Árvores na Cidade: Roteiro das árvores classificadas de Lisboa

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Nesta obra, a calma impõe-se ao folhear as páginas que descrevem três percursos pela cidade, com textos de cariz histórico e científico acompanhados de imagens, ilustrações e cartografia. • Percurso 1 : Árvores classificadas com vista para o Tejo Do cais do sodré a Belém • Percurso 2 : Árvores classificadas nas colinas da Lisboa romântica Do chiado à colina do castelo • Percurso 3 : Árvores classificadas em matas e antigas quintas De Monsanto aos olivais

Árvores na Cidade

As árvores marcam, desde sempre, a paisagem das cidades. Companheiras do espaço urbano e das pessoas que nele habitam, são testemunho da natureza nos espaços construídos pela sociedade, numa urbe cada vez mais global e artificializada.

Árvores na Cidade Graça amaral Neto Saraiva aNa Ferreira de almeida

Roteiro das árvores classificadas de Lisboa Graça amaral Neto Saraiva

Natural de Lisboa. Arquitecta Paisagista, engenheira Agrónoma e Doutorada pelo Instituto superior de Agronomia (IsA). Professora Associada aposentada da Faculdade de Arquitectura (FA) da universidade de Lisboa, e Investigadora do centro de Investigação em Arquitectura, urbanismo e Design (cIAuD). Docente de Arquitectura Paisagista na universidade de Évora, no IsA, no Instituto superior Técnico e na FA/uL, entre 1981 e 2012. Tem desenvolvido investigação nos domínios do ordenamento do território, da percepção da paisagem, da gestão de recursos hídricos e sistemas fluviais e na vegetação em meio urbano. Publicou diversos livros e artigos científicos, em Portugal e no estrangeiro.

ana Ferreira de almeida

Natural de Lisboa. Licenciada em engenharia silvícola pelo Instituto superior de Agronomia. Foi investigadora (1977-2014) da estação Florestal Nacional (eFN/INIAV). Desenvolveu projectos de investigação e integrou grupos de trabalho, nacionais e internacionais, como responsável ou como membro da equipa. Foi coordenadora do Departamento de conservação dos recursos Naturais (1992-2005) e delegada nacional a redes de investigação e programas europeus (1994-2006). Foi autora ou coautora de artigos científicos publicados em revistas com revisão científica. Integrou desde 1992 a comissão editorial da revista Silva Lusitana, de que foi directora (2010-2014).


©Texto: Graça Amaral Neto Saraiva Ana Ferreira de Almeida

Revisão científica: Lisete Caixinhas

Fotografia:

Todas as fotografias são de Graça Saraiva (GS) à excepção das nomeadas com outras siglas. Ana Ferreira de Almeida (AFA); Arquivo Municipal de Lisboa (AML); João Brito (JB); João Guerreiro (JG); Margarida Bico (MB). A fotografia das autoras na capa é de Maria da Luz Vieira

©Ilustrações: Ana Amaral (AA); Ana Bruto da Costa (AC); Adriana Duarte (AD); André Gonçalves (AG); Alejandro Herranz (AH); Ana Lúcia Serrano (AL); Ana Sofia Mendes (AM); Ana Paula Marques (AP); Ana Patrícia Sousa (AS); Ana Torres (AT); Ana Teixeira (AX); Bernardo Nadais (BN); Camila Pigatto (CM); Cristina Paixão (CP); Daniela Marques (DM); Elodie Ferreira (EF); Fabiana Costa (FB); Francisco Carrasco (FC); Filipa Roque de Pinho (FP); Filipa Tato (FT); Guilherme Martins (GM); Graça Saraiva (GS); Hugo Maia (HM); Isabel Cristina Sousa (IC); Inês Gonçalves (IG); Inês Marcelo (IM); Isabel Sebastião (IS); Ioan Toma (IT); Joana Diniz (JD); Joana Esteves (JE); Joana Franco (JF); Jaqueline Lessa (JL); João Moreira (JM); João Paulo Marques (JPM); João Soares (JS); Joana Vicente (JV); Luísa Gago da Silva (LG); Miguel Alvim (MA); Maria do Rosário Brito (MB); Mariana Calvete (MC); Manuel Casa Branca (MCB); Maria Inês Feio (MF); Maria Filipa Correia (MFC); Maria Inês Silva (MI); Marijus Navickas (MN); Mariana Robalo (MR); Maria do Rosário Santos (MRS); Mário Sousa (MS); Milena Teixeira (MT); Michel Vieira (MV); Marylin Ferreira (MY); Nuno Raimundo (NR); Nova Schelpmeier (NS); Pedro Ferreira (PF); Pedro Leitão (PL); Pedro Mota (PM); Pedro Salgado (PS); Pedro Salvador Mendes (PSM); Ricardo Carvalho (RC); Roberto Villarubia Jimenez (RJ); Rui Leitão (RL); Rita Marques (RM); Raquel Pedroso (RP); Rui Magalhães (RU); Sofia Coelho (SC); Sara Nobre (SN); Soraia Cunha (SR); Sílvia Calretas (SV); Tiago Costa (TC); Vanessa Nogueira (VN); Vlad Popa (VP)

