos Antidepressivos tricíclicos Clonidina

Ansiedade e fobias

TAG Ansiedade de separação Fobia escolar Fobias Mutismo seletivo TEA DI

Antidepressivos (ISRS) Benzodiazepínicos**

Depressão1

Depressão maior TBH

Antidepressivos (ISRS) Estabilizadores de humor

Irritabilidade e oscilação de humor

TBH TEA TOD/TC

Antipsicóticos Estabilizadores de humor

Estados maníacos, delirantes e alucinatórios

TBH Esquizofrenia

Antipsicóticos Estabilizadores de humor

Desatenção2

TDAH TEA DI

Psicoestimulantes Antidepressivos tricíclicos Bupropiona

Dificuldades com o sono3

Melatonina Antipsicóticos Clonidina Benzodiazepínicos** Anti-histamínicos

Tiques4

Tiques transitórios Tiques crônicos simples Tourette

Clonidina Antipsicóticos Antidepressivos tricíclicos Anticonvulsivantes Antipsicóticos Estabilizadores de humor

Sintomas obsessivo-compulsivos5

TOC TEA

Antidepressivos (ISRS) Antipsicóticos Clomipramina

Enurese

Enurese noturna monossintomática

Antidepressivos tricíclicos

TDAH TEA DI TBH ou depressão TAG

* De acordo com o diagnóstico do transtorno, não necessariamente a coluna 3 corresponde a todos os diagnósticos da coluna 2 (ver capítulos específicos). ** Evitar: potencial de dependência física. 1 Quando associada (concomitantemente ou ao longo do histórico) a sintomas de irritabilidade, mania, delírio ou alucinação, a depressão sugere transtorno depressivo bipolar e não deve ser tratada conforme os sintomas unipolares. 2 Em casos de comorbidade, a desatenção só deve ser tratada após estabilização do quadro psiquiátrico principal; o tratamento de sintomas de desatenção no contexto de deficiência intelectual, transtorno do espectro autista e transtorno de aprendizagem deve ser feito após reflexão sobre os casos, uma vez que a eficácia é relativa. 3 O tratamento preferencial desses quadros exige medidas de higiene e bons hábitos na hora de dormir, devendo a medicação ser a última alternativa. 4 Por vezes, é difícil a distinção com estereotipias. 5 Diferenciar de padrões comportamentais restritos e estereotipados em TEA. DI: deficiência intelectual, ISRS: inibidores seletivos da recaptação de serotonina, TAG: transtorno de ansiedade generalizada, TBH: transtorno bipolar de humor, TC: transtorno de conduta, TDAH: transtorno de déficit de atenção com hiperatividade, TEA: transtorno do espectro autista, TOC: transtorno obsessivo-compulsivo, TOD: transtorno opositivo desafiador. Fonte: adaptada de Alvarenga et al., 2019;9 Diler et al., 2019;10 Fuentes et al., 2019;11 Ke & Liu, 2019;12 Moriyama et al., 2019;13 Oerbeck et al., 2019;14 Quy & Stringaris, 2019;15 Rappe, 2019;16 Rey et al., 2019;17 Scott, 2019;18 von Gontard, 2019;19 von Gontard, 2019.20

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comportamentos da esfera sexual que sejam considerados inadequados ou de risco em crianças e adolescentes com deficiência intelectual ou TEA podem ser atenuados a partir do efeito colateral na libido de alguns medicamentos, o que é uma decisão ética delicada a ser tomada de maneira partilhada com a família e terapeutas.

PRINCIPAIS CLASSES DE PSICOFÁRMACOS Os fármacos psicoativos mais utilizados na infância e na adolescência são apresentados na Figura 20.1. Essa classificação, embora clássica, apresenta limitações, uma vez que medicamentos típicos de uma classe podem ser utilizados

Tricíclicos

Antidepressivos

Inibidores seletivos da recaptaçãode serotonina (ISRS)

Imipramina Clomipramina Amitriptilina Nortriptilina

Fluoxetina Fluvoxamina Sertralina Citalopram Escitalopram

Bupropiona

Ansiolíticos – Benzodiazepínicos

Diazepam Clobazam Clonazepam Alprazolam Lorazepam Ação curta Metilfenidato Ação prolongada

Psicoestimulantes Lisdexanfetamina

Estabilizadores do humor

Carbonato de lítio Anticonvulsivantes

Carbamazepina Valproato de sódio Lamotrigina Topiramato

Haloperidol Pimozida

Alta potência

Típicos Clorpromazina Tioridazina

Antipsicóticos ou Neurolépticos

Atípicos

Baixa potência

Risperidona Olanzapina Clozapina Aripiprazol Quetiapina

Figura 20.1  Principais classes de psicofármacos Fonte: adaptada de Almeida et al., 2019;7 Andrade et al., 2014;21 Brunton et al., 2018;22 Gorenstein & Cordás, 2014;23 Sadock et al., 2019;24 Schatzberg et al., 2015.25

