Revista Debate Sindical - Edição nº 40

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ANO 15 — N9 40— R$ 5,00 — ESPECIAL — NOVEMBRO/2001

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Debate Sindical

A ofensiva dos neoliberais para flexibilizara legislação trabalhista e para acabar com a unicidade sindical. Qual deve ser a resposta do sindicalismo brasileiro?


O sindicalismo brasileiro atravessa um período de crescentes dificuldades financeiras, o que fragiliza a sua atuação. Mas quais as causas de fundo desta crise? Qual a sua verdadeira dimensão? Quais as experiências positivas na administração dos sindicatos? Estas são algumas das questões que este livro - resultado de um seminário nacional que reuniu estudiosos e sindicalistas de distintas correntes de pensamento procura responder. E uma obra de reflexão e ação prática. Não deixe de ler! VALOR: R$12,00

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João Guilherme Vargas Netto Adalberto Moreira Cardoso Armando Boito Hilário Gottselig

Tarcísio Secoli Cláudio Spiciati Barbosa Ulisses Riedel Remígio Todeschini Altamiro Borges

(org.) Edlçacn

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Debate Sindical é urna publicação do Centro de Estudos

Sindicais (CES).

Sede: Rua Monsenhor

Passalácqua, 158, Bela Vista, São

Paulo, SP, CEP: 01323-010.

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ALTAMIRO BORGES

Página na Internet:

A velha raposa do PPB e o truque da miragem

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Editor: Altamiro Borges

Debate Sindical

A ofensiva dos neoliberais e a resistência do sindicalismo

BRENO ALTMAN

IIII

Como a pluralidade compromete as bases da democracia ENTREVISTA: MARCIO POCHMANN

021 As medidas do governo para flexibilizar a legislação trabalhista ANTÔNIO AUGUSTO DE QUEIROZ

20

A estrutura sindical brasileira na mira do Poder legislativo CLAUDIO GONZALEZ

IM

As razões de quem defende a manutenção da unicidade DEPOIMENTOS DE SINDICALISTAS E PARLAMENTARES

Quantos são os sindicatos no Brasil A olensiva dos neoliberais pora ilexitilisor a legislação trahallisto e para atabor santa uniddode slats& Gaal deve ser a resposta do sinricalismo brasileiro?

Edição especial:

João Guilherme Vargas Netto

João Batista Lemos

Cristiane Oliveira

Antônia Rangel

Altamiro Borges

JOÃO GUILHERME VARGAS NETTO

34

A antinomia unicidade versuspluralismo JOÃO JOSÉ SADY

36

As armadilhas da Convenção 87 da OIT ALTAMIRO BORGES

Conselho de redação: Augusto Buonicore

Guiomar Prates

João Batista Lemos

José Carlos Ruy

Osvaldo Bertolino

Umberto Martins

39

Edição de fotos: Jesus Carlos/Imagenlatina

46

Esforço unitário na experiência internacional do sindicalismo JOÃO GUILHERME VARGAS NETTO

43

Unidade ou divisão na história do movimento sindical brasileiro JOSE CARLOS AROUCA

A quem interessa a flexibilização das relações do trabalho CLAUDIO SALVADORI DEDECCA

Revisão: Josenildo Marques Editoração eletrônica: Sandra Luiz Alves

DEBATE SINAI CAL

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CONJUNTURA

A ofensiva dos neoliberais e

a resistência do sindicalismo

Com o projeto de alteração da CLT, que impõe o "negociado sobre o legislado", o governo volta a ofensiva; sua próxima cartada pode ser a proposta do fim da unicidade ALTAMIRO BORGES "A melhor defesa é o ataque". Esta parece ser a máxima de FHC! Acuado por todos os lados, o governo procura sair da defensiva investindo contra os seus "inimigos". O alvo escolhido, mais uma vez, são os trabalhadores. Não é para menos que já nos estertores do seu reinado, FHC apresenta o projeto de lei 5.843/01, que altera o artigo 618 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A medida é mais um duro golpe nos direitos trabalhistas, impondo que o "negociado prevaleça sobre o legislado". O governo enviou o projeto ao Legislativo em regime de urgência, numa prova da virulência do seu ataque. Com mais esta iniciativa, FHC passa de vez a figurar como o maior inimigo dos trabalhadores em toda a história do Brasil. Durante seus dois mandatos, o

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DEBATE SINDI CAL

país foi um dos recordistas mundiais no brutal processo de desregulamentação trabalhista (leia artigo na página 17). Em seu discurso de posse, em 1995, ele prometeu às elites "pôr fim 5. era Vargas". Agora, no seu final agonizante, crava mais uma estaca nesta trajetória destrutiva e regressiva. A "era FHC" ficará conhecida como a "era da degradação do trabalho".

SINDICATOS NO ALVO Mas, segundo o Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), as medidas contrárias aos trabalhadores podem não ter terminado. Antônio Augusto de Queiroz, diretor deste organismo, teme que o governo ainda tente aprovar algum projeto para

Diante do perigo iminente, entidades de variadas origens e concepções lançam o "movimento nacional em defesa da unicidade" sabotar o já perseguido sindicalismo brasileiro. Como neoliberalismo não combina mesmo com democracia, a intenção seria a de desferir um golpe fatal nos organismos de resistência dos trabalhadores. "0 fim da unicidade é um antigo sonho do governo", afirma. Um rápido histórico corrobora a preocupação do Diap. Já em abril de 1995, Paulo Paiva, primeiro ministro do Trabalho de FHC, anunciou o envio ao Congresso Nacional de uma proposta de reforma


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constitucional. Como lembra José Pastore, consultor de empresa e fundamentalista neoliberal, ela incluía: "1) flexibilização dos direitos sociais; 2) implantação do contrato coletivo do trabalho; 3) redução dos encargos trabalhistas; 4) eliminação do poder normativo da Justiça do Trabalho; 5) fim da contribuição sindical compulsória; 6) e introdução do pluralismo sindical". A proposta não vingou, o ministro caiu e o novo ocupante, Edward Amadeo, voltou à carga. O Ministério do Trabalho montou, em 1998, uma "forca­ tarefa sobre política de emprego". Entre as soluções elencadas pela equipe, composta por gente de confiança dos empresários, ressurgiu a idéia de alterar a estrutura sindical, que seria um empecilho à "modernização" trabalhista. A "força-tarefa", então, propôs: "É necessário implantar a verdadeira liberdade sindical, tal como a concebida na Convenção 87 da OIT". O ministro "intelectual", que caiu no ridículo ao afirmar que "não ha desemprego no Brasil", dançou sem ver o seu projeto totalmente implantado. Mas o novo ocupante, o deputado malufista Francisco Dornelles, não abandonou a batuta. Mais pragmático, ele fez todos os ,.!sforços para aprovar a Proposta de Emenda Constitucional número 623, sem dúvida a mais feroz investida contra o sindicalismo brasileiro. Como demonstrou Carlos Eduardo Freitas, assessor da bancada federal do PT, "essa PLC retira do texto da Constituição qualquer limite à pluralidade. Vários sindicatos poderiam atuar numa mesma categoria e na mesma base territorial, isto porque desapareceria a própria delimitação de categoria pro fi ssional, posto que as

Por um movimento nacional em defesa da unicidade sindical A unicidade sindical — garantida pela Constituição e praticada por milhares de entidades e milhões de trabalhadores do campo e da cidade, inclusive os funcionários públicos, que somente se organizaram em sindicatos na vigência da Constituição — corre perigo. Este perigo precisa ser conjurado, agora e no futuro, com a clara adesão de dirigentes, ativistas sindicais e trabalhadores a uma forte campanha nacional em defesa da unicidade sindical, cujos efeitos se façam sentir no processo eleitoral que se avizinha e exija tomada de posição e compromissos dos candidatos. O significado essencial da unicidade é a representação das categorias por entidades únicas. Ela tem sido um entrave aos desmandos do liberalismo, precarização das relações do trabalho, à informalização, aos ataques aos direitos dos trabalhadores e aos direitos sindicais. Imaginem os últimos dez anos com pluralidade; imaginem a história sindical recente sem unicidade. Cada vez mais estamos convencidos de sua importância e do seu peso decisivo nas lutas e na resistência dos trabalhadores; passada a onda neoliberal, cresce a consciência em prol da unicidade. Conforme é praticada no Brasil, a unicidade reforça a liberdade e a autonomia sindicais, consagradas na Constituição, e é exemplo de estrutura sindical eficiente para o resto do mundo.

Eleições periódicas, estatutos aprovados em assembléias, diretorias reconhecidas e legítimas, negociações realizadas, mobilizações, congressos, campanhas de sindicalização e recursos financeiros transparentes e autônomos, tudo isso configura uma organização capaz de conduzir a luta dos trabalhadores e corrigir, por si, seus próprios problemas. Para o movimento sindical que efetivamente defende a sua liberdade e a sua autonomia, a tarefa desse aperfeiçoamento é dos trabalhadores e não do governo. Para atacar e destruir a unicidade e instaurar a pluralidade e a pulverização, os inimigos dos trabalhadores, os liberais de todos os matizes, têm feito de tudo, desde as tentativas de mudança na Constituição, às artimanhas legais e jurídicas que procuram enfraquecê­ la e insidiosamente espalhar a cizânia (como agora, quando procuram golpear o artigo 7° da Constituição). Em defesa da unicidade — experimentada e aprovada pelos trabalhadores — nos associamos neste amplo, unitário, democrático e includente movimento que ultrapassa os limites ideológicos, das centrais sindicais e dos partidos políticos. Defendemos a unicidade prevista na Constituição como um instrumento para a unidade de ação dos trabalhadores em suas lutas e mobilizações na resistência às agressões aos seus direitos. Movimento Nacional em Defesa da Unicidade Sindical Rio de Janeiro, outubro de 2001

Secretaria do movimento: Rua Monsenhor Passalácqua, 158, Bela Vista, São Paulo, SP, CEP 01323-010. Fone: (11) 3285-2860 Fax: (11) 3141-9601 Página na Internet: www.unicidadesindicalorg.br —

DEBATE SIB DI CAL

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CONJUNTURA • RISCO IMINENTE

O governo ainda deseja

aprovar seu projeto

para sabotar o

sindicalismo; "o fim

da unicidade é um antigo

sonho de FHC", afirma

o diretor do Diap

entidades passariam a reunir apenas os associados. Com a adoção da PEC-623 se teria, no primeiro momento, a criação de mais sindicatos, para depois haver uma previsível quebradeira de grande parte das entidades".

RESISTÊNCIA NACIONAL Por inúmeras razões, o sonho presidencial de acabar com a unicidade até hoje não vingou. A própria PEC, devido à pressão de sindicalistas e ao cochilo dos governistas, foi arquivada. Mas várias medidas ungidas pelo Planalto para fragilizar a organização dos trabalhadores emplacaram em doses homeopáticas — como a criminalização das greves, com pesadas multas aos sindicatos; a restrição ã liberação de dirigentes; e a exclusão dos sindicatos em negociações decorrentes das novas medidas de flexibilização trabalhista. Segundo Marcos Pimentel, ex­ presidente do Tribunal Superior do Trabalho, mesmo a unicidade

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tem sido corroída aos poucos. "0 sistema plural no regime sindical está sendo implantado do alto da pirâmide para baixo... A febre começou pelo alto, mas vai pulverizar a base, inclusive, com toda certeza, agredindo o princípio constitucional de um sindicato por município, isto porque surgirão entidades iguais apenas com apelidos diferentes", garante o ex-juiz do TST, que ficou conhecido por suas sentenças anti-sindicais. Diante deste histórico preocupante, mais do que o temor do Diap, justifica-se plenamente a iniciativa de inúmeras confederações, centrais, federações e sindicatos, de distintas origens e concepções, de criar o "Movimento Nacional em Defesa da Unicidade Sindical". Segundo os seus organizadores, esta iniciativa tem objetivos imediatos e futuros. De cara, visa envolver os trabalhadores e a sociedade na luta contra as medidas do governo de desmonte da organização sindical brasileira. Um campo nevrálgico desta batalha sera no Poder Legislativo,

conquistando o apoio parlamentar na defesa da manutenção da unicidade. Além disso, o movimento já se prepara para o período pós­ sucessão presidencial, criando um tipo de blindagem com vistas ao futuro governo. Como diz seu manifesto, aprovado em outubro passado (leia quadro), esse perigo "precisa ser conjurado, agora e no futuro, com a clara adesão de dirigentes, ativistas sindicais e trabalhadores a uma forte campanha nacional em defesa da unicidade sindical, cujos efeitos se façam sentir no processo eleitoral que se avizinha e exija tomada de posição e compromissos dos candidatos". Em síntese, o movimento pretende realizar uma intensa batalha de idéias na sociedade para mostrar que a unicidade é um instrumento decisivo na luta contra a fúria neoliberal e na construção de um sindicalismo unitário e forte. Foi com este intento que seus organizadores solicitaram à Debate Sindical — que, apesar da sua linha editorial ampla e plural, nunca escondeu a sua defesa da unicidade como uma questão política chave na atualidade — a publicação desta edição especial. Esperamos que a revista cumpra este objetivo! Altamiro Borges é jornalista, membro da coordenação nacional do Centro de Estudos Sindicais (CES) e editor do revisto Debate Sindical Correio eletrônico: aaborge@attglobal.net


REPORTAGEM

pow

O truque da miragem

Coisas do Brasil. Bastou um engano da deputada Zulaiê Cobra (PSDB-SP) e uma das mais curtidas ofensivas do Palácio do Planalto para modificar as regras 10."� da organização sindical foi por água abaixo. Em outubro de 2000, a parlamentar pediu o arquivamento da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 346/96 e anexos, que dispunha sobre representação classista na Justiça do Trabalho. Mas não atentou para o fato de que uma das peças agregadas era a proposta que estabelecia o fim da unicidade sindical, conhecida como PEC-623.

O arquivamento da

PEC-623 não elimina

o perigo à vista.

A organização sindical

brasileira continua sob

a mira do governo,

que deseja quebrar

a sua unicidade

BRENO ALTMAN O pedido de Zulaiê foi apresentado na Comissão de Constituição e Justiça. O presidente da Camara dos Deputados, Michel Temer

(PMDB-SP), abriu o prazo regimental de cinco sessões para recurso ao pedido, sem nenhuma manifestação contrária. O assunto também passou despercebido pelos líderes governistas. O projeto de emenda, assim, terminou engavetado e o Planalto ficou a ver navios, obrigado a reformular uma estratégia costurada durante longo tempo. A PEC-623 havia sido concebida sigilosamente por uma comissão de juristas vinculada diretamente à Presidência da República, integrada por advogados da Fiesp — entre outros, Luiz Carlos Robortella e DEBATE

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REPORTAGEM • ESTRUTURA SINDICAL

A PEC-623 foi concebida sigilosamente por uma comissão de juristas vinculada Amauri Mascaro Nascimento. Antes mesmo que iniciasse seu tramite legislativo, o Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar) teve acesso ao texto preliminar dessa confabulação. O advogado Ulisses Riedel, diretor técnico da instituição, logo denunciou que o objetivo era acabar com a unidade sindical, instituindo o pluralismo e o sindicato por empresa, além de extinguir a contribuição sindical e restringir o acesso a Justiça do Trabalho. "É a operação desmonte, mediante a pulverização, asfixia financeira e a

limitação do acesso a Justiça", alertou Riedel a época. Mas setores importantes do sindicalismo reagiram com outro espírito a iniciativa do governo, apesar de se manifestarem contrários a PEC-623. "Não podíamos apoiar uma lei que não

As mudanças de 1988 criaram uma situação híbrida na qual se consolidou um dos movimentos sindicais mais pujantes do mundo

previa o direito de organização por local de trabalho", declara Luiz Marinho, presidente do poderoso Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. "Mas sou a favor do fim da unicidade e do imposto sindical. Há muitos sindicatos de carimbo no país, constituídos apenas de sede e conta bancária. Não precisam arregimentar filiados porque têm o imposto compulsório e o monopólio da representação". Outros dirigentes sindicais, como o metroviário Wagner Gomes, da Corrente Sindical Classista (uma das tendências

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diretamente it Presidência da República, integrada por advogados da Fiesp

integrantes da Central Única dos Trabalhadores), acha que o ponto de vista de Marinho é um tiro no pé. "Qual o sentido de abrirmos um debate que hoje interessa apenas à tática de enfraquecer o sindicalismo, quebrando sua estrutura e tirando-lhe recurso?", indaga. "Nesse momento, a estrutura sindical montada pelo varguismo mais ajuda que atrapalha".