Edição de cartografia: João Carlos Moreira Jorge, sobre mapas da ESRI e CML. Cartografia: Planta da Cidade de Lisboa 1950. Câmara Municipal de Lisboa. © AML, Lisboa. Cartas criadas utilizando o software ArcGIS® da ESRI, licenciado para a FA/UL. © IGN / CNIG, INE, Esri, HERE, DeLorme, iPC, NGA, USGS. Todos os direitos reservados. Impressão: Diário do Minho ISBN: 978-989-8614-35-3 Depósito Legal: 447345/18 2ª Edição: 2018 ©Edição: BY THE BOOK Edições Especiais, lda Rua das Pedreiras, 16-4º 1400-271 Lisboa T. + F. (+351) 213 610 997 www.bythebook.pt

Nota à 2ª Edição: Este livro regista as árvores classificadas de interesse público à data da 1ª Edição, Junho de 2016. Posteriormente, o ICNF publicou, ao abrigo da Lei nº53/2012 de 5 de Setembro, e da Portaria nº 124/2014 de 24 de Junho, algumas alterações à classificação de árvores de interesse público em Lisboa, que não são tidas em conta nesta edição.


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Palavras Prévias

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Introdução

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percurso 1 : Árvores classificadas com vista para o Tejo Do Cais do Sodré a Belém

14 1 18 2 22 3 24 4 26 5 28 6 32 7 36 8 40 9 44 10 48 11

Cais do Sodré | Jardim Roque Gameiro • Tipuana | Tipuana tipu

52 52

Percurso 2 : Árvores classificadas nas colinas da Lisboa romântica Do Chiado à colina do Castelo

54 56 60 62 66 70 72 74 76 82 84 86 88 90 94

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15

96 16 98 17

Santos | Jardim de Santos • Tipuana | Tipuana tipu Janelas Verdes | Jardim 9 de Abril • Braquiquito | Brachychiton populneus Janelas Verdes | Jardim 9 de Abril • Tamareira | Phoenix dactylifera Janelas Verdes | Jardim 9 de Abril • Tipuana | Tipuana tipu Tapada da Ajuda | Observatório da Tapada da Ajuda • Dragoeiro | Dracaena draco Santo Amaro | Jardim da Capela de Santo Amaro • Oliveira | Olea europaea Belém | Mosteiro dos Jerónimos • Paineira-rosa | Ceiba speciosa Ajuda | Parque dos Moinhos de Santana • Cipreste-da-califórnia | Cupressus macrocarpa Restelo | Praça de Damão • Bela-sombra | Phytolacca dioica Pedrouços | Travessa do Arco da Torre • Plátano | Platanus orientalis

Chiado | Largo Barão de Quintela • Palmeira-do-senegal | Phoenix reclinata Santa Catarina | Rua do Século, Palácio Pombal • Lódão-bastardo | Celtis australis S. Bento | Praça de S. Bento • Tipuana | Tipuana tipu Campo de Ourique | Parada dos Prazeres • Tipuana | Tipuana tipu Campo de Ourique | Jardim Teófilo Braga • Metrosidero | Metrosideros excelsa Campo de Ourique | Jardim Teófilo Braga • Sequóia | Sequoia sempervirens Campo de Ourique | Jardim Teófilo Braga • Taxódio | Taxodium distichum Nova Amoreiras | Antigo Colégio Maristas • Dragoeiro | Dracaena draco Rato | Largo Hintze Ribeiro • Figueira-da-austrália | Ficus macrophylla Príncipe Real | Jardim do Príncipe Real • Cedro-do-buçaco | Cupressus lusitanica Príncipe Real | Jardim do Príncipe Real • Araucária-colunar | Araucaria columnaris Príncipe Real | Jardim do Príncipe Real • Paineira-barriguda | Ceiba crispiflora Príncipe Real | Jardim do Príncipe Real • Figueira-da-austrália | Ficus macrophylla Príncipe Real | Jardim do Príncipe Real • Plátano | Platanus orientalis Praça da Alegria | Jardim Alfredo Keil • Paineira-rosa e Paineira-barriguda | Ceiba speciosa e Ceiba crispiflora Praça da Alegria | Jardim Alfredo Keil • Metrosidero | Metrosideros excelsa Praça da Alegria | Jardim Alfredo Keil • Eritrina | Erythrina crista-galli


