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Capítulo 31 Recursos Ergogênicos Nutricionais em Provas de Mountain Bike (Cross‑country Olímpico)

Q introdução

Nos últimos anos, é facilmente observável o crescimento da modalidade do mountain bike (MTB) no Brasil, sobretudo nas cidades do interior, tendo em vista que corresponde a uma modalidade de ciclismo típico para ser praticado em estradas rurais, bosques e florestas, na natureza.

Seus praticantes têm vários tipos de objetivos, que vão desde o recreativo e o turismo sustentável e ecológico, de condicionamento físico e socialização até a competição. As jornadas de treinamento costumam ser superiores a 60min e podem durar até 5h, o que exige uma abordagem nutricional especial.

O MTB possui características próprias que devem ser levadas em consideração. Primeiro, compreende uma modalidade que facilita o transporte de líquidos e de alimentos, diferentemente da corrida, pois a bicicleta tem área de suporte para recipientes, além da camisa com bolsos (que possibilitam o transporte de alimentos e líquidos) e das mochilas de líquidos. Isso facilita muito o suporte nutricional (líquido e energético) durante a atividade. Outro aspecto compreende a questão da higienização dos alimentos. Por ser praticado em área rural, deve-se ter muito cuidado com a limpeza dos alimentos consumidos para se evitar intoxicação. Por último, por ser praticado em áreas de baixa densidade populacional, provavelmente haverá dificuldade de aquisição de alimentos no caminho, diferentemente do ciclismo de estrada, o que gera mais um elemento no planejamento.

Este capítulo traz informações relacionadas ao MTB, como os aspectos fisiológicos, características e aspectos nutricionais e os recursos ergogênicos nutricionais (REN) que podem ser oferecidos para tentar aprimorar a performance e/ou acelerar a capacidade de recuperação do atleta.

Q Mountain bike: aspectos fisiológicos

O MTB é uma modalidade esportiva que teve suas origens nos Estados Unidos, por volta dos anos de 1970, e pode ser subdividido em cross-country, downhill e provas por etapas. O cross-country mostra-se a forma popular mais disputada e a única considerada como modalidade olímpica.1,2

O MTB cross-country olímpico é um esporte praticado em estradas com vários desafios técnicos e trilhas acidentadas e montanhosas, com terra, pedras, erosões, cascalhos, troncos e até trechos com lama. Isso demanda grande dispêndio de esforço e faz com que, na maioria das vezes, o esporte seja realizado em intensidade elevada e intervalada.2-4

Alguns estudos analisando a intensidade das provas por meio da frequência cardíaca (FC) concluíram que o MTB requer dos atletas sempre alta potência aeróbica. Assim, para sustentar a alta variação de intensidade durante uma prova, tanto o sistema aeróbico quanto o anaeróbico devem estar bem desenvolvidos.5-8

Segundo Lucas et al. (2010),2 a demanda energética do MTB competitivo depende do atrito da roda com o terreno, do efeito do ar e da elevação, podendo ainda ter duração próxima a 120min e, na maioria das vezes, ser realizado em torno de 90% da frequência cardíaca máxima (FCM). Segundo a União Internacional do Ciclismo (UCI; do inglês, Union Cycliste Internationale), as competições de MTB podem ser caracterizadas como evento tipicamente de endurance 2 A Figura 31.1 apresenta um exemplo do comportamento da FC durante um treino de MTB.

Em praticantes de MTB, assim como em outros esportes de endurance, são de grande importância:9-13

 Aporte nutricional adequado.

 Tipo, tempo e quantidade planejada de alimentos.

 Nível de hidratação.

 Uso de REN.

Eles também estão diretamente ligados ao bom desempenho esportivo.9-13 O crescimento do número de atletas de alto nível no MTB sem prévia orientação de profissionais em suas atividades físicas e o consumo alimentar e com uso indiscriminado de suplementos ergogênicos sem respaldo científico aumentam ainda mais a necessidade de discussão acerca do assunto.9

Q Características nutricionais de ciclistas de mountain bike

Por ser uma modalidade relativamente nova, em comparação ao ciclismo de estrada e outras modalidades, como a natação, observa-se escassez de informações científicas sobre o perfil nutricional de ciclistas de MTB. Estudo realizado por Rossi et al. (2010)14 com 12 desportistas de MTB, sendo todos do gênero masculino, com idade média de 31,2 ± 6,2 anos, observou que os atletas apresentavam consumo calórico médio de 2.657,90 ± 682,2kcal. O consumo encontrado de carboidratos (CHO) foi de 5,4 ± 1,9g/kg de peso corporal (PC); o de proteínas (PTN), de 1,64 ± 0,6g/kg de PC; e o de lipídios (LPD), de 1,2 ± 0,3g/kg de PC. Com relação aos micronutrientes, os indivíduos apresentaram adequação de 91,8%; 169,5%, 67,3% para as vitaminas A, C e E, respectivamente, e 37,2% para ferro.