MODELO VARGUISTA

OP.�

A discussão entre Marinho e Gomes remonta a debates históricos no movimento sindical. Até os anos vinte, vigia um regime de pluralidade no sindicalismo brasileiro: o Estado não regulava o seu funcionamento simplesmente porque considerava a organização dos trabalhadores um crime. A ascensão de Getúlio Vargas, em 1930, promoveu uma virada nessa orientação, buscando organizar a força de trabalho necessária para o desenvolvimento industrial, impedir que as entidades sindicais servissem de plataforma para uma alternativa revolucionária e construir uma base social para sua política. O varguismo criou, nesse contexto, um modelo sindical fortemente controlado pelo poder público. O cientista político Armando Boito, da Unicamp, não hesita em classificá-lo como um sistema de "investidura sindical", através do qual o Estado delegava a representação dos trabalhadores para uma direção legalmente constrangida pelo governo federal, que detinha o direito pleno de intervenção. A arquitetura desse sistema estabelecia a existência de

um só sindicato por categoria e base territorial, atrelava as entidades de base a federações e confederações igualmente unitárias, instituía uma contribuição sindical impositiva para todos os trabalhadores e centralizava o fluxo financeiro das organizações no Ministério do Trabalho. Essas regras mantiveram-se praticamente intocáveis por mais de cinqüenta anos. Toda vez que o sindicalismo combativo tentava rompê-las, os braços armados do Estado impunham os limites que interessavam ao patronato. Um dos momentos de conflito mais duro ocorreu nos anos que antecederam o golpe militar de 1964. Os sindicatos, à. revelia da lei, constituíram o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), uma organização independente que unificava o movimento e permitia organizar sua participação nos tormentosos embates politicos daquele período. O regime dos generais, uma vez instalado, pôs fim a essa experiência e aprofundou os mecanismos de tutela, recorrendo fartamente ao instrumento de intervenção e à perseguição policial. Mas, ao manter o modelo varguista, manteve abertas as portas dos sindicatos e

Para o empresariado,

o modelo varguista

ficou insuportável:

desprovido das amarras

do Estado, virou uma

arma contra as elites

intactas suas estruturas materiais, além de igualmente preservar a unicidade da representação e o critério eletivo para a composição de suas diretorias. Alguns grupos de ativistas, naquela época, chegaram conclusão de que a estrutura sindical deveria ser rompida de fora para dentro, com a criação de novas entidades, sem regulação do Estado sobre o seu funcionamento. As tentativas, além de poucas, foram infrutíferas: esbarraram na situação repressiva, é verdade, mas também na tradição unitária que os trabalhadores, mesmo com as deformações do modelo, haviam aprendido a valorizar como um ponto de apoio no braço-de-ferro com os patrões.

MUDANÇA NA CONSTITUIÇÃO O fenômeno que se assiste a partir dos anos setenta, particularmente a partir da ascensão de Lula à presidência do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, é o surgimento de direções renovadas e combativas dentro da velha estrutura, forçando seus limites de dentro para fora. Esse processo, estendido ao longo de uma década, desembocaria na Constituição de 1988, quando o Ministério do Trabalho perdeu definitivamente o direito de intervenção e a custódia sobre o caixa das entidades sindicais. Ainda que o modelo varguista não fosse radicalmente superado, uma vez que as relações trabalhistas continuam a ser reguladas, as mudanças efetivadas criaram uma situação híbrida na qual se consolidou um dos mais DEBATE SINDI CAL

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REPORTAGEM • ESTRUTURA SINDICAL

Com a Constituição de 1988, o Ministério do Trabalho perdeu definitivamente o poderosos movimentos sindicais do planeta. A legislação preservou as regras de unicidade na base, mas liberou a pluralidade na Não pode haver mais de uma representação por categoria e região, mas cada sindicato é livre para se filiar à central cuja orientação seja mais afeita a seus filiados. O quadro é bastante distinto em outros países, nos quais as diferenças político-ideológicas no topo do movimento projetam-se dentro das fábricas, através da existência de organismos paralelos de representação. A experiência brasileira tampouco abriu espaço para o sindicato por empresa, cujo resultado provavelmente seria o de permitir eventualmente maiores conquistas para os traba­ lhadores das grandes fábricas, ãs custas de perdas expressivas a massa de empregados nos pequenos negócios. A organização unitária por categoria estabelece, no caso brasileiro, uma frente de pressão sobre os patrões capaz de obter e distribuir as conquistas por todos os trabalhadores de um certo ramo e localidade. Na pior das hipóteses, dificulta que alguns setores da classe sejam sacrificados a favor de outros, pois as negociações acabam por fixar um piso geral para direitos e reivindicações. O fato principal a partir de 1988, porém, foi o paulatino reposicionamento das forças políticas diante do modelo sindical. A lógica das reformas neoliberais exigia a quebra da resistência nas fábricas e demais empresas. "Era necessário limpar o terreno para a dilapidação de direitos do trabalho", afirma o

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A velha raposa do PPB usa truque da miragem: apresenta seus pianos como a realização das bandeiras de liberdade e autonomia sindicais professor Marcio Pochmann, pesquisador licenciado do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit), da Unicamp e atualmente secretário do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da Prefeitura de São Paulo.

ARMA CONTRA AS ELITES As mudanças obtidas na nova Constituição tinham ajudado a impulsionar uma histórica onda grevista: quase 17 milhões de trabalhadores cruzaram os braços em 1989. Os sindicatos, unitários na base, podiam lutar sem receio de violação da sua autonomia e dispor de seus recursos financeiros como bem lhes aprouvesse. Esse teatro de operações, para o empresariado, era insuportável: o modelo varguista, desprovido das amarras autoritárias do Estado, parecia virar uma arma contra as elites que dele usufruíram por meio século. A imprensa, os agrupamentos políticos e os círculos acadêmicos mais conservadores começaram, então, a adotar um discurso que parecia semelhante ao da esquerda dez anos antes, de crítica regulamentação estatal. Acabar com a unicidade, o

imposto sindical e o poder normativo da Justiça do Trabalho, abrindo o caminho para a livre negociação, passou a ser um item nobre na agenda modernizadora do capital. Por certo tempo, houve a impressão de que tantos setores patronais como expressivos grupos sindicais estavam dispostos a confluir na liquidação do sistema fundado pelo velho caudilho gaúcho. Mas a vida logo tratou de mostrar que o patronato tinha seus próprios planos: reduzir a margem de manobra do sindicalismo, retirar­ lhe armas, subtrair-lhe peso político e social. Para =to, estava disposto a pressionar por novas leis e ate a colocar dinheiro do bolso para financiar correntes sindicais dispostas a compartilhar de seus objetivos. Essas manobras políticas foram acompanhadas pelo terremoto econômico dos anos noventa. Menos de 30% dos trabalhadores, entre uma população economicamente ativa de quase 80 milhões, têm hoje, segundo o IBGE, acesso ã carteira assinada — eram mais de 50% em 1980. 0 Ministério do Trabalho apresenta o número da mortalidade empregatícia: 3,3 milhões de postos na economia formal foram queimados desde 1990. 0 desemprego dobrou e a participação dos salários no PIB caiu de 50% para 36,3%. Quem foi expulso do abrigo da legislação trabalhista perdeu o passaporte para a cidadania sindical. As greves esmoreceram e a taxa de sindicalização dos trabalhadores urbanos caiu de 32% sobre o total de assalariados das cidades em 1991 para 23% cinco anos depois.


direito de intervenção e a custódia sobre o caixa das entidades sindicais

As posições das centrais Estrutura Sindical

Contribuição Sindical

(ENTRAI. ÚNICA DOS TRABALHADORES ((UT) Articulação Sindical

Contra a unicidade, favorável à construção de sindicatos orgânicos nacionais

Favorável â extinção, mas aceita discutir período de transição

Corrente Sindical Classista

Favorável à unicidade e construção de sindicatos por ramos de atividade

Contrária ao projeto de extinção em tramitação no Senado

Alternativa Sindical Socialista

Contra o "liberalismo sindical", favorável unidade por ramos de atividade

Favorável extinção gradual

FORÇA SINDICAL (FS)

Apoiou a PEC-623 e é favorável ao fim da unicidade; propõe período de transição

Favorável extinção gradual

(ONFEDERACÃO GERAL DOS TRABALHADORES (CGT)

Favorável à manutenção da unicidade sindical, inclusive do sistema confederativo

Contrária ao projeto de extinção em tramitação no Senado

SOCIAL-DEMOCRACIA SINDICAL (SDS)

Favorável ao fim da unicidade sindical

Favorável extinção gradual

CENTRAL AUTÔNOMA DOS TRABALHADORES (CAT)

Favorável à manutenção da unicidade sindical

Contrária ao projeto de extinção em tramitação no Senado

Favorável à manutenção da unicidade sindical, inclusive do sistema confederativo

Contrária à extinção

•••

CENTRAL GERAL DOS TRABALHADORES DO BRASIL (CGTB) 11•••

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DEBATE SINDI CAL

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REPORTAGEM • ESTRUTURA SINDICAL

O sindicalismo sentiu o golpe e abriu a guarda para a implantação de uma formidável modificação no ambiente de trabalho que encolheu as categorias mais tradicionais. O novo perfil da economia desconstituía parcialmente a vanguarda da resistência sindical, formada pelas associações dos operários industriais. Mesmo assim, o arcabouço jurídico dos direitos trabalhistas seguiu praticamente intocado e a estru­ tura sindical não foi esmerilhada como em outras partes. Os setenta mil dirigentes sindicais formam um coletivo votado maior que a soma dos mandatos eletivos em todos os níveis da federação, sejam para cargos executivos ou legislativos. Uma tropa de 11,2 milhões de associados — 15,9% dos trabalhadores ocupados — constitui a linha avançada de onze mil sindicatos que representam 70 milhões de empregados com ou sem registro.

RAPOSA DO PPB Essa capacidade de sobrevivência atiçou, nos últimos

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DEBATE SEND! CAL

anos do século que se foi, os laboratórios do governo federal, até que incubassem a PEC-623. Se a lei tivesse sido aprovada, no dia seguinte qualquer grupo de trabalhadores poderia montar seu próprio sindicato, pois estaria morta a exigência de que só pode haver uma entidade por categoria em cada município. A contribuição sindical — um dia de salário de todos os trabalhadores a cada ano — também seria eliminada, sem que fosse compensada com a possibilidade do desconto em folha de taxas decididas em assembléias das categorias. A Justiça do Trabalho não poderia mais arbitrar as negociações coletivas, que estariam submetidas apenas ao livre jogo entre patrões e

A aposta do governo

é que, quanto mais

"livres" estiverem os

sindicatos, mais

estilhaçada e servil

será a sua organização

empregados. Alguns especialistas chegaram a prever que haveria o risco de uma explosão no número de sindicatos, com a criação de 60 a 70 mil novas organizações. O erro da deputada Zulaiê Cobra sepultou, no entanto, esse caminho constitucional. Talvez algumas figuras eminentes de Brasília tenham saudado a gafe, porque ajudaria a fatiar as medidas anti-sindicais, em processo menos visível e conflituoso para um governo que já começa a apagar as luzes. O ministro do Trabalho, Francisco Dornelles, tomou a si a tarefa de conduzir uma série de conversas e projetos para alterar a matriz sindical brasileira através de recursos infraconstitucionais. Malandramente manobra com projetos de parlamentares progressistas cujas idéias inspiradoras parecem remontar a uma época anterior, como é o caso da proposta elaborada pela senadora Marina Silva (PT-AC), que acaba com o imposto sindical. Todos seus passos mostram que, nos próximos meses, lances importantes serão jogados. A velha raposa do PPB usará o truque da miragem, apresentando seus planos como a realização das bandeiras de liberdade e autonomia sindicais vibradas pelo sindicalismo combativo quando as rédeas estavam nas mãos do Estado. Agora, tudo indica que se trata de outra coisa, talvez exatamente seu inverso. A aposta do governo é que, quanto mais "livres" estiverem os sindicatos, mais estilhaçada estará sua organização, até que fique a mercê das grandes empresas e grupos de interesse.

Dreno Altman é jomalista, integrante do conselho de redacdo da revista Repottagem


ENTREVISTA

PIMP

"O pluralismo pode comprometer

as bases da democracia no pals"

O economista Marcio Pochmann é um dos mais renomados especialistas na pesquisa sobre empregos e salários no Brasil. Professor livre-docente do Instituto de Economia da Unicamp e autor de vasta obra ("0 emprego na

globakácio"e década dos mitos" foram publicados neste ano), ele já desbancou no debate alguns dos gurus do neoliberalismo tupiniquim. Presença constante em congressos e seminários sindicais, também é um profundo conhecedor do sindicalismo. Atualmente, Marcio Pochmann ocupa o cargo de Secretário do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade do Município de São Paulo. Nesta entrevista, ele analisa as investidas do governo contra os direitos trabalhistas e entra na polêmica sobre a estrutura sindical brasileira.

Debate Sindical: Com o projeto do ministro Dornelles, impondo "o negociado sobre o legislado", FHC voltou ã carga na questão trabalhista. Como você analisa mais esta iniciativa do governo? Marcio Pochmann: Encaro como uma medida coerente com a política trabalhista que o governo conduz desde 1995. No essencial, ela responsabiliza o

desempregado pela situação em que ele se encontra. Toda a política de trabalho do governo tem três fundamentos básicos, com base nesta perversa premissa. O primeiro parte do pressuposto de que as pessoas estão desempregadas porque não têm a qualificação necessária. Daí a sua linha de difusão da qualificação profissional. De 1995 DEBATE SIND' CAL

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ENTREVISTA • MARCIO POCHMANN

"Com as medidas de flexibilização do governo, hoje o custo do trabalho está 1/3 a 2000, cerca de 10 milhões de brasileiros foram "qualificados" nos cursos profissionalizantes. Nem por isso o desemprego diminuiu. Mas o governo persiste nesta idéia, como se existissem vagas esperando as pessoas qualificadas. O segundo prioriza o micro crédito. O governo diz que se o desempregado quiser ser dono do seu próprio destino, basta tomar um empréstimo e montar o seu pequeno negócio. Com isso, teria uma vida tranqüila, gerando trabalho e renda. Mas são muitas as experiências de micro crédito no país e nem por isso houve redução do desemprego. O próprio Ministério do Trabalho, via recursos do FAT, difunde este

mito. O terceiro diz que o

trabalhador está desempregado porque não aceita trabalhar com custos menores. Segundo o governo, os empregadores

estariam dispostos a contratar caso houvesse redução dos custos. Daí as medidas voltadas â flexibilização trabalhista. Entretanto, o custo do trabalho, hoje no Brasil, está 1/3 abaixo do que era no final dos anos 80 e nem por isso o desemprego foi arrefecido. Ou seja: o novo projeto do

ministro do Trabalho reforça este último mito. Sempre que se aproxima uma fase de crise, o governo lança mão desta idéia. Foi assim também em 98, quando o ex-ministro Arnadeo impôs o contrato temporário. Agora, pretende-se flexibilizar a CLT para baixo. Para as empresas, ela já é bastante flexível, vide a rotatividade no emprego. Com a nova medida, o governo quer

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DEBATE TENDI CAL

"Defendo a unicidade por ramo de produção e não por categoria; mas óbvio que prefiro a unicidade atual pluralidade desejada pelo governo federal" forçar o sindicato a aceitar acordos e dissídios ainda mais rebaixados, inferiores ao fixado na lei. Mas o ministro afirma, inclusive com o respaldo de alguns lideres sindicais, que este projeto favorece as negociações coletivas e fortalecerá os sindicatos... Marcio Pochmann: Num quadro de desemprego tão acentuado, como o existente hoje no país, não há equilíbrio na negociação coletiva. Não há possibilidade de barganha, de pressão. Nestas circunstâncias, os sindicatos possivelmente serão obrigados a assinar contratos inferiores, perdendo direitos históricos. Eles serão empurrados a isso pelos próprios trabalhadores, que almejam preservar os seus empregos. Afirmar que este projeto fortalece o sindicato é pura falsidade. Não há como ampliar a negociação num quadro recessivo. Até admitiria a hipótese de alterar a CLT se existisse a garantia de pleno emprego. Mas num mercado de trabalho desestruturado, com ampla presença da informalidade e crescente desemprego aberto, qualquer medida nesse sentido significa uma grave derrota para os sindicatos.

Caso esse projeto vingue, há quem avalie que os sindicatos maiores terão capacidade de mantero que está na lei, tipo férias de 30 dias e os adicionais. Já os pequenos e médios, não. Você concorda? Marcio Pochmann: Sim. Penso que essa demanda parte mais das pequenas e médias empresas do que das grandes. Para elas, a possibilidade de contratar com custos menores é uma variável compensatória num quadro de crise. Mas é justamente nesse segmento que os sindicatos são mais fracos. De imediato, ela seria aplicada aí; depois, nas grandes. Isto acirraria a competição entre os trabalhadores, provocando rebaixamento generalizado das condições de trabalho, queda do poder de compra e mais recessão. Vale destacar também que o governo, ao atender o reclamo empresarial de cortar custos, é coerente com a idéia de retirar o Estado do mercado, de individualizar os problemas, de desresponsabilizar o Estado pela ausência de emprego. Esta é a lógica neoliberal, que favorece os empresários e penaliza os trabalhadores. E é exatamente por temer a resistência dos prejudicados que o governo investe contra os sindicatos. Quais seriam as principais medidas do governo FHC visando fragilizar o sindicalismo? Marcio Pochmann: Desde que tomou posse, o governo apresentou a sua proposta de modificação da estrutura sindical. Seria a quarta reforma a ser realizada no primeiro mandato de FHC. Depois da reforma previdenciária, da administrativa


abaixo do que era no final dos anos 80; nem por isso o desemprego diminuiu"

"88% das empresas são pequenas e Indio; as grandes representam só 12%. Esse quadro requer a unicidade em lei para dar cobertura aos trabalhadores" e da tributária, viria a reforma sindical. Como ele não obteve êxito nas mudanças constitucionais, tem feito as alterações na estrutura sindical de forma gradual. Nem acho que houve grande esforço para mudar a estrutura sindical. Isto porque a própria condução do modelo econômico gerou desmobilização dos trabalhadores, desorganização dos sindicatos e, inclusive, cooptação sindical. Mesmo assim, sempre pairou esta ameaça. O ministro Dornelles nunca escondeu tal intenção. O complicado é que seja ele, parente do Getúlio Vargas, o homem que coloca mais uma pedra na estrutura sindical e que investe contra os direitos trabalhistas herdados da era Vargas. O governo já promoveu mudanças graduais na legislação sindical. Alguns projetos de flexibilização não previam a anuência dos sindicatos. Também ocorreram alterações no Judiciário. Antes os sindicatos tinham certa inserção na Justiça do Trabalho. Apesar dos desvios, havia essa representação. Ele também incentivou a participação dos sindicatos nos fundos públicos, tipo FAT e BNDES. Só

que ela não resultou em capacidade de reorientar esses fundos. Em alguns casos, resultou em acomodação e cooptação. Mtn., desde o inicio o governo prega o fim da unicidade sindical. O próprio presidente já deu várias declarações neste rumo, o da tal modernidade. Como você encara esta proposta? Marcio Pochmann: Primeiro, não acho que tenhamos de fato a unicidade sindical no país. Temos uma unicidade a partir de categorias profissionais, o que não

"Com a pluralidade, seriam criados 80 mil sindicatos, apenas nas grandes empresas; o grosso dos trabalhadores ficaria sem qualquer representação sindical"

impede a existência de mais de um sindicato no local de trabalho. Não há monopólio sindical, a não ser de categoria, que é uma especificidade brasileira. Além disso, há pluralidade na cúpula sindical. Ou seja: temos uma estrutura híbrida no Brasil. Eu sou favorável á. unicidade sindical por ramo de produção e não por categoria. Mas é óbvio que prefiro a unicidade atual á. pluralidade desejada pelo governo. A experiência mundial revela que o pluralismo só vinga em países de capitalismo avançado, onde o mercado de trabalho é estruturado e existe o Estado de Bem-Estar Social. Na periferia do capitalismo, a pluralidade é um discurso liberal. É o caso do Brasil. Aqui a informalidade e o desemprego são imensos e não existe um Estado de Bem-Estar Social. Cerca de 88% dos estabelecimentos são pequenos, micros e médios; as grandes empresas representam só 12%. Esse quadro requer a unicidade fixada em lei para dar cobertura aos trabalhadores. Do contrário, os empregados das pequenas firmas não teriam qualquer capacidade de representação e poder de negociação. A tentativa que o "novo sindicalismo" fez nos anos 80, de se apropriar do contrato coletivo para mudar a legislação trabalhista, olhava um Brasil em expansão. Só que o país ficou duas décadas sem crescimento. Ao invés do emprego crescer na grande empresa, diminuiu. As poucas vagas surgiram nas pequenas e microempresas. Nestas não há democracia sindical DEBATE SIND! CAL

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ENTREVISTA • MARIO POCHMANN

"Num quadro de desemprego, não há equilíbrio nas negociações coletivas"

e nem capacidade de negociação.