102 104 106 108 110 112 114 116 122 124 128 132 134 136

18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31

Campo de Santana | Jardim Braamcamp Freire • Casuarina | Casuarina cunninghamiana Campo de Santana | Jardim Braamcamp Freire • Cedro-do-himalaia | Cedrus deodara Campo de Santana | Jardim Braamcamp Freire • Matapalo | Ficus benjamina Campo de Santana | Jardim Braamcamp Freire • Metrosidero | Metrosideros excelsa Campo de Santana | Jardim Braamcamp Freire • Pinheiro-manso | Pinus pinea Campo de Santana | Jardim Braamcamp Freire • Bela-sombra | Phytolacca dioica Campo de Santana | Jardim Braamcamp Freire • Teixo | Taxus baccata Arroios | Jardim Cesário Verde • Cedro-do-atlas | Cedrus atlantica Arroios | Jardim Constantino • Figueira-da-austrália | Ficus macrophylla Arroios | Jardim Constantino • Melaleuca | Melaleuca styphelioides Penha de França | Praça Paiva Couceiro • Ginkgo | Ginkgo biloba Penha de França | Praça António Sardinha • Bela-sombra | Phytolacca dioica Anjos | Jardim António Feijó • Bela-sombra | Phytolacca dioica Miradouro Santa Luzia | Largo do Limoeiro • Bela-sombra | Phytolacca dioica

Percurso 3 : Árvores classificadas em matas e antigas quintas De Monsanto aos Olivais

138

140 144 148

1 2 3

Monsanto | Parque Infantil do Alvito • Sobreiro | Quercus suber

150 154 156 158 160 162 166 168 170

4 5 6 7 8 9 10 11 12

Benfica | Laboratório Nacional de Investigação Veterinária • Eritrina | Erythrina crista-galli

173 175 177 179 181

Benfica | Quinta da Fonte • Plátano | Platanus spp. Benfica | Laboratório Nacional de Investigação Veterinária • Árvore-da-castidade | Vitex agnus-castus Benfica | Quinta Nova da Conceição • Araucária-da-queenslândia | Araucaria bidwilli Benfica | Quinta Nova da Conceição • Bela-sombra | Phytolacca dioica Carnide | Jardim Teixeira Rebelo • Eritrina | Erythrina crista-galli Carnide | Terrenos anexos à Quinta da Luz • Dragoeiro | Dracaena draco Lumiar | Hospital Pulido Valente • Plátano | Platanus hispanica Marvila | Estrada de Marvila • Figueira-da-austrália | Ficus macrophylla Olivais | Avenida de Berlim • Lódão-bastardo | Celtis australis Olivais | Quinta do Conde dos Arcos • Dragoeiro | Dracaena draco

Nota final Glossário Lista de espécies de árvores classificadas ANEXO : Outros conjuntos arbóreos classificados Bibliografia


