Brasil Observer #36 - BR

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LONDRES

www.brasilobserver.co.uk

ISSN 2055-4826

MARÇO/2016

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brasilobserver.co.uk | Março 2016 E D I T O R I A L

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Insensata politicagem

Fácil cair naquele lugar comum: “ah, o Brasil não tem jeito mesmo, ainda bem que vim morar na Inglaterra”. Ou então: “você ainda se importa?”. Ou quem sabe: “político é tudo a mesma coisa, estão lá explorando a ignorância do povo”. Difícil é evitar afirmações simplistas como essas. Vejamos o atual cenário nacional. Recessão econômica pesada, inflação bem longe do lugar, desemprego crescente, poder de compra em declínio. E com o que as mentes estão preocupadas? Com o sítio/tríplex do Lula e com a ex-amante do FHC. Que importância isso tem? Vamos agora atrás de saber de todos os mimos recebidos por políticos no país? Sério? É óbvio que, diante de atos ilícitos, cabe aos poderes competentes de uma democracia apurar os fatos e eventualmente punir os responsáveis. Mas a “caçada” ao Lula beira o ridículo. Como podem os conservadores temer tanto uma candidatura do ex-metalúrgico? O país vai mal, o desenvolvimentismo lulista se provou ineficaz, ou seja, basta uma proposta minimamente coerente para conquistar o eleitorado exausto. Do outro lado, que querem os progressistas que pensam defender Lula atacando o passado de FHC? Não seria mais inteligente reconhecer os erros e virar a página, buscando um novo acúmulo de forças que supere o PT engessado e o “mito sagrado” Lula? Vai ser só poder pelo poder?

Este jornal não põe a mão no fogo nem por Lula muito menos por FHC. E nem precisaria, pois não interessa. O que importa é saber se Dilma Rousseff vai resolver governar ou não. Não apoiamos o impeachment, pois não resolve os problemas do país, pelo contrário. Mas que diferença faz, ao fim e ao cabo, ter alguém como Dilma na presidência ou não ter ninguém? Perdoem-nos o ceticismo, mas aparentemente nenhuma. “Ainda bem que moro na Inglaterra”. Será? Vejamos David Cameron. O Reino Unido tem hoje como principal questão a enfrentar a crescente desigualdade entre classes, regiões e gerações, enquanto a Europa tem como principal desafio, além dos problemas econômicos, o tema da imigração. E o que faz o primeiro-ministro? Inventa um referendo para decidir se os britânicos continuarão ou não parte da União Europeia. Não precisamos nem nos estender: somos a favor da permanência, óbvio. Tudo isso para dizer que, diante do circo da politicagem, nos restam poucas esperanças na política tradicional, sugada pelos interesses das grandes corporações e pelas ambições mesquinhas de políticos narcisistas. Continuaremos, porém, nos importando, e muito, com os destinos do Brasil. Pois podemos morar longe, mas lá é nossa casa.

C O N T E Ú D O

16 Ser ou não ser europeu Enfim, o referendo sobre permanência do Reino Unido na UE 14 O petróleo é de quem? Diante de conjuntura adversa, Senado muda regra do pré-sal

LONDON EDITION É uma publicação mensal da ANAGU UK UN LIMITED fundada por:

Ana Toledo Diretora de Operações ana@brasilobserver.co.uk Guilherme Reis Diretor de Redação guilherme@brasilobserver.co.uk Roberta Schwambach Diretora Financeira roberta@brasilobserver.co.uk Editor em Inglês Shaun Cumming shaun@investwrite.co.uk Design e Diagramação Jean Peixe ultrapeixe@gmail.com Colaboradores Aquiles Reis Franko Figueiredo Gabriela Lobianco Márcio Apolinário Wagner de Alcântara Aragão IMPRESSÃO St Clements press (1988 ) Ltd, Stratford, London mohammed.faqir@stclementspress.com 10.000 cópias Distribuição Emblem Group Ltd.

10 Mulheres, uni-vos! Entrevista com a publicitária Nana Lima sobre feminismo

Para anunciar comercial@brasilobserver.co.uk 020 3015 5043

12 Caminhando e cantando Análise sobre protestos e polarização política no Brasil

Para assinar contato@brasiloberver.co.uk

22 No coração do Brasil Exposição revela novo olhar sobre a cultura indígena

Para sugerir pauta e colaborar editor@brasilobserver.co.uk

20 Psicodelia Relato sobre um festival que é um movimento E mais... Pg. 8 - Lenio Luiz Streck sobre a Operação Lava Jato Pg. 26 - Franko Figueiredo sobre a dor dos outros Pg. 27 - Aquiles Reis sobre o novo álbum de Zélia Duncan Além disso... Pg. 4 - Observações relevantes sobre o que nos cerca Pg. 24 - Dicas culturais para londrinos brasileiros Pg. 28 - A cidade de Londres por Roberta Calabro Pg. 30 - Jericoacoara: escondida o suficiente

Online brasilobserver.co.uk issuu.com/brasilobserver facebook.com/brasilobserver twitter.com/brasilobserver O Brasil Observer, publicação mensal da ANAGU UK MARKETING E JORNAIS UN LIMITED (company number 08621487), não se responsabiliza pelos conceitos emitidos nos artigos assinados. As pessoas que não constarem do expediente não tem autorização para falar em nome desta publicação. Os conteúdos publicados neste jornal podem ser reproduzidos desde que creditados ao autor e ao Brasil Observer.


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Arte da Capa Rodrigo Cardoso www.flickr.com/photos/digo_c www.instagram.com/digo_cardoso

Rodrigo Cardoso (29 anos), autodidata, encontrou na arte urbana seu meio de expressão. É pioneiro na street art de Chapecó/SC e desde 2003 participa de exposições e projetos além dos limites de Santa Catarina. Seu trabalho e estilo têm como foco a cultura de rua, sendo o cotidiano, o surrealismo e seus dois filhos suas fontes principais de inspiração. Suas técnicas vão muito além do spray, não se limitando apenas aos muros, procurando por novos materiais, técnicas e cores. Suas criações apresentam proporção, equilíbrio, transcendência e técnica. Dos muros para as telas e das telas para os mosaicos construídos com restos de madeira, Digo, como é conhecido, mistura, cria e inova. Sua ideia de arte gira em torno da possibilidade de fazer com que as pessoas se inspirem. E seu interesse de evoluir artisticamente vai além de galerias e exposições. www.instagram.com/eoliveira13

Circulando em Londres Edição #35 - Fevereiro 2016

A capa desta edição foi produzida por Rodrigo Cardoso para a Mostra BO, projeto desenvolvido pelo Brasil Observer em parceria com a Pigment e com apoio da Embaixada do Brasil em Londres. Cada uma das 11 edições deste jornal em 2016 contará com uma arte em sua capa produzida por artistas brasileiros selecionados através de uma chamada pública. Em dezembro, os trabalhos serão expostos na Sala Brasil.

APOIO:


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OBSERVAÇÕES Assessoria de Comunicação Social do MDIC

Em busca de investidores britânicos data e testar o mercado britânico, a partir dos contatos feitos na missão. Além da Aquarela, as outras startups brasileiras que vieram para a Inglaterra são: easySubsea, Forebrain, Inteletron, Mereo, Mogai, Ukkobox, ClapMe, Plurio, Liferank, Piipee, Solides, Tech4safe e Urbotip. Além de momentos destinados a networking, os participantes também tiveram a oportunidade de visitar importantes centros tecnológicos britânicos, como a joint venture MediaCityUK (foto), e as agências de investimento de Manchester, MIDAS, e de Londres, London & Partners. Para o secretário de Inovação do MDIC, Marcos Vinícius de Souza, este tipo de iniciativa é crucial. “Precisamos aprender a negociar. As startups ainda focam apenas no mercado interno. É fundamental mirar o mercado global desde o início, nascer global”, pontuou. Souza acredita também que essas experiências internacionais ajudam, principalmente, a mudar a mentalidade e a cultura dos empreendedores brasileiros. “É impressionante o efeito dessa experiência quando as startups voltam para o Brasil. No exterior, elas passam por treinamentos práticos com mentores de alto nível, preparam-se para outras realidades”, comentou. O interesse por startups brasileiras, segundo a conselheira econômica da Embaixada Britânica no Brasil, Catherine Barber, justifica-se pela possibilidade de diversificar o mercado britânico com produtos e serviços de alta qualidade. Além disso, ela aponta como ponto positivo para a parceria a criatividade do empreendedor brasileiro, que gera bastante interesse nos britânicos, informou a assessoria de comunicação do MDIC. O Reino Unido investiu 150 mil libras na iniciativa. Já o MDIC, embora não tenha divulgado o valor investido exclusivamente no UK Chapter, informou que o aporte brasileiro até a terceira edição do Programa InovAtiva Brasil foi de R$ 7 milhões. Não foi a primeira vez que o InovAtiva Brasil firmou uma parceria neste formato. Em outra edição do programa, 20 startups foram enviadas aos Estados Unidos para mentorias, treinamentos e networking com empresas e investidores.

Embaixada do Reino Unido no Brasil

Representantes de 14 startups brasileiras, selecionadas pelo Programa InovAtiva Brasil – UK Chapter, estiveram em Manchester e em Londres, em fevereiro, para apresentar seus trabalhos para investidores britânicos. Foi o primeiro passo para o ingresso em mercados britânicos e europeus. Criado em 2013, o InovAtiva Brasil é incentiva empreendedores que buscam atividades inovadoras globalmente, oferecendo capacitação e mentoria para o estabelecimento de novos negócios. Organizado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), conta com a execução da Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei) e parceria da Agência Brasileira de Promoção de Comércio e Investimentos (Apex-Brasil). Em sua 4ª edição, o programa criou o capítulo UK Chapter em parceria com a Embaixada Britânica no Brasil e a Agência de Comércio e Investimento do Reino Unido, a UK Trade & Investment (UKTI). A iniciativa foi financiada pelo governo britânico com o “Prosperity Fund”. Durante a viagem de negócios, representantes das 14 startups tiveram a oportunidade de conversar individualmente, durante 30 minutos, com empresas britânicas interessadas em discutir negócios e parcerias. Já no “Demo Day”, que aconteceu na Embaixada do Brasil em Londres, sete startups se apresentaram durante cinco minutos para os investidores. Um dos investidores presentes foi James Downing, do Silicon Valley Bank. “Eventos assim são ótimas oportunidades para conhecermos empresas interessantes mostrando o que têm de melhor”. O investidor anjo Oliver Dowson, CEO do International Corporate Creations, disse que ficou tão impressionado com as apresentações que reorganizou sua agenda para acomodar reuniões com duas startups brasileiras, nas quais está interessado em investir. Já o empreendedor Joni Hoppen dos Santos, fundador da startup Aquarela Knowledge & Innovation, afirmou que já estabeleceu duas parcerias para desenvolver o seu produto de big

Debates brasileiros no King’s College e no Ilas Dando sequência a sua série de seminários, o Brazil Institute do King’s College London realiza em março três conferências, enquanto o Institute of Latin American Studies (Ilas) da University of London promove, neste mês, curso de dois dias sobre as relações entre o Brasil e o Reino Unido. No King’s College, dia 8 de março, o Professor Emérito de História Latino-americana da University of London Leslie Bethell ministra uma palestra cujo título é “The Failure of the Left: A Brazilian Tragedy”. O professor, segundo o programa, primeiro analisa o fracasso da esquerda – comunista, socialista, populista, castrista – entre 1920 e 1970. Em seguida, discorre sobre a formação do Partido dos Trabalhadores (PT) na década de 1980 e seu crescimento até a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência em 2002, a maior vitória da esquerda latino-americana desde a Revolução Cubana e a eleição de Salvador Allende no Chile em 1970. Por fim, Leslie Bethell avalia as administrações Lula (2003-10) e Dilma Rousseff (2011 até hoje), aparentemente fadadas ao fracasso, e faz considerações sobre o futuro da esquerda no Brasil. Já no dia 14 de março é a vez do Embaixador do Reino Unido no Brasil, Alex Ellis (foto), no posto desde julho de 2013, apresentar suas opiniões a respeito do delicado momento político e econômico do país sul-americano. E no dia 22, também no King’s College, o pesquisador Markus Fraundorfer, da Universidade de São Paulo, conduz uma palestra cujo tema é “Democratising Global Governance. Examining Brazil’s Potential”. A questão principal: é possível uma democracia emergente, do hemisfério sul, contribuir para a democratização do sistema de governança global? No Ilas, o título da conferência que acontece nos dias 10 e 11 de março na Senate House é “Britain and Brazil: Political, Economic, Social, Cultural and Intellectual Relations, 1808 to the present”. Os organizadores do evento são o professor Leslie Bethell, citado anteriormente, e Alan Charlton, que foi Embaixador do Reino Unido no Brasil entre 2008 e 2013.


