Brasil Observer #50 - BR

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LONDRES

www.brasilobserver.co.uk

ISSN 2055-4826

JUNHO/2017

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Junho 2017 | brasilobserver.co.uk


brasilobserver.co.uk | Junho 2017

Quem é e o que faz a Especialistas em Dívidas & Finanças Somos um time de 14 profissionais em uma empresa boutique a qual é especializada em Insolvência & Finanças, oferecendo serviços de consultoria em taxas, aposentadorias, compra e venda de imóveis, abertura, fechamento e reestruturação de empresas, consultoria e assessoria especializada em insolvência, processos de falência e concordata. Além disso, também oferecemos suporte linguístico e uma vasta database de profissionais multilinguais no Reino Unido e na América Latina, desde de advogados, contadores, tradutores e até mesmo agentes de intercâmbio. Oferecemos suporte completo aos nossos clientes desde o primeiro contato e é válido ressaltar que não cobramos consulta e aconselhamento. Somos uma empresa boutique especializada que encontras soluções inovadoras e viáveis a fim de que os nossos clientes recebam conselhos profissionais, práticos, claros e imparciais para o melhor gerenciamento dos problemas apresentados. Nossa equipe, cuidadosamente selecionada, opera com total sigilo. Sua primeira consulta é totalmente gratuita e, em seguida, trabalhamos diretamente com você, seu administrador, contador ou consultor financeiro, para ajudá-los a compreender, simplificar, e eleger o processo certo para você ou sua empresa. Nossos fundamentos existem para garantir nosso total apoio aos clientes desde o primeiro contato e total suporte pós processual. A Aspect Plus não cobra a consulta, informações ou qualquer reunião subsequente caso necessário.

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Conteúdo LONDON EDITION É uma publicação mensal da ANAGU UK UN LIMITED fundada por:

Ana Toledo Diretora de Operações ana@brasilobserver.co.uk Guilherme Reis Diretor Editorial guilherme@brasilobserver.co.uk Roberta Schwambach Diretora Financeira roberta@brasilobserver.co.uk Editor em Inglês Shaun Cumming shaun@investwrite.co.uk Design e Diagramação Jean Peixe ultrapeixe@gmail.com

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OBSERVAÇÕES

O mais recente escândalo político brasileiro

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COLUNISTA CONVIDADA Adriana Facina sobre as funkeiras cariocas

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ENTREVISTA

Rafael Barone, baixista de Liniker e os Caramelows

Colaboradores Antonio Veiga, Aquiles Reis, Christian Taylor, Daniela Barone Soares, Franko Figueiredo, Gabriela Lobianco, Heloisa Righetto, Márcio Apolinário, Nathália Braga Bannister , Wagner de Alcântara Aragão

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IMPRESSÃO St Clements press (1988 ) Ltd, Stratford, London mohammed.faqir@stclementspress.com 10.000 cópias

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Distribuição Emblem Group Ltd. Para anunciar comercial@brasilobserver.co.uk 020 3015 5043 Para assinar contato@brasiloberver.co.uk Para sugerir pauta e colaborar editor@brasilobserver.co.uk Online 074 4529 4660 brasilobserver.co.uk

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REPORTAGEM

Até onde vai a ‘nova direita’ brasileira?

CULT

Um ritual de proteção que une diferentes religiões

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DICAS CULTURAIS

Festa Junina e muita, muita música brasileira

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COLUNISTAS

Franko Figueiredo sobre teatro e vida Heloisa Righetto sobre feminismo Daniela Barone sobre comportamento

issuu.com/brasilobserver

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facebook.com/brasilobserver

Um tour pelo norte do País de Gales

twitter.com/brasilobserver O Brasil Observer, publicação mensal da ANAGU UK MARKETING E JORNAIS UN LIMITED (company number 08621487), não se responsabiliza pelos conceitos emitidos nos artigos assinados. As pessoas que não constarem do expediente não tem autorização para falar em nome desta publicação. Os conteúdos publicados neste jornal podem ser reproduzidos desde que creditados ao autor e ao Brasil Observer.

GB TRIP


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ARTE DA CAPA

Mauricio Planel

www.mauricioplanel.com

Enciclopédias velhas e empoeiradas e revistas esquecidas há décadas em um sebo no Rio de Janeiro são as matérias-primas para a criação de colagens: buscar, recortar e retirar do contexto original para combinar com outras imagens e criar um novo cenário, uma nova história. Mauricio Planel trabalha com ilustrações editoriais e de arquitetura, com trabalhos publicados por: Revista Playboy, Revista Continente, Revista Ciência Hoje, Revista Mundo Estranho, Revista Superinteressante, Revista Florense, Editora Melhoramentos, Revista da Cultura, Revista GQ, Revista Você S/A, Editora Torre del Vigía, WMF, Martins Fontes, CEPE Editora, Mellen Press, Mymag Editora, Rara Editorial, Editora Moderna. Ele também ministra diversas oficinas de colagem manual e digital para alunos de design gráfico, fotógrafos, arquitetos e para pessoas interessadas em artes, passando sua experiência e orientando os alunos a se expressar de forma pessoal e criativa. Tem desenvolvido animações com suas colagens como experiências gráficas e visuais, é membro fundador do coletivo Collagistas sin Fronteras, que reúne artistas sul-americanos que trabalham com essa técnica, e tem realizado exposições no Uruguai, Argentina e Brasil. Mauricio Planel é representado atualmente por Aura Arte Contemporânea, uma galeria online de arte. A capa desta edição foi feita por Mauricio Planel para a Mostra BO, projeto desenvolvido pelo Brasil Observer em parceria com a Pigment e apoio institucional da Embaixada do Brasil em Londres. Cada uma das 11 edições deste jornal em 2017 contará com uma arte em sua capa produzida por artistas brasileiros selecionados em chamada pública. Em fevereiro de 2018, os trabalhos serão expostos na Embaixada.