Imagino que há no país cerca de 80 mil empresas de porte. Elas seriam o foco da ação sindical, já que as pequenas ficariam sem representação. Pela experiência mundial, elas poderiam ter um ou dois sindicatos. Mas, na melhor hipótese, vamos imaginar apenas um por empresa. Mesmo assim, seriam 80 mil sindicatos, apenas nas grandes empresas, que representam 12 ou 13% do universo de trabalhadores. Com o fim da unicidade, você prevê a criação de 80 mil sindicatos? Marcio Pochmann: Exatamente. A tendência é que a liberalização eleve o número de sindicatos e, de forma simultânea, reduza o número de trabalhadores representados sindicalmente. Seria um retorno ao antigo sindicato de ofício, que o Lênin identificava como representante da aristocracia operária. Nesse sentido, o trabalhador da grande empresa capitalista teria a possibilidade de consolidar seus interesses; já o trabalhador da micro, pequena e média empresa ficaria sem qualquer representação dos seus interesses. Na história, a CLT possibilitou duas grandes alterações na vida sindical. Antes dela, o sindicato estava organiza­ do nos locais mais avançados do capitalismo. As pequenas firmas não tinham sindicatos. Com a CLT, Vargas implantou a lei dos 2/3, obrigando as empresas a contratarem mão-de-obra brasileira. Antes, a maioria era estrangeira. Depois, impôs uma legislação sindical que garantia a representação de todos os

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trabalhadores. Isto foi importante para consolidar as bases de uma sociedade urbana, mais democrática.

A pluralidade que se pretende hoje pode comprometer a democracia no país. Isto porque numa sociedade tão desorganizada como a nossa, o sindicato é uma base de representação tanto do trabalhador como do patrão. Nas condições atuais do capitalismo brasileiro, a pluralidade levaria a redução do grau de representação do conjunto dos trabalhadores. Somente uma parcela reduzida teria sindicatos. 0 fim da unicidade serviria como reforço ao processo de precarização do trabalho no Brasil? Marcio Pochmann: Certamente! Bem ou mal, as pequenas e médias empresas são obrigadas a respeitar a legislação. Às vezes, um sindicato pequeno até conquista alguma coisa acima da CLT. Além disso, ele é um agente de denúncia. Mesmo sem poder de fiscalização, pressiona as empresas. Num país continental como o Brasil, onde em várias regiões não há sequer um representante do Ministério do Trabalho, são os sindicatos que verificam o cumprimento da legislação, que representam o conjunto da categoria. Agora, com a liberalização, dificilmente as empresas cumpririam a própria CLT. Ficariam de mãos livres para precarizar ainda mais o trabalho. A degradação nas pequenas empresas inclusive pressionaria os trabalhadores das grandes. Mesmo os sindicatos mais fortes teriam sua legitimidade abalada.

Apesar das ressalvas a unicidade sindicah você defenderia a sua manutenção na atualidade? Marcio Pochmann: Primeiro é preciso enxergar a lógica do governo. A manutenção do atual modelo depende do quadro de acomodação social e política. Com o pluralismo, ele atinge dois objetivos. Por um lado, enfraquece o trabalho. Os grandes sindicatos teriam seu poder de pressão relativamente reduzido na sociedade; já uma ampla parcela ficaria sem representação sindical. Por outro, alivia a pressão do empresariado, que compensaria a crise reduzindo salários e direitos sociais — sem contrapartida sindical. Quanto a unicidade sindical, é preciso encará-la do ponto de vista político. Na atual correlação de forças, é preferível mantê-la. Se for modificada, será para pior. O espaço de confronto hoje exige a união dos mais fracos. Não está em jogo quem são os legítimos defensores dos trabalhadores. A unicidade, embora passível de muitas críticas, dá melhores condições para enfrentar o projeto de flexibilização trabalhista. Apesar das debilidades do sindicalismo brasileiro, algumas decorrentes da atual legislação, ele permanece com certa força e estrutura. Está melhor situado do que o sindicalismo da Africa e do grosso da América Latina. Se tiver vontade política, terá como resistir a ofensiva neoliberal. As dificuldades não derivam da estrutura sindical, mas sim das opções políticas do sindicalismo.

Entrevista concedida ao jornalista Altamiro Borges


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As investidas sobre os

direitos sociais e sindicais

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Um conjunto de leis e medidas provisórias já flexibilizou a legislação trabalhista em tudo quanto era possível ser feito sem a reforma na Constituição ANTÔNIO AUGUSTO DE QUEIROZ

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Após a conclusão das reformas administrativa e previdenciária, o governo dará prioridade ao ultimo lote de matérias do ajuste estrutural em bases neoliberais: as reformas trabalhista e sindical, tal como o negociado no ultimo acordo com o FMI. As reformas exigem mudanças constitucionais

e infraconstitucionais e devem

começar por estas para alcançar três objetivos centrais: a) flexibilizar as relações de trabalho; b) fortalecer e ampliar os poderes das comissões de conciliações prévias; c) modificar os critérios de financiamento das entidades sindicais, condicionando seu

recolhimento ao resultado das negociações coletivas. No plano infraconstitucional, o Ministério do Trabalho deve encaminhar ao Congresso alguns projetos de lei retirando a condição de norma pública e de caráter irrenunciável da legislação trabalhista, permitindo que os DEBATE SINAI CAL

1.7


LEGISLAÇÃO • FLEXIBILIZAÇÃO TRABALHISTA

Iniciativas fazem parte do acordo com o FMI e atendem à recomendação das direitos negociados, inclusive no âmbito das comissões de conciliações, se sobreponham ao legislado, mediante a permissão de renúncia, de redução ou de flexibilização dos direitos assegurados aos trabalhadores na CLT, além de asfixiar financeiramente as entidades sindicais. Essas iniciativas fazem parte do acordo com o FMI e atendem à recomendação das agências internacionais (Banco Mundial, Organização de Cooperação para o Desenvolvimento Econômico e Organização Mundial do Comér­ cio), que já lograram implementar essas medidas na Argentina e México, entre outros países. Em nível constitucional, a idéia do governo é centrar seus esforços basicamente em três Propostas de Emenda Constitucional (PEC), que o presidente Fernando Henrique pretende aprovar até o final de seu mandato: a) uma sobre o artigo 8° da Constituição, tratando da organização sindical; b) outra sobre o artigo 7° da Carta Política, cuidando da flexibilização dos direitos sociais dos trabalhadores; e c) uma sobre o artigo 179, para dar tratamento diferenciado ao emprego nas pequenas e microempresas.

CONVENÇÃO 87 DA OIT A primeira PEC cuidará de criar as condições para a ratificação pelo Brasil da Convenção 87 da OIT, que trata de liberdade e autonomia sindical. Depois do arquivamento da PEC 623/98, a nova proposta terá como objetivos: a) fim da

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DEBATE SINDI CAL

Primeira PK deve criar condições para a ratificação no país da Convenção 87 da OIT, que incentiva o pluralismo sindical unicidade sindical; b) instituição de um sistema de "liberdade plena", de pluralidade sindical; c) extinção da contribuição sindical; d) eliminação da substituição processual; e) possibilidade de criação de sindicato por empresa; f) limitação da representação sindical apenas aos associados; g) restrição do acesso individual do trabalhador à Justiça do Trabalho, através de conciliação prévia no âmbito da empresa; h) extinção do poder normativo da Justiça do Trabalho; i) definição do critério de razoabilidade na definição da mensalidade e das contribuições em favor das entidades sindicais. A segunda destina-se a flexibilizar os direitos sociais do artigo 7° da Constituição, de tal modo que direitos como 30 dias de férias, acréscimo de 1/3 na remuneração das férias, 13° salário, repouso semanal remunerado, licença­ maternidade, aviso prévio, FGTS, multa de 40% no ato da dispensa, entre outros, possam ser livremente transacionados mediante negociação coletiva. A terceira tem por objetivo incluir no artigo 179 da Consti­ tuição a expressão "trabalhista" para assegurar às micro e pequenas empresas tratamento diferenciado também na área trabalhista, além de privilégios nas áreas tributárias, creditícia,

administrativa e previdenciária. Com isto, os empregados destes segmentos poderiam ter seus direitos trabalhistas reduzidos, equiparando-os aos empregados domésticos. Como se vê, o momento é de muita atenção para que os trabalhadores em geral e o movimento sindical, em particular, não sejam pegos de surpresa com mudanças irreversíveis nos direitos trabalhistas e sindicais.

O ESTRAGO JA FEITO Apesar da reforma trabalhista e sindical não ter sido uma prioridade do governo, com diz ser agora, foram tomadas várias medidas no plano infraconstitu­ cional, tanto da parte do Judiciário quanto do Executivo, na direção da flexibilização dos direitos sociais dos empregados. No balanço que publicamos a seguir, um rápido levantamento do DIAP — que inclui também as iniciativas de hierarquia inferior, como decretos, portarias e decisões judiciais, além das leis e medidas provisórias em vigor —, percebe-se que a reforma traba­ lhista avançou muito na era FHC. De iniciativa do Poder Executivo, e apenas em nível hierárquico inferior ã. lei, podemos listar, entre outros, os seguintes atos que afetam os direitos dos trabalhadores: a) decreto de denúncia da Convenção 158 da OIT, que proíbe a demissão imotivada no país; b) edição da Portaria 865/ 95, do MTE, que impede a autuação, por parte dos fiscais do trabalho, de empregadores que


agências internacionais, que já lograram êxitos na Argentina e México

descumprirem deveres constantes em acordo ou convenção coletiva; c) portaria que autorizou o acordo ou convenção a reduzir direitos assegurados em lei; d) decreto 2.066/96, que limitou a libera­ ção, mesmo com ônus para a entidade de classe, dos servidores eleitos para mandato sindical. Na esfera do Judiciário, podemos lembrar das decisões que resultaram: a) no retorno do efeito suspensivo nos dissídios ganhos nas instâncias inferiores; nas ações rescisórias em maté­ rias já transitadas em julgado, como os planos Bresser e Verão; nas restrições â cobrança de contribuições assistenciais ou de êxito fixadas por assembléia em favor das entidades sindicais; d) na aplicação de multas aos sindicatos em razão de greve; e) na limitação do número de dirigentes sindicais com direito a estabilidade; e na revogação de súmulas favoráveis ao trabalhador pelo Tribunal Superior do Trabalho.

FLEXIBILIZAÇÃO DE DIREITOS Além dessas mudanças — de hierarquia inferior b. lei —, há um conjunto de leis e medidas provisórias (estas com status de lei e vigência indeterminada por força da Emenda Constitucional 32) que flexibilizou a legislação em tudo quanto era possível ser feito sem reforma na Constituição. São exemplos disto: a) Lei 9.300/96, que exclui do cálculo da rescisão do empregado rural a parcela do salário paga em in natura; b) Lei 9.504/97, que, em seu artigo 100, estabelece que a

contratação de pessoal para prestação de serviços nas campanhas eleitorais não gera vínculo empregatício com o candidato ou partido; Lei 9.601/98, que institui o trabalho temporário e o banco de horas, permitindo contratação com redução de direitos e encargos trabalhistas por um período de dois anos, além da compensação de jornada, por um período de um ano; Lei 9.608/98, que autoriza o trabalho voluntário ou gratuito, sem vínculo empregatício nem obrigações de natureza trabalhista e previdenciária, nas instituições públicas ou privadas sem fins lucrativos, que atuem com objetivos cívicos, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social; Lei 9.957/2000, instituindo o rito sumaríssimo na Justiça do Trabalho para causas com valor igual ou inferior a 40 salários mínimos; O Lei 9.957/00, que institui as comissões de conciliação prévia no âmbito da empresa, com poderes para conciliar e dar quitação aos direitos trabalhistas, além de condicionar o acesso â Justiça ao fornecimento de certidão de tentativa frustrada de negociação; Medida Provisória 2.16440/01, instituindo o trabalho parcial e a dispensa temporária, autorizando a redução de jornada, salário e férias, além da suspensão do contrato de trabalho para participação em programas de qualificação ou requalificação, mediante pagamento de bolsa com recursos do FAT; Lei 10.101/00, instituindo a participação nos lucros e

autorizando o trabalho aos domingos; Lei 10.243/00, que exclui do cômputo como salário do fornecimento ao trabalhador de vestuário, equipamentos e acessórios utilizados em serviço, além de despesas com educação, transporte, assistência médica, hospitalar e odontológica, seguro de vida e de acidentes pessoais e previdência privada; Lei 10.206/01, que complementa o plano Real, extingue a política salarial, restringe a livre negociação e revoga os parágrafos 10 e 2° da Lei 8.542/92, cujo objetivo era determinar a incorporação ao contrato individual de trabalho das cláusulas de acordos e convenções coletivas, revogáveis apenas por novo acordo ou convenção; Medida Provisória 218042, que, entre outras aberrações, impede que as entidades associativas defendam os interesses e direitos de seus associados em juízo, eliminando o direito â substituição processual, ao determinar que a sentença em ação de caráter coletivo abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do juiz ou tribunal, e que a petição inicial esteja obrigatoriamente instruída com a ata da assembléia da entidade que autorizou a ação, acompanhada de relação nominal dos associados e de seus endereços. Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista politico e diretor do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar). Correio eletrônico: toninho@diap.org.br DEBATE SINDI CAL

1.9


CONGRESSO NACIONAL

Unicidade na mira do

Por se tratar de assunto regido pela Constituição, o Congresso Nacional tornou-se um palco privilegiado para o debate sobre a organização sindical CLAUDIO GONZALEZ

Depois que a Carta Magna de 88 constitucionalizou a unicidade, ampliando o seu conceito, só através de Emenda Constitucional é teoricamente possível extinguí-la. Sendo assim, o arquivamento da PEC número 623/98 foi uma importante vitória para o movimento sindical, mas não encerrou a tramitação de projetos no Congresso e tampouco o debate parlamentar sobre as mudanças na organização sindical brasileira. Congresso, em dezembro de 98, O próprio ministro do juntando vários ataques num só Trabalho, Francisco Dornelles, id documento, o governo conseguiu declarou que não desistiu da unir sindicatos e parlamentares de matéria e deve apresentar nova todas as matizes ideológicas. proposta de Disso resultou a alteração do criação da Frente artigo 8° para ser Parlamentar e de Segundo o Diap, mais apreciada por Entidades de 15 projetos sobre deputados e Sindicais em senadores. Desta Defesa da organização sindical vez o governo vai Organização tramitam no Congresso; Sindical e do evitar o "erro" anterior. Quando Emprego, dois abordam a enviou a PEC­ formada tanto questão da unicidade 623 ao por

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DEBATE SINOI CAL

parlamentares de partidos da oposição (PT, PCdoB, PSB e PDT) como da base de sustentação do governo (PMDB, PPB, PFL, PSDB e PTB). A coordenação da frente foi dividida em dois setores: parlamentar e sindical. O primeiro era composto pelos deputados Marcelo Barbieri (PMDB/SP), Paulo Paim (PT/ RS), Aldo Rebelo (PCdoB/SP) e Arnaldo Faria de Sá (PPB/SP), e pelos senadores Emília Fernandes (PDT/RS) e Ademir Andrade (PSB/PA). O segundo reunia a


Legislativo

objetivo defender a unicidade simplesmente, mas sim barrar as propostas nocivas ao movimento sindical. Muitos dos que apoiaram a frente são favoráveis ao fim da unicidade. No bojo das ações contra a PEC 623, a CCT (Coordenação Confederativa dos Trabalhadores) chegou a entregar ao Congresso e ao ministro do Trabalho um abaixo-assinado subscrito por mais de três mil sindicatos de base em defesa da unicidade. Mas, segundo o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), a pressão das entidades não foi o principal motivo do arquivamento da PEC, que teria ocorrido por um engano da deputada Zulaiê Cobra (PSDB-SP), relatora da proposta. O assunto teria também passado despercebido pelos aliados governistas e pelo Ministério do Trabalho.