Outro estudo,15 realizado com 22 ciclistas de prova de longa duração, todos do gênero masculino e idade média de 34,73 ± 6,3 anos, observou consumo calórico médio de 2.277,77 ± 690,37kcal. Em comparação ao estudo anterior, os indivíduos apresentaram consumo inferior de CHO (3,37g/kg de PC), PTN (1,18g/kg de PC) e LPD (0,88g/kg de PC). Com relação aos micronutrientes, observaram-se inadequações na ingestão de:

 Vitaminas: C, D, B2, B9, B12 e K

 Minerais: magnésio, cálcio e potássio.

O estudo de García-Rovés et al. (2000)16 em seis ciclistas de estrada, com idade média de 27,03 ± 1,9 anos observou consumo calórico médio de 5.353,72 ± 406,31kcal em períodos de treinos de alta intensidade, com consumo de CHO, PTN e LPD, sendo, respectivamente, de 11,3 ± 0,9g/kg; 2,6 ± 0,3g/kg e 2,6 ± 0,5g/kg. O consumo dos minerais e vitaminas estava adequado no grupo estudado.

Com relação aos praticantes de MTB, em específico, outro estudo realizado em 60 indivíduos amadores revelou grande consumo de suplementos por esse público.9 Dos 78,33% dos entrevistados que afirmaram tomar suplementos, a maioria (68,3%) afirmou usar produtos à base de CHO, sendo os aminoácidos o segundo suplemento mais utilizado (56,6%).

O estudo destaca também que os indivíduos demonstraram necessitar de maiores orientações nutricionais para a adoção de uma boa estratégia de suplementação e nutrição.

O estudo de Cazal (2010),17 ainda com ciclistas de MTB, também relatou alto consumo de suplementos por parte dos ciclistas: 88,35% e 97,26% dos indivíduos relataram fazer consumo de suplementos durante o treinamento e a competição, respectivamente. O autor demonstrou, ainda, que a maioria dos indivíduos não apresentava indicações confiáveis desses suplementos, bem como fazia a utilização destes em substituição à alimentação.

O estudo de Castillo et al. (2010),18 com o objetivo de avaliar os hábitos alimentares da equipe nacional espanhola de MTB, observou que 66% dos indivíduos da categoria Júnior (CJ) apresentaram hábitos alimentares incorretos contra 36% dos indivíduos da categoria Elite (CE). Com relação ao número de refeições realizadas pelos atletas, 66% da CJ e 60% da CE faziam três refeições por dia, enquanto apenas 20% da CJ e 26,7% da CE faziam cinco refeições por dia. Além disso, 56% da CJ e 20% da CE faziam o consumo de fast-food. O estudo foi realizado com um total de 40 ciclistas (26 homens e 14 mulheres) de idade entre 15 e 34 anos e concluiu que os hábitos alimentares dos ciclistas da CJ da seleção espanhola de MTB são considerados inadequados, sendo significativamente melhor para o grupo CE, embora também existam aspectos básicos a serem aprimorados.

A partir dos estudos citados aqui, é possível inferir que praticantes, amadores e atletas de MTB podem apresentar problemas nutricionais relacionados ao consumo inadequado de calorias, macro- e micronutrientes e o consumo indiscriminado de suplementos esportivos. Os estudos demonstram, em geral, a grande necessidade de orientação e estratégias nutricionais adequadas para esses indivíduos.

Q aspectos nutricionais do mountaim bike

Tendo em vista as características fisiológicas da modalidade apresentada anteriormente, um atleta de MTB necessitará de considerável aporte energético, tendo o CHO como fonte principal de energia. Isso será fundamental para tentar fazer com que o atleta, sempre antes de treinar, tenha suas reservas de glicogênio muscular (GM) e hepático (GHep) sempre na capacidade máxima. Isso gera mais autonomia de tempo de exercício, além de estado de euglicemia, para adequada resposta não somente física, mas também mental.

O aporte proteico deverá ser suficiente para dar condições para recuperação tecidual

Desidratação

Acidose

Esvaziamento do glicogênio muscular

Esvaziamento do glicogênio hepático

Depletação de reservas de PC que, tanto baixas doses (1,5mg/kg-1) de cafeína quanto moderadas (2,8mg/kg-1), quando administradas em solução carboidratada a 6% nos momentos finais de uma prova de 120min, foram suficientes para aumentar o tempo de contrarrelógio dos ciclistas, com a dose moderada melhorando o desempenho em maior medida. Ainda sobre os benefícios do uso da cafeína em ciclistas, Caldwell et al. (2017),31 administrando doses de 3mg/kg-1 imediatamente após um evento de ciclismo de endurance (164km), nas próximas quatro manhãs (800h após) e três tardes (1.200h após), concluíram que os atletas podem se beneficiar com a ingestão de cafeína nos dias seguintes após exercício árduo no sentido de aliviar sentimentos de dor e funcionalidades reduzidas.

Outro modo de utilização promissor da cafeína é o enxágue bucal com solução de cafeína. Segundo Kizzi et al. (2016),32 em estudo com praticantes de ciclismo, o enxágue bucal de solução a 2% de cafeína reduziu os prejuízos causados pela redução de GM, com melhora na potência de pico e potência média após