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Marcos de Paula/Staff Images

Em sua turnê pela América Latina, a banda inglesa Rolling Stones se apresentou no Brasil nas cidades do Rio de Janeiro (foto), São Paulo e Porto Alegre. Como não poderia deixar de ser, o grupo arrastou multidões. Antes, a banda tinha se apresentado no Chile, na Argentina e no Uruguai. Um show em Cuba estava marcado para 25 de março.

Rádio online para brasileiros estreia em março Estreia neste mês a Rádio Brasil da Gente (RBG), através do site www.radiorbg.com e de um aplicativo para aparelhos móveis, o RBG Radio. Com a ambição de ser a “a rádio dos brasileiros no mundo”, como diz o próprio slogan, a RBG será lançada, primeiramente, na Inglaterra, mas pretende se expandir para outros países do continente europeu. “Nossa equipe de jornalistas e profissionais de diferentes áreas e especialidades é responsável pela produção de pro-

gramas personalizados, voltados para as necessidades dos brasileiros no exterior”, diz a página da rádio na internet. Na programação estarão programas voltados para a saúde, direitos dos imigrantes, empreendedorismo, cultura e música. Uma das atrações, chamada Novos Sons do Brasil, será conduzida pela jornalista e DJ Lívia Rangel, responsável pela revista digital Eleven Culture. O programa irá ao ar toda sexta-feira, às 8pm, na Rádio RBG.

Câmara Brasileira de Comércio na Grã-Bretanha define vencedores do prêmio Personalidade do Ano 2016 A 18ª edição do jantar de gala organizado anualmente pela Câmara Brasileira de Comércio na Grã-Bretanha acontecerá no dia 10 de maio, em Londres, no hotel Hilton da Park Lane. Na ocasião, será entregue o prêmio Personalidade do Ano, que tradicionalmente reconhece as realizações de dois líderes empresariais – um brasileiro e um britânico – que têm fomentado a aproximação comercial entre

Brasil e Reino Unido. Os vencedores do prêmio em 2016 são Alexandre Grendene Bartelle, dono da fábrica de calçados Grendene, e John Joseph Fallon, chefe-executivo da empresa de educação Pearson. Sobre a Grendene, vale dizer que uma de suas principais marcas de calçados, Melissa, recentemente abriu uma loja na prestigiada região de Covent Garden, em Londres.


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CONVIDADO

Lava Jato:

quando 283 anos viram sete Entre discursos e abusos, operação da Polícia Federal é um verdadeiro paradoxo, argumenta Lenio Luiz Streck

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Lenio Luiz Streck é professor titular da UNISINOS-RS e UNESA-RJ, Doutor em Direito Constitucional, advogado, membro catedrático da Academia Brasileira de Direito Constitucional

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A Operação Lava Jato, a investigar esquema de corrupção na Petrobrás, é um verdadeiro paradoxo. É sua própria contradição. De um lado, na teoria, o simpático discurso do combate à corrupção e do fim da impunidade. De outro, na prática, os reiterados abusos no emprego da colaboração premiada (no jargão popular, “delação premiada”) e o constante abandono das garantias constitucionais. Ora, como é possível que, em um passe de mágica, um total de 283 anos de penas aplicadas a 13 delatores se transformem em sete anos? O problema: não há fiscalização. Por exemplo, como é possível que uma pena de 13 anos se transforme em um ano? A resposta é muito simples. Como não existe a figura do ombudsman no Brasil, quem vai dizer que um acordo de delação é regular ou irregular? O delator delata o que quer. E como quer. O Ministério Público agradece. E o juiz homologa. Muitas pessoas não entendem o que há de errado no modo como se fazem os acordos de delação. Veja-se: ninguém é a favor da corrupção (a não ser o corrupto, é claro). Mas a questão é: podemos combater a impunidade pagando qualquer preço? Os que hoje torcem pela diminuição de garantias – sim, é possível ver importantes formadores de opinião dizendo coisas como “há que se enfrentar a corrupção com mecanismos de exceção” – são e serão os primeiros a reclamar na hora em que as garantias lhes faltarem.

Quanto queremos pagar no mercado da democracia? Estamos dispostos a “vender” a Constituição? “Ah, a Constituição é ruim nesse ponto”. Pois é. Mas em outros é boa, não? Sei que é antipático dizer isso, mas vivemos em tempos utilitaristas. Por isso queremos “vender” as garantias. E poderemos chegar a um paradoxo: se todos os réus delatarem, o que restará? E como resolveremos as delações contraditórias? Por mais que tenhamos violência ou corrupção no Brasil, nada disso quer dizer ou significar que podemos agir de uma forma consequencialista. Isto é, para combater a corrupção – que é endêmica no Brasil –, não podemos, obviamente, atropelar direitos. A justiça não pode ser utilitarista. Os fins não justificam os meios. Vamos dar um caso: decisão do Tribunal Regional Federal (TRF-4) de 30 de julho de 2015 negou Habeas Corpus para um acusado da Operação Lava Jato que estava, já naquele momento (continua até hoje, mais de seis meses depois), preso há mais de 500 dias. O caso obviamente já extrapolou o prazo razoável que a jurisprudência vem fixando, de cerca de 170 dias. O TRF entendeu que o excesso do prazo estava justificado porque o Superior Tribunal de Justiça autorizava a continuidade da prisão preventiva nas hipóteses da ocorrência de “pequeno atraso na instrução do processo”.

Observemos até que ponto chega o consequencialismo/utilitarismo do Tribunal: mais de 500 dias são entendidos como um “pequeno atraso”. Será que, para combater a corrupção, podemos trocar o sentido das palavras? O que impressiona é a quase ausência de protestos na comunidade jurídica. O que muito se vê é o aplauso da mídia. Alguns juristas – e cito o professor Joaquim Falcão, da Fundação Getúlio Vargas – dizem que há um novo direito no Brasil. Falcão diz que se trata de uma mudança geracional na magistratura, no Ministério Público, na Polícia Federal: “Juízes, procuradores, delegados são mais jovens. Fizeram concurso mais cedo. Vivem na liberdade de imprensa, na decadência dos partidos e na indignante apropriação privada dos bens públicos. E não têm passado a proteger ou a temer. Dão mais prioridade aos fatos que às doutrinas. Mais pragmatismo e menos bacharelismo. Mais a evidência dos autos – documentos, e-mails, planilhas, testemunhos, registros – do que a lições de manuais estrangeiros ou relacionamento de advogados com tribunais”. Quero acrescentar algo ao que disse Falcão. O problema, para mim, é cultural. Ocorre que essa nova geração faz a mesma coisa que a “geração anterior” já fazia. Eles acreditam no que chamo de Privilégio Cognitivo do Juiz. O juiz decide conforme a sua opinião sobre a lei e a sociedade e não a partir do que consta na Constituição.


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Rovena Rosa/Agência Brasil

Em São Paulo, Polícia Federal chega a construtora Odebrecht na 23ª fase da Operação Lava Jato, cuja deflagração ostensiva foi iniciada em 17 de março de 2014, tendo como objetivo apurar um esquema de lavagem de dinheiro suspeito de movimentar mais de R$ 10 bilhões através de contratos fraudulentos com a Petrobrás. Empresários e políticos de diversos partidos foram beneficiados pelo esquema.

O lema do PCJ é: primeiro decido, depois busco um fundamento. Isso é o quê? Nada mais, nada menos, do que o consequencialismo que venho denunciando. De todo modo: é uma nova magistratura, um novo Ministério Público e uma nova Polícia Federal. O futuro dirá se tenho razão. E dirá se eles têm razão, uma vez que existe uma queixa na comunidade de jurídica de que a Lava Jato atropela garantias, com excesso de prisões e o uso da delação como instrumento de pressão. Nessa mudança de imaginário, quero dizer ainda que a maior derrotada no processo do chamado “mensalão” foi a dogmática jurídica. E também está sendo a maior derrotada na Lava Jato. O direito está sendo o que o juiz diz que é. Explico melhor: dos anos 1980 para cá ocorreu uma transição não muito bem feita. A falta de democracia originou uma espécie de aposta no protagonismo do Judiciário em face da estrutura autoritária da legislação e do Estado. Por isso floresceu, em determinado período, um espaço que foi ocupado por teses ativistas, como o realismo jurídico e teses que apostam na livre apreciação da lei e das provas pelo juiz. Entretanto, quando foi implantada a democracia e promulgada, logo depois, a Constituição, em 1988, a dogmática jurídica não se reciclou. Ali começou o problema. De fato, é nesses hard cases da vida (real), como a Operação Lava Jato, que os juízes revelam suas convicções pesso-

ais sobre o direito, não esquecendo que também houve uma profunda renovação nos quadros da magistratura e do Ministério Público. A questão é saber se o direito coincide com as convicções pessoais dos juízes (e dos promotores). Ou seja: vai tudo muito bem até que o direito (uma instituição fundante da democracia) deixa de ser um direito, para ser aquilo-que-o-juiz-entende-por-direito. É, por exemplo, quando se prende e se solta com base no mesmo argumento. Pois é: se tudo é, nada é. Tudo isso que eu disse anteriormente acaba de se concretizar com a decisão do Supremo Tribunal Federal que, de forma ativista e contra a Constituição, passou a permitir que pessoas condenadas em segundo grau possam ser presas antes do trânsito em julgado do processo. Ocorre que o Código de Processo Penal (art. 283) e a Constituição dizem o contrário: dizem que existe a presunção da inocência. Essa decisão confirma o que eu disse: o PCJ (Privilégio Cognitivo do Juiz) foi mais forte que a lei e a Constituição. Essa decisão tem reflexos imediatos. Já no dia seguinte, acusados que aguardavam o julgamento dos recursos em liberdade passaram a ser presos. E, é claro: essa decisão do Supremo Tribunal terá reflexos muito grandes na Operação Lava Jato. Evidentemente para os que não delataram. Os que delataram receberam o seu prêmio do establishment. Por isso, 283 anos viraram pó.

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ENTREVISTA

Quando você coloca a lente do feminismo, não consegue não se incomodar com certas coisas

Brasil Observer entrevista a publicitária Nana Lima, uma das fundadoras da Think Eva e diretora de projetos da Think Olga Por Ana Toledo

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Os brasileiros têm um alto índice de engajamento nas redes sociais. Diversos assuntos são levantados o tempo todo e, entre eles, está o feminismo. Comentar sobre o tema deixou de ser novidade, o que por si só já pode ser considerado um avanço, pois a questão é tradicionalmente tratada como tabu no Brasil. A mais recente “polêmica” feminista rendeu até tréplica. O debate começou a partir de um blog hospedado no site do jornal Folha de S. Paulo, onde foi publicado um artigo assinado pela atriz Fernanda Torres que em pouco tempo gerou grande repercussão na internet. Mulheres do país inteiro não pouparam caracteres para questionar alguns conceitos expostos pela atriz. O mesmo blog publicou em seguida uma resposta de Fernanda Torres, que pediu desculpas após reavaliar suas opiniões. A tréplica aconteceu mesmo assim. Alguns aceitaram o mea culpa, enaltecendo a importância do diálogo e a capacidade da atriz em rever seus conceitos. Outros, porém, não aceitaram. De uma forma ou de outra, trata-se de uma mostra de como o movimento feminista no Brasil tem evoluído nos últimos anos e, obviamente, da importância da internet nesse processo. Independente da opinião sobre o caso citado, é fato que desde 2013 diversas iniciativas foram criadas e outras, que já existiam há mais tempo, tiveram divulgação ampliada a partir dos desdobramentos desses debates. É o caso da Think Olga, ONG

responsável pela campanha Chega de FiuFiu e também pela centralização dos depoimentos da iniciativa #meuprimeiroassedio, que ganhou visibilidade internacional. Como consequência da Olga, nasceu a Think Eva, empresa de consultoria criada para marcas, agências, instituições, ONGs e órgãos públicos que queiram criar um diálogo saudável com as mulheres. Para falar sobre a experiência desses projetos, numa conjuntura na qual o tema tem ganhado repercussão voluntária na internet através de diversas frentes, o Brasil Observer entrevistou a publicitária Nana Lima, uma das fundadoras da Think Eva e diretora de projetos da Think Olga. Em um papo descontraído, Nana mostrou sua sensibilidade pessoal em relação ao tema e como isso é um fator fundamental na escolha da linguagem que utilizam para fazer a mensagem ser efetiva através de mudanças práticas. Afinal, nem com a Eva, nem com a Olga, elas “pregam para convertidos”. No dia das mulheres, rosa, só se for a Luxemburgo? Ainda temos um dia para ser comemorado? O porquê desse dia é uma história muito triste e é horrível pensar que de lá pra cá muitas coisas não mudaram. As demandas são praticamente as mesmas: salários iguais, um mercado de trabalho que olhe para a mulher como ser humano, o entendimento de que temos necessidades diferentes dos homens. O porquê disso não é algo para ser

celebrado, pois estamos andando em passinhos de formigas e muitas vezes voltamos para trás. Mas eu acho que é interessante ter um mês, gerar debate. Tanto com a Eva quanto com a Olga recebemos muitos convites de empresas, escolas e universidades para palestras. E o que tentamos fazer é dar continuidade ao trabalho para além do mês de março. Eu tenho um mixed feeling com isso. Por um lado é muito interessante, mas por outro a data não pode ser banalizada. É um dia para a gente pensar que não mudou tanto quanto falam que mudou. Entender o feminismo é como escolher entre a pílula azul ou vermelha do Matrix, você nunca poderá voltar atrás? Acho que sim (risos). A gente até brinca que, quando você coloca a lente do feminismo, não consegue mais não se incomodar com certas coisas, nem assistir TV do mesmo jeito, até as conversas mudam. Você entende que são comportamentos. Inclusive o fato de que, se você não falar nada, você está perpetuando o comportamento e isso volta três vezes pior para você. É isso que está acontecendo com essa geração. Não entra na cabeça das meninas mais novas que elas não têm os mesmos direitos que um menino, por exemplo; que talvez ela tivesse que não ir para a faculdade para ficar cuidando dos filhos; que ela vai ganhar menos que um menino que entrou na faculdade com ela; que mesmo sendo tão capaz quanto, terá salário diferente.