CONTRABANDO PARLAMENTAR

O arquivamento da

PEC-623 foi uma

importante vitória

do sindicalismo, mas

não afastou riscos de

derrotas no parlamento

•••

CCT, CGT, USI, CGTB, CUT e CAT. Todas as entidades aprovaram algum tipo de manifestação pela retirada da referida PEC. Cabe ressaltar que a aglutinação de tão amplas e diferentes forças não tinha como

Mas não partem apenas do Executivo as iniciativas legislativas para acabar com a unicidade sindical. Sendo um assunto que interessa tanto ao patronato quanto aos trabalhadores, seus representantes no parlamento também trataram de apresentar propostas. Segundo o Diap, mais de quinze projetos sobre organização e estrutura sindical tramitam no Congresso. Dois deles (as PECs 252/00 e 102/95) abordam especificamente a questão da unicidade. É bom lembrar que mesmo com o arrefecimento da Frente Parlamentar em Defesa da

O pluralismo sindical conta com o apoio da maioria absoluta das bancadas governistas e de parte expressiva dos deputados da oposição Organização Sindical — em virtude do arquivamento da PEC 623 —, as centrais sindicais continuam pressionando o Congresso. Em sua 9a Plenária Nacional, ocorrida em agosto de 1999, a CUT aprovou documento que "delega poderes para que a direção executiva nacional da CUT articule a elaboração de propostas pontuais, junto a parlamentares aliados no Congresso Nacional". Fruto dessa posição da CUT, o deputado Ricardo Berzoini (PTSP) apresentou ao plenário da Câmara, em abril do ano passado, proposta de emenda (PEC 252/ 00) que permite o pluralismo sindical e acaba com a contribuição sindical compulsória. A proposta de Berzoini está agora apensada ã PEC 71/95, de autoria do deputado Jovair Antunes (PSDB —GO), juntamente com outras propostas relativas ao artigo 8° da Constituição, como a PEC 102/ 95, de autoria do deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB/PR). Para o deputado, "a Constituição de 88, embora com alguns avanços, manteve a forma corporativa de organização, com o sindicato atrelado ao Estado, através da unicidade e das contribuições compulsórias, DEBATE SINDI CAL

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CONGRESSO • UNICIDADE NA MIRA

Para Jair Meneguelli, "é o movimento sindical quem precisa dizer ao Legislativo quais serão as regras, e não nós as impormos a ele".

exemplos de uma estrutura que não contribui com a organização dos trabalhadores". Segundo ele, "alguns sindicatos valem-se de uma estrutura anacrônica e, sem qualquer legitimidade, sobrevivem em razão das contribuições compulsórias e da visão protecionista do Estado". Na avaliação de Ricardo Berzoini, c'a mudança na Constituição é decisiva para acabar com a unicidade obrigatória, que ainda protege pelegos e burocratas e impede a organização dos trabalhadores para lutar pelos seus direitos e reivindicações". Durante os debates da PEC-623, uma posição interessante foi defendida pelo deputado Jair Meneguelli (PT-SP): "É o movimento sindical quem precisa dizer ao Legislativo quais serão as regras, e não nós as impormos a ele".

CORRELAÇÃO DESFAVORÁVEL Com o PT dividido, parlamentares comunistas, como o deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB/SP), são uma das poucas vozes que se levantam no parlamento em defesa da unicidade sindical. Para ele,

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DEBATE SINDI CAL

sempre que se propõe alterar a atual forma de organização sindical, a intenção do governo é a mesma: reduzir o poder dos sindicatos, limitando sua representação apenas aos ass( ciados; instituir o sindicato por empresa, para que as negociações trabalhistas sejam feitas de forma pulverizada, o que irá contribuir ainda mais para diminuir a força da pressão dos trabalhadores; por fim, asfixiar financeiramente as organizações de trabalhadores e desmontar os direitos coletivos dos assalariados". Pelas avaliações do Diap, pode-se inferir que as chances de uma proposta que coloque fim a. unicidade ser aprovada no Congresso são muito grandes. Contaria com o apoio da maioria absoluta das bancadas que dão sustentação ao governo e de, pelo menos, 70% dos parlamentares da oposição. A bancada do PCdoB, parte do PDT, alguns poucos parlamentares do PSB, do PT e do PMDB, além de um ou outro governista suscetível as pressões de algumas categorias simpáticas a unicidade, seriam a voz discordante, mas todos juntos não chegariam a 50 votos na Câmara e oito no Senado. ((

Em meio a esta quase unanimidade dos parlamentares na defesa de uma suposta "liberdade sindical", vale a pena lembrar o último discurso do Senador Darcy Ribeiro, feito em 5 de dezembro de 1996, durante a homenagem aos 20 anos da morte do presidente João Goulart: "A unicidade sindical dá possibilidade da classe operária ter atuação política, de estar presente no quadro nacional. O que pretendem hoje alguns partidos, inclusive alguns partidos chamados de esquerda, como o PT, que acaba de fazer essa proposição, é extinguir a

unicidade sindical para adotar o sistema norte-americano, de um sindicato para cada empresa, o que acaba com o sindicalismo e com o movimento operário. É uma coisa criminosa, que se deve a inspiração estrangeira, o pluralismo sindical dos financiadores do movimento sindical no mundo, os alemães, os franceses, os norte-americanos. E adotar isso no país é como se jogar fora o nosso passado e adotar o passado norte-americano, o passado inglês". Claudio Gonzalez é jornalista


DEPOIMENTOS

Quem defende a

unicidade sindical?

Após afirmar que "é livre a associação profissional ou sindical'', o parágrafo segundo do artigo 8° da Constituição Federal é taxativo: "É vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um município".

Este artigo, que garante o princípio da unicidade sindical no Brasil, sofre bombardeios, dos mais variadosfronts, desde a sua promulgação, em 1988. Na sua defesa, também por distintas razões, encontram-se entrincheiradas lideranças sindicais e políticas de diferentes origens e concepções. Nas páginas centrais da Debate Sindical, num painel bastante amplo e plural, os partidários da unicidade explicam as razões desta intensa batalha de idéias na sociedade brasileira. DEBATE SINDI CAL

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A CGT defende a unicidade sindical por orientação do seu congresso. Além de garantida pela Constituição, a unicidade é um forte e legítimo instrumento na luta contra a precarização do trabalho. Apesar das diversas vias de luta, os interesses dos trabalhadores são homogêneos e a representação das categorias por entidades únicas é o que ainda garante aos sindicatos a força necessária para esta batalha. A unicidade praticada no Brasil reforça a liberdade e a autonomia sindicais e é exemplo de estrutura sindical eficiente para todo o mundo. O que se deseja ao destruir este instrumento, em última instancia, é acabar com o sindicalismo brasileiro. Antonio Carlos dos Reis (Salim) - presidente da Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT)

A unidade dos trabalhadores em defesa dos seus legítimos direitos, mais que uma determinação do bom senso, é indispensável ao sucesso da luta contra a exploração do capital e a espoliação imperialista, em prol de uma sociedade mais justa e humana. Nas condições atuais, a unicidade sindical é um instrumento a favor desta unidade e por isto deve ser defendida sem vacilações pelo sindicalismo. A unicidade não se contrapõe à liberdade e autonomia sindicais. Neste terreno o grande perigo vem do governo, que procura intensificar o controle ministerial sobre as organizações sindicais, manobrando com recursos do FAT, e objetiva a fragmentação do movimento, abrindo caminho à criação dos sindicatos por empresa. Wagner Gomes membro da executiva nacional da Central Unica dos Trabalhadores (CUT) -

No congresso de fundação da Central Autônoma de Trabalhadores (CAT), as 711 organizações filiadas responderam a um questionário sobre a forma de sobrevivência das entidades sindicais e a unicidade, com aperfeiçoamentos, foi a opção vitoriosa. Entendemos que concorreu para esta decisão a tradição de mais de 50 anos de um modelo que deu certo e que fez do sindicalismo brasileiro um dos mais atuantes do mundo. A decisão da CAT foi reiterada junto as forças políticas nacionais e representa o resultado de uma enquete séria, abrangente e definitiva. Laerte Teixeira da Costa - presidente da Central Autônoma dos Trabalhadores (CAT)

O princípio da unicidade é o pilar central do sindicalismo sério e classista. Não por acaso o atual governo se arremete contra ele. O enfraquecimento dos sindicatos é meta dos "neoliberais" para poder pilhar nosso país. Como seria se vingasse a proposta de se criar um infinito número de sindicatos na mesma base territorial? Seria um desastre para os empregados, mas se constituiria no mundo sonhado pelas corporações estrangeiras. A unicidade é o reflexo da convivência democrática e pluralista. Alguém que não consegue expor suas idéias aos trabalhadores, as têm rejeitadas na categoria e tenta fundar outra organização na mesma base, esta sim, entidade de prateleira, não é pluralista; é exclusivista, personalista, divisionista e, portanto, antagônico democracia sindical. Antonio Neto presidente da Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CG7B) e vice-presidente da Federação Sindical Mundial (FSM) -


A experiência dos últimos anos tem revelado que o conteúdo básico do projeto neoliberal é o aumento extraordinário do grau de exploração do trabalho pelo capital, expresso na redução dos direitos, arrocho salarial, avanço da precarização dos contratos e condições de trabalho. O projeto de reforma trabalhista prometida pelo governo FHC ao FMI na Carta de Intenção em outubro de 1998 traduz esta ofensiva e tem no fim da unicidade um ponto central. A finalidade é dividir e fragmentar as organizações sindicais, destruindo assim a capacidade de resistência dos trabalhadores. Nessas condições, quem faz campanha contra a unicidade, queira ou não, objetivamente joga água no moinho da desregulamentação trabalhista. João Batista Lemos — coordenador nacional da Corrente Sindical Classista (CSC)

O desenvolvimento do sindicalismo brasileiro tomou maior impulso com a revolução de 1930. Getúlio Vargas queria governar com apoio do povo. E, para isso, nada mais importante do que uma aproximação com o sindicalismo. Daí ter idealizado um sistema firmado em dois pontos: 1) fortalecimento das entidades sindicais, organizadas em sistema confederativo, apoiado no princípio da unicidade; 2) aproximação, tanto quanto possível, entre governo e entidades classistas, que passaram ao controle do Estado sem perder a sua liberdade de atuação. Entre 1934/37, o Brasil experimentou o regime de pluralidade, resultando na formação de muitos sindicatos fracos, sujeitos à manipulação de patrões e do governo e à ingerência de partidos políticos. Em conseqüência, retornou ao regime de unicidade, que foi exaustivamente discutido, durante a Constituinte, culminando com sua consagração na Carta Magna de 1988. Sem dúvida, o regime de unicidade é o que mais se adapta ao sindicalismo pátrio. José Calixto Ramos — presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI)

A unicidade sindical, adotada no Brasil há várias décadas e sempre consagrada nas últimas Constituições, é aceita praticamente por todas as entidades de empregados e empregadores. Para os sindicatos dos trabalhadores, ela significa força, valorizando as reivindicações porque feitas no âmbito da categoria, em um ou mais municípios, por um único sindicato. Ao contrário, na pluralidade, a categoria seria representada por mais de uma centena de entidades, cada uma com entendimento diferente. No caso de uma convenção coletiva de trabalho, por exemplo, há grande diferença: na unicidade, ela é firmada pelo sindicato patronal apenas com um sindicato de trabalhador que representa toda categoria; já na pluralidade, haveria centenas de sindicatos representando aquela mesma categoria. Ai se nota que a pluralidade institui verdadeira pulverização e anarquia, que não atende as entidades sindicais. E como diz o provérbio popular: "em time que vem ganhando não se mexe". Antônio Alves de Almeida — presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio (CNTC)


Os opositores da unicidade costumam referir-se a ela como se fosse incompatível com liberdade sindical; como se fosse uma imposição de regimes autoritários e não decisão democrática e legítima da maioria dos trabalhadores e de seus representantes, reafirmada na Constituição de 88 - a "Constituição Cidadã". Por conta disto, a luta em defesa da unicidade implica em esforço pela não ratificação da Convenção 87. O que uma tem de importante para o fortalecimento sindical, a outra tem de desnecessária. Pior! Sob o argumento de uma pretensa liberdade, a Convenção 87 é usada com má fé por aqueles que querem destruir a unicidade. O Brasil já possui liberdade sindical e ninguém é obrigado a sindicalizar-se. A regra da unicidade é o mais importante pilar em que se sustenta a organização sindical brasileira. Ela é avançada medida que impede a prática, tão comum do capital, de dividir para impor seus interesses. É a unicidade que faz do sindicalismo brasileiro um dos mais pujantes do mundo. A histórica participação do movimento sindical brasileiro nas grandes lutas sociais nos dá a razão e a determinação para defender a unicidade e repudiar a ratificação da Convenção 87, pelo Brasil. Severino Almeida Filho - presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Aquaviário e Aéreo, na Pesca e nos Portos (CONTTMAF)

A CNPL é a terceira mais antiga confederação profissional do Brasil - fundada em 1953. Nascemos e nos consolidamos num ambiente sindical marcado pela mão do Estado. Até a Constituição de 1988, o debate era centrado na discussão de como se livrar do controle estatal sem ameaçar uma estrutura montada ao longo dos anos. Os constituintes foram salomônicos, consagrando a tão esperada liberdade e mantendo a unicidade. A unicidade não impediu a criação de entidades sob os mais diferentes argumentos. O que aconteceria, então, se fosse consagrada a pluralidade? Seria o caos, a desunião dos trabalhadores, o caminho aberto aos sindicatos de empresas, de pequenos grupos comandados pelo empresariado. Defendemos a unicidade como única forma de manter uma estrutura que respeite nossa própria e específica forma de organização. Ninguém de bom senso poderia pensar em modificá-la sem ouvir, no mínimo, os milhões de profissionais liberais brasileiros. Luis Eduardo Gautério Galo - presidente da Confederação Nacional dos Profissionais Liberais (CNPL)

O sindicalismo brasileiro, mesmo com todas as dificuldades que atravessa, constitui-se num importante pólo de resistência à implantação do projeto neoliberal. Por isso, o governo FHC quer destruí-lo. E, para tanto, pretende implantar o sindicalismo por empresa, acabar com a unicidade e asfixiar financeiramente as entidades. Posicionamos-nos contrariamente às reformas sindicais do governo. Continuamos a luta para que as entidades sindicais se fortaleçam e para que a organização e a mobilização dos trabalhadores cresçam no sentido da construção de uma sociedade justa e democrática. Augusto César Petta - presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (CONTEE)


1•••

É falsa a associação entre pluralidade e liberdade sindical. Liberdade, em nosso entendimento, é o direito à escolha. O movimento sindical e os trabalhadores brasileiros, ao longo de sua história, escolheram (elegeram) a unicidade sindical como forma de organização para suas estruturas associativas. Fizeram isto em seus congressos, encontros, manifestações e até mesmo nos movimentos politicos que construíram nossas constituições, inclusive o grande movimento que resultou na atual "Constituição Cidadã". Portanto, a manobra para alteração do sistema sindical brasileiro é uma imposição ilegítima e como tal deve ser plenamente repudiada pelas forças vivas da nossa sociedade. Ricardo Ponzi — presidente da Federação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Aquaviários e Afins (FNTTAA, filiada CON'TTMAF)

Os portuários brasileiros defendem a unicidade porque: a) não aceitam essa nova roupagem de liberdade sindical — a verdadeira já existe em nosso país; b)

não querem sindicatos por empresas operadoras portuárias, por terminais portuários, por facção política-partidária ou sindical; c) não querem colocar em risco suas conquistas constitucionais e infraconstitucionais; d) querem que os portuários não organizados em sindicato continuem sendo representados por sua entidade de grau superior; e) querem que sua Convenção Coletiva de Trabalho continue obrigando todas as empresas (filiadas ou não ao sindicato patronal) e que o portuário, mesmo não sindicalizado, continue sendo igualmente coberto pela mesma; f) querem que seja mantida a participação oft igatória do sindicato nas negociações coletivas. Mário Teixeira presidente da Federação Nacional dos Conferentes e Consertadores de Carga e Descarga, Vigias Portuários, Trabalhadores de Bloco, Arrumadores e Amarradores de Navios nas Atividades Portuárias (Fenccovib, filiada à CONTTMAF) —

O fim da unicidade sindical representará o fim do sindicato por categoria, possibilitando a existência de sindicatos por empresas, setores ou funções. Além do que as convenções coletivas irão abranger somente os associados do sindicato. Com a quebra da unicidade sindical terminará a luta política dos abalhadores. Em todas as lutas falam em unidade. Mas como poderemos ter unidade sem unicidade? Lourival Figueiredo Melo presidente da Federação dos Empregados de Agentes Autônomos do Comércio do Estado de São Paulo (Feaac) —


Os trabalhadores e trabalhadoras rurais disseram bem alto no ultimo congresso da Contag: "Não à pluralidade sindical". A unicidade foi aprovada por 70% dos delegados no evento, mostrando que mesmo a intensa propaganda do governo e de setores do movimento sindical ainda não conseguiu vencer a resistência do trabalhador. A defesa da unicidade é fruto da consciência de que a existência de mais de um sindicato numa mesma base é dar a arma que os patrões e o governo precisam para enfraquecer a luta dos trabalhadores. Neste momento, a pluralidade serve aos interesses neoliberais de estruturas sindicais mais amistosas para facilitar a flexibilização de direitos e a destruição da CLT e da previdência social. Edson Pimenta - presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado da Bahia

Não temos dúvidas quanto à necessidade do estabelecimento de now.2s bases para a normatização das relações de trabalho no Brasil. Entendemos, prém, que qualquer discussão sobre a atual organização sindical dos trabalhadores deve ser precedida da discussão sobre o efetivo direito de greve, a estabilidade no emprego e o contrato coletivo de trabalho. Será imprescindível, quando tivermos um governo que não esteja submetido aos interesses do capital internacional, uma ampla discussão sobre o papel do Estado na intermediação dos conflitos entre capital e trabalho. E em outra conjuntura, empreenderemos a discussão necessária. No cenário atual, sob a égide do neoliberalismo, é fundamental a preservação do preceito constitucional vigente da existência de apenas um sindicato para cada categoria na mesma base territorial. Uma eventual quebra da unicidade servirá ao esfacelamento do movimento sindical no Brasil. Heder Murari Borba - presidente da Federação Nacional dos Médicos (Fermin)

A maxi mização dos lucros capitalistas, através do aumento do grau de exploração da força de trabalho, é um dos objetivos primordiais da política neoliberal. Para alcançá-lo, FHC adota várias iniciativas. O projeto de flexibilização da CLT é apenas o mais evidente. Mais sutil, porém não menos nociva aos interesses dos assalariados, é a reforma da organização sindical, com o fim da contribuição compulsória e da unicidade. O propósito do governo é enfraquecer a organização sindical e neutralizar a resistência dos trabalhadores. Diante disto, não podemos vacilar. Apesar dos vícios da nossa estrutura sindical, temos a obrigação de defender a unicidade, sob pena de fazer o jogo da dupla FHC/FMI. Gilda Almeida de Souza - dirigente da Federação Nacional dos Farmacêuticos (Fenafar) e secretária de política sindical da CUT


p-�

..