Palavras Prévias Em 2016, as autoras Graça Saraiva e Ana Ferreira de Almeida premiaram-nos com um trabalho de rara beleza, um objeto de afeto, aliando uma investigação séria e científica de mapeamento das árvores classificadas da cidade de Lisboa, com uma apresentação e produção gráfica de grande qualidade, apoiada por um inegável rigor editorial, em que o texto, articulado e de fácil leitura, divide generosamente o protagonismo com as fotografias, os desenhos de observação e os mapas, proporcionando-nos um roteiro pela cidade, estimulando-nos à sua descoberta através do pretexto das suas árvores únicas, imponentes e classificadas. No caso das árvores, estas nem sempre são entendidas como uma forma de património material e imaterial: para além de cada delas ser única, o local onde estão implantadas, a sua relação com os demais componentes ambientais, as histórias relacionadas com as diferentes espécies, com a sua colocação num determinado local, os diálogos que estabelecem com o espaço urbano e com o edificado, fazem de cada árvore um monumento singular. A história de muitos dos espaços de Lisboa não pode ser contada sem atender às árvores que os habitam, como protagonistas silenciosas, mas imponentes. Ao contrário da arquitetura, as árvores permitem uma mutação formal e cromática única no espaço urbano, articulando-se intimamente com outros elementos que contribuem para a percepção espacial, tais como o ar, as cores do céu e das nuvens, a luz natural, conferindo diferentes vivências a cada espaço, ao longo do ano. Também ao contrário do edificado, as árvores permanecem no seu local de implantação, únicas, iguais a si mesmas, assistindo às transformações que se vão operando na cidade, nos espaços viários, de praças, de jardins, tantas vezes acompanhadas pelas profundas alterações arquitetónicas, que teimam em acompanhar a evolução própria da dimensão temporal. O CIAUD – Centro de Investigação em Arquitetura, Urbanismo e Design, não pode deixar de apoiar esta segunda edição, que irá permitir uma leitura da cidade de Lisboa a partir das suas árvores classificadas, difundindo um conhecimento que deve ser partilhado, que deve estar ao alcance de todos, permitindo, assim, um novo olhar, mais atento e informado sobre um património de todos e que cabe a todos conhecer para preservar. Fernando Moreira da Silva Presidente do CIAUD

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Introdução Árvores na Cidade

…Ele era um camponês Que andava preso em liberdade pela cidade. Mas o modo como olhava para as casas, E o modo como reparava nas ruas, E a maneira como dava pelas pessoas, É o de quem olha para árvores, E de quem desce os olhos pela estrada por onde vai andando E anda a reparar nas flores que há pelos campos… Alberto Caeiro, O Guardador de Rebanhos

As árvores marcaram, desde sempre, a paisagem das cidades. Companheiras das pessoas que nelas habitam, são testemunho da natureza nos espaços construídos pela sociedade, numa urbe cada vez mais global e artificializada. Como elementos isolados, caracterizam praças e espaços públicos ou privados, alinham-se em avenidas e alamedas, agrupam-se aleatoriamente ou com traçados geometrizados em parques e jardins, crescendo em presença e densidade nos espaços periféricos às cidades, em sentido inverso ao do grau de urbanização. Muitos são os benefícios e valores que se reconhecem às árvores na cidade. Desde a melhoria das condições ambientais e microclimáticas, da qualidade do ar e da água, ao ensombramento, abrigo de aves e outras espécies, sequestro de carbono, cortina de abrigo para ventos, ruído, e outros de ordem estética, afectiva e espiritual, são motivos para apreciar e promover a presença das árvores, e criar condições para o seu pleno desenvolvimento e reconhecimento pela sociedade. Mas a cidade apresenta por seu lado condições adversas para a vida das árvores, que interferem no seu metabolismo e afectam o seu desenvolvimento. A poluição, a redução da luminosidade ou a artificialidade nocturna, as condições de impermeabilização do solo e os aterros estéreis no subsolo, a quebra nos ciclos naturais de decomposição da matéria orgânica, pela remoção das folhas e resíduos, as condições microclimáticas nas cidades, originando o que se apelida como ‘ ilha de calor urbano’, as carências hídricas e abaixamento dos níveis freáticos, são situações que afectam o pleno desenvolvimento da vegetação e se traduzem em maior vulnerabilidade a pragas e doenças. Também as operações de cortes e podas, muitas vezes violentas e contraproducentes, no sentido de as conformar às 6


contingências urbanas, enfraquecem os exemplares arbóreos e desfeiam-nos irremediavelmente. Entre benefícios, condicionantes e perigos também presentes, como o risco de quebra ou queda de ramos, os pólens causadores de alergias e outros possíveis inconvenientes, que devem ser acautelados, o saldo é muito positivo, o que justifica a presença de árvores na cidade e na envolvente dos seus habitantes, fomentando o respeito pela natureza cada vez mais distante e tão necessária nos grandes centros urbanos.

Árvores Classificadas ...A árvore antiga Que cantou na brisa Tornou-se cantiga...