Arquivo pessoal

Nana Lima


brasilobserver.co.uk | Março 2016 11

O movimento feminista no Brasil tem ocupado um espaço importante de debate, nas redes e nas ruas. Em longo prazo, como você enxerga o reflexo disso na sociedade? Enquanto não acontecer mudanças estruturais – nas leis, nas empresas, na comunicação e no marketing – essa onda, essa “modinha”, não vai passar. As mulheres estão se conscientizando muito mais do papel delas, do direito delas, e estão se organizando muito mais para lutar por isso. Alguns jornais perguntam sobre esse “novo feminismo”, mas não é novo, é a mesma demanda das décadas de 1960 e 1970, mesma coisa que reivindicávamos nas décadas de 1920 e 1930. Agora com a internet temos o poder de organização, de reclamação, de mostrar a nossa insatisfação. Às vezes você acha que está sozinha, que só você pensa uma coisa, então você posta na internet e percebe uma enxurrada de apoios. Enquanto essas mudanças não ocorrerem, como a descriminalização do aborto, a equidade de salários, a licença paternidade – para que as mulheres não sejam colocadas na geladeira antes ou depois da maternidade –, nada vai mudar. Do ponto de vista do marketing, acho que essa comunicação “empoderadora” vai virar regra. Ainda estamos no início, mas acredito que isso será quase o modus operandi das marcas. Estou sendo bastante otimista, mas eu acho que é isso que vai acontecer. A maioria dos eleitores no Brasil é mulher, mas a representatividade feminina no Congresso ainda está bem baixa. Como você analisa esta conjuntura? Ter mulheres no Congresso não significa que tudo vai melhorar, ou que as pautas do movimento vão estar melhores. É preciso saber que tipo de mulher nós estamos colocando lá. Estamos colocando diversidade? Você pode ter uma mulher, por exemplo, que só esteja interessada na pauta da agricultura. Uma pessoa que não está pelas demandas do movimento. Temos que ter mais diversidade de mulheres, de olhares, para que isso seja transformado em diversidade de políticas públicas. Agora me parece que temos umas visões muito homogêneas de tudo. Um exemplo é a Dilma Rousseff, uma presidenta mulher que nos deu cortes nas políticas públicas para mulheres. Isso é um desafio do Brasil no sentido de como fazer a política ser algo sexy para jovens que queriam se aplicar à política. Esses dias eu estava numa reunião e nos questionamos por que nós mesmos não pensamos em nos candidatar? Nós temos um exemplo de como mulheres que ocupam cargos de poder são massacradas por serem mulheres. Elas sofrem tanto machismo que você de fora já diz que jamais ocuparia um cargo como aquele. Se tivermos mais mulheres lá, o machismo não vai ser tão declarado e aceito. E, talvez, desta forma, isso fique mais sexy para jovens se candidatarem.

O feminismo passa basicamente por duas questões: direitos no mercado de trabalho (luta ligada às reivindicações nas fábricas da Inglaterra vitoriana) e a sexualidade (a partir dos movimentos de 1968 na França). Como você entende essas duas frentes?

Fique atento

Agora a luta está muito mais interseccional. As mulheres estão entendendo que, por exemplo, eu, mulher branca, de classe média alta, altamente escolarizada, tenho uma luta. E não adianta eu chegar sozinha lá, pois tem mais um monte de mulheres, de diferentes experiências de vida, desde classe social, etnias, que sofrem outras formas de violência. Acho que isso é uma das coisas que faz o movimento ser mais coerente. A gente consegue avançar, mas ao mesmo tempo olha para o lado e vê que outras não conseguiram. E a internet colabora, pois conseguimos compartilhar mais OO show show O show O mais O show mais show Oexplosivo mais show explosivo Omais show mais explosivo mais explosivo explosivo mais do explosivo do explosivo dodododo d experiências. Hoje eu consigo criar uma ano -ano alastra familia ano - ano alastra - ano alastra - alastra ano - alastra familia -familia alastra - familia alastra familia familia familia empatia com o que uma mulher negra so- ano fre na periferia. E isso faz o movimento ser muito mais coerente e muito mais interessante. É mais desafiador, pois é mais fácil pisar na bola em algumas visões. Mas, por outro lado, torna a coisa mais legal de trabalhar, atingindo não apenas um grupo específico de mulheres. A Think Eva tem outro papel nesse movimento, o de trazer a discussão de fora para dentro das empresas. Como é desenvolver esse trabalho? Trabalhamos em três frentes com as empresas. Uma é a estratégia, que é trabalhar dentro da comunicação da empresa, entrar no branding e também analisar a coerência da empresa da porta para dentro. Você não pode falar que empodera mulheres e suas funcionárias ganharem menos. Outra parte é o conteúdo, tanto de comunicação interna quanto materiais externos, campanhas conjuntas. E a terceira é a educação, com ações de formação, workshops. Pode acontecer de uma empresa não estar no ponto de mudar ou começar a falar disso, mas querer começar esse debate lá dentro. E as três frentes, normalmente, se misturam. Com o tempo, o fato de uma empresa não ter uma política interna para mulheres será uma surpresa. A nova geração tem surpreendido em diversas formas de movimento, como as ocupações das escolas em São Paulo no final do ano passado. Como você vê o feminismo vem sendo debatido entre as mais jovens? As meninas estão dando um baile na nossa geração. Já tivemos a experiência de dar palestras para meninas entre 12 e 16 anos e é incrível a consciência que elas têm. A clareza de que precisam lutar para ter os mesmos direitos que os meninos já tem, dentro e fora da escola. Por elas terem acesso à internet, muito mais do que a gente teve, elas estão conseguindo se organizar e se informar muito mais. As ocupações das escolas em São Paulo, o movimento foi praticamente liderado pelas meninas. Acho que essa geração não vai dar passos, mas saltos.

Abril 21 Cambridge The JuncTion

22 Bristol The LanTern

23 Leeds

BeLgrave Music haLL

24 London KoKo

25 Brighton The haunT

26 Manchester Band on The WaLL

eM cd e viniL

De volta pela DemanDa popular

Bixiga 70 The Scala quinta-feira 23 junho comono.co.uk


12 brasilobserver.co.uk | Março 2016

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Polarização É crucial entender junho de 2013 como um momento de abertura societária no país, pois as mobilizações continuam

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O ano de 2016 começou no Brasil com novos protestos. Os motivos são diversos, mas continuam primando reivindicações relacionadas ao aumento das tarifas do transporte público, ao encarecimento do custo de vida e ao direito à cidade, de forma geral. Estas lutas auguram que as mobilizações iniciadas em junho de 2013 não se esgotaram. Ao contrário, inauguraram um novo ciclo político no país, produzindo uma abertura societária cujas consequências são visíveis hoje em várias esferas e não somente nas ruas. Desde então, emergiram novos espaços e atores que levaram a um aumento da conflitualidade no espaço público e a um questionamento dos códigos, atores e ações tradicionais que predominam no país desde a redemocratização política. Embora com visões e projetos distintos (e, em geral, opostos) da sociedade brasileira, os indivíduos e coletividades à esquerda e à direita do governo mobilizados desde 2013 até hoje são fruto desta mesma abertura sociopolítica. As formas de ação e de organização por eles adotadas – próprias de uma transformação das formas de ativismo e de engajamento militante no país e no mundo hoje – favoreceram um surgimento rápido, a midiatização e a capacidade de interpelação e expressividade, mas também provocaram várias tensões e ambivalências em sua própria constituição e nos resultados gerados. Entre junho de 2013 e o início deste ano o país transitou por cenários diversos, marcados por uma maior radicalização e polarização política. O desenlace ainda é incerto, mas vivemos um cenário de transição onde o “velho” não terminou de morrer e o “novo” ainda não floresceu totalmente. Neste processo de sedimentação, é fundamental entender os novos atores emergentes, os impactos imediatos dos protestos, os realinhamentos dos grupos políticos e suas construções políticas e discursivas.

ABERTURA SOCIETÁRIA

Breno Bingel é professor de sociologia do IESP-UERJ no Rio de Janeiro. O artigo foi editado pelo Brasil Observer.

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Participaram das mobilizações de 2013 indivíduos e grupos sociais diversos e com um amplo espectro ideológico. Ficou patente a indignação difusa, a ambivalência dos discursos, a heterogeneidade das demandas e a ausência de mediação de terceiros e de atores tradicionais, algo também notório em várias mobilizações contemporâneas, a exemplo das ocorridas em países como a Espanha e os Estados Unidos. A diferenciação dos ritmos, composições e olhares dos protestos nos vários lugares onde ocorreram leva-nos à importância de situar as mobilizações em diferentes coordenadas espaço-temporais. Embora o lócus de ação das manifestações fossem os territórios e espaços públicos (através da ocupação massiva de praças e ruas), havia uma conexão prática e simbólica com outras escalas de ação e significação, sejam elas nacionais ou globais, marcando uma ressonância de movimentos e de subjetividades, bem como dinâmicas de difusão e de retroalimentação. É crucial entender junho de 2013 como um momento de abertura societária no país. Uma vez aberto o espaço de protesto pelas mobilizações iniciais e pelos movimentos iniciadores (tais como o Movimento Passe Livre, em São Paulo), outros atores se uniram para

Por Breno Bringel, no Open Democracy g www.opendemocracy.net

fazer suas próprias reivindicações, sem necessariamente manter os laços com os atores que as desencadearam e/ou repetir formas, cultura organizacional, referências ideológicas e repertórios de ação dos iniciadores essas mobilizações. Alonso e Mische captaram com bastante precisão a ambivalência dos repertórios presentes em junho dentro do que elas definiram como repertórios “socialista” (familiar na esquerda brasileira das últimas décadas), “autonomista” (afim a vários grupos libertários e a propostas críticas do poder e do Estado) e “patriótico” (que usa um discurso nacionalista e as cores verde e amarela com um significado histórico e situacional bastante particular). Ao emergir um novo ciclo de protestos, presenciouse o que tenho definido como transbordamento societário, isto é, um momento em que o protesto se difunde dos setores mais mobilizados para outras partes da sociedade, transbordando os movimentos sociais que o iniciaram. No clímax desse processo, um amplo espectro da sociedade está mobilizado em torno de uma indignação difusa, portando diferentes perspectivas e reivindicações, que coexistiram no mesmo espaço físico e às vezes com um mesmo lema (contra a corrupção ou contra o governo), embora com construções e horizontes muito distanciados e em disputa. Nesta fase catártica, que começou em junho de 2013 e durou alguns meses, a polarização ideológica já existia (levando, por exemplo, a agressões a manifestantes que portavam bandeiras, camisetas e outros símbolos vinculados à esquerda), mas estava mais diluída na indignação em massa e na experimentação das ruas.

CENÁRIO PÓS-JUNHO Após a heterogeneidade inicial, começa em 2014 uma fase de decantação, com algumas reivindicações principais dos indivíduos e grupos já diferenciadas no espaço e alinhadas mais claramente à esquerda e à direita. Neste momento, já não há manifestações massivas nas ruas e nas praças, mas seguem ocorrendo várias mobilizações mais pontuais, bem como uma reorganização mais invisível dos indivíduos, das redes e dos coletivos. A confluência no mesmo espaço público é paulatinamente deslocada por convocatórias com objetivos e recortes mais definidos. Embora boa parte destas ações não se dirigissem ao campo político-institucional e político-eleitoral, que possui lógicas e temporalidades diferentes do campo da mobilização social, o cenário pré-eleitoral de meados de 2014 rumo à contenda presidencial acabou abrindo um novo momento de acirramento das polarizações que absorveu boa parte dos atores sociais e políticos ao longo de 2015. A pesar das críticas formuladas ao Partido dos Trabalhadores (PT) em particular e aos partidos políticos em geral, as eleições presidenciais de 2014 mobilizaram massivamente os brasileiros, inclusive para defender, em alguns casos, o partido no governo como “mal menor”. A vitória apertada de Dilma Rousseff gerou um clima de instabilidade que foi alimentado constantemente por setores da oposição, buscando forjar o impeachment da presidenta.


brasilobserver.co.uk | Março 2016 13

e protestos André Tambucci/Fotos Públicas

No calor da disputa presidencial, muitos analistas associaram a perda de votos do PT com as manifestações de 2013. Embora possam haver, de fato, algumas relações entre protesto e voto, não se pode estabelecer uma ilação e uma causalidade direta. Além disso, o maior problema é que as leituras hegemônicas sobre os impactos das manifestações de 2013 continuam restringindo os efeitos ao campo político-eleitoral e político-institucional. Torna-se importante diferenciar as tentativas de apropriação de algumas das pautas das manifestações por certos candidatos (caso de Marina da Silva e seu discurso de uma nova política recheada de velhas práticas) e partidos políticos descolados dos setores mobilizados daqueles processos nos quais há, de fato, uma relação histórica ou alianças táticas e estratégicas entre grupos sociais e políticos (caso do PT como partido e não como governo e de outros menores à esquerda).