Com alegria noto que alguns antigos defensores da pluralidade evoluíram para apoiar a unicidade e entenderam que a luta pela representação deve ser travada dentro do sindicato. Não é conveniente deixar que ela extrapole os muros das entidades, porque isto ensejaria aos patrões e governos exercer o poder de escolher com qual sindicato querem negociar. O movimento sindical não pode ser ingênuo ao ponto de acreditar que a proposta de pluralidade não virá acompanhada da diminuição do poder do sindicato e da extinção dos direitos. A desregulamentação do trabalho encontrará campo fértil nos sindicatos esfacelados, divididos, sitiados pelos sindicatos amarelos, cuja criação será estimulada por forças entreguistas. Mantenho a coerência: defendo a unicidade e conclamo os que estão seduzidos pela falsa idéia libertária e aventureira da pluralidade a reconsiderarem suas posições. O interesse do governo na pluralidade não é gratuito e nem visa a organização dos trabalhadores; muito pelo contrário. Emilia Fernandes - senadora pelo PT do Rio Grande do Sul

O governo e a oligarquia financeira querem destruir a unicidade sindical para melhor golpear os direitos trabalhistas, a liberdade e a soberania do país. Desde o primeiro momento, FHC manifestou sua intenção de destruir essa importante conquista histórica dos trabalhadores e do povo brasileiro. Agora, anuncia uma nova ofensiva contra a CLT. O movimento sindical precisa estar op.

Pm.

atento para impedir que um governo desmoralizado promova esse atentado contra os direitos democráticos duramente conquistados na trajetória de luta e resistência do nosso povo. Aldo Rebelo - deputado federal pelo PCdoB de Sao Paulo

Eu tenho dito que a questão não é ficar num debate fratricida entre unicidade e pluralismo. O que se tem que assegurar - e o texto constitucional nos garante isso - é a liberdade e autonomia. Por que mexer num texto que já nos garante o que é fundamental? Muito mais importante, neste momento, do que retornar a guerra entre teses, é trabalhar para uma unidade na ação em cima de todos os temas que interessam 6 classe trabalhadora: política de emprego, redução da jornada, assistência na saúde, salário mínimo, moradia, política salarial, a situação trágica dos servidores públicos, o desespero dos aposentados. Isso é o que nos une e não ficar toda hora questionando a legislação que, historicamente, toda vez que o governo vem intervir é para piorar a vida do trabalhador. Paulo Paim - deputado federal pelo PT do Rio Grande do Sul e ex-secretário geral da CUT


A unicidade sindical é uma conquista histórica dos trabalhadores brasileiros, que a onda neoliberal quer destruir. O governo Collor e seu sucessor, Fernando Henrique Cardoso, elegeram os trabalhadores e a soberania nacional como alvos preferidos na guerra que desencadearam contra o povo e o país. Esta atitude explica as tentativas recorrentes de revogar o artigo 8o da Constituição e a unicidade sindical. Os trabalhadores precisam estar atentos para defender suas conquistas no texto constitucional e na CLT como parte da luta contra o governo entreguista de FHC. Vivaldo Barbosa deputado federal pelo PDT do Rio de Janeiro —

Eu defendo a liberdade, a autonomia e a unicidade do movimento sindical como frutos das lutas históricas do povo brasileiro por democracia, justiça social e pela soberania do nosso país. Quando o governo e o poder econômico conspiram contra os direitos da população, um dos primeiros alvos é exatamente a unicidade sindical. O compromisso com a luta e a organização dos trabalhadores tem na unicidade sindical um dos pilares que o neoliberalismo deseja destruir. Não podemos admitir que essa ameaça contra a democracia seja concretizada no apagar das luzes de um governo que nada fez pelo trabalhador brasileiro. Eduardo Campos deputado federal pelo PSB de Pernambuco —

Eu fui deputado federal constituinte e ajudei a aprovar o artigo 8o da Constituição, que garante a livre organização sindical e a unicidade. Revogar a unicidade é golpear a unidade dos trabalhadores e do sindicalismo. Se o governo pensa em acabar com essa conquista dos trabalhadores brasileiros está muito enganado. Nós vamos resistir no Congresso Nacional, junto com os trabalhadores, e assegurar a unicidade como direito democrático que precisa ser preservado, ao lado de outros direitos, com os dos aposentados. Arnaldo Faria de Sá deputado federal pelo PTB de São Paulo —

Considero que a redação do artigo 8° na Constituição de 1988 foi uma conquista histórica dos trabalhadores e das entidades sindicais preocupadas com a livre associação profissional ou sindical. Mas a política econômica neoliberal do atual governo vem tentando suprimir esses direitos, colocando em risco a organização sindical a pretexto de introduzir uma falsa "modernidade" nas relações de trabalho. Essa tal modernidade, pregada por FHC, só serve para beneficiar os grandes grupos econômicos, que alegam um falacioso "custo Brasil" para investir na economia brasileira. É com esse discurso neoliberal estreito que o governo tenta subtrair os direitos dos trabalhadores, não só os inscritos na Constituição, como os direitos previdenciários, sociais e da CLT.

Marcelo Barbieri - deputado federal pelo PMDB de São Paulo


Quantos são os sindicatos

no Brasil?

O Censo Sindical-2002, encomendado ao IBGE, deverá apresentar

dados relevantes, dando base para respostas mais coerentes

e corretas sobre a realidade sindical brasileira

JOÃO GUILHERME VARGAS NETTO

Com a única e honrosa exceção de Adalberto Moreira Cardoso, os pesquisadores e acadêmicos brasileiros não se preocupam em quantificar seriamente o fenômeno sindical. Além da precariedade das informações

pertinentes e das séries estatísticas, do desprezo pelo assunto e da cópia mecânica das orientações e propagandas disseminadas no exterior, existe um acordo tácito, que envolve até mesmo alguns dirigentes

sindicais, de que "da ocultação nasce a luz". O conhecimento objetivo da realidade pode causar prejuízos às teses difundidas na academia e em alguns círculos político­ sindicais que, requentada durante DEBATE SINDI CAL

31


PERFIL • REALIDADE SINDICAL

Na luta anti-sindical, a primeira baixa não é a da verdade; é a da própria ausência anos, transformaram-se em "verdades" que não precisam de demonstração. Não por mera coincidência esta desinformação aponta sempre para o menosprezo do sindicalismo dos trabalhadores, para o ocultamento do sindicalismo patronal, para a grandiloqüente adoção de esquemas abstratos importados dos centros formuladores internacionais e para fórmulas de fácil difusão nos meios de comunicação. Assim, ao mesmo tempo em que se critica a tendência "legislativa" e "legalista" das práticas sindicais e se separa o aspecto institucional dos sindicatos de seu aspecto "movimento", o peso do jurismo se faz sentir em cada uma das formulações, agravado pelo manuseio habilidoso de informações parciais, quantificações duvidosas e exemplos desnorteantes. Na luta anti-sindical, a primeira baixa não é a da verdade; é a da própria ausência de conhecimento da realidade.

que colocaram à míngua o IBGE, segundo ele mesmo reconhece no texto do "projeto técnico" apresentado para o censo. Já há por parte das centrais sindicais um grupo de acompanhamento da pesquisa que, junto com o Dieese, discute o próprio projeto teórico e o gabarito da pesquisa. Os objetivos são abrangentes e incluem "o levantamento de informações estatísticas sobre a estrutura sindical brasileira, seu perfil institucional e organizacional e atividades desenvolvidas pelas entidades; fornecimento de subsídios para a formulação e implementação de políticas públicas nas áreas de relações de

trabalho, qualificação,

Contrária à tese da

fragmentação dos

sindicatos, houve um

aumento compatível

com a ampliação

da prática sindical

CENSO DO IBGE

treinamento e colocação de mão­ de-obra; a avaliação dos efeitos da

Esse panorama começará a ser modificado quando se realizar o Censo Sindical 2002 (ano-base 2001). Isto porque o Codefat

redefinição do papel do Estado, das aberturas comercial e financeira, da reestruturação produtiva e da modernização econômica sobre o mundo do trabalho, a partir da percepção da direção sindical; atualização do Cadastro Brasileiro de Entidades Sindicais, a ser disponibilizado em CD-rom" (Censo Sindical 2002 — projeto técnico; apostila de trabalho). Todos sabemos que para analisar a realidade sindical

aprovou a encomenda ao IBGE de sua realização, retomando as experiências deste órgão estatístico que havia realizado de 1988 a 1992 as pesquisas sindicais com periodicidade anual. Diga-se, de passagem, que a interrupção de tal série conseqüência das famigeradas políticas de "Estado mínimo",

32

DEBATE SINAI CAL

quatro perguntas-chaves devem ser feitas: a) quantas são as entidades e quantos trabalhadores são sindicalizados; b) qual a organização e estrutura do movimento sindical, seus recursos e os meios à sua disposição; c) qual a capacidade de luta e de mobilização dos trabalhadores; d) qual a sua representação institucional e a sua capacidade de negociação. Para cada uma destas perguntas (que são, na verdade, um feixe de questões) o Censo Sindical 2002 apresentará dados relevantes e dará base para respostas coerentes e corretas. Enquanto ele não se realiza, quero antecipar algumas informações referentes ao número de entidades existentes, assunto sobre o qual campeia a mais deslavada desinformação. Para tanto, construí a tabela em anexo. A primeira e terceira colunas desta tabela, referentes aos anos de 1990 e 1996, consolidam os dados da Coordenadoria de Registro Sindical da Secretaria de Relações do Trabalho do Ministério do Trabalho (edição apostilada de 1996); a segunda coluna, referente ao ano de 1992, apresenta os dados da pesquisa sindical do IBGE (edição do Dieese — Anuário dos Trabalhadores 2000-2001). Foram feitas as

compatibilizações necessárias entre as duas fontes (trabalhadores autônomos e avulsos, para o IBGE, foram agrupados como autônomos para o MTb; empregadores e agentes autônomos urbanos, para o IBGE, foram agrupados como empregadores urbanos para o MTb); a Pesquisa Sindical do


plIMP

de conhecimento da realidade

Número de sindicatos por tipo 1990 1992 1996 110.•

de trabalhadores urbanos de profissionais liberais de autônomos de avulsos

3332 3838 5621 461 314� 379� 400� 138� 572 281

Subtotal de trabalhadores urbanos

4046 4636 6654

de trabalhadores rurais de servidores públicos

2901 2976 3098 -� 1335

Total de trabalhadores

6947 7612 11087

de empregadores urbanos de agentes autônomos urbanos de empregadores rurais

1790 1751 2790 -� 308� 1858 1522 2095

Total de empregadores

3648 3581 4885

Total geral

10595 11193 15972

Fonte: MTb; Pesquisa Sindical IBGE

IBGE não considera explicitamente os sindicatos de servidores públicos, que são computados pelo MTb (o direito de sindicalização dos funcionários públicos é da Constituição de 1988); durante o período de 5/ 10/1997 a 14/2/1990 não houve registro sindical no MTb.

LADAINHA PLURALISTA Quando foram publicados os números do Ministério do Trabalho, em 1996, os defensores da pluralidade sindical se alvoroçaram, verberando a "pulverização" já ocorrida. Um deles chegou a dizer, procurando ser jocoso, que no festival de criação de sindicatos passara a existir até mesmo o Sindicato das Vendedoras de Acarajé em

Salvador. Foi preciso, na época, estudando seriamente os números apresentados, chamar à ordem os autores pluralistas. Eu mesmo escrevi, no jornal O Estado de S.Paulo, de 23/9/1996, o seguinte: "Contrariamente à tese do crescimento desmesurado (que reveste, às vezes, uma clara discriminação contra o esforço organizatório dos trabalhadores e procura ridicularizar o esforço, por exemp16, dos vendedores de acarajé na Bahia), ressalta dos números que houve um aumento de entidades compatível com a ampliação da prática e da ação sindicais; cada vez mais os sindicatos se posicionam como instituições que participam do tecido social brasileiro e acompanham os eixos principais de modernização, democratização,

cidadania e nacionalidade. Não outro o sentido do forte crescimento nos estados do Norte (antigos territórios) e em Brasília (...). O aumento do número de entidades sindicais se deve principalmente à representação ampliada das diversas categorias de trabalhadores e empregadores, expressões da complexidade crescente da economia brasileira". A partir de então, a polêmica sobre o "exagerado" número de sindicatos no Brasil cessou. Mas, infelizmente, inúmeros dirigentes, inoculados com o veneno de seus adversários, passaram a repetir, e o fazem até hoje, a ladainha do imenso número de entidades. Que venha o Censo Sindical! João Guilherme Vargas Netto é consultor sindical de

diversas entidades em São Paulo

DEBATE SINO! CAL

33


DIREITO SINDICAL

A an tinomia unicidade versus

A interrogação formulada pela história reside em definir qual é o modelo de relações de trabalho que apresenta melhores condições de resistir ventania em curso JOÃO JOSÉ SADY

A clássica antinomia que se coloca aos estudiosos do direito sindical repousa na antítese unicidade versus pluralismo. O modelo da pluralidade, calcado na convenção 87 da OIT, estaria moldado na idéia de que os trabalhadores devem se organizar do modo como bem entenderem. De outro lado, no sistema da unicidade, permite-se, apenas, um sindicato por cada categoria profissional em determinada base territorial. Na matriz celetista, o modelo unicidade vivia bem até a promulgação da Constituição Federal de 1988. Até ali, era fácil delinear o que era a categoria profissional, então pensada como um departamento da atividade produtiva setorializado por ato do Estado que o criava arbitrariamente ao sabor de uma decisão, fundamentalmente, de caráter politico, mas vestida de roupagens sociológicas. O território da atividade produtiva era mapeado numa espécie de "atlas" ministerial denominado de Quadro de Atividades e Profissões. Aquele que se

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DEBATE SINDI CAL

apoderasse de uma parcela do território descrito em tal mapa, ficava com a satrapia por tempo indeterminado. A regra do artigo 8' modifica o cenário, quando diz que são "vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical". Mantém o conceito de categoria, mas não permite ao Poder Público intervir para delimitá-la. Despojada,

então, a categoria de sua setorialização pelo Estado, é preciso repensar inteiramente o conceito.

PARADOXO JURÍDICO O sindicato nasce da categoria ou a categoria existe porque foi organizada em sindicato? Esta pergunta de resposta incerta não


pluralismo precisa ser respondida porque a vontade da Carta fixou-se em que "ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria". Na medida em que ao Estado já não mais permitido delimitar as categorias, apenas os próprios trabalhadores podem fazê-lo. O grupo profissional existe independentemente da vontade dos sindicalistas, mas a delimitação da categoria a ser representada torna-se conseqüência do ato de vontade dos fundadores do sindicato. As portas que se fecham para o pluralismo ao impor o sindicalismo por categoria reabrem-se, por outro lado, ao admitir-se que a delimitação desta passa a ser um ato de vontade política. Não mais um "prius", mas um "posterius". A Constituição incorpora, no fundo, algo que poderíamos denominar de "unicidade pluralista" ou "pluralismo unicista", mas que não pode ser tido como unicidade na forma singela. A unicidade como modelo puro, em nossa Ordem Jurídica, foi-se com a mesma água derramada com a impossibilidade de intervenção do Estado na organização sindical. A partir daí, a leitura do Judiciário fixou-se em que é possível dissociar a categoria em pedaços, destrinchando-a em elementos diversos, de modo a formar novos sindicatos. Como não há, juridicamente, uma contrapartida necessária entre o mundo dos fatos e a sua representação, as coisas passam a girar em torno da vontade política dos agentes que operam no setor. O resultado deste paradoxo

jurídico está em que os sindicatos antigos e estratificados resistem ao novo modelo como fortalezas poderosas, enquanto que os setores que antes eram deficientemente organizados pipocam alucinadamente com a criação de dúzias de entidades.