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Psicofarmacologia na Prática Diária: Abordagem Prática | 215

para tratar condições atribuídas à outra classe (p. ex., o uso de antidepressivos para tratar transtornos de ansiedade). É essencial considerar que o tratamento psicofarmacológico é apenas uma parte da abordagem terapêutica e só deve iniciado após avaliação clínica minuciosa,24 sendo fundamental, antes do início do uso do psicofármaco, determinar sinais e/ou sintomas-alvo para avaliação da eficácia do tratamento medicamentoso.7

As Tabelas 20.2 a 20.7 apresentam os principais psicofármacos com as respectivas doses habituais, prováveis mecanismo de ação (alguns não estão esclarecidos) e efeitos colaterais mais comuns. Os fármacos psicoativos devem ser prescritos na menor dosagem terapêutica de manutenção, reajustada conforme a necessidade. É importante mencionar que muitas medicações devem ter suas doses reduzidas em caso de insuficiência renal e de disfunção hepática, o que não será abordado neste capítulo.

Tabela 20.2  Mecanismos de ação, doses e principais efeitos colaterais dos antidepressivos Fármaco

Mecanismo de ação

Dose habitual (via oral)

Principais efeitos colaterais

Imipramina

Antagonista dos transportadores noradrenalina e de serotonina. Inibidor da recaptação de serotonina e noradrenalina

Antidepressivo: yy Criança: iniciar com 1,5mg/kg/dia, 3 vezes ao dia; aumentar 1 a 1,5mg/kg a cada 3 a 4 dias para o máximo de 5mg/kg/dia yy Adolescente: iniciar com 25 a 50mg/dia, 1 a 3 vezes ao dia. Máximo: 200mg ao dia Enurese (≥6 anos): iniciar com 10 a 25mg à noite Incremento de 10 a 25mg a cada 1 a 2 semanas, até o máximo para a idade ou o efeito desejado. Máxima dose para 6 a 12 anos: 2,5mg/kg/dia ou 50mg/dia, o que for menor; para ≥12 anos: 75mg/dia

Sonolência, secura na boca, constipação, retenção urinária, borramento visual, ganho de peso, alterações hematológicas, arritmia, hipotensão postural, convulsões Monitorar ECG, PA e hemograma no início do uso e com mudança de dose

Clomipramina Inibe a recaptação de noradrenalina e, principalmente, de serotonina pelos neurônios pré-ganglionares

Iniciar com 1mg/kg/dia, 1 a 2 vezes ao dia; aumentar em 20% a cada 5 dias Dose usual: 3 a 5mg/kg/dia Máximo: 200mg/dia

Sonolência, secura na boca, constipação, borramento visual, ganho de peso, alterações hematológicas, arritmias, hipotensão postural, convulsões Monitoramento cardíaco

Amitriptilina

Antidepressivo: yy Criança: iniciar com 1mg/kg/dia, 3 vezes ao dia por 3 dias; depois, aumentar para 1,5mg/kg/dia. Se necessário, aumento gradual até o máximo de 5mg/kg/dia yy Adolescente: 10 a 50mg/dia, 3 vezes ao dia ou à noite; a dose pode ser aumentada gradualmente até o máximo de 200mg/dia, se necessário

Sedação, retenção urinária, constipação, secura na boca, tontura, sonolência, alterações hepáticas, arritmia. Monitoramento cardíaco

Antagonista dos transportadores de noradrenalina e de serotonina. Inibidor da recaptação de serotonina e noradrenalina

(continua)

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Reunindo médicos de diversas especialidades, como Pediatria, Neurologia, Psiquiatria, Psicologia e Fonoaudiologia, a obra Neuropsiquiatria Infantil visa trazer, de maneira clara e objetiva, conceitos modernos sobre diversas questões que afetam a saúde mental de crianças e adolescentes. Organizada por professores da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e que trabalham no Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG) desta mesma instituição, a obra cobre uma vasta gama de transtornos mentais comuns da infância, cuja frequência vem aumentando nos últimos anos, como o transtorno do espectro autista, as dificuldades de aprendizagem e problemas relacionados com o uso de mídias eletrônicas de modo cada vez mais precoce. Com base na experiência assistencial e científica dos autores em um ambiente multidisciplinar, este livro servirá como referência para a prática clínica diária de profissionais que vivem o dia a dia de atendimentos de crianças e adolescentes com queixas neuropsiquiátricas.

Áreas de interesse Pediatria Neurologia Psiquiatria

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