Sophia de Mello Breyner Andresen, A Árvore

Em praticamente todas as culturas, crenças e épocas, a imagem primordial da árvore cruza significados e símbolos diversos, da vida à religião, da ciência à arte, do conhecimento à tecnologia. O reconhecimento dos benefícios das árvores e florestas levou a que, desde tempos remotos, as autoridades tomassem medidas para a sua proteção. A informação mais antiga que se conhece na Península Ibérica remonta ao século VII, quando os Visigodos a dominavam, constando então no Código Visigótico medidas de proteção aos sobreiros e pinheiros (Rego, 2001). A partir do século XX promoveram-se, em vários países da Europa, medidas legislativas para proteger exemplares arbóreos de especial interesse, considerados de valor patrimonial, pelas suas dimensões, longevidade ou referência cultural. Portugal foi um dos países pioneiros, datando de 1914 a publicação de legislação para preservação de árvores notáveis, recomendando a elaboração de um ‘catálogo de árvores monumentais nacionais’, que, embora não tenha tido seguimento, teve o mérito de alertar para este tipo de património natural (Varela e Barros, 1998). Duas décadas mais tarde, em 1938, foi publicado o Decreto-Lei nº 28.468 visando a defesa e proteção de ‘arranjos florestais e de jardins de interesse artístico ou histórico, e bem assim os exemplares isolados de espécies vegetais que pelo seu porte, idade ou raridade se recomendem a cuidadosa conservação’ 1.

1 Decreto-Lei nº 28468, de 15 de Fevereiro, do Ministério das Finanças

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Criava-se assim um instrumento que possibilitava à então Direcção Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas a classificação, por interesse público, de exemplares isolados de espécies vegetais, estabelecendo os procedimentos para a classificação e gestão das árvores em causa. Foram assim classificados como de Interesse Público, também referidos como ‘Monumentais’, muitos exemplares e povoamentos, ao abrigo da referida legislação, tendo sido estabelecido pela entidade gestora, actualmente o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), uma base de dados ou registo do Arvoredo de Interesse Público2. O diploma de 1938 foi recentemente revogado pela Lei nº 53/2012, de 5 de setembro, regulamentada pela Portaria nº 124/2014, de 24 de junho. Desta forma ficou reordenado o regime jurídico de classificação do arvoredo de interesse público, assim como ficaram estabelecidos os critérios para essa classificação baseados na ‘representatividade, raridade, porte, idade, historial, significado cultural ou enquadramento paisagístico’. Para além dos procedimentos legais ou processuais, parece essencial criar e desenvolver uma consciência pública dos valores associados às árvores e arvoredos nas suas várias formas de presença, quer no espaço urbano quer rural, pelos valores, benefícios e simbologia que representam. Esse é um dos objectivos deste livro, que pretende divulgar as árvores classificadas de interesse público na cidade de Lisboa, através de um roteiro que as localiza e caracteriza, dando-lhes maior visibilidade e relevância na paisagem urbana ‘alfacinha’.

Árvores Classificadas em Lisboa Há lá renda que se assemelhe A este tecido de árvores no Ar... (Hei-de pedir à Maria Keil para as pintar.) Árvores do Jardim do Aqueduto Sem flor nem fruto, nem nada de seu... Só este azul de pássaros a cantar Que vai da terra ao céu. José Gomes Ferreira, Eléctrico

Lisboa é uma cidade com árvores, tendo o seu número e diversidade crescido nos últimos decénios. No espaço público, em jardins, parques e arruamentos, tem havido, desde finais do século XVIII, uma actuação municipal de 2 http://www.icnf.pt/portal/florestas/aip/arvores-mon-pt-online

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arborização que acompanhou as políticas de urbanização e embelezamento da cidade – Passeio Público, Avenida da Liberdade, Campo de Ourique, Avenidas Novas, Parque de Monsanto, Restelo, Alvalade, Olivais, Telheiras, até ao Parque das Nações, nos finais do século XX. Com a estratégia da Estrutura Verde e Estrutura Ecológica de Gonçalo Ribeiro Telles alcançou-se um conceito integrador do ‘verde’ na cidade, nas suas múltiplas dimensões – estéticas, sociais, ambientais e funcionais –, em que se associam os serviços ecossistémicos à beleza natural e às oportunidades de lazer, recreio e usufruto desse ‘verde’. Existe também o ‘verde’ não público, das árvores nos quintais, nas hortas, nos espaços expectantes, vazios, em que a vegetação se instala ou sobrevive, menos valorizada e reconhecida, mas igualmente benéfica e reguladora dos processos naturais. Segundo Andresen (1982), relativamente a árvores em arruamentos, registam-se nos inventários de 1929, 1940 e 1981, um total sensivelmente constante de cerca de 20.000 exemplares. Contudo, em 2003 registaram-se 41.247 exemplares (Almeida, 2006), o que corresponde a um aumento de cerca de 100% em duas décadas. Relativamente ao estatuto de classificação, existem actualmente na cidade 62 exemplares isolados e 21 conjuntos arbóreos classificados, dos quais 8 em maciços estremes ou da mesma espécie. O exemplar mais antigo é o conhecido “cedro” do jardim do Príncipe Real (Cupressus lusitanica), classificado em 1940, e o mais recente é um dragoeiro (Dracaena drago), classificado em 2012, localizado nas Amoreiras, no terreno do antigo Colégio dos Maristas. Quanto à localização e enquadramento, 49 exemplares encontram-se em parques e jardins, 11 em arruamentos, praças e largos, e 10 em espaços privados ou em terrenos expectantes, sobreviventes de antigos conjuntos que aguardam novos usos urbanos. No entanto, existe pouca informação reunida que aborde os múltiplos valores e características deste importante património. Também os exemplares classificados raramente estão identificados como tal, passando por isso despercebidos aos olhos das pessoas que com eles se cruzam. Este livro incide principalmente sobre árvores isoladas e conjuntos arbóreos