AUSÊNCIA DE INSTRUMENTOS A questão que se coloca ante os agentes do mundo do trabalho neste mundo em mudança está, contudo, em outra ponta do novelo. A antinomia clássica era posta na realidade do trabalho existente antes da terceira revolução industrial. Naquele cenário, era lícito confrontar a nossa experiência histórica com a unicidade, com a experiência dos países onde os trabalhadores evoluíram com outras trajetórias, com o fito de perquirir que reformas do direito poderiam libertar forças operárias porventura por aqui represadas. No pós-revolução capitalista, o cenário é de devastação nos países onde a contratação coletiva tinha caráter de centralidade na formação do direito do trabalho, praticada em cima de um sindicalismo organizado nos moldes pluralistas. Agora, a realidade é de derrota catastrófica, com os sindicatos definhando e o Estado-Providência esboroando-se ante os movimentos do capitalismo na sua modalidade neoliberal. A interrogação formulada pela história reside em definirmos qual é o modelo de relações de trabalho que nos apresenta melhores condições de resistir a.

ventania em curso. Este modelo atual, estruturado de maneira esdrúxula e paradoxal, é o suporte de uma estrutura real, criada pela nossa trajetória histórica e é aquilo que podemos contar na tempestade em curso. Desmontar este modelo, num momento em que a alternativa também está derrotada, não seria incrementar intensamente a vulnerabilidade dos assalariados justamente no momento em que estão ante sua maior ameaça? Não se pode pensar a antinomia pluralidade versus unicidade como algo dissociado do cenário geral. Os mecanismos de representação fazem parte de um modelo de relações de trabalho que se espraia de modo global em nosso sistema. O sindicalismo brasileiro, neste momento, precisa de representação sindical por empresa, legislação de fomento negociação, proteção contra atos anti-sindicais, proteção contra práticas negociais desleais, direito a. informação sobre o estado econômico das empresas, direito a manutenção das cláusulas negociais preexistentes, direito de greve. Na ausência destes instrumentos, a interrogação sobre unicidade ou pluralismo tornar-se-á pueril porque seremos todos superados pelos sintomas da barbárie. Toda a desgraça da sociedade brasileira irá extraviar-se para fora destes condutos jurídicos e haverá de resolver-se exclusivamente no confronto da força bruta política, com o conseqüente cortejo de danos as instituições democráticas. Joao José Sady é vice-presidente da Comisstio de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e foi presidente do Sindicato dos Advogados do Estado de Sao Paulo DEBATE SINDI CAL

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OPINIÃO

MM.

As armadilha Apesar da redação aparentemente progressista, esta norma internacional rejeita a unicidade e possibilita a introdução do pluralismo sindical no Brasil

+On

ALTAMIRO BORGES Jesus Carlos

Sempre que se discutem mudanças na estrutura sindical brasileira volta à tona a idéia da ratificação da Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Essa proposta é

defendida formalmente pelo governo FHC e conta com o apoio de setores empresariais e também de áreas do sindicalismo dos trabalhadores. CUT, Força Sindical e Social-Democracia Sindical têm esta bandeira como resolução dos seus congressos e seminários; já a CGT, CAT e CGTB manifestam-se contra a sua ratificação pelo Brasil. Mas, afinal, o que diz está convenção internacional que gera tantas controvérsias no sindicalismo? Ela é um instrumento que garante de fato liberdade e autonomia sindicais, pondo fim ã ingerência do Estado? Ou é um mecanismo que incentiva a pulverização dos sindicatos, servindo aos interesses patronais? Para dirimir esta dúvida, nada melhor do que analisar o seu conteúdo e a sua origem.

RISCO DO PLURALISMO A Convenção 87 versa sobre

36

DEBATE SINDI CAL

"Liberdade sindical e proteção ao direito de sindicalização". Foi aprovada em julho de 1948, na 31' Sessão da Conferência Geral da OIT, realizada em São Francisco, nos Estados Unidos. Com apenas 21 artigos, ela apresenta uma redação aparentemente progressista, contemplando reivindicações do sindicalismo que é vitima da intervenção estatal e da repressão patronal. O artigo 3 0 , por exemplo, é taxativo: "As organizações de trabalhadores e empregadores terão o direito de elaborar seus estatutos e regulamentos administrativos, de eleger livremente seus representantes, de organizar a gestão e a atividade dos mesmos e formular seu programa de ação. As autoridades públicas deverão abster-se de

"A exigência de 50

membros para

constituir um sindicato

representa uma cifra

exagerada", afirma

o comitê da OIT

qualquer intervenção que possa limitar esse direito ou entravar seu exercício legal". Não é para menos que a Convenção 87 seduziu parcelas do sindicalismo brasileiro no período da ditadura militar. Segundo a historiadora Maria Helena Moreira Alves, entre 1964/79, cerca de 10 mil trabalhadores foram banidos da vida sindical e ocorreram 1.206 intervenções em entidades. Com a Assembléia Nacional Constituinte, em 1988, muitos destes abusos autoritários foram extirpados da legislação sindical. No essencial, vários itens da convenção mundial foram incorporados à Constituição. Sendo assim, porque não ratificá­ la? Ocorre que ela não se limita a estes artigos. Ao lado destes, consensuais, ela traz embutido o risco do pluralismo sindical. Seu artigo 2° afirma: "Os trabalhadores e empregadores, sem distinção de qualquer espécie, terão direito de constituir, sem autorização prévia, organizações, sob a única condição de se conformar com os estatutos das mesmas". Com essa linguagem tipicamente liberal, este artigo induz ã formação de várias

MN

••••I

-Al


s da Convenção 87 dc

or.

entidades numa mesma base. Qualquer corrente política­ partidária, credo religioso ou, pior ainda, qualquer patrão poderia criar o seu "sindicato" na empresa ou numa mesma base territorial. Sem impor limites à fragmentação sindical, os trabalhadores ficariam "plenamente livres" para ver a sua principal arma, a unidade, ser destruída. Tanto que das quase 100 nações que já ratificaram esta convenção, na maioria impera o plurisindicalismo. Um caso exemplar é do Japão. Nos anos 50, após intensa repressão aos sindicatos (os famosos "expurgos vermelhos"), os empresários impuseram a sua ratificação e estimularam a criação de milhares de frágeis e subservientes entidades por local de trabalho. Hoje são mais de 73 mil "sindicatos" neste país, conhecido pela fragilidade do sindicalismo.

SÚMULAS DA OIT

plop.

Os riscos embutidos nesta norma ficam mais evidentes com a leitura das súmulas do Comitê de Liberdade Sindical. Criado em 1951, ele é o órgão tripartite encarregado de fiscalizar a aplicação das convenções. Suas súmulas eqüivalem jurisprudência da OIT. Através delas fica patente o incentivo ao pluralismo. A súmula 16, por exemplo, "reconhece o direito de todo o grupo de trabalhadores (ou empregadores) constituir um sindicato por fora da agremiação já existente". Ele justifica a proliferação de entidades sindicais por razões de ordem profissional, religiosa ou política".

Já a súmula 18 é mais explícita: "A Convenção 87 não quer fazer do pluralismo sindical uma obrigação, mas pelo menos exige que esta seja uma possibilidade em todos os casos... A imposição da organização sindical única está em contradição com a Convenção 87". 0 próprio comitê reconhece o grave risco do patronato criar sindicatos submissos, mas condena qualquer tentativa legal de se evitar tal manipulação. A OIT chega a fixar a cota mínima necessária â fundação de uma entidade de classe. "A exigência de 50 membros para constituir um sindicato representa uma cifra, evidentemente, exagerada". Ou seja: aceita que uma empresa induza menos de 50 trabalhadores a fundar um "sindicato". Evidentemente, tamanho liberalismo serve unicamente aos interesses do capital de fragmentar a luta dos trabalhadores!

Súmula 18 é explícita:

"A imposição da

organização sindical

única está em

contradição com

a Convenção 87"

ORGANISMO NEUTRO? A aparente dubiedade da Convenção 87 é explicada pela própria origem e funcionamento da OIT. Ela foi fundada em 29 de junho de 1919, seguindo determinação do artigo 13 do

Tratado de Versalhes. Na época, sistema capitalista atravessava profunda crise econômica e temia espectro da revolução russa de 1917. Sua principal tarefa seria a de elaborar normas internacionais — as chamadas convenções, hoje por volta de 150 — para preservar modo de produção capitalista. Seu lema era ilustrativo: "Construir a justiça social como um dos pilares mais sólidos de uma paz universal e duradoura". Para cumprir este objetivo, divulgou-se a idéia, encampada até por líderes sindicais, de que a OIT seria um "organismo neutro, que defende os interesses dos empregados e empregadores". Esta neutralidade estaria expressa na sua forma organizativa: um órgão tripartite, com a participação de representantes dos governos, dos empresários e dos trabalhadores. A Conferência Geral, o seu principal fórum deliberativo, que se reúne anualmente em Genebra, tem a participação de quatro delegados de cada Estado-membro: dois designados pelos respectivos governos, um dos patrões e outro dos trabalhadores. Já o Conselho Administrativo, segunda fonte de poder interno, é composto por 56 membros, sendo 28 dos governos, 14 dos patrões e outros 14 dos trabalhadores. Destes, o estatuto do organismo determina que a maioria provém de "países de importância industrial" (eufemismo de nação imperialista) e de "governos que pagam maiores contribuições â OIT". Durante muitos anos, os EUA garantiram 25% do orçamento do órgão e mantinham mais de 600 funcionários DEBATE SINAI CAL

37


OPINIÃO • CONVENÇÃO 87

Artigo 29 induz à formação de várias entidades numa mesma base territorial trabalhando nos departamentos e sede central da OIT. Como se observa, a realidade não é bem a de um organismo neutro, acima das classes sociais. Apesar das contradições presentes na OIT, que várias vezes aprova convenções e resoluções progressistas, ela tem um nítido caráter de classe. Capitalistas e seus governos são majoritários. Inclusive, em inúmeros países, onde imperam regimes autoritários, o próprio representante dos trabalhadores é imposto pelos governos.

GUERRA FRIA A própria Convenção 87 foi fruto destas contradições. Com a derrota do nazi-fascismo, sindicalistas de vários países sentiram a necessidade de uma norma que varresse o entulho herdado de Hitler e Mussolini. Em 1946, a Federação Sindical Mundial (FSM) e a Federação Americana do Trabalho (AFL) dirigiram-se às Nações Unidas solicitando a elaboração de uma estrutura democrática e autônoma para os sindicatos. O pedido foi encaminhado a. OIT, que passara a integrar a ONU, mas ficou congelado por dois anos. A Convenção 87 só seria elaborada em 1948, exatamente no sombrio período da "guerra fria". Além de atender à demanda de maior autonomia, ela já incorporaria as preocupações das nações capitalistas com o avanço do sindicalismo revolucionário no mundo. Como reconhece Efrém Córdova, perito da OIT, "a Convenção 87 se originou da necessidade de reconhecer o fato

38

DEBATE TENDI CAL

Candidato da ditadura, Maluf incluiu a norma no seu programa: "A pluralidade sindical ajusta-se melhor às sociedades abertas" da pluralidade sindical como uma opção básica dos trabalhadores frente a. rivalidade que caracterizava a evolução do movimento sindical". Ele não esconde que os mentores da norma foram o sindicalismo norte-americano e a social­ democracia européia.

A CONVENÇÃO NO BRASIL Ilustrativo desta intenção foi o caso brasileiro. Quem primeiro propôs sua ratificação foi o general Eurico Gaspar Dutra, em mensagem enviada ao Congresso Nacional em maio de 1949. Após encabeçar um golpe militar e intervir em 470 sindicatos, o ditador ainda tentou dividir o sindicalismo. Apesar de seu empenho, a medida não vingou. A Convenção 87 só ressurge novamente dois anos após o golpe militar de 1964, propagandeada pelo deputado Flávio Marcílio — o vice de Paulo Maluf no Colégio Eleitoral, em 1985. Mas, para a ditadura este expediente era indesejável, até porque o sindicalismo já estava castrado. Como explicou Jarbas Passarinho, então ministro do Trabalho, ele era inviável "tendo em vista as condições do atual

momento brasileiro". Só quando o regime militar começou a desmoronar é que a Convenção 87 reapareceu no cenário político — sendo defendida por diversos setores e com distintos objetivos. O Estado de S.Paulo, jornal da burguesia paulista, passou a fazer campanha pela sua imediata ratificação. Num de seus editoriais, explicou o motivo: "É melhor as empresas negociarem diretamente com seus empregados do que dar atenção a um sindicato que, no fundo, só pensa em destruí-las". Até o chefe do temido Serviço Nacional de Informações (SNI), general Ivan Mendes, engrossou o coro: "0 país está atrasado nesse sentido". Também o candidato da direita, Paulo Maluf, incluiu a proposta no seu programa: "A pluralidade sindical ajusta-se melhor às sociedades abertas". A partir do final da década de 70, com o avanço do sindicalismo no país, novamente a norma caiu no limbo. Muitas das exigências de liberdade e autonomia sindicais são incorporadas Constituição de 1988. O tema só volta a. baila com a ofensiva do neoliberalismo na década de 90. Collor de Mello e Fernando Henrique se posicionam oficialmente em favor da sua ratificação. Paulo Paiva, o primeiro ministro do Trabalho da era FHC, foi quem apresentou a estratégia dos neoliberais no poder para enfrentar o sindicalismo brasileiro: "Torna-se necessário que o país substitua a unicidade pelo pluralismo sindical". Altamiro Borges é editor do revisto Debate Sindical


INTERNACIONAL

OF.

O sindicalismo mundial

e a unicidade

OP.

1....

.....�

Em um mundo globalizado, onde o capital procura impor suas regras e o "pensamento único", os trabalhadores se organizam, em defesa de seus interesses, numa impressionante malha de sindicatos. Este é um dos fenômenos mundiais mais importantes — em toda a sua diversidade —, embora relativamente menosprezado pelos meios de comunicação e tratado como coisa em extinção pelos arautos do neoliberalismo.

Os movimentos estratégicos do sindicalismo na atualidade apontam na direção unitária, seja pelos imperativos da economia globalizada ou pela resistência aos ataques do neoliberalismo JOÃO GUILHERME VARGAS NETTO

Não há estatísticas sistemáticas

e convincentes que dêem conta da totalidade do fenômeno sindical. Até mesmo as séries da OIT são salteadas e todos os outros materiais de referência, além de escassos, são parciais. Poucos países e poucos governos produzem acompanhamentos sérios e nenhum dos "livros do ano" (nacionais ou estrangeiros) se preocupa com o levantamento sistemático dos sindicatos e de suas ações. DEBATE SINDI CAL

39


INTERNACIONAL • ESFORÇO UNITÁRIO

Os países que apresentam taxas de sindicalização mais elevadas são, em geral,

E, no entanto, basta a descrição de uma das organizações

internacionais existentes para demonstrar a importância mundial do sindicalismo. A Ciosl, por exemplo, representa 156 milhões de filiados, organizados em 221 centrais sindicais nacionais em 148 países (até mesmo o Vaticano). Seus dois últimos congressos (na Bélgica e na Africa do Sul) agruparam a mais ampla representação mundial de países (somente superados pelas Assembléias da ONU). Além da Ciosl, as organizações filiadas à FSM (que recobrem ainda hoje os países de forte influência islâmica) e ã CMT, com ascendência católica, completam o quadro orgânico do sindicalismo mundial. Como não poderia deixar de ser, a organização sindical apresenta as mais diversas características, nas quais se combinam as experiências nacionais mais díspares. São

40

DEBATE SINAI CAL

inúmeras as modalidades de estrutura, de representação, de

O ESFORÇO UNITÁRIO

legalidade e poderes, de institucionalização, de eleições internas e de controle. Mas em várias línguas e para milhões de trabalhadores, as expressões "sindicato", "union",

Apesar da imensa diversidade de experiências (ao longo da história e atualmente) há um esforço e uma intenção que se mantêm invariantes: a busca da unidade de ação e até mesmo a busca da unidade orgânica (a própria semântica demonstrando isto com a idéia de "união" nas mais diversas línguas). Os grandes movimentos estratégicos do sindicalismo na atualidade apontam nesta direção unitária, seja pelos imperativos da economia globalizada, seja pela resistência aos ataques que sofre a ação dos sindicatos, seja pela mudança acelerada nos padrões de relações internacionais ou pela relativa assimetria no destino das organizações sindicais existentes durante a Guerra Fria. "A experiência passada demonstrou como o desprezo pelos laços de fraternidade que unem os trabalhadores dos diversos países sempre acompanhado pelo fracasso de suas iniciativas incoerentes" (Marx, em Manifesto Inaugural da Associação Internacio­ nal de Trabalhadores, 1864). Na Europa, a Confederação Européia de Sindicatos (CES) representa hoje quase a totalidade dos sindicatos e tem no desenvolvimento da comunidade européia uma representação unitária. Diversas organizações sindicais de ramos profissionais se fundiram para criar a UNI, rede internacional de sindicatos nos setores de serviços. Na Alemanha, em março deste ano, foi criado o maior sindicato do mundo, com 3 milhões de filiados, o Ver.di, também do setor de serviços. Estas fusões e unificações

c`gewerkschaft", "profsoius", "kung huei" são auto-explicativas,

porque ecoam a velha e consagrada definição (1894) de Sidney e Beatrice Webb, para quem o sindicato é "a associação contínua de trabalhadores animada do propósito de manter ou melhorar as respectivas condições de vida".