IMPACTO DOS PROTESTOS

Manifestações a favor e contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff devem se repetir neste mês de março

Oswaldo Corneti/Fotos Públicas

Estas perspectivas político-institucionais e político-eleitorais restringem a visão da política e do político e ignoram outro tipo de resultados, impactos e cenários possíveis. Argumentamos, de maneira inversa, que um olhar ampliado e multidimensional para os impactos é fundamental, pois nem todos os desdobramentos das mobilizações de junho de 2013 são facilmente mensuráveis nestes termos. Ao menos outros dois tipos de impactos (os sociais e os culturais) devem ser considerados. De entre os impactos sociais, podem-se destacar dois principais: a reconfiguração dos grupos sociais e a geração de novos enquadramentos sociopolíticos. No primeiro caso, as mobilizações recentes serviram para chacoalhar as posições, visões e correlações de forças entre partidos, sindicatos, movimentos sociais, ONGs e outras coletividades. No segundo caso, incluem-se novos enquadramentos individuais e coletivos, relacionados hoje principalmente à qualidade de vida nas grandes cidades brasileiras, ao bloqueio midiático, à violência (inclusive a estatal, que afeta de forma particular as mulheres e os jovens negros pobres que vivem nas periferias urbanas) e ao machismo. No âmbito cultural observam-se inovações nas lógicas de mobilização e nos mecanismos relacionais e interativos do ativismo. Marcada pela conflitualidade, pela difusão viral, por identidades referenciais diversas e por uma expressividade do político mediada pela cultura, tanto militantes de primeira viagem como movimentos mais consolidados colocam em xeque a cultura política da apatia. Embora em alguns casos haja um distanciamento entre uma nova geração de ativistas e a militância mais experimentada, em outros aparecem confluências criativas, como é o caso de algumas sinergias entre redes submersas e iniciativas artístico-culturais no engajamento político (algo marcante em cidades como Belo Horizonte).

MOVIMENTOS E POLARIZAÇÃO Torna-se importante compreender junho de 2013 não como um “evento” isolado, mas como um processo. Para isso, é fundamental associar sempre os movimentos sociais a movimentos societários mais abrangentes. Isso é central no atual momento de crise no Brasil, onde parece haver uma reconfiguração das formas de ativismo e dos sujeitos políticos. Nesse sentido, assim como se relacionou as mobilizações de massa dos anos 1970 e 1980 com um movimento societário de redefinição da democracia e dos direitos, as mobilizações recentes estão associadas a desenvolvimentos estruturais do país, que foram particularmente velozes na última década. Numa sociedade tão desigual como a brasileira, estas mudanças afetaram de diferentes maneiras as classes sociais, levando a frustrações que embora, em alguns casos, convergissem, eram opostas ideologicamente. Os ricos ficaram mais ricos, enquanto uma parcela da população saiu da pobreza e passou a ter acesso a certos serviços, espaços e direitos que antes somente eram exercidos por uma classe media alta que viu seus “privilégios” e seu estilo de vida ameaçados. Na atual situação de polarização, é possível identificar claramente no Brasil dois polos radicalmente antagônicos, com uma diversidade de situações intermediárias possíveis. Por um lado, um campo progressista e de radicalização da democracia que age orientado por valores como a igualdade, a justiça, a pluralidade, a diferença e o bem viver. Por outro lado, um campo reacionário, marcado pelo autoritarismo, certos traços fascistas e antidemocráticos e pela defesa dos privilégios de classe, da propriedade privada e de uma visão sempre evasiva da liberdade. No primeiro caso, trata-se de uma camada diversa de jovens, coletividades, plataformas e movimentos que tem militado na denúncia (e na tentativa de eliminação) das hierarquias, da opressão e dos abusos do Estado e em reivindicação variadas, como a qualidade dos serviços públicos e por uma vida mais humana nas cidades. Entendem a democracia em um sentido ampliado, não como sinônimo de instituições, representação ou eleições, mas como uma criação sociopolítica e uma experiência subjetiva. Já o segundo polo perpetua, nos seus discursos e na prática cotidiana, as estruturas de dominação e as formas de opressão. Aceita a alta desigualdade social existente no país baseado no discurso da inevitabilidade e/ou da meritocracia. Prega, em alguns casos, pelo retorno de um passado melhor (a ditadura), para o qual não temem pedir a intervenção militar. Contam, em geral, com apoio e atuam em colusão com as elites econômicas e midiáticas. Costumam atuar nos bastidores da política, embora combinem agora estas estratégias com uma novidade: o recurso à mobilização nas ruas e à ação direta. O leque de posturas que transcendem estas posições é amplo, mas a polarização existente na sociedade brasileira hoje acaba levando a que a maioria das interpretações reduzam o conflito realmente existente a estes campos, nublando o potencial das vozes mais transformadoras de junho de 2013. Nestes ensaios insurgentes e na rearticulação do campo popular concentram-se as esperanças de geração de alternativas ao atual cenário.


14 brasilobserver.co.uk | Março 2016

REPORTAGEM

Petróleo cobiçado Lula Marques/Agência PT

Diante de conjuntura desfavorável, Senado aprova projeto que elimina obrigação da Petrobras de explorar reservas do pré-sal Por Wagner de Alcântara Aragão

J Senadores pelo PSDB, Aécio Neves, Tasso Jereissati, Aloízio Nunes e José Serra comemoram aprovação de projeto de lei

Já está na Câmara dos Deputados o projeto de lei aprovado pelo Senado que, na prática, abre a exploração e produção de petróleo da camada pré-sal para companhias estrangeiras. Além do questionável mérito da proposta – abrir mão de uma das maiores reservas do planeta do produto mais cobiçado do mundo –, chamou atenção também a forma como a matéria tramitou e foi aprovada. Entre as inevitáveis impressões, fica a de que a entrega do pré-sal às multinacionais é a moeda de troca para livrar o pescoço de certas lideranças políticas – e do próprio governo. Pela legislação atual (lei federal 12.351/2010, de autoria do Governo Lula e aprovada pelo Congresso), a União é dispensada de licitar campos de exploração de petróleo da camada pré-sal, permitindo que ela contrate automaticamente a Petrobras. Ou, nos casos em que a União considerar conveniente licitar áreas para exploração, a lei estabelece que a Petrobras deve ter participação mínima de 30% no empreendimento. Com o novo projeto aprovado, essa exclusividade e essa participação de 30% acabam. Um campo de pré-sal poderá ser explorado unicamente por corporações privadas, inclusive estrangeiras. O projeto precisa ainda ser aprovado pela Câmara; se passar, o mesmo dependerá de sanção ou veto da presidenta Dilma Rousseff. Embora seja um tema de soberania nacional, o projeto de lei, de autoria do senador José Serra (PSDB-SP), foi apreciado pelo plenário e aprovado menos de um ano depois de ser apresentado. Protocolado em 19 de março de 2015, o projeto (de número 131/2015) não transitou pelas diversas comissões a que naturalmente estão sujeitas as proposições da Casa. Passou apenas pela Comissão de Constituição, Cidadania e Justiça (primeira etapa de qualquer projeto; nessa comissão se verifica a constitucionalidade da medida proposta) e, em junho, em plenário, o projeto foi objeto de pedido de urgência em sua tramitação. Uma comissão especial foi instituída para discutir o projeto, mas, em outubro, quando se encerrou o prazo para que a comissão finalizasse seus trabalhos, sem um relatório final


brasilobserver.co.uk | Março 2016 15

elaborado, o projeto retornou à pauta do plenário do Senado. A discussão da matéria foi adiada por mais de 30 sessões até voltar à pauta em fevereiro, no início do ano legislativo de 2016, depois das férias de janeiro. Na abertura do ano legislativo, em seu discurso o presidente do Senado, Renan Calheiros, adiantou a disposição em colocar o quanto antes a matéria em votação, fazendo questão de demonstrar seu apoio à proposta.

CONJUNTURA

PRESSA Tanto Rotava quanto o colega Dourado referendam a avaliação de Siqueira, da Aepet: dificuldades financeiras estão a atingir todas as petroleiras do mundo, não só a Petrobras (embora a estatal brasileira tenha sua imagem prejudicada pelos escândalos de corrupção revelados pela Operação Lava Jato). Relatório recente da Agência Internacional de Energia (AIE) sustenta a análise dos três. De acordo com a AEI, “a persistência do baixo preço do petróleo fez com que os investimentos da indústria petroleira [mundial] sejam os menores em três décadas. E seguirão caindo este ano”. Em síntese, o relatório diz que “o gasto de capital das empresas dedicadas a exploração e produção de petróleo e gás se reduziu 24% no ano passado e deve diminuir 16% este ano. É a primeira vez desde 1986 que os investimentos caem por dois anos consecutivos”. Por outro lado, o mesmo relatório aponta que o Brasil será, excetuando-se os integrantes da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), o segundo país

com maior crescimento na produção de petróleo, até 2021. “A oferta de petróleo do Brasil passará do patamar de 2,5 milhões de barris por dia em 2015 para 3,4 milhões em 2021. Parece que, ao menos até agora, as novas instalações mais que compensarão o declínio em alguns campos de produção.” Exatamente pelo cenário internacional incerto e também pelo poder geopolítico do petróleo é que os opositores da abertura do pré-sal para estrangeiras estranham a celeridade dos parlamentares em apreciar o projeto de José Serra. “Por que o regime de urgência? Por que não tramitou em todas as comissões?”, questionou, por exemplo, o senador Cristovam Buarque (PPS-DF). “Por que essa pressa em entregar o pré-sal às empresas internacionais? O pré-sal pode ter até 273 bilhões de barris de reservas. A Petrobras se tornaria a segunda maior produtora do mundo. Querem entregar isso, nosso avanço, nossa tecnologia, de graça aos estrangeiros”, criticou o senador Telmário Mota (PDT-RR). Pelo acerto feito entre a base de apoio ao governo e os defensores do projeto de José Serra, foi aprovado um substitutivo ao texto original do projeto de lei, de modo a continuar dando à Petrobras a preferência pela exploração e produção dos campos de pré-sal. Essa preferência passa a ser oferecida pelo Conselho Nacional de Política Energética. Caso a estatal abra mão, aí sim a exploração fica aberta a outras petroleiras. “O que o projeto faz é tirar a obrigatoriedade de essa empresa ter que investir em cada poço do pré-sal. Tudo continua nas mãos do poder público, apenas a Petrobras não é obrigada a investir. Apenas isso. Se ela quiser, em um mês, ela manifesta sua intenção e controlará o poço”, defendeu o senador paulista. O Instituto Brasileiro do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (IBP) considera um avanço importante para o país e para setor de óleo e gás a aprovação do projeto. “A experiência demonstra que a diversidade de operadores, com diferentes estratégias e competências, favorece o desenvolvimento tecnológico, estimula a indústria brasileira de bens e serviços, promove a competitividade e melhor potencializa o valor dos recursos naturais do país”, disse em nota o IBP, entidade sem fins lucrativos que representa empresas dos setores de petróleo, gás e biocombustível no Brasil. Há anos dividindo liberais e desenvolvimentistas, a questão do petróleo no Brasil deve continuar a gerar conflitos políticos no país, em um momento em que o governo da presidente Dilma Rousseff parece estar mais fraco do que nunca, inclusive perdendo o apoio do próprio partido, o PT. À medida que o governo se enfraquece e a Petrobras perde protagonismo, deve aumentar o interesse de petrolíferas estrangeiras pelo petróleo brasileiro da camada pré-sal. O preço do produto está em baixa, mas nada indica que o mesmo deixará de ser cobiçado pelas principais potências do globo.