estremes. Na sua origem estiveram trabalhos académicos realizados no âmbito da disciplina de Arquitectura Paisagista, na Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa (FA/UL), no ano lectivo de 2009/2010, os quais beneficiaram da colaboração da Autoridade Florestal Nacional (actualmente o ICNF). Essa caracterização foi complementada com pesquisas específicas e com ilustrações dos exemplares em causa. Os textos referentes aos vários exemplares foram organizados segundo um critério de localização na cidade e estruturados segundo três percursos ou roteiros. 9


Do Cais do Sodré a Belém

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PERCURSO 1 : Árvores classificadas com vista para o Tejo

Do Cais do Sodré a Belém 11


CAIS DO SODRÉ | JARDIM ROQUE GAMEIRO 1

Tipuana

JE/SC

Iniciamos o percurso ribeirinho com este esplêndido exemplar de tipuana, no coração do Cais do Sodré, entre as estações ferroviária e marítima, contemplando o Tejo, no meio do intenso tráfego viário e pedonal que cruza a zona. Integrada numa pequena zona verde apelidada de Jardim Roque Gameiro, que pela sua exiguidade dificilmente se reconhece como jardim, exibe uma frondosa copa, só por si quase mais ampla do que o jardim no qual se insere. Convive aí com lódãos e jacarandás, dois quiosques e a estátua Ao Leme, da autoria de Francisco Santos, que presta homenagem aos homens do mar. Um dos quiosques, de 1915, com painéis de Arte Nova da autoria de José Pinto, é semelhante ao que existe no Jardim Constantino, sendo atualmente posto de vendas da Carris. O jardim existe hoje no local onde anteriormente havia uma pequena praia. Abre-se ao rio pelo lado sul com uma ampla vista, sempre muito procurada pelos transeuntes. Aliás, todo o espaço tem referências históricas de ligação ao rio e às actividades ribeirinhas, sejam as de construção naval ou as dos transportes. Frequentado por marinheiros e visitantes, é um dos locais de Lisboa que se caracterizou pela azáfama de circulação, pela presença de hotéis e pensões, pela vida boémia de tascas e bares. A denominação Cais do Sodré deriva do nome de uma família que residia na zona e tem-se mantido, apesar de outras toponímias. Recebeu inicialmente a designação de Praça dos Remolares, termo relacionado com o fabrico de remos existente no local. No final do século XIX, o espaço foi remodelado, na sequência do plano de reconstrução da cidade após o terramoto de 1755, tendo-lhe sido dado JE/SC

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o nome de Praça Duque da Terceira, cuja estátua ocupa o seu espaço central.


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Pólo de intensa vida social na Lisboa do século XIX, ficou célebre o Hotel Central, que Eça de Queiroz refere em Os Maias. É possível que date dessa altura a plantação desta tipuana, bem como das outras que integram a arborização da praça. No início do século XX foi construída a Estação Ferroviária em estilo art déco, da autoria do arquitecto Pardal Monteiro, inaugurada em 1926 e remodelada no início do século XXI, pelos arquitectos Nuno Teotónio Pereira e Pedro Botelho, tendo recebido o Prémio Valmor em 2008. À sua frente, o Relógio Padrão da Hora Legal e o edifício da Agência Europeia de Segurança Marítima, do arquitecto Manuel Tainha, enquadram a abertura ao Tejo e a nossa tipuana, testemunha do renovar da animação no Cais do Sodré. 13