Em todo o mundo, avança a oposição

pluralidade, que é

vista como culpada

pelo enfraquecimento

das ações sindicais


também aqueles nos quais o sindicalismo é unitário

contrariam o dogma liberal do pluralismo sindical. Em todo o mundo, começa a tomar corpo uma corrente de analistas e ativistas sindicais que se posicionam contra a pluralidade sindical, atribuindo a ela grande parcela de responsabilidade pelo enfraquecimento das estruturas e práticas sindicais e procurando oferecer, ao contrário, embasamento teórico e estratégico às iniciativas unitárias. Um dos autores mais representativos desta tendência é o francês JeanFrançois Amadieu, que publicou em fevereiro de 1999 o seu libelo contra a pluralidade sindical na França, na Europa e no mundo (Les syndicats em miettes, Editora

monopólio perfeito (unicidade total); monopólio confederativo

ou conglomerado mais concorrência local e rivalidades internas; monopólio de categoria; semimonopólio no qual se encontra, ao lado de monopólios de categoria, uma concorrência parcial e fraca; pluralismo oligopolístico; pluralismo concorrente. Em seguida, relacionou a cada sistema sindical a taxa de sindicalização (referente ao ano de 1995) e obteve o seguinte resultado (veja no quadro abaixo). A partir deste estudo, concluiu que "os países que apresentam taxas de sindicalização mais fortes são, em geral, também aqueles nos quais o sindicalismo é unitário. Ao contrário, os países pluralistas não atingem altos níveis de sindicalização e se caracterizam, contrariamente, por taxas muito baixas" Como Amadieu é professor na Sorbone e consultor de empresas e de

Seuil, 224 páginas).

Baseado nos materiais disponíveis, ele reagrupou os

sistemas sindicais de diversos países em função do grau de concorrência entre as centrais sindicais pela representação dos mesmos trabalhadores: Sistema sindical

País

Monopólio de categoria Monopólio de categoria Monopólio de categoria Monopólio de categoria Monopólio perfeito

Austria

Conglomerado Conglomerado

Irlanda Grã-Bretanha

Semimonopólio

Alemanha Estados Unidos

Conglomerado Monopólio de categoria Pluralismo com oligopólio

Finlândia Dinamarca

Suécia Noruega

Japão Holanda

Semimonopólio

Suíça

Pluralismo com oligopólio Pluralismo concorrente Pluralismo com oligopólio Pluralismo com oligopólio Pluralismo com oligopólio

Itália França

Bélgica Portugal Espanha

Taxa de sindicalização (%)

79,3 80,1 91,1 57,7 41,2 48,9 32,9 28,9 14,2 24,0 25,6 22,5 44,1 9, I 51,9 25,6 18,6

organismos internacionais, não resistiu em apontar os principais "lucros" que os sindicatos podem obter com a unicidade e as fusões: ganhos de poder (político, financeiro, nas negociações e nas greves); vantagens estratégicas (melhor gestão sindical, troca de experiências, de serviços); economia de escala e crescimento dos efetivos

sindicais (mesmo que a taxa de sindicalização baixe); melhoria do status e do salário dos dirigentes; segurança do trabalho, melhores condições de trabalho para os dirigentes que se fortalecem pelo crescimento e perenidade dos sindicatos. Quando constata a precária taxa de sindicalização na França e as dificuldades por que passa o sindicalismo, atribuídas por ele pluralidade, afirma que "no estrangeiro, os países que apresentam as taxas de sindicalização mais elevadas não são exatamente aqueles onde há mais concorrência sindical, mas, ao contrário, os que têm o monopólio sindical". DEBATE SINDI CAL

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INTERNACIONAL • ESFORÇO UNITÁRIO

entanto, passíveis de correção e superação pelo esforço próprio

"estudar um velho pedido da

CONTRABANDO NA ARGENTINA

OIT para garantir a liberdade

Enquanto cresce, em vários países, a corrente dos defensores da unicidade e do reforço do monopólio de representação sindical, na Argentina, o desmoralizado governo do presidente de la Rúa e da ministra do Trabalho Patrícia Bulrich engendrou, no início deste ano, uma manobra na qual procurou envolver a OIT e as centrais sindicais para tentar quebrar a unicidade sindical no país (o "unicato", como falam os argentinos). Eles tentaram organizar uma comissão para

sindical na Argentina", ou seja, para decretar a pluralidade. Mas o temor dos dirigentes sindicais de que uma nova lei estimulasse a proliferação de sindicatos por ramos profissionais e se diluísse o modelo peronista de 50 anos (que tem como eixo o sindicato único por atividade reconhecido pelo governo), combinado com o acelerado avanço da crise econômica e social, fez com que a manobra "pluralista" de Bulrich caísse do vazio (C/arín,11/01/01). Com todas as imperfeições que nos são conhecidas (todas elas, no

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DEBATE SINAI CAL

dos trabalhadores, apoiados na Constituição), o sistema sindical existente no Brasil — a estrutura sindical unicitária, o monopólio de representação de categorias — tem sido um dos elementos que garante a capacidade de resistência, de mobilização, de representação e negociação de todos os trabalhadores brasileiros e faz do nosso movimento sindical um dos mais importantes destacamentos do sindicalismo mundial. Nas palavras de Mangabeira Unger (Democracia Realizada, 1998, Editora Boitempo): "Consideremos um regime trabalhista que combine o princípio contratualista da independência completa dos sindicatos em relação ao governo, com o princípio corporativo da sindicalização automática de todos os trabalhadores de acordo com a indústria em que trabalhem. Os tribunais — inclusive os especializados no trabalho — supervisionam a integridade da estrutura legal, mas o governo não tem poder tutelar. As eleições determinam, em cada nível, a alocação de posições dentro desse sistema sindical generalizado, mas extragovernamental. Distintos

movimentos trabalhistas, filiados ou não a partidos políticos, disputam posições nesse sistema, exatamente como os partidos políticos disputam posições no governo democrático. Pelo menos em um país — o Brasil — esse regime híbrido já não é uma simples hipótese; tornou-se lei". Harvard inclinou-se perante o Brasil Sindical!

João Guilherme Vargas Netto é consultor sindical de diversas entidades em São Paulo


Unidade ou divisão de classe

na história do sindicalismo?

Os congressos sindicais, como regra, sempre apoiaram a unicidade;

assim foi em 1920, no Ill Congresso Operário Brasileiro,

realizado no Rio de Janeiro

JOSÉ CARLOS AROUCA

Contam que o ministro do Trabalho, Edward Amadeo, convidou as centrais sindicais mais expressivas para discutir uma minuta destinada a dar outra feição ao artigo 8° da Constituição. Só que em razão de desencontro ou mal entendido atribuído ao segundo escalão,

chegando ao Ministério, foram os dirigentes surpreendidos com a informação da minuta já ter assumido outra natureza, diante de sua remessa recente ao Congresso Nacional. Tornara-se a Proposta de Emenda Constitucional número 623 ou, como se tornou conhecida, a

PEC-623. A alteração fundamental perseguida significava a adoção da pluralidade sindical. A reação foi imediata. A CUT esclareceu que sua proposta de sindicato orgânico não admitia nem a organização por ofício nem por empresa, mas em função do DEBATE SIN DI CAL

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HISTÓRIA • DECISÃO DOS CONGRESSOS

Pesquisa revelou que 87,5% dos entrevistados são a favor do sindicato único ramo da atividade empresarial, afastando assim o modelo da Convenção 87. Pelo menos a Corrente Sindical Classista, vinculada ao PCdoB, que atua com destaque na central, defende a unicidade. A Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT) reafirmou a deliberação de congresso em defesa da unicidade. Na mesma linha, a Social Democracia Sindical (SDS), a Central Autônoma dos Trabalhadores (CAT), a Central Geral dos Trabalhadores Brasil (CGTB) e a União Sindical Independente (USI). Isolada, a Força Sindical (FS) ensaiou retraído apoio à proposta, que se revelou mais posição pessoal de poucos de seus dirigentes. Merece referência a unidade revelada através da CCT (Coordenação Confederativa dos Trabalhadores), unindo confederações e associações independentes, que teve atuação destacada, provocando a discussão do tema, acompanhando atenta a tramitação da proposta, sendo, ainda, responsável pela mobilização dos sindicatos de base e parlamentares. Afinal, a PEC foi arquivada por proposição de sua relatora, deputada Zulaiê Cobra (PSDB-SP). De qualquer modo, a discussão travada determinou uma nova reflexão a propósito da organização mais apropriada aos trabalhadores, especialmente no momento presente, quando se alteraram substancialmente as regras da economia, de mercado, de geografia política, de vida, privilegiando o capital, desqualificando o Estado, promovendo a concentração de riquezas, reduzindo a livre

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DEBATE SINDI CAL

iniciativa diante do crescente domínio das empresas transnacio­ nais. Neste quadro, o desemprego torna-se lugar comum e mal sem cura porque não são criados novos postos de trabalho. Daí a ampliação da exclusão social, a falta de perspectivas para a juventude que deveria ingressar no mercado de trabalho. Assim, indispensável retomar a discussão interrompida com o arquivamento da PEC 623. E para tanto, é bom recorrer à nossa história.

POSIÇÃO DOS CONGRESSOS Os congressos sindicais, como regra, apoiaram a unicidade. Assim foi em 1920, no III Congresso Operário Brasileiro, realizado no Rio de Janeiro, que aprovou a seguinte resolução: `Que os trabalhadores de cada localidade se organizem por ofício ou indústria, em sindicatos de resistência, constituindo-se em sindicatos de ofícios vários os que não reunirem número suficiente para a formação de organismos autônomos". Em 1946, o Congresso Nacional dos Trabalhadores no Brasil, também realizado no Rio de Janeiro, assim concluiu a propósito do tema: ,

"Antes do surgimento das ditaduras fascistas já os trabalhadores lutavam e pregavam o slog= uma profissão, um sindicato"

"Considerando que, em hipótese alguma, deverá ser permitida a existência de mais de um sindicato de determinado grupo ou categoria profissional numa mesma base territorial; considerando que a unidade sindical é a única forma capaz de exprimir realmente a vontade e o pensamento de um grupo ou categoria profissional, resolve sugerir ao Plenário do Congresso Sindical dos Trabalhadores do Brasil a adoção do princípio fundamental da unidade sindical". Depois, em 1949, no Congresso Brasileiro dos Trabalhadores nas Indústrias (Rio de Janeiro), foi decidido: "Liberdade de constituição de sindicatos, respeitado o sistema unitário de representação profissional, dentro de determinada base territorial". O mesmo ocorreu posteriormente: em 1964, na Conferência Nacional de Dirigentes Sindicais: "Pela defesa da unidade sindical". Em 1974, no 1° Congresso dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, aprovou-se: "Ratificação da Convenção 87 da OIT, assegurando-se, contudo, o princípio da unidade sindical. A unidade sindical é fundamental. A unidade sindical é um dos princípios básicos da luta dos trabalhadores. Aos poderosos grupos empresariais, organizados e unidos na defesa de seus interesses, deverá se contrapor a unidade da classe trabalhadora, através de uma central única de trabalhadores, de âmbito nacional". Esta resolução foi ratificada em 1976, no IT Congresso, e em 1978, no IV Congresso.


por categoria, contra 8,3%, que defendem a pluralidade sindical

10—�

P

.-

Em 1978, o V Congresso Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias, no Rio de Janeiro, decide: "Deve a lei sindical manter o sistema de unidade, de modo que apenas um sindicato possa existir na mesma localidade para a representação de uma categoria, profissão ou atividade". Em 1979, o Congresso Estadual dos Metalúrgicos, em Lins, aprova: "Ratificação da Convenção 87, preservando-se, contudo, o princípio da unidade sindical". Em 1979, o X Congresso Nacional dos Metalúrgicos, em Poços de Caldas, conclui: "Os sindicatos serão organizados em correspondência ao ramo de produção das empresas, garantida a unidade sindical para um mesmo ramo e base territorial. Havendo mais de um ramo de produção na empresa, decidirão os trabalhadores interessados quanto â. filiação sindical". Em 1979, o Encontro Nacional dos Dirigentes Sindicais, em Gragoatá, aprova: "Extinto o enquadramento sindical, os sindicatos deverão organizar-se de acordo com o que for deliberado pela assembléia dos trabalhadores interessados, garantida a unidade sindical". Já o II Encontro Nacional de Dirigentes Sindicais, em Taboão da Serra (presentes: José Cicotti, Olívio Dutra, João Paulo Pires de Vasconcelos, Lula, todos vinculados â CUT e ao PT), decide: "Ratificação da Convenção 87 da OIT, preservando a unidade sindical". Em 1981, os Enclats, encontros regionais que antecederam a criação da Conclat, todos, enfrentaram o tema,

apoiando a unicidade sindical. Finalmente, ainda em 1981, o I Conclat (Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras), na Praia Grande, aprova: "Os sindicatos serão organizados em correspondência ao ramo de atividade e na mesma base territorial, decidindo a assembléia dos trabalhadores qualquer dúvida quanto â representação da categoria, garantida a unidade sindical" [1].

PESQUISA REVELADORA Mesmo para a OIT, a pluralidade, quando menos, é um grave complicador. A unidade seria o ideal, mas, não pode ser imposta por lei [2]. Neste quadro, é indispensável conhecer a opinião dos trabalhadores, aos quais, afinal, interessa a definição da estrutura sindical. Numa pesquisa realizada pelo Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (Cedec) em 1984, 87,5% dos entrevistados manifestaram-se a favor do sindicato único por categoria, contra 8,3% apoiando a pluralidade [3]. Afaste-se a pecha de instituto copiado do fascismo. Observa a propósito Joaquim Pimenta, que esqueceram, porém, ou ignoravam que antes do advento do fascismo, já a Rússia Soviética havia adotado o sindicato único... O sindicato único, no entanto, sempre constituiu aspiração dos socialistas, pelo menos, desde os últimos anos do século passado, isto é, muito antes do surgimento das ditaduras fascistas deste século já os trabalhadores lutavam e pregavam o slogan — uma

profissão, um sindicato" [4].Também Arnaldo Lopes Siissekind desmente a natureza atribuída ao regime monista, com estas palavras: "Acontece que, dez anos antes da Carta italiana, Lenin o adotou na União Soviética, esteado na tese de Maxime Leroy, exposta em livro de 1912" [5]. Enfim, pode-se pensar numa estrutura que mantenha a unidade na base e a pluralidade na cúpula, com o reconhecimento de múltiplas confederações, num regime de filiação facultativa, conforme proposta da Federação dos Trabalhadores da Alimentação do Estado de São Paulo. E mais, pluralidade de associações, como imaginou o Professor Evaristo de Moraes Filho, no seu projeto de 1963. Mas dividir nunca, pois qualquer menino conhece o refrão famoso: dividir para depois reinar.

NOTAS I- Arouca, José Carlos. Repensando o sindicato. Editora LTr, São Paulo, 1998. 0 tema já fora tratado no meu livro Em defesa da unidade sindical, editado pela Federação dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação/LTr, 1985, com epígrafe tirada de Marx e Engels: "Proletários de todos os países, uni-vos; Recompllacion, verbete número 25; Sindicatos em uma época de crise. Editora Vozes, 1984; Direito do trabalho, páginas de história e outros ensaios. Editora LTr, São Paulo, 1982; Jornal dos Trabalhadores no Comércio do Brasil, setembro de 1976.

José Carlos Arouca é juiz do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da Segundo Região DEBATE SINDI CAL

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ENSAIO

.= •

A quem interessa a flexibilização

Conservadores acusam a política social do Estado e a ação dos sindicatos como entraves à exploração capitalista CLAUDIO SALVADORI DEDECCA

Faz trinta anos que a visão liberal acusa as instituições de regulação social de responsabilidade pela crise recorrente vivida pelo capitalismo. Num primeiro momento, a acusação voltou-se contra a indexação dos salários à variação do custo de vida. Feita a desindexação, a culpa passou a ser imputada aos gastos com as políticas de proteção social, vistas como entraves ao crescimento do investimento privado. Realizou-se a "modernização" dessas políticas, mas o resultado pouco satisfatório dessa reforma levou a que se culpasse o controle sindical e público das relações de trabalho que, por sua rigidez, comprometeriam a produtividade e a competitividade. A pressão pela quebra da regulação social foi recorrentemente justificada por seu suposto anacronismo. Ela passara a ser incompatível com um mundo onde o rompimento das fronteiras nacionais e o conseqüente acirramento da concorrência nos diversos mercados, num contexto de grande instabilidade tecnológica, seriam as características principais da nova ordem econômica internacional. A solução, portanto, foi associada progressiva liberalização dos mercados em relação às amarras

46

DEBATE SINDI CAL

da regulação pública. Para os conservadores, era preciso permitir a reoxigenação dos mercados, ampliando-se a concorrência e estimulando a modernização tecnológica. Tal solução foi vendida como sendo a única alternativa para a reconstrução do capitalismo nesse final de século. Como um missal, foi tomada como verdade inquestionável, cuja implementação levaria o capitalismo a um novo nirvana. São 30 anos de dominação dessa perspectiva política, acompanhada pelo crescimento do desemprego e da desigualdade social. Mesmo assim, esses males continuam sendo imputados regulação social do pós-guerra.