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Junho 2017 | brasilobserver.co.uk

OBSERVAÇÕES

Perguntas e respostas sobre o mais recente escândalo político brasileiro O presidente do Brasil, Michel Temer, enfrenta um grande escândalo por conta de uma gravação em que aparece tolerando suborno e tentativas de influenciar funcionários públicos. É mais um entre tantos escândalos públicos e corporativos que têm envolvido a elite brasileira nos últimos anos. Pedro Dutra Salgado explica o que está acontecendo.

Quem é Michel Temer? Temer pertence ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Ele foi eleito vice-presidente na chapa de Dilma Roussef (PT) em 2014 e assumiu o comando do país depois que ela foi impedida pelo Congresso em 2016. Desde então, ele lidera uma séria de “reformas” de austeridade, cortando programas sociais e direitos dos trabalhadores.

Qual é o último escândalo? Em 17 de maio, uma conversa gravada e entregue a investigadores como parte de um acordo de delação premida com Joesley Batista, um empresário envolvido em esquemas de corrupção, foi tornada pública. Na fita, Joesley conta a Temer que um de seus aliados que foi preso por corrupção, o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, do PMDB, estava recebendo subornos mensais (Cunha está atualmente preso por lavagem de dinheiro e evasão fiscal). Diante disso, Temer responde: “Tem que manter isso, viu?”. Na mesma conversa gravada, Joesley também afirma que pode influenciar a decisão de dois juízes e um procurador federal, ao que Temer responde: “Ótimo, ótimo”. Apesar de não negar que a voz ouvida na fita é de Temer, os advogados do presidente afirmam que o material foi fortemente editado. O impacto do que foi relatado, porém, é enorme: o presidente, no mínimo, estava ciente de subornos e obstruções às investigações em andamento. Em seu acordo de delação, Joesley também alegou que pagou ilegalmente a quase 2.000 políticos – Temer entre eles – mais de R$500 milhões.

Como isso se relaciona com outros escândalos?

Pedro Dutra Salgado é candidato a PhD em Relações Internacionais pela Universidade de Sussex g

Joesley Batista está sendo investigado pela Operação Lava Jato, que investiga uma maciça rede de propinas e financiamento ilegal de campanhas que envolvem algumas empresas públicas (notadamente a Petrobras) e muitas privadas. A empresa de Joesley, a distribuidora de carnes JBS, provavelmente terá de pagar uma multa de R$11 bilhões. Se confirmada, a multa só perderá para a que foi imposta à empreiteira Odebrecht em abril de 2017 pelos governos do Brasil, Suíça e Estados Unidos. Apesar de as multas serem imensas, os acordos de delação preveem que as empresas ainda poderão disputar contratos públicos.

Como isso pode afetar o governo de Temer? Dado que começou após um golpe parlamentar contra Dilma Rousseff, a presidência de Temer sempre foi frágil. Ele próprio admite que é muito impopular e que seu governo depende do apoio do Congresso e da mídia. No dia seguinte ao lançamento da gravação, o Supremo Tribunal Federal autorizou uma investigação contra Temer e pedidos de impeachment foram apresentados à Câmara dos Deputados. O presidente respondeu com um discurso declarando que não tinha a intenção de renunciar, mas alguns de seus ministros renunciaram, enquanto vários meios de comunicação passaram a exigir que ele se demita ou seja destituído. Com toda essa pressão pública, Temer lutará para manter o apoio do Congresso que ele precisa para manter seu governo em conjunto – em uma aparente tentativa de limpar seu nome e aliviar algumas das pressões, ele agora está pedindo ao Supremo Tribunal para investigá-lo. Uma vez que Temer foi aparentemente flagrado incentivando suborno, corrupção e obstrução da justiça, o caso de seu impeachment é muito mais forte do que aquele que derrubou o governo de Dilma Rousseff. Temer está ainda mais isolado politicamente do que sua antecessora. Ao contrário do Partido dos Trabalhadores (PT) de Dilma Rousseff, que contava e conta com a lealdade de vários movimentos sociais e poderosos sindicatos, o PMDB exerce seu poder unicamente através de sua presença no Congresso, o que significa que seus representantes eleitos são mais vulneráveis aos ​​ escrutínios dos principais meios de comunicação. Se quiserem continuar a ser o maior partido no Congresso, os representantes do PMDB podem ter de se voltar contra seu próprio presidente.