CAIS DO SODRÉ | JARDIM ROQUE GAMEIRO

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Tipuana [Tipuana tipu]

Informação de classificação e dados dendrométricos Código ICNF: KNJ1/375 Coordenadas: 38°42’20,97”N; 9°08’37,20”W Dimensões: Perímetro de base: 3,75m Perímetro a 1,30m: 2,9m Diâmetro médio da copa: 23,75m Altura total: 18m Idade aproximada: 100 anos Classificação: D.R. nº 298 II Série de 27/12/2001 (ICNF, 2014)

GS

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Originária da região do rio Tipuani, na Bolívia, de que derivou o seu nome, esta espéJE/SC

Nome científico: Tipuana tipu (Benth.) Kuntze Nome vulgar: Tipuana Família: Fabaceae Origem: Argentina, Brasil e Bolívia. Hábito: Árvore que pode atingir 25m de altura. Copa largamente arredondada. Tronco: Forte, com ramificação livre e formas retorcidas. Ritidoma de textura rugosa, fissurada. Folhas: Semi-persistentes, alternas, compostas, imparipinuladas, com 9 a 25 folíolos, inteiros, oblongos a elípticos, com 1,5-4 x 0,7-1,7cm. Inflorescências: Panículas terminais até 30cm de comprimento. Flores: Amarelo-dourado, púrpura pálido no centro com nervuras vermelho-ferrugem. Corola papilionácea. Floração: Junho a Agosto. Frutos: Vagem alada, ovóide, com 1 a 3 sementes lenhosas, de cor verde clara que se tornam castanhas na maturação. Preferências ambientais: Boa exposição solar, solos ricos, frescos e profundos; é tolerante à secura e ao frio, mas sensível às geadas. Apresenta resistência aos ventos, podendo ser utilizada como barreira de protecção. Utilidade: Boa árvore de ensombramento e ornamental, de crescimento rápido. A sua madeira, clara e resistente, tem interesse para marcenaria no Brasil.

cie de tipuana existe também no Brasil e na Argentina. É uma árvore que atinge grandes dimensões, de tronco muito escuro e ramos retorcidos, com uma copa frondosa e arredondada, em que as folhas compostas, verde-claro, que nascem na Primavera, parecem transparentes, deixando passar a luz mas protegendo do sol. A floração é exuberante, de pequenas flores amarelo-dourado em forma de borboleta, agrupadas em cachos, que formam largas manchas brilhantes nas copas, e são visíveis de longe, de Maio a Agosto. O seu carácter ornamental e também a sua rusticidade levam a que seja uma espécie muito utilizada em meio urbano no nosso clima, estando muito presentes nas ruas e jardins de Lisboa. Vinte desses exemplares na cidade são classificados como de interesse público, isolados ou em alamedas, mas estima-se que existam actualmente cerca de 1.900 exemplares em arruamentos no concelho, o que atesta da sua excelente aclimatação entre nós e do seu potencial como espécie arbórea urbana. Resistente, de crescimento rápido, copa ampla e protectora, é uma árvore ideal para praças e jardins. Por vezes, o capricho dos jardineiros mistura a tipuana com o jacarandá, como no jardim de Santos, e o vento de Junho junta-lhes as flores em tapetes roxos e amarelos, frágeis e fugazes como o Verão que anunciam. 15


SANTOS | JARDIM DE SANTOS ou JARDIM NUNO ÁLVARES 2

Tipuana

Caminhando para poente, seguindo a margem do Tejo, alcançamos o Jardim de Santos – com a toponímia de Jardim Nuno Álvares –, onde nos apercebemos de uma grande mancha arbórea, o alvo da nossa procura. Trata-se de um alinhamento de oito majestosas tipuanas, que no início do Verão iluminam o espaço, com a sua abundante floração amarela, contrastando com o azul lilás dos jacarandás que as acompanham na parte interior do espaço. Este pequeno jardim transforma-se assim, nesta época, num caleidoscópio de cores, cheiros, sons, luzes e sombras, para alegria dos muitos visitantes que atrai, dado a zona envolvente se ter tornado, nos últimos anos, AFA

num local de moda e de encontro da juventude. Este jardim localiza-se no aterro que na segunda metade do século XIX conquistou terreno ao rio, ocupando o areal da praia de Santos, integrado na vasta operação urbanística que consolidou o desenvolvimento da zona ribeirinha da cidade, a instalação da via férrea e zonas portuárias, desenhando uma nova margem para o Tejo.