RAIO-X DA PETROBRAS Vítima de corrupção há décadas, a Petrobras está com imagem arranhada. Os dados permitem contido otimismo. Confira: g

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O mais recente balanço da companhia, referente ao acumulado nos três primeiros trimestres de 2015 (janeiro a setembro), mostra que no período a empresa registrou lucro líquido de R$ 2,1 bilhões, 58% inferior a igual período de 2014. Já o lucro operacional cresceu 149% no período, alcançando R$ 28,6 bilhões. O endividamento líquido somou US$ 101,2 bilhões, 5% inferior ao endividamento registrado ao final de 2014. O prazo médio da dívida aumentou de 6,10 anos em 2014 para 7,49 anos ao final do primeiro trimestre de 2015. No último ano a Petrobras produziu 2,128 milhões de barris por dia, alta de 4,6% em relação a 2014. A média anual da produção operada na camada pré-sal em 2015 também foi a maior da história da empresa, atingindo uma média de 767 mil barris por dia, superando a produção de 2014 em 56%. Fonte: Petrobras/Fatos e Dados

Petrobras/ABr

Para o vice-presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet), Fernando Siqueira, ficou subentendido nas palavras de Renan que a aprovação do projeto de lei de José Serra foi colocada como condição para preservar os principais parlamentares do cerco da Operação Lava Jato e salvar o governo de Dilma Rousseff do processo de impeachment. “Enfraquecidos por serem alvo da Lava Jato, os parlamentares se comprometeram com o projeto. O Renan [Calheiros] passou a defender o projeto do Serra. O [Eduardo] Cunha [presidente da Câmara dos Deputados] também defende e vai fazer de tudo para o projeto passar na Câmara. Até a Dilma entrou nessa”, declarou Siqueira, em entrevista ao Brasil Observer. O representante da Aepet tem percorrido diversas regiões do Brasil participando de eventos que buscam mobilizar a sociedade na defesa da exclusividade da Petrobras como exploradora e produtora do petróleo do pré-sal – prerrogativa que o projeto de lei de José Serra retira. No dia da aprovação do projeto pelo Senado, em 24 de fevereiro, Fernando Siqueira ministrava uma palestra em Santos. O intuito das palestras promovidas pela Aepet é o demonstrar que a Petrobras tem, sim, saúde financeira e expertise tecnológica para manter a exclusividade no pré-sal. Siqueira salienta que as dificuldades enfrentadas pela Petrobras hoje são momentâneas e, boa parte delas, verificadas em todas as petroleiras do mundo, em razão da conjuntura atual do mercado de petróleo. “Um dos motivos dessas dificuldades é a queda do preço do petróleo, que já chegou a US$ 115 o barril e agora já baixou para US$ 30. A Petrobras [no seu plano de investimentos] considerou o barril do petróleo na faixa dos US$ 60.” Nada que inviabilize a companhia de continuar a explorar e produzir petróleo do pré-sal, observou o vice-presidente da Aepet. “Além do que o petróleo do pré-sal é um ativo altamente valorizado; ele é estratégico. Só com o pré-sal a Petrobras tem reservas descobertas de 60 bilhões de barris e, com a experiência acumulada, tem condições de explorar essas reservas.” Na avaliação do professor Elói Rotava, coordenador do curso de Engenharia de Petróleo da Universidade Católica de Santos (UniSantos), a cotação em baixa do barril de petróleo diminui, mas não anula, a rentabilidade

da produção de petróleo do pré-sal. Assim, Rotava defende que a Petrobras deve continuar a produção do produto da camada pré-sal. “Pessoalmente, acredito que devemos continuar com os esforços para a produção e desenvolvimento da indústria do petróleo no Brasil – não só pela expectativa de valorização do barril nos próximos anos, mas também como forma de se aumentar a robustez da economia brasileira [frente] a oscilações do mercado internacional”, afirmou em entrevista ao Brasil Observer. “Petróleo e gás são fundamentais na economia brasileira e mundial. A indústria do petróleo no Brasil tem uma longa historia de desenvolvimento tecnológico e aplicações de sucesso em produção offshore. Abandonar este conhecimento por uma oscilação no preço de venda internacional do produto é uma perda que pode levar muito tempo para ser reconquistada, numa eventual valorização do barril”, completou Rotava. Opinião essa semelhante a do também professor Robson Dourado, um dos coordenadores da especialização em Engenharia de Petróleo e Gás da Universidade Santa Cecília (UniSanta), de Santos. Ao Brasil Observer, Dourado explicou que os dados oficiais da Petrobras deixam claro que há viabilidade econômica para a companhia seguir sua atuação nos campos de présal. “Todo o investimento neste segmento deve ser feito pautado sempre por análises de cenários não apenas no curto prazo, mas, sobretudo, em horizontes mais dilatados de tempo”, argumentou. “Como já foi noticiado pela empresa estatal, temos a manutenção da viabilidade econômica dos projetos de desenvolvimento da produção mesmo com os valores atuais”, acrescentou Dourado.


16 brasilobserver.co.uk | Março 2016

O jogo de David Cameron

O primeiro-ministro britânico, David Cameron, e o presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, reunidos em Bruxelas

Primeiro-ministro britânico negocia acordo com a UE e agenda referendo sobre a permanência do Reino Unido no bloco Por Márcio Apolinário

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O primeiro-ministro britânico, David Cameron, anunciou que o referendo para consultar a opinião da população do Reino Unido sobre a permanência do país na União Europeia (UE) irá acontecer no dia 23 de junho. O anúncio foi feito um dia após os 28 países membros da UE aceitarem, em decisão unânime, as exigências feitas pelos britânicos para permanecerem no bloco. O acordo firmado em Bruxelas, na Bélgica, concedeu ao Reino Unido um “status especial” dentro do bloco europeu. Será a segunda vez que os britânicos votam sobre a permanência na UE. Em 1975, o “sim” venceu. Vale lembrar que, até hoje, nenhum país deixou o bloco – muitos outros de fora, na realidade, vêm ajustando suas economias e sistemas de governança para fazerem parte do grupo. Para tentar evitar a saída do Reino Unido, os chefes de estado da UE aceitaram que os britânicos limitem alguns direitos trabalhistas concedidos aos imigrantes durante os próximos sete anos. Dessa forma, os estrangeiros que chegarem de outros países europeus terão que contribuir por quatro anos com a previdência antes de começarem a terem direito aos mesmos benefícios pagos a trabalhadores britânicos de baixa-renda. Além disso, o valor pago por filho menor de idade será baseado no custo de vida do país de origem. Segundo o acordo, as novas regras valerão imediatamente para as novas chegadas, e a partir de 2020 para os quase 35 mil requerentes já existentes. O acordo também prevê um pacote de proteção à cidade de Londres, que passará a ser blindada das regulamentações

financeiras do mercado europeu, e garante que o Reino Unido fique de fora do projeto de “união sempre mais estreita” com a Europa, conceito fundador da UE. “A escolha é sobre o tipo de país que queremos ser e sobre o futuro que queremos para os nossos filhos. Trata-se de como nos relacionaremos comercialmente com os países vizinhos para criar empregos, prosperidade e segurança financeira para nossas famílias”, afirmou David Cameron durante o anúncio da data do referendo. Pesquisa Ipsus Morri, realizada em fevereiro, indicou que 51% eleitores querem que o Reino Unido permaneça no bloco europeu, enquanto 36% defendem a saída e 13% se mostraram indecisos. Após a reunião, que durou quase dois dias, o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, responsável por mediar as discussões em Bruxelas, afirmou que os chefes de estado concordaram em “sacrificar parte dos seus interesses pelo bem comum, para mostrar unidade do bloco”. O posicionamento deixou clara a sensação de frustração de Tusk, após a queda de braço travada com o governo britânico. Isso porque as exceções concedidas ao Reino Unido abrem precedentes para que outros países da UE tentem barganhar acordos parecidos. Não demorou muito para que começassem a aparecer indícios de novos interessados em renegociar os acordos com o bloco europeu. Durante a reunião, o vice-presidente do partido francês de extrema direita Frente Nacional, Florian Philippot, afirmou que estava observando o que acontece com a Grã-Bretanha com “interesse e ansiedade”. Segundo ele, a renegociação das relações com a UE

é um processo que está sendo proposto pelo governo francês há muito tempo. O governo Escocês tem sido um dos principais defensores da permanência do Reino Unido no grupo dos 28 países da UE. Logo após a reunião, a líder do Partido Nacional Escocês e do governo do país, Nicola Sturgeon, afirmou que tentará um novo referendo sobre a independência do país caso o Reino Unido resolva deixar a UE. Em referendo realizado em 2014, mais da metade (55%) dos escoceses recusaram a independência. “Se chegarmos a essa situação, na qual a Escócia vota pela permanência e o resto do Reino Unido vota pela saída, as pessoas da Escócia terão muitos questionamentos e vão querer descobrir se o país deve ser independente”, afirmou.

DAVID X BORIS Líder das negociações com a UE, David Cameron vem defendendo publicamente, inclusive em programas de televisão, a permanência do Reino Unido no bloco europeu. No dia 21 de fevereiro, o líder do Partido Conservador aproveitou uma entrevista à rede BBC para tentar conquistar o apoio do popular prefeito de Londres, Boris Johnson, um dos principais defensores da saída do Reino Unido da UE. Durante a entrevista, ele afirmou que com o acordo firmado em Bruxelas, o Reino Unido será mais seguro e próspero dentro do bloco. Ele também afirmou que a saída do Reino Unido será um salto no vazio. No dia seguinte, o primeiro-ministro britânico voltou a defender a permanência no bloco, afirmando que o tratado em


brasilobserver.co.uk | Março 2016 17

European Parliament

Bruxelas devolve poderes econômicos e de imigração ao Reino Unido. “Conseguimos um status especial e há a oportunidade de seguir construindo sobre o que já temos, protegendo nossa gente e impulsionando nossa prosperidade. Essa é a opção que deveríamos eleger”. Crítico explícito de vários aspectos da UE, o prefeito de Londres, Boris Johnson, aderiu à campanha pela saída do Reino Unido e acabou gerando um racha no Partido Conservador. Johnson é conhecido pela sua franqueza e aparece como um dos mais cotados políticos a suceder David Cameron como líder do partido. Segundo Johnson, sua decisão foi de enorme sofrimento, por ir contra Cameron e o Partido Conservador. Para ele, a UE está correndo o risco de perder seu controle democrático. Johnson chegou a parabenizar Cameron pelo acordo firmado em Bruxelas, mas colocou em dúvida a efetividade do mesmo. “Ele se saiu fantasticamente bem em um curto período de tempo... Mas não acho que alguém pode afirmar de forma realista que isso é uma reforma fundamental da União Europeia ou do relacionamento do Reino Unido com o bloco. A meu ver, temos a chance de fazer alguma coisa. Eu tenho a chance de fazer alguma coisa”. Durante entrevista coletiva concedida na frente de sua residência no norte de Londres, o prefeito negou que sua decisão tenha a ver com suas ambições políticas. No entanto, com seu posicionamento, o carismático político inglês acaba conquistando o apoio de muitos conservadores.

CONSEQUÊNCIAS A libra tem sofrido fortes variações, tendo registrado grandes oscilações negativas desde o dia 22 de fevereiro, quando vários ministros do governo britânico e o prefeito de Londres, Boris Johnson, confirmaram que apoiarão a saída do Reino Unido no referendo do dia 23 de junho.

Em comunicado feito ao mercado na última semana de fevereiro, o banco britânico HSBC previu que a moeda deve sofrer uma desvalorização de até 20% caso os britânicos votem favoravelmente ao “Brexit”. Embora, em um primeiro momento, essa desvalorização da libra favoreça o turismo e as exportações, a entidade financeira alerta que isso afasta a possibilidade de o Banco da Inglaterra elevar as taxas de juros, o que pode causar um impacto direto na inflação do país. Outro alerta, mais antigo, também foi dado em estudo publicado pela Open Europe, em março de 2015. No levantamento, a entidade afirma que todos os principais setores de exportação britânicos seriam inicialmente prejudicados e que o país pode perder até 2,2% de seu PIB até 2030. “Dos bens exportados pelo Reino Unido à UE, 35% estariam sujeitos a impostos superiores a 4%”, diz trecho da análise, que foi baseada em pesquisas e entrevistas com empresários e associações de comerciantes. Ainda em fevereiro, um grupo de 200 líderes empresariais do Reino Unido publicou um manifesto

no jornal The Times contra ao possível Brexit. Juntos, eles representam um terço das cem maiores empresas britânicas. O abaixo-assinado defende que deixar o bloco europeu ameaçaria o nível de emprego na região e deixaria a economia local em perigo. “O Reino Unido será mais forte, mais seguro e mais rico ficando como membro da UE”, afirmam os empresários e executivos. Entre os líderes que assinaram o manifesto estão executivos de companhias britânicas como a petrolífera BP, a farmacêutica Astra Zeneca, a gigante da moda de luxo Burberry e o varejista Marks and Spencer. Grupos de outros países europeus, como a Airbus, também subscrevem o documento. “Nós acreditamos que deixar a UE deteria investimentos, ameaçaria postos de trabalho e colocaria a economia em perigo”. O Fundo Monetário Internacional (FMI) também se pronunciou sobre o assunto e afirmou que as incertezas em relação à permanência ou não do Reino Unido pode pesar na perspectiva de crescimento da economia do bloco em 2016 e 2017. Segundo a entidade, estima-se que a economia deva crescer 2,2% neste ano e no próximo, quando comparada a 2015. Para professor do Departamento de Relações Internacionais da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) Geraldo Nagib Zahran Filho, caso os britânicos optem pela saída do Reino Unido da UE, a decisão resultará em um

enfraquecimento político do bloco europeu. “Será um grande golpe para o projeto de integração regional, que vem sendo criticado nas últimas décadas. Por outro lado, existe a possibilidade de que essa saída retire um dos freios para esse processo de integração”, explicou ao Brasil Observer. “Na prática, pouca coisa deve mudar de fato, uma vez que o Reino Unido já não faz parte da União Monetária nem do acordo de fronteiras (Schengen). Nesse sentido, nada muda. Mas existe um lado bom, já que representações diplomáticas que são coordenadas com a UE, como a Organização Mundial do Comércio, ganharão mais autonomia”. Para ele, a possível saída não seria imediata. “O processo não é automático. O Parlamento vai precisar aprovar as leis específicas para regulamentar a saída e a União Europeia precisa ser comunicada. A saída deve levar vários meses”. O advogado especialista em imigração Marcelo Reale acredita que os brasileiros devem ser pouco afetados com uma possível saída do Reino Unido. Isso porque as principais mudanças são referentes aos benefícios previdenciários. “Só afetaria os brasileiros que têm cidadania europeia e seus familiares que desejam morar no Reino Unido. Os brasileiros que vivem aqui pela lei de imigração britânica como estudantes, cônjuges e cidadãos com visto para trabalho, por exemplo, não seriam afetados”.


