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Cultura Marília Mendonça: um obituário digno da primeira rainha eleita pelo povo brasileiro

Estela Vieira

Marília Dias Mendonça nasceu em 25 de julho de 1995, em uma cidade do interior de Goiás chamada Cristianópolis. Filha de Ruth Dias e Mário Mendonça, Marília conheceu os holofotes muito jovem, mas engana-se quem pensa que a primeira rainha eleita pelo povo iniciou sua carreira artística como cantora. Apesar de fazer alguns shows informais, a jovem, que tinha como principal objetivo de vida ajudar a mãe viúva a sustentar a casa, e cuidar de seu irmão mais novo, iniciou no meio artístico como compositora.

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No entanto, antes de entrar, de fato, na vida profissional de uma das maiores saudades que o Brasil sente, vamos falar um pouco mais sobre quem foi Marília Mendonça.

Filha, irmã e, mais recentemente, mãe, a cantora estava vivendo a maternidade de seu primeiro filho, Léo Mendonça Huff, quando o acidente aéreo de 5 de novembro de 2021 tirou sua vida. Seu primogênito, fruto de seu relacionamento com o também cantor e com positor Murilo Huff, tinha apenas um ano e 11 meses de idade quando Marília embarcou no avião que, horas depois, tiraria sua vida.

Em 5 de novembro do ano passado, há pouco mais de nove meses, Marília deixou sua mãe, seu irmão, que posteriormente se tornou cantor da dupla sertaneja Dom Vittor e Gustavo, seu filho, os amigos e uma legião de fãs e admira-

Marília já brilhava nos palcos, e Murilo ainda estava escondido por trás das linhas de suas músicas. O primeiro contato pessoalmente entre os dois foi no primeiro show em que a artista cantou a música “Transplante”, uma dores. Não foi apenas Léo que perdeu a mãe. Naquele dia, quando o primeiro jornal anunciou o falecimento da cantora, o país inteiro perdeu alguém que amava. Marília Mendonça causou uma comoção nacional vivida poucas vezes por aqui: quando o piloto de Fórmula 1, Ayrton Senna, morreu em um acidente no Autódromo Enzo e Dino Ferrari, na parceria com a dupla Bruno e Marrone, e composição de Huff.

Já foi dito aqui que a vida artística de Marília Mendonça iniciou enquanto ela ainda era compositora, e isso é fato. O mais curioso dessa história, que resultou em uma

Itália; a morte dos integrantes do grupo Mamonas Assassinas; a morte dos jogadores do time de futebol Chapecoense. Dentre estes, os Mamonas e os jogadores da Chapecó também foram vítimas de acidentes aéreos.

Além da maternidade, a cantora viveu um relacionamento sério com o pai de seu filho, o cantor Murilo Huff, por quase cinco anos. Os dois se conheceram quando fama incontrolável, é que Marília iniciou na composição com apenas 12 anos. Com tão pouca idade, ela externava vivências de pessoas adultas: de separação a traição, ligações para o ex e canções de superação. A menina que tocava e can- tava em bares para alimentar a mãe e o irmão já carregava consigo uma bagagem de experiências. Tais histórias, muitas vezes baseadas em fatos, não eram sobre si, mas sobre parentes, amigas de sua mãe, vizinhas, em resumo, sobre mulheres que viviam ao seu redor. Marília não sabia, nem mesmo essas mulheres, que o que a menina cantava para um público tão pequeno, em troca de alguns espetinhos e cerveja, entraria nas casas dos brasileiros e, muito em breve, em seus corações. Não demorou muito para que o país inteiro conhecesse o nome, a voz e as letras de Marília Mendonça. Em janeiro de 2014, com 19 anos, a jovem decidiu sair de trás das folhas das composições e mostrar sua voz com o lançamento do EP que leva seu nome, e trouxe a público grandes hits de sua carreira, como a clássica música “Alô Porteiro”, que conta a história de uma mulher que acaba de descobrir uma traição e expulsa o infiel de sua casa. As canções sobre adultério deram a Marília Mendonça o título de Rainha da Sofrência, e foi uma questão de pouco tempo até que ela aceitasse sua realeza.

Entrando e conquistando espaço em um meio musical dominado por homens, Marília deu voz às mulheres brasileiras que se viam representadas em suas músicas. A cantora se responsabilizou por mostrar ao público que a mulher nem sempre é inocente. Ela pode trair, pode correr atrás e pode simplesmente ignorar. Marília fez com que todas as brasileiras se encontrassem em, pelo menos, uma de suas músicas, e esse é um dos motivos pelos quais ela foi e sempre será tão amada no país.

Pouco tempo antes do fatídico acidente, a cantora estampava um telão em uma das principais avenidas de Nova York, a Times Square, ao lado de suas grandes amigas: as cantoras Maiara e Maraísa. As três, juntas, formavam o trio conhecido como As Patroas, nome do projeto em que estavam trabalhando recentemente. Após a morte da “irmã de coração” das gêmeas, a dupla decidiu continuar com o projeto em homenagem àquela que tan- to as incentivou e as apoiou ao longo da carreira. Seus feitos impactaram grandemente a indústria da música brasileira. Ela mudou o cenário do sertanejo, abriu caminhos para que mais mulheres possam ser ouvidas nesse gênero e lutou incansavelmente para derrubar preconceitos. Marília Mendonça, por vezes, esteve nos principais charts do Brasil e do mundo, mesmo após sua morte. Em seu álbum póstumo, intitulado de “Decretos Reais, Vol. 1”, a equipe da cantora e sua família mantêm sua memória e seu legado vivos, para que nem Léo e nem os milhares de brasileiros enlutados se esqueçam de sua importância.

Esse obituário, feito pouco mais de nove meses após a morte de Marília Mendonça, é uma reparação ao trabalho preconceituoso, feito por outro veículo de comunicação, na época em que a família e o Brasil estavam chorando a recente perda da rainha da sofrência. Marília Mendonça merece muito mais do que páginas que falam sobre seu corpo e, pejorativamente, sobre suas músicas. A primeira rainha eleita pelo povo merece páginas que mostram o quão grande e poderosa ela foi, é, e sempre será.

Para quem acompanhou seus quase oito anos de carreira, os números não são o que mais importa, a memória afetiva com as pala- vras cantadas pela voz forte da cantora, sim. São os momentos marcados pelas músicas de Marília que a fazem tão presente na vida dos brasileiros, são as letras reais, que contam histórias baseadas em fatos, que geram a identificação necessária para que Marília Mendonça tenha sido considerada muito mais do que uma cantora famosa, um ídolo, uma estrela: ela era amiga e confidente dos milhares de brasileiros que choraram naquela tarde de sexta-feira. Por fim, apesar de ter virado saudade dentro das casas brasileiras, da frieza que embala o coração triste de uma legião de fãs, nosso amor jamais envelheceu. Nos tornamos ro- sas embriagadas de uma dor que parece não cessar, e nunca foi por conveniência, todos ficamos de luto. Voltamos ao Motel Afrodite, tentamos trocar de calçada com a dor, e há mais de nove meses, ligamos para o porteiro para saber se ele, apesar de calculista, também acha que o apartamento 119 deveria virar um fã clube. Afinal, Marília, todo mundo, menos você, parece perceber que essa presepada toda machuca, e definitivamente, nenhum de nós é melhor sozinho. A festa das patroas continua, e agora, ouvimos daqui os seus decretos reais, pois você estará, para sempre, em todos os cantos.