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2

Criado em 1873, tem forma triangular e um traçado romântico, ao gosto da época. O espaço foi remodelado em 1959, segundo projecto do arquitecto paisagista Gonçalo Ribeiro Telles. Integra uma fonte, bancos, mesas e uma estátua de Ramalho Ortigão. É, no entanto, a vegetação que constitui o seu principal atractivo, nomeadamente as frondosas tipuanas, classificadas de interesse público em 2000, cujos ramos retorcidos e densa folhagem formam um tecto acolhedor. Também uma bela-sombra (Phytolacca dioica), olaias (Cercis siliquastrum) e jacarandás (Jacaranda mimosifolia), para além de arbustos e herbáceas, acompanham os passeantes e acolhem fauna, nomeadamente gatos, razão porque também é conhecido popularmente por jardim dos gatos. 17


SANTOS | JARDIM DE SANTOS ou JARDIM NUNO ÁLVARES AFA

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Tipuana [Tipuana tipu] 8 exemplares Informação de classificação e dados dendrométricos Código ICNF: KNJ1/030 Coordenadas: 38°42’24,72”N; 9°09’15,92”W Dimensões médias dos 8 exemplares: Perímetro de base: 3,89m Perímetro a 1,30m: 2,54m Diâmetro médio da copa: 21,75m Altura total: 24,3m Idade aproximada: 140 anos Classificação: D.R. nº 15 II Série de 19/01/2000 (ICNF, 2014)

JE/SC

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AFA


JE/SC

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janelas verdes | JARDIM 9 DE ABRIL 3 4 5

Braquiquito Tamareira Tipuana 4

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Neste local goza-se de uma esplêndida vista sobre o Tejo. De facto, este jardim, implantado como uma varanda sobre o rio, constitui um dos belos miradouros de Lisboa sobre a zona portuária, o rio e a ‘outra-banda’. Ocupa o espaço onde anteriormente se localizava o convento das Albertas, fundado no século XVI e demolido no início do século XX devido ao seu estado de degradação. Em 1930 foi construído o jardim, bem como a ala poente do Museu Nacional de Arte Antiga. No limite Oeste localiza-se o Palácio dos Condes de Óbidos, actualmente a sede da Cruz Vermelha Portuguesa. O seu nome homenageia as tropas portuguesas que participaram na Primeira Guerra Mundial e que a 9 de Abril de 1918 sofreram uma tremenda ofensiva das tropas alemãs. É um jardim com grande diversidade de espécies arbóreas, plantadas, na sua maioria, quando da sua construção. Na década de 1950 foi remodelado segundo um plano do arquitecto paisagista Gonçalo Ribeiro Telles. Possui uma escultura de homenagem ao fundador da Cruz Vermelha Portuguesa, José António Marques. São três as árvores objecto de classificação: um braquiquito (Brachychiton populneus), uma tamareira (Phoenix dactylifera) e uma tipuana (Tipuana tipu). 20


AH/RJ

A primeira árvore que nos acolhe é uma imponente tipuana a que se segue uma árvore de tronco bojudo, um exemplar de braquiquito, classificado como árvore de interesse público em 2001. A tipuana, em frente à entrada do museu, entrelaça os seus ramos retorcidos e a vasta copa com o espique da tamareira, que, pela sua altura e porte erecto, é um ponto de referência incontornável no jardim. Mas para além destas, outras árvores rivalizam em beleza e singularidade. Podemos encontrar tílias, jacarandás, sóforas, uma araucária, olaias, duas tuias-do-canadá (Thuja occidentalis), romãzeiras (Punica granatum) e uma paineira (Ceiba speciosa) que no Outono se cobre de flores rosa, emergindo de uma pérgula coberta de vinha virgem, no centro do jardim. Apesar da variedade de vegetação, neste jardim não existe qualquer sinalização que refira os nomes das espécies, o que poderia ser interessante para o seu melhor conhecimento. É muito apreciado pelos moradores dos bairros próximos, que aí se reúnem para conversar e ocupar os seus tempos livres, procurando a calma e a beleza da panorâmica que dele se alcança. A proximidade do Museu Nacional de Arte Antiga traz-lhe visitantes que apreciam o ambiente bucólico que nele se respira. Um café/esplanada recente, de linhas contemporâneas, é mais um atractivo para desfrutar desta magnífica varanda sobre Lisboa. 21


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