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CONECTANDO

um festival movimento Iniciativa surgiu da necessidade de os próprios idealizadores criarem espaços para que o público apreciasse suas artes

A

Ao chegar à Fazenda Evaristo, região norte de Santa Catarina, a brisa quente anunciava um Carnaval festivo. A fila na entrada não tirava o sorriso do rosto dos que chegavam entusiasmados em viver novamente (ou pela primeira vez) as maravilhas daquele festival. Uma das muitas voluntárias me recepcionou com um largo sorriso e logo perguntou quando havia sido a última vez em que eu estive no Psicodália. A resposta foi 2010, naquele mesmo lugar, quando a principal atração era a banda Os Mutantes. Tivesse ela me perguntado quando havia sido a primeira vez em que estive no Psicodália, minha memória teria me levado muito mais longe,

Por Roberta Schwambach

de volta a 2002, em Antonina, no Paraná. Teria me feito viajar por lugares e bandas tão distintas e ao mesmo tempo tão iguais às que agora apareciam na lista de programação. O Psicodália surgiu da necessidade de seus idealizadores, eles próprios músicos autorais, criarem espaços para que o público pudesse apreciar suas artes. Desde 2001, 19 edições do festival trouxeram para o sul do país mais de 450 artistas nacionais e internacionais. O Psicodália é um dos poucos festivais no Brasil no qual realmente nos sentimos em um festival. Milhares de barracas e tendas colorem as colinas da fazenda. O clima amistoso

entre vizinhos de poucos dias se confunde com a alegria intensa que se vê nos encontros entre amigos durante as caminhadas pelas diferentes atrações e espaços do festival. Apesar de as atrações do Psicodália serem muitas – cinema, oficinas, teatro, circo –, a música é o grande carro chefe deste movimento e as bandas vêm de lugares tão distintos quanto o público que as assiste: curitibanos, catarinenses, mineiros, recifenses... Alguns nomes que fizeram esta edição valer a pena: Nação Zumbi, Terreno Baldio, Cidadão Instigado, Bandinha Di Dá Dó, Nômade Orquestra, Trombone de Frutas, Confraria da

Costa, Terra Celta, Bombay Groovy, Apicultores Clandestinos, Banda Gentileza, Orquestra Friorenta, A Banda Mais Bonita da Cidade. Elza Soares subiu ao palco na segunda-feira de Carnaval. Sentada, ao alto de uma estrutura de madeira e correntes de ferro, cantava seu novo disco. Toda a sua história rodeava aquele palco, a tonalidade de sua voz era vermelha, forte, vibrante. As mais de quatro mil pessoas que assistiam ao show não resistiam em dançar e cantar com ela os grandes novos sucessos de sua carreira tão longa quanto bem sucedida. O Psicodália deste ano deixou saudade.

CONECTANDO é um projeto criado pelo Brasil Observer que busca fomentar experiências de comunicação ‘glocal’. Em parceria com universidades e movimentos sociais, nosso objetivo é fazer com que pautas locais atinjam uma audiência global. Para participar e/ou obter mais informações, escreva para contato@brasilobserver.co.uk


brasilobserver.co.uk | Marรงo 2016 21

Ana Lopes


22 brasilobserver.co.uk | Março 2016

Lentes no coração DO

Exposição de Sue Cunningham revela nova perspectiva sobre comunidades indígenas do Brasil e do mundo

A

A Embaixada do Brasil em Londres abre ao público uma nova exposição da fotógrafa inglesa Sue Cunningham, de 4 a 24 de março, na Sala Brasil, em sua sede no Reino Unido. Com mais de 30 anos dedicados a fotografar a cultura indígena, principalmente no Brasil e no Peru, Sue retorna ao tema que a consagrou, dando sequência à série In the Heart of Brazil. Em 2007, ela e o marido, Patrick Cunningham, navegaram 2,5 mil quilômetros pelo Rio Xingu para registrar a harmonia de um povo que respeita a natureza e vive em paz. Neste novo projeto, Sue eternizou com seus cliques a primeira edição dos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas, evento que aconteceu nos meses de outubro e novembro de 2015 em Palmas, no Tocantins, e reuniu mais de dois mil atletas de 30 países. Dona do maior arquivo fotográfico sobre o Brasil fora do país, Sue Cunningham conversou com o Brasil Observer sobre sua nova exposição, passando pela ameaça que a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte representa para os povos indígenas da região e pelo trabalho do diretor de cinema Takumã Kuikuro, cujo documentário London as a Village foi recentemente apresentado ao público em Londres.

Por Gabriela Lobianco

O que se pode esperar de sua nova exposição? Uma explosão de cores. O público vai se surpreender com a diversidade de culturas indígenas de todas as partes do mundo, mas especialmente a variedade de etnias do Brasil. Vai poder ver a vibração dos povos tribais, suas tradições e heranças culturais. Espero que os visitantes brasileiros sintam que a força de sua herança indígena é algo do que se orgulhar. Pode nos contar sobre o processo desse novo trabalho? Passamos dez dias em Palmas, Tocantins, onde aconteceu o primeiro Jogos Mundiais dos Povos Indígenas. Ficamos maravilhados em ver a alegria com que os mais de cinco mil espectadores não-indígenas apoiaram os povos de vários lugares, especialmente do Brasil. Muitas das pessoas que eu fotografei me pediram para mostrar aquele momento para o mundo, então é isso que estou fazendo aqui em Londres. Quando saímos de lá, dirigimos pelo estado do Tocantins em direção ao Pará e Mato Grosso, por uma estrada que passa pela Reserva Indígena Megranoti, um

gigantesco território ocupado pelo povo Kayapó. Chegamos então ao Rio Xingu, um lugar que não visitávamos desde nossa expedição de seis meses em 2007. Foi uma experiência muito emocionante, como rever um grande amigo depois de muitos anos. De lá fomos visitar uma escola secundária indígena dentro da reserva, pois nos pediram para ajudar na reconstrução de uma acomodação estudantil – que é a atual prioridade da Tribes Alive, organização que administramos. Depois disso voltamos para o Reino Unido. Desde então estamos planejando e montando a exposição. É muito bom vê-la virar realidade. Dada a sua experiência com os povos indígenas do Xingu, como você acha que será quando terminar a construção da usina de Belo Monte? Quais são as principais ameaças? Há alguma saída? Parece que não há saída; o reservatório está sendo cheio neste exato momento e a primeira turbina logo estará funcionando. O Brasil é capaz de aproveitar fontes alternativas de energia – há tanto sol e vento; o Brasil deveria estar liderando o desenvolvimento dessas tecnologias!

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brasilobserver.co.uk | Março 2016 23

O que você achou do documentário de Takumã Kuikuro, London as a Village, recentemente apresentado na Embaixada do Brasil? Visitamos a aldeia de Takumã durante nossa expedição pelo Rio Xingu e temos acompanhado sua carreira desde então. Ele é uma grande pessoa, com um olhar único. Sua visão de Londres tem um nível de sensibilidade que muitos podem achar surpreendente, principalmente levando em consideração que ele só passou a falar português depois dos 18 anos, e que ele nunca havia saído de sua reserva indígena até os 12. Ele é um diretor de cinema talentoso, muito batalhador, com uma concepção muito clara sobre o que ele pretende alcançar. De muitas formas ele é bastante global, mas só se sente realmente à vontade em sua aldeia no Xingu, fazendo filmes sobre seu povo, reforçando a importância de sua cultura. Takumã representa a inteligência e a espiritualidade de seu povo.

Sue Cunningham

Visitamos as comunidades tribais que estão na linha de frente à usina de Belo Monte. Elas já estão sob imensa pressão; seus territórios foram invadidos, seu rio já está poluído e logo se tornará intransponível, e suas tradições e culturas estão sendo destruídas. O ecossistema que têm suportado esses povos por milênios foram revirados de cabeça para baixo, fazendo com eles dependam do dinheiro proveniente do consórcio responsável pela usina, que eventualmente deixará de existir, deixando-os sem meios de se alimentar e se sustentar com dignidade. A maior ameaça, porém, vem da chagada de 100 mil migrantes atraídos pela promessa de trabalho no projeto de construção da usina. Quando a usina estiver finalizada, essas pessoas ficarão sem emprego, sem alternativa a não ser encontrar um pedaço de terra onde plantar alimento para suas famílias. As ‘melhorias’ no transporte oferecem fácil acesso aos territórios indígenas, então as invasões serão logo um grande problema. O consórcio da usina e o governo pensam que é justo dar alguns milhares de reais em ‘compensação’, mas como compensar uma comunidade que sempre se alimentou e viveu da floresta, sobrevivendo – de maneira próspera – sem a necessidade de dinheiro? Se você destrói a floresta e o rio, você destrói seus meios de subsistência, tira deles sua independência e varre suas tradições e culturas. Não há como compensar isso.

Enquanto ele estava filmando em Londres, Takumã ficou impressionado com as similaridades dos problemas que encontrou entre as pequenas comunidades daqui – como as pessoas que vivem em barcos no Rio Tâmisa – com o que seu povo enfrenta no Brasil, as ameaças afetando comunidades indígenas e a luta para manter seus lares e futuros.

IN THE HEART OF BRAZIL Quando: 4 a 24 de março (segunda a sexta, das 11am às 6pm) Onde: Sala Brasil (14-16 Cockspur Street, London SW1Y 5BL) Entrada: Gratuita

O que se pode aprender com a cultura indígena do Brasil? Primeiramente esta pergunta precisa ser feita no plural. Com cerca de 120 línguas indígenas ainda existentes no país, cada uma com sua própria etnicidade e cultura, há mais dinamismo cultural no Brasil do que aqui. O respeito pelos valores de outras populações seria um bom começo. O que mais podemos aprender? O tempo que eu passei no Xingu me fez entender que nosso materialismo industrial é incompatível com o futuro bem-estar da humanidade, pelo menos da forma como acontece hoje. Em uma aldeia indígena você não consegue dizer qual casa pertence ao chefe da família, pois não se tem vantagem material. As populações indígenas simplesmente não desperdiçam nada, e a pequena quantidade de borracha que eles produzem para seu modo de vida tradicional é completamente degradável – embora isso tenha mudado à medida que eles começam a usar bens manufaturados. Eles têm uma ligação espiritual com o meio ambiente, por isso eles não toleram tirar nada além do que eles precisam da floresta. Seria bom se fizéssemos o mesmo. Poderíamos deixar mais recursos naturais para as gerações futuras. Em poucas palavras, poderíamos reaprender com eles tudo aquilo que esquecemos. Eles dizem “vivemos todos em uma terra, respiramos um ar e bebemos uma água; tentamos devolver o conhecimento de que estamos vivos, de que o planeta está vivo, porque vocês esqueceram”.

Primeiro Jogos Mundiais dos Povos Indígenas


24 brasilobserver.co.uk | Março 2016

DICAS

MÚSICA Divulgação

Céu A cantora brasileira Céu estreou em Londres em 2005 logo após o lançamento de seu primeiro álbum e agora retorna para a capital inglesa em uma rara apresentação, com disco novo. Tropix, seu quarto álbum de estúdio, estava com lançamento previsto para o dia 25 de março. Quando: 6 de abril Onde: The Forge, 3-7 Delancey Street, Londres NW1 7NL Entrada: £17,50 adiantado / £20 na porta Info: www.forgevenue.org

Criolo Banda Black Rio

O La Linea Festival já construiu uma respeitável reputação trazendo para Londres proeminentes nomes da música latina. E neste ano não será diferente. Em abril, se apresentam na capital inglesa o rapper Criolo, a cantora de fado portuguesa Ana Moura, a cantora cubana Daymé Arocena e a banda de cumbia chilena Chico Trujillo, entre outras atrações. Além de tocar em Londres, dia 24 de abril, na casa de shows Koko, Criolo também se apresentará em outras cidades inglesas: Cambridge (21/4), Bristol (22/4), Leeds (23/4), Brighton (25/4) e Manchester (26/4).