POLÍTICAS SOCIAIS Nada de novo tem essa postura totalizante da visão conservadora. A crise dos anos 30 também foi associada às instituições do capitalismo moderno. Os conservadores da época acusaram a incipiente política social e os sindicatos pelos entraves à reorganização capitalista. A solução proposta passava também pela desregulamentação e maior liberdade aos mercados. Apesar de 1/4 da força de trabalho nos países

industrializados estar desempregada e da queda violenta dos salários reais, os problemas do mercado de trabalho foram associados à suposta rigidez das instituições sociais. Autores liberais mais conscientes da tragédia social que ia sendo construída sob a égide da política conservadora apontaram a inviabilidade da construção de um mundo sem uma proteção social mais ampla. Keynes mostrou que era impossível aos trabalhadores regularem seu salário real e que a crise decorria das decisões de investimentos das empresas e do Estado. Mesmo assim, somente com o advento da guerra, foram abertas as possibilidades reais para o avanço da regulação social, que foi fundamental para o crescimento acelerado do capitalismo nas décadas de 50/60. Na relação entre capital e trabalho, a regulação social


das relações de trabalho?

Os conservadores

querem adequar a

estrutura sindical

is negociações por

local de trabalho

permitiu reduzir o desequilíbrio nela presente. Como afirmou Marx, no capitalismo existem alguns que possuem o capital­ dinheiro, o qual lhes dá a possibilidade de comprar ou não a força de trabalho necessária ao processo de acumulação. Por outro lado, existem muitos que, por não deterem o capital­ dinheiro, são obrigados a vender recorrentemente sua força de trabalho. Esta situação de desigualdade torna a relação de trabalho via mercado claramente assimétrica. A regulação social permitiu reduzir essa assimetria. Foram a política social e a negociação coletiva as bases do processo de regulação.

A política social agiu sobre a oferta de trabalho, buscando reduzir a disponibilidade de braços para a produção capitalista. A proibição do trabalho infantil, a restrição do trabalho de mulheres em certas situações, o sistema de aposentadoria, a garantia de renda em situações de doença ou desemprego e as restrições ao uso do trabalho em certas situações de periculosidade e insalubridade constituíram uma das faces da política social. O fim da demissão sem justa causa e o seguro­ desemprego completaram a política, bem como o direito de representação coletiva dos trabalhadores. O Estado, portanto, atuou sobre as relações de trabalho no sentido de deslocar a forte assimetria que ela conheceria se sua regulação fosse deixada ao sabor do mercado. Já a negociação coletiva atuou sobre essa base de direitos sociais. Novos mecanismos de regulação foram sendo estabelecidos pela negociação. Em muitos momentos, o Estado transformou os resultados de acordos em direitos regulados por lei, estendendo conquistas obtidas por certas categorias para o conjunto dos trabalhadores. O campo de ação das negociações coletivas na criação de novos direitos foi amplo, podendo, entretanto, ser retratado segundo três óticas referentes ao uso do trabalho: a) sua alocação; b) seu tempo de movimento; c) sua remuneração. Foram sobre essas facetas que as negociações coletivas atuaram. Quanto a alocação, a negociação coletiva resultou na criação de regras e normas

segundo dois procedimentos. Em primeiro lugar, ao acordar critérios de estabilidade que ampliavam as restrições demissão e a contratação de trabalhadores impostas pela política social. Em segundo lugar, ao estabelecer estruturas ocupacionais que definiam as ocupações básicas, tarefas e funções associadas a cada uma delas e os critérios de promoção (mobilidade). A construção dessas estruturas retirou das mãos das empresas a autonomia em alocar trabalho na atividade produtiva como forma de discriminar e individualizar o coletivo de trabalhadores. A contratação e a alocação passaram a ser realizadas segundo regras e normas acordadas nas negociações coletivas, transferindo o processo de contratação do espaço interno das empresas para o espaço social. As negociações coletivas sobre a regulação do tempo foram determinando um padrão de jornada de trabalho semanal fixa e restrições para seu uso em regime de turnos, nos fins de semana e feriados — o que foi de grande importância para os trabalhadores. Apesar do avanço da regulação social no século XX, poucos foram os países que buscaram controlar a jornada de trabalho. A tendência de sua redução, observada até os anos 70, foi de responsabilidade das negociações coletivas. Em relação ao último aspecto, o da remuneração, as negociações coletivas jogaram também um papel fundamental. Em primeiro lugar, porque desvincularam a remuneração da produtividade individual do trabalho, transformado-a em um resultado DEBATE SINDI CAL

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ENSAIO • FLEXIBILIZAÇÃO TRABALHISTA

••••01

Os conservadores acusam a estrutura sindical de ter se tornado anacrônica e do esforço coletivo empreendido pelos mesmos. Nos primórdios do capitalismo, os trabalhadores eram pagos segundo a produção realizada, fato que estimulava forte concorrência. As negociações coletivas transformaram esse padrão. A transferência de parte dos aumentos de produtividade para a remuneração e a indexação dessa aos aumentos de preços garantiram a elevação do poder de compra dos trabalhadores e, portanto, da sua participação nos incrementos ocorridos na renda nacional. As articulações entre as ações do Estado e das negociações coletivas produziram um círculo virtuoso que favoreceu a construção de uma regulação social das relações de trabalho. Transferiu-se, progressivamente, do espaço da empresa para o social a regulação das condições básicas de utilização do trabalho no capitalismo moderno. Esse processo provocou uma redução da assimetria na relação de trabalho, favorecendo os trabalhadores, pois esses passaram a ficar menos expostos á. gestão individualizada que as empresas, normalmente, buscam fazer. De fato, a regulação social constituiu­ se numa proteção aos trabalhadores em relação ao caráter despótico inerente na relação de trabalho, caso essa fosse deixada ao sabor da regulação do mercado de trabalho. É preciso ressaltar que a regulação social também foi de grande importância para as empresas e para o crescimento do capitalismo no pós-guerra. Em geral, associa-se a regulação social á. proteção dos trabalhadores. Esse é um engano recorrente, pois ela

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cumpriu também função protetora para as empresas, seja em relação aos trabalhadores ou ás concorrentes. Quanto aos trabalhadores, ela garantiu às empresas padrões culturais mais estáveis, considerados fundamentais â estabilidade do processo produtivo. Por outro lado, ela impediu que as empresas lançassem mão de formas espúrias de uso do trabalho no processo de concorrência. O maior exemplo é o do trabalho infantil.

Aplicação da visão liberal agrava os problemas sociais e não supera a grave crise do capitalismo RISE CAPIIALISTA A crise estrutural do capitalismo a partir dos anos 70 abrirá espaço para acusar a regulação social como um de seus determinantes principais. Ela foi apontada como uma barreira â flexibilidade requerida pelas empresas num contexto de grandes dificuldades. A posição conservadora desprezou os processos de financeirização e internacionalização das grandes empresas, nos anos 60, que iniciaram o rompimento das fronteiras nacionais e provocaram, conseqüentemente, a quebra da estabilidade do padrão de concor­ rência entre capitais que havia sido construído no pós-guerra. As empresas aproveitaram o revigoramento do discurso conservador para fazer coro contra

a regulação social. Associaram, de maneira espúria, a redução de seus investimentos a uma suposta rigidez imposta pelo controle exercido pelos trabalhadores. Por outro lado, viram o processo de inovação como um meio de grande eficácia para a desarticulação da regulação social. Identificaram a situação de crise como um momento importante para reconquistar a sua autonomia na construção de regras e normas sobre o uso do trabalho. Em outras palavras, reconheceram o contexto de crise como favorável â recomposição de seu poder sobre a relação com os trabalhadores. Essa posição das empresas justificou sua ação agressiva na incorporação de novas tecnologias, apesar dos grandes riscos inerentes a esse processo de decisão. O problema a ser resolvido não se resumia apenas â possibilidade de provocar um novo movimento de crescimento sustentado da produtividade. Era necessário se desfazer das amarras que haviam sido criadas pela regulação social. Novas plantas altamente automatizadas foram o meio adotado pelas empresas para dar marcha a essa estratégia. Pouco interessava o fato da modernização destruir os trabalhadores enquanto produtores, ao mesmo tempo em que continuaria a depender desses enquanto consumidores. O delírio tecnológico contaminou as decisões de investimentos das grandes empresas internacionais no final da década de 70. Só que os resultados obtidos foram desastrosos. A produção alcançada jamais chegou a ser próxima daquela planejada e necessária


propõem a transformação dos sindicatos em instituições por empresas

para rentabilizar os investimentos realizados. A situação de caos conhecida pelos novos projetos implementados nos segmentos mais dinâmicos do setor industrial sinalizaram rapidamente que o processo de aprendizagem nas novas tecnologias seria mais custoso e demorado. Contrariando a postura adotada pelas empresas, os novos projetos mostraram a importância dos trabalhadores na correção dos problemas inerentes ao processo de inovação

desejavam alocar o trabalho sem que o sindicato ou o Estado interferissem no processo. O argumento que sob as novas tecnologias havia se alterado o conjunto de competências requeridas do trabalhador apareceu como uma força de internalização pelas empresas do uso do trabalho. A ampliação das possibilidades de contratação de trabalho temporário e por tempo parcial, garantida pelo Estado, completaram esse processo de

tecnológica. Mas o reconhecimento sobre a

Outro ataque das empresas contra os sindicatos ocorreu em torno da flexibilidade da jornada de trabalho. Elas aproveitaram da posição histórica dos sindicatos em favor da redução da jornada como forma de elevar o emprego em situações de crise econômica ou de mudança tecnológica intensa. Ofereceram pequenas reduções na jornada, em geral compensadas por reduções salariais, em troca de sua anualização. Colocaram os sindicatos numa posição difícil, pois ao atenderem uma reivindicação demandavam algo em troca. Procedimento recorrente nas negociações, a anualização era apresentada como uma arma para a concorrência num contexto de instabilidade. O problema foi que a redução da jornada, ao invés de favorecer o

complexidade desse processo somente foi obtido quando as novas tecnologias adotadas já haviam causado mudanças importantes no mercado de trabalho. Durante a construção das plantas de alta automação, as empresas utilizaram-se dessa estratégia para pressionar os sindicatos, exigindo dos trabalhadores a flexibilidade das normas e regras que haviam sido progressivamente acordadas nas negociações coletivas do pós­ guerra. Ameaçando com o desemprego tecnológico, elas demandavam dos trabalhadores a flexibilidade no processo de contratação e alocação do trabalho, na jornada e no padrão de remuneração.

flexibilização.

ATAQUES NA CONTRATAÇÃO A flexibilidade na contratação buscava ampliar a possibilidade das empresas fazerem a gestão da mão-de-obra em seu interior, sem as amarras impostas pela regulação social. De forma direta, pode-se dizer que as empresas

A regulação social

serviu para atenuar

a instabilidade

gerada pelas

leis do mercado

aumento do emprego, jogou contra o mesmo. A razão era simples. A anualização havia permitido a redução da quantidade de trabalho que cada ocupado perde durante uma jornada. Seja por quebra de equipamentos ou pela flutuação sazonal da produção, a jornada fixa impunha que parte do tempo de trabalho não fosse aproveitado pelas empresas. Os trabalhadores ficavam "matando tempo". A anualização apareceu como um aproveitamento do tempo perdido. De tal modo, que, apesar da redução da jornada, os ganhos de tempo viabilizaram que uma mesma produção fosse realizada com um igual ou menor volume de trabalhadores. Por outro lado, ela transferiu para as empresas as regras específicas de organização da jornada, sendo um instrumento para a recomposição do seu poder na gestão da jornada. O último tema proposto pelas

empresas na negociação com os sindicatos foi o da flexibilidade da remuneração. Os argumentos esgrimidos encontravam-se associados às mudanças no padrão de contratação e na jornada de trabalho, que tornavam desconhecidos a priori o resultado da atividade de cada trabalhador. As empresas alegaram que era necessário adequar o padrão de remuneração a essa forma de organização do trabalho. A adequação passou pela associação entre o rendimento individual e coletivo dos trabalhadores e a retribuição obtida, flexibilizando a norma salarial existente. O avanço da remuneração variável fortaleceu o poder das empresas nesta determinação. DEBATE SINDI CAL

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ENSAIO • FLEXIBILIZAÇÃO TRABALHISTA

Jesus Carlos

Nota-se, assim, que as novas normas de regulação das três facetas do trabalho corresponde­ ram a transferência da regulação do campo social para o privado. Ao contrário do que se observou na formação do capitalismo, quando a lógica do mercado de trabalho foi imposta aos trabalhadores pelo uso da força policial, agora foi restabelecida por mecanismos de sustentação da democracia construídos no capitalismo moderno. A possibili­ dade de consecução dessa via se deu graças aos constrangimentos (ameaças) que as empresas e os governos puseram sobre o trabalho. Quando o desemprego se transforma num revólver engatilhado permanentemente sobre a cabeça do trabalhador empregado, não há mais necessidade da violência policial no processo de submissão desse às lógicas da empresa e do mercado de trabalho. Nesse momento podemos responder a uma questão que

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DEBATE SINAI CAL

ficou anteriormente em suspenso: se a modernização tecnológica foi um fiasco, quais foram as soluções que as empresas adotaram para superar a situação de dificuldades? A resposta encontra-se justamente vinculada às mudanças no padrão de regulação da relação de trabalho. A reconquista pelas empresas da autonomia para a gestão do trabalho lhes possibilitou ganhar a flexibilidade exigida. Ao internalizar a regulação da relação de trabalho, elas se desvencilharam das amarras sociais.

SINDICATO POR EMPRESA Um aspecto adicional desse processo que deve ser ressaltado é a crescente descentralização das negociações coletivas. Isto ocorreu em detrimento das negociações gerais por categoria ou setor de atividade. A descentralização não exigiu o desmonte dos sistemas antigos de negociação, mas demandou apenas que o sistema de representação dos trabalhadores aceitasse que as negociações centralizadas passassem a ser subordinadas aquelas realizadas no âmbito das empresas. Na maioria dos países

Empresas aproveitam

momento de crise

para recompor o

seu poder sobre o

movimento sindical

desenvolvidos, e mesmo nos em desenvolvimento, a estrutura sindical manteve-se intocada, apesar das mudanças radicais observadas na dinâmica das negociações coletivas. Muitas vezes autores de visão progressista fazem uma identificação imediata, porém incorreta, entre manutenção da estrutura sindical e a dinâmica da negociação coletiva. Essa postura deixa sem resposta uma acusação grave feita pelos conservadores. Eles acusam a estrutura sindical nos países desenvolvidos, e mesmo em nossos países, de ter se tornado anacrônica em razão da nova dinâmica da negociação coletiva. Assim, propõem a adequação da estrutura ao perfil atual da negociação, transformando os sindicatos em instituições por empresas. Não cabe escamotear o descompasso observado entre a estrutura sindical e a negociação coletiva. É necessário sim apontar que as tendências atuais transformam crescentemente as relações de trabalho em relações contratuais privadas. A adequação da primeira à segunda reforçará esse movimento, bem como a assimetria presente na relação de trabalho. A visão crítica deve apontar a postura retrógrada dessa posição, indicando que os problemas relevantes encontram­ se na dinâmica da negociação. Apesar de existente, o envelhecimento da estrutura sindical não pode ser culpado pelos problemas hoje observados nas relações de trabalho. É importante que não se esqueça qual é o jogo principal: a troca da regulação social pela privada. Claudio Salvadori Dedecca é professor do Instituto de Economia da Unicomp/SP e autor do livro TOCi017011*Õ0 CCOMMI.00 e trabalho no capitalism° avançado' Correio eletrénico: cdedecca@eco.unicamp.br


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coas, as petrolfferas, penetra nas caldeiras petr6-� de dos poços géneros Populus giôes consertá-las ou enfrenta os incêndios vivem nas terras i' k (Epicrates � apagar. offdio, boldeo quais ha no Brasif. leo para os Reptil � 5. f. Bras. salamanta. salicicola. Adj. 2

IL)), de coloração geral castanha, com manchas � cenchria nos flancos e comprimento de ate 2 m. � salicifonado. Adj

negras ocelares de ayes e doutros pequenos animais. (Sin.: salgueiro. Alimenta-se saticliato. S. m. � ...... guaçubbia, jibbia-vermelha.1 Enchido (3) de origem italiana feito de carne � salicinicea. S. f S. tn. salarttel. plantas da famil

de porco picada, pequenos cubos de toucinho e pimenta salicineo. Adj.

frio ,� se come ern graos, e que salicivoro. Adj

Salamaleque. em� m. acondicionado salame2. S. S. folhas de salgu m. Variedade de salamel salarninho. sálico. Adj. G , � periódica ou tripa fina e curta. 2. Exposição norma (6), i.

Grande sala. de� 1. artistas plásticos, mineralógica

salios. 5. m. de obras de � Certo tipo de 3. anual, especialmente etc. salicola. Adj. 2 novas modelos de diversas indústrias, 4. Fig.� Que produz estabelecimento comercial aberto ao público. � salicultura. S.

de pessoas de sociedade, artistas, intelectuais, � ou cabeleireiro (2). Produção artifi

Reunião etc. 5. Bras. Barbearia (1) arenosó ou barrento; solão. 2.�

Terreno saliência. 5. f. 1

� m. 1. ressalto. (Antón de limo. 3. Bras. Terreno impermeasallo2. S. cheio � Fundo arenoso Bras. Fam. Espe

camada pedregosa. de uma vel por causa saliêncio. S. in. Relativo a salário.� � Bras. dinheiro, 2 g. salarial. Adj. salientar. V. t. d Remuneração, normalmente em emprega- � 1. do ou distinto. P. 3.1 salário. 5. m. face do serviço � devida pelo empregador, em do trabalho prestado por se, distinguir-se, s■ � Remuneração de serviRecompensa saliente. Adj. 2 g.' do.. 2. Reg!. diaristas. 3. � Remuneração operários horistas ou a que está unido; r Salário minim*. minimo. • � ços. 4. Salário trabalhador, fixada por lei. minima do

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