Misturando elementos do funk, jazz e samba, a Banda Black Rio, formada em 1976, é considerada um dos grupos mais importantes da música brasileira e tem influenciado gerações há décadas. Após o falecimento do líder da banda, o saxofonista Oberdan Magalhães, em 1984, a mesma parou de se apresentar, voltando apenas nos anos 2000 quando o filho de Oberdan, William Magalhães, tomou a iniciativa de gravar um novo álbum. Desde então o grupo segue se apresentando com a mesma filosofia: celebrar a musicalidade brasileira através de variados ritmos.

Quando: 24 de abril Onde: Koko, 1a Camden High St, Londres NW1 7JE Entrada: £22,25 Info: www.comono.co.uk

Quando: 8 de abril Onde: Hideaway Jazz Club, 225 Streatham High Rd, Londres SW16 6EN Entrada: £20 Info: www.hideawaylive.co.uk

EXPOSIÇÃO Mario Cravo Neto: ‘A Serene Expectation of Light’ O trabalho do fotógrafo brasileiro Mario Cravo Neto explora o patrimônio cultural da Bahia, como o Candomblé e suas raízes africanas. A exposição – a primeira em formato solo de Cravo Neto em território britânico – compreende duas séries: ‘The Eternal Now’, em preto e branco, produzida nas décadas de 1980 e 1990, e ‘Laróyé’, colorida, produzida nos anos 2000, durante a última parte da carreira de Cravo Neto, que faleceu em 2009. A primeira combina seres humanos com objetos inanimados e animais, enquanto a segunda descreve a vida urbana em Salvador.

Quando: 15 de janeiro a 2 de abril Onde: Autograph ABP, Rivington Place, Londres EC2A 3BA Entrada: Gratuita Info: www.autograph-abp.co.uk

Rosângela Rennó: ‘Rio-Montevideo’ A primeira exposição solo da artista brasileira Rosângela Rennó no Reino Unido apresenta imagens de arquivo do fotojornalista Aurelio Gonzales e usa 20 projetores análogos. Tiradas entre 1957 e 1973, as fotografias foram escondidas nas paredes da então redação do jornal comunista El Popular antes do golpe militar no Uruguai, e foram descobertas por acaso 30 anos depois. Rennó destaca as narrativas de um tempo de convulsão social naquele país e na América Latina, debatendo o fenômeno de amnésia nacional causada pela censura imposta pelos regimes militares.

Quando: 22 de janeiro a 3 de abril Onde: The Photographers’ Gallery, 16-18 Ramillies St, Londres W1F 7LW Entrada: Gratuita antes de 12pm; £2,50 antecipado; £3 na porta Info: www.thephotographersgallery.org.uk

Claudio Tozzi: ‘New Figuration and the Rise of Pop Art’ A exposição foca o momento chave da carreira do pintor, desenhista e programador visual brasileiro Claudio Tozzi, entre 1967 e 1971, um dos períodos mais repressivos da ditadura militar brasileira (1964-1985). Para produzir arte que pudesse contornar a censura, e também evitar punições, Tozzi e outros foram forçados a adotar técnicas diferentes que normalmente acabavam polarizando artistas e curadores. O trabalho de Tozzi, com predominância de temas urbanos e conflitos sociais, joga uma luz particular na política da Pop Art brasileira daquela época.

Quando: 23 de janeiro a 24 de março Onde: Cecilia Brunson Projects, Bermondsey Street, Londres SE1 3GD Entrada: Gratuita Info: www.ceciliabrunsonprojects.com

FESTIVAL Headways A companhia de teatro StoneCrabs celebra os dez anos de seu programa de treinamento de novos diretores (Young Directors) com uma noite de gala no dia 14 de março. A noite contará com peças curtas, filmes e música ao vivo, além de comes e bebes. No mesmo dia começa também o Festival Headways, que dura uma semana. O festival, que acontece no The Albany, em Depford, apresenta o trabalho de oito novos diretores. Quando: 14 a 18 de março Onde: The Albany, Douglas Way, Londres SE8 4AG Entrada: £6 por peça ou £15 por noite (três peças) Info: www.thealbany.org.uk

Comida Fest O evento Comida Fest – Latin American Street Food Market fará sua estreia na icônica região de Southbank nos meses de abril, maio e junho, trazendo deleite para todos os sentidos: uma viagem saborosa que vai cobrir a grande diversidade culinária desde o México até a Argentina, incluindo seus famosos coquetéis. A atmosfera latina contará ainda com atrações musicais escolhidas pelo grupo londrino Movimientos. Quando: 16-17 de abril, 21-22 de maio, 18-19 de junho Onde: Pátio da Oxo Tower Wharf, Londres SE1 9PH Entrada: Gratuita Info: www.comidafest.com


brasilobserver.co.uk | Março 2016 25

ANIVERSÁRIO DE 2 ANOS A revista

Apresenta: Produção: INGRESSOS À VENDA EM TODOS OS PONTOS HABITUAIS

PUBLICIDAdE & ENTRETENIMENTO

24 ABRIL 2016

PELA PRIMEIRA VEZ EM LONDRES

ABERTURA DOS PORTÕES 15:00 SHOW PREVISTO PARA 17:00

INFORMAÇÕES:

Local:

O2 FORUM KENTISH TOWN

9 - 17 Highgate Road, Kentish Town, NW5 1JY London

0044 79 8449 6533 Duda

Apoio:

Sharing a Passion for Food & Wine

dasilva hairandbeauty


26 brasilobserver.co.uk | Março 2016

COLUNISTAS European Union 2016 – European Parliament

FRANKO FIGUEIREDO

Simples demais para ser entendido Por que é tão difícil nos importarmos com a dor dos outros?

Red Demon Marylebone Theatre, 60 Paddington Street, London W1U 4HZ Quinta-feira 10/3 – 2:30pm & 7:30pm Sexta-feira 11/3 – 7:30pm

Franko Figueiredo é diretor artístico e produtor associado da Companhia de Teatro StoneCrabs g

e

Estou dirigindo atualmente uma versão de Red Demon, de Hideki Noda, para a Regent’s University Film & Drama School no Marylebone Theatre, em Londres. Red Demon é um velho conto japonês sobre como uma pequena comunidade trata um estrangeiro que de repente chega à praia local. Esta é uma peça que tem a xenofobia como tema principal, mas de forma tragicômica. Produzida originalmente no Reino Unido em 2003, a peça ainda é apropriada, principalmente se levarmos em consideração o atual debate sobre o número de refugiados que deveria ser aceito pela Grã-Bretanha e o resto da Europa. Uma pesquisa recente encomendada pela BBC Local Radio sugere que houve uma queda, de 40% para 27%, na quantidade de britânicos que concordam que o Reino Unido deveria aceitar mais refugiados. O declínio acontece em comparação com outra consulta, realizada no ano passado logo após a comoção internacional diante da imagem de uma criança síria morta em uma praia turca. Em apenas quatro meses, a população parece ter apagado a tragédia da memória, reavaliado seus sentimentos em relação aos refugiados e mudado de opinião. Precisamos mesmo de imagens fortes como as do garoto sírio para nos importarmos? Por que é tão difícil nos engajarmos com a dor daqueles que estão sofrendo ao redor do mundo como consequência de conflitos geralmente criados pelas potências internacionais? Por que só começamos a nos importar quando o “problema” bate à porta?

Em Red Demon, o “estrangeiro” é acusado de sequestrar bebês, comer pessoas, enviar mensagens secretas e planejar uma invasão. Eventualmente, é levado ao tribunal, condenado e sentenciado à morte. Temas similares borbulham no novo filme de Luca Guadagnino, A Bigger Splash, que se passa em uma remota e exclusiva vila italiana, longe do cais de Pantelleria, onde um número crescente de refugiados está sendo mantido. Este é o retrato de uma burguesia egoísta totalmente desconectada do resto do mundo. Um dos principais protagonistas evita ser preso, enquanto refugiados pagam por um crime que não cometeram. Red Demon é um espelho para o medo, a ganância e a falta de compaixão dos moradores da vila. É preciso entender as fraquezas internas antes de ser capaz mudá-las. Saramago escreveu “que é necessário sair da ilha para ver a ilha, que não nos vemos se não nos saímos de nós...”. Uma das falas de Red Demon simplifica a questão: “We dwelt there in perfect bliss. But then we were attacked. Our land had rich produces. Many sought the produces. So they attacked us. They bombed our schools. They tore away our beliefs. They destroyed our cities. They decimated us. And like coconuts drifting away from the shore, we begin our wandering…” O aumento do número de refugiados e requerentes de asilo é um preocupante resultado de um mundo em conflito. Embora o que a peça esteja nos dizendo seja óbvio, nossos governantes e nós continuamos a ignorar os fatos: guerras

produzem refugiados. Essas pessoas desesperadas vêm de países em conflito, como Eritréia, Iraque, Sudão... Se pegarmos apenas a corrente guerra civil na Síria, veremos que os países vizinhos (Turquia, Iraque, Jordânia, Líbano e Egito) estão tomando a responsabilidade de abrigar 97% dos refugiados sírios. Poucos sabem, mas até o Brasil tem aceitado mais refugiados sírios do que qualquer outro país latino -americano. Todos nós precisamos fazer nossa parte, e o Reino Unido deve assumir responsabilidades também. O líder budista-humanista Daisaku Ikeda enviou uma proposta de paz à ONU na qual ele expressa um comprometimento com a inclusão, com a determinação de proteger a dignidade de todas as pessoas sem exceção. São três pontos principais. O primeiro diz respeito à rehumanização da política e da economia, fazendo com que a principal motivação dos políticos seja o alívio do sofrimento das pessoas. O segundo está na ideia de que uma grande revolução de personalidade em um único indivíduo pode ajudar a mudar o destino de toda a humanidade. E o terceiro ponto é a expansão da amizade diante das diferenças de modo que se construa um mundo de coexistência pacífica entre os povos. Ou seja, expandir a solidariedade humana com base em uma ampla rede de amizade através do diálogo. Tragédias poderiam ter sido evitadas em Red Demon se os moradores da vila tivessem mais compaixão e disposição para o diálogo. Mas, talvez, esta seja uma resposta simples demais, fácil demais para ser entendida.


brasilobserver.co.uk | Março 2016 27

AQUILES REIS

Artista mutante Zélia Duncan é uma mulher pronta para experimentações Desde que recebi Antes do Mundo Acabar (Biscoito Fino), o novo CD de Zélia Duncan, só com sambas, pus-me a matutar sobre sua trajetória. Quando ela topou integrar o grupo Os Mutantes, havia passado a admirá-la pela coragem. Só mesmo uma mulher pronta para experimentações teria a sua humildade e sabedoria. Saiu mais forte do que quando entrou. E retomou a carreira solo. Liguei-me então à sua carreira, como o musgo gruda na pedra. Pus-me a ouvir e curtir cada um de seus discos. Mais recentemente, passei a acompanhar sua verve de cronista no jornal O Globo. E posso concluir que, apreciando-a, eu torço por ela. Produzido pela musicista Bia Paes Leme, o CD tem dez sambas com letras de Zélia compostas com diversos parceiros e quatro de outros autores. Assim, ela ousa dar novo salto no escuro – salto tão ousado quanto quando decidiu ser mutante. Antes do Mundo Acabar traz uma intérprete que se dá por inteiro a cada afazer de sua vida. Intensa, com voz grave, Zélia fezse uma sambista apaixonante e sedutora. Seu jeitão de frasear as melodias, suingado e afinado, e com uma maturidade difícil de encontrar naqueles que pretendem ter o samba como ofício, são provas da minha declaração: Zélia está cantando às pampas! “Destino Tem Razão”, uma das três parcerias de Zélia com Xande de Pilares (as outras duas destoam da concepção de samba do CD), abre o trabalho. As congas (Thiago da Serrinha) marcam o ritmo. Os violões (Marco Pereira e Webster Santos) e o bandolim (Luis Barcelos) trazem a harmonia. O ritmo é intenso. A primeira

parte é cantada com vigor. As congas matam a pau. Na segunda parte, o ritmo acrescenta o repique de anel ao suingue... Meu Deus! O bom samba “Dormiu Mas Acordou” (Arlindo Cruz e ZD) tem cavaquinho e tem pandeiro (Thiago da Serrinha). Tem ginga e um afinado coro misto, além de outra boa letra de Zélia. O samba lento “Alameda de Sonho” (Ana Costa e ZD) inicia maciamente com dois violões e um ganzá. A cuíca dá o ar de sua graça. Um belo intermezzo de violão aumenta a beleza do samba. “Por Que Você Não Me Convida Agora?” é um ótimo samba de roda de Riachão. Com tantã e violão de sete cordas, a levada ganha picardia. Na repetição, Zélia dobra o canto consigo mesma. O coro come. “Antes do Mundo Acabar” (Zeca Baleiro e ZD), samba lento que dá título ao disco, tem ótima letra de Zélia. Violão, bandolim e pandeiro iniciam. Zélia divide bem as frases, o suingue agradece e cresce. Acrescido do afoxé, logo o ritmo está de volta. Fim. “Por Água Abaixo” é samba dos bambas Pretinho da Serrinha, Leandro Fab e Fred Camacho. Belo é o samba lento “Um Final” (Pedro Luis e ZD), e Zélia emocionando. A gaita de Gabriel Grossi dá ainda mais graça para “Pintou Um Bode”, samba esperto de Paulinho da Viola. “Vida da Minha Vida”, belíssimo samba de Moacyr Luz e Sereno, fecha a tampa. Final de um novo ponto de vista dado ao samba, idealizado e concretizado por Zélia Duncan, tão loucamente genial quanto mutante de carteirinha. Divulgação

g

Aquiles Reis é músico, vocalista da icônica banda MPB4


28 brasilobserver.co.uk | Março 2016

LONDON BY

Boris Dzhingarov/Flickr

National History Museum

Um caso de amor L

Londres, mesmo sendo uma cidade que mantém suas características seculares, pode ser considerada umas das capitais da tecnologia e da inovação. Só ela é capaz de remeter ao passado e ao futuro ao mesmo tempo. Apesar de sua diversidade e 300 nacionalidades, cada pessoa encontrará sua própria Londres. Digo que é possível se mover e estar em muitos países dentro desta cidade, pois cada bairro-área tem uma característica diferente e, no fim, isso acaba definindo muito seu estilo de vida, hábitos e rotina. Há três anos e alguns meses tive meu primeiro contato com o South West London, quando o black cab parou às 11h da manhã em frente ao luxuoso conjunto de edifícios envidraçados Battersea Reach, na beira do Rio Tâmisa, no bairro de Wandsworth Town (lar de alguns jogadores do Chelsea, aliás). Cheguei dividindo o apartamento com outras cinco pessoas, por meio da empresa Cortisso Accommodation. As vistas do apartamento, a tranquilidade e a beleza da área fizeram com que eu me apaixonasse por aqui. Minha vida está até os dias de hoje (moradia e trabalho) atrelada à esta área de Londres, assim como meus hábitos e costumes. Já mudei três vezes de apartamento, todos eles com uma distância de cinco minutos caminhando um do outro. Além de Wandsworth, os bairros de Victoria, Chelsea, Clapham, Earls Court, Fulham, South Kensington, Battersea, Barnes, Putney e Wimbledon fazem parte do sudoeste de Londres. Segundo opiniões dos próprios londrinos, a região é identificada como “chique”, “limpa” e “familiar”, ligada à alta sociedade e considerada “da moda”, mas “pretensiosa”. Considero-a intelectual, cosmopolita, cultural, trend, suburbana. South Kensington e Chelsea são áreas muito bonitas e uma das mais ricas e charmosas da cidade, onde alimento um pouco minha alma cultural em museus como Natural History, Science e Victoria & Albert. East Putney, Putney Bridge e Wandsworth Town são bairros bem tranquilos e com diversas opções de bares, restaurantes e cafés, desde os elegantes e sofisticados aos mais “em conta”. Wimbledon, por sua vez, tem muito mais do que quadras bem cuidadas para o tradicional torneio de tênis. Com tendências residenciais e elegantes, abriga pubs descontraídos, teatros e parques. Clapham Junction e seu agito, repleto de bares e restaurantes, contrastam com a enorme área verde de Clapham Common.


brasilobserver.co.uk | Março 2016 29

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Roberta Calabro conta por que se apaixonou pelo sudoeste de Londres, região com muito verde, cultura e bom gosto

erry Lawford/Flickr

A zona de Battersea é um antigo cais (com a Battersea Power Station) que agora abriga apartamentos, restaurantes e bares, além do incrível Battersea Park, um dos espaços verdes mais interessantes da cidade, ao lado de minha ponte preferida, a Albert Bridge, que durante a noite fica toda iluminada. Wandsworth Town, nome da estação de trem operada pela South West Trains e cujo metrô mais próximo é Fulham Broadway, está a apenas 15 minutos de trem de Waterloo Station. Entre os meus programas favoritos, recomendo um brunch no pequeninho e delicioso Brew, ou uma “esticadinha” ao natural Planet Organic, ao lado do Southside Shopping (ideal para compras ou um cinema no bairro). Mas, se vieres para cá, não deixe de pedalar pela orla do Rio Tâmisa, se deslocando tanto em direção a Chelsea (passando por Battersea Park) quanto em direção à Hammersmith Bridge. Aqui em frente tem o charmoso Waterfront. Saindo da ponte de Wandsworth Bridge e pedalando pela beira do rio no caminho de Putney, chega-se ao conhecido pub The Ship, que durante a primavera e o verão fica completamente lotado. O novíssimo Riverside Quarter e suas casas flutuantes esbanjam bom gosto, e as árvores gigantes e lindas do Wandsworth Park se misturam com o clima familiar do passeio com crianças e cachorros, em meio aos jogos dos adolescentes. Antes de chegar à Putney Bridge, sempre pela beira do rio, gosto muito do bar espanhol chamado Alquimia, que tem excelentes paellas e gin tonics. A Putney High Street é um agito e cruzando a ponte se chega a Parsons Green (caro e com bares e restaurantes de extremo bom gosto, como os da New King’s Road) e Fulham (dos famosos estádios de futebol do Fulham e do Chelsea, ou do conhecido bar The Slug). Pedalando mais um pouco pela beira rio em Putney se vê o ponto de partida da tradicional disputa de remo entre as universidades inglesas Oxford e Cambridge. Mais adiante, é possível pedalar pelo corredor verde até Hammersmith Bridge (passando pelo antigo depósito da Harrods) ou se estender até Barnes ou Richmond. Simplesmente amo. Você escolhe seu bairro de acordo com sua personalidade ou cria a sua personalidade em torno do bairro que escolhe. Em uma capital cosmopolita e agitada como Londres, o sudoeste é meu refúgio de paz e tranquilidade.

Albert Bridge

Battersea Park

Se vieres para cá, não deixe de pedalar pela orla do Rio Tâmisa

DncnH/Fl

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30 brasilobserver.co.uk | Março 2016

BR TRIP

escondida o suficiente Depois de alguns dias neste paraíso do nordeste brasileiro, você vai pensar que a palavra ‘saudade’ foi criada aqui Por Christian Taylor

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Escondida no nordeste brasileiro, mais precisamente no estado do Ceará, a vila de Jericoacoara é um verdadeiro paraíso para os praticantes de kitesurf; um oásis vívido e cosmopolita. Aqui as ruas são de areia e as águas, cristalinas. E o calor? Dura o ano inteiro! Mas não ache que você precisa ser um entusiasta do kitesurfing para aproveitar os fortes ventos da região – uma caminhada até o topo das dunas de areia no final da tarde é uma experiência fantástica para todos que tenham pernas fortes. Daqui você pode sentir o vento contra o rosto, e a areia passando por debaixo dos pés. Essas dunas naturais estão perfeitamente localizadas entre a vila e o mar. Todo dia, centenas de pessoas sobem aqui para assistir ao sol mergulhar no horizonte: um ritual simples que propicia um rico momento de reflexão. Costumes como esse, aliás, ajudam Jericoacoara a preservar sua autenticidade e o senso de comunidade da vila, apesar da crescente popularidade de suas praias como destino turístico. Alguns podem dizer que a localização de Jericoacoara é tanto uma benção quanto uma maldição. Jeri, como é carinhosamente chamada, está a cinco horas de distância

de Fortaleza – sendo que a hora final é feita off-road, ou seja, requer um veículo 4x4 ou uma jardineira (espécie de ônibus aberto). Dependendo da época do ano e do tipo de veículo escolhido, pode ser uma viagem barulhenta e molhada, mas ainda assim empolgante. O suspense aumenta ao passo em que você cruza pequenas cidades e vilas até chegar à praia de Preá, onde as ondas do mar quase tocam as rodas do veículo. É o relativo isolamento, afinal, que protege Jeri de ser completamente engolida pelo turismo de massa – de alguma maneira a sensação que fica é que o paraíso de Jericoacoara está suficientemente fora de alcance. Passeios de buggy e quadricículo estão prontamente disponíveis na praça central da vila, de onde você pode sair para jornadas de um dia pelas dunas e lagoas da região. As ruas de areia dispensam tênis e sapatos – um par de chinelos será suficiente. Se tiver chance, experimente o passeio pelas dunas a cavalo – eles são surpreendentemente eficientes na areia e a ausência do barulho de motor fará com que você se sinta literalmente no topo do mundo. Durante o dia, Jeri é movimentada pelas compras, pelos bares descontraídos e,

claro, pelos esportes aquáticos. À noite as ruas se transformam e se enchem de pessoas. A ausência de luz dá ainda mais charme à vila – o brilho dos bares, da lua e dos vaga-lumes te guiará pelo caminho. O som de samba e a brisa leve flutuam pelas ruas enquanto locais vendem artesanato, roupas ou churrasquinho. Desfazer a linha entre ambientes fechados e abertos é algo que o Brasil faz bem demais, e em Jeri não poderia ser diferente, pois a temperatura é ideal durante todo o ano. Em muitos bares e restaurantes, você irá se sentar debaixo de árvores ou das estrelas. Às vezes, o próprio chão do estabelecimento é feito de areia, e uma árvore pode estar no meio do salão. Alguns desses lugares são Na Casa Dela, que oferece uma comida deliciosa em um colorido jardim; Sabor da Terra, restaurante que serve porções generosas de refeições saudáveis; Caravana, cuja especialidade são os pratos vegetarianos; e Naturalmente, que serve crepe e açaí na praia. Criatividade, charme e atenção aos detalhes são as palavras de ordem em Jericoacoara, um lugar que deixa muita, muita saudade.

Claudia Regina (flickr.com/claudiaregina_cc)

Jericoacoara


brasilobserver.co.uk | Março 2016 31

ONDE FICAR Fotos: Concedidas por eGroup

Fotos: Concedidas por eGroup

VILA KALANGO

RANCHO DO PEIXE

vilakalango.com.br A partir de R$410 (£100) por noite, em quarto duplo com café da manhã e wi-fi inclusos.

ranchodopeixe.com.br A partir de R$350 (£86) por noite, em quarto duplo com café da manhã e wi-fi inclusos.

Vila Kalango tem o natural charme de Jericoacoara, mas com um toque de classe. Diferentemente das concorrentes, a pousada oferece uma experiência cinco ES trelas enquanto mantém a autenticidade. Os bangalôs de madeira e palafitas com telhado de colmo são modestos, mas luxuosos, com pé-direito alto, ar-condicionado e detalhes artesanais. Pedaços de madeira ganham vida nova como prateleiras de banheiro que seguram macias toalhas brancas e sabonetes aromáticos, enquanto lampiões e almofadas completam o ambiente aconchegante. Do lado de fora, redes te esperam na sombra. No total são 24 quartos, construídos em volta de tranquilos jardins. A partir da área de recepção, um deck de madeira serpenteia a grama verde em torno de coqueiros e cajueiros, passando pelas salas de massagem e camas confortáveis até o bar ao ar livre de frente para a praia e a piscina. Daqui você pode aproveitar para relaxar debaixo de uma sombra e aproveitar a vista espetacular do por do sol. O café da manhã é um começo glorioso: suco de frutas frescas, deliciosos bolos e pães, assim como ovos e crepes. O design aberto do restaurante permite que a brisa entre tranquilamente, enquanto você observa o movimento de buggies, cavalos e pranchas na praia.

Localizado na praia de Preá, o Rancho do Peixe oferece uma acomodação mais privada e tranquila, pois não está no meio do vai e vem de Jeri. Com 22 bangalôs – 14 deles de frente por mar –, o complexo compartilha seus donos com a Vila Kalango e um pequeno ônibus percorre o trajeto entre os dois estabelecimentos diversas vezes ao dia. Passar algum tempo nos dois hotéis te dá duas experiências totalmente diferentes e é altamente recomendável. Enquanto a Vila Kalango dá uma sensação mais íntima e aconchegante, o Rancho do Peixe oferece um agradável isolamento. O mar pode ser visto de praticamente qualquer canto do hotel; de um lado ou de outro, a areia e as árvores parecem se estender infinitamente. Os hóspedes podem relaxar no bar ou na piscina, em camas que ficam debaixo de árvores, ou caminhar até a praia. À noite, o bar vira uma pizzaria com preços razoáveis, e você pode ficar deitado nas espreguiçadeiras admirando o céu lindamente estrelado. Os bangalôs em si são charmosos e oferecem bastante privacidade, assim como camas grandes, decoração artesanal e frigobar. Os dois hotéis, de fato, combinam perfeitamente simplicidade e luxo, uma mistura que fará sua experiência por aqui valer cada segundo.


32 brasilobserver.co.uk | Marรงo 2016

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