E as acusações contra outros políticos? Além de Temer, as gravações de Joesley Batista também geraram problemas para o senador afastado Aécio Neves, pego na gravação acusando membros do governo de estarem “fracos demais” para acabar com as investigações de corrupção, além de pedir de R$2 milhões. O antecessor de Dilma Rousseff, o ex -presidente Luiz Inácio Lula da Silva, já

enfrenta múltiplas acusações de corrupção, e foi recentemente acusado formalmente por suspeitas de corrupção ainda mais sérias. Tanto ele quanto Dilma foram citados em vários acordos fechados no âmbito da Lava Jato, e há relatos de que juízes e meios de comunicação têm pressionado os acusados ​​a mencionar os ex-presidentes. Outros membros do PT foram constrangidos por revelações que surgiram de acordos recentes entre promotores e executivos, especialmente o ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega, ainda que provas concretas de irregularidades ainda não tenham surgido.

E agora? Protestos contra Temer já existiam antes da gravação de Joesley surgir, e agora devem ganhar mais corpo. Um processo de impeachment pode aparecer no horizonte. Mesmo que Temer não seja impedido, a chapa da qual ele fez parte em 2014 ao lado de Dilma Rousseff pode ser anulada por causa de supostas irregularidades no financiamento eleitoral. Essas alegações serão ouvidas pelo Tribunal Superior Eleitoral em junho. Se Temer for removido do cargo, a presidência passaria para a próxima pessoa elegível na linha de sucessão. A primeira é o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, que está sendo investigado por corrupção, o que pode legalmente excluí-lo da presidência. Em seguida vem o presidente do Senado e o presidente do Superior Tribunal Federal. Quem eventualmente tomar posse teria 30 dias para chamar uma “eleição indireta”, um processo pelo qual um novo presidente seria eleito pelo Congresso, permanecendo no cargo até as eleições gerais de 2018. Isso seria altamente controverso. Muitos brasileiros sentem que o atual Congresso não deve ser encarregado de eleger um novo presidente, e uma eleição presidencial indireta remeteria desconfortavelmente aos tempos da ditadura. Pessoas têm reivindicado eleição direta usando um slogan bastante popular do final dos anos 1980: “Diretas Já”. Há também uma proposta de emenda constitucional que exigiria que qualquer sucessor de Temer chamasse imediatamente uma eleição direta, de modo que o próximo presidente fosse escolhido pelo povo, e não pelos políticos – que atualmente têm menos apoio público do que nunca.


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Marcos Corrêa/PR

A crise política em imagens Reprodução

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2 Marcelo Camargo/Agência Brasil

Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

4 Marcelo Camargo/Agência Brasil

3 Marcelo Camargo/Agência Brasil

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5 Marcelo Camargo/Agência Brasil

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1 Em pronunciamento à imprensa no dia 18 de maio, o Presidente da República, Michel Temer, diz que fica no cargo, apesar das acusações recebidas: “Não renunciarei, repito, não renunciarei”. 2 joesley Batista, o empresário que abalou o governo Temer: proprietário da maior empresa de frigoríferos do mundo (JBS), Batista confessou ter subornado mais de 1.800 políticos, com valores em torno de R$600 milhões, para garantir interesses de suas empresas. 3 A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) protocolou no dia 25 de maio pedido de impeachment do presidente Michel Temer. O documento foi entregue pelo presidente da entidade, Cláudio Lamachia. 4 Manifestantes protestam em Brasília, dia 24 de maio, contra as reformas da Previdência e trabalhista e por eleições diretas. 5 e6 Manifestantes e policiais entraram em confronto; o governo acionou o exército, mas o dispensou um dia depois. 7 Protestos foram convocados por centrais sindicais.


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CONVIDADA

Sexo, drogas e feminismo: para as cantoras de funk cariocas, o pessoal é político Por Adriana Facina g

Mídia NINJA

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Adriana Facina é professora de antropologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Publicado originalmente em www.theconversation.com

Deize Tigrona no festival de música Back2Black 2016

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À primeira vista, não há valores feministas no funk carioca, a música de dança eletrônica nascida nas favelas do Rio de Janeiro. Quase todas as canções cantadas pelas mulheres funkeiras são sexualmente explícitas, às vezes violentas, típicas do funk putaria – nada empoderadoras. Foi o que pensei quando comecei minha pesquisa de pós-doutorado sobre o gênero musical em 2008. De minha perspectiva branca e de classe média, as letras indecentes eram uma expressão de machismo gerado pela sociedade patriarcal brasileira. Eu entendia esse tipo de música, e seus estilos de dança e as roupas insinuantes das artistas, como uma forma de objetivação de mulheres que se submetiam ao poder masculino. Eu não poderia estar mais distante da realidade. Na verdade, ao cantar abertamente sobre sexo e a vida nas ruas em primeira pessoa, as cantoras de funk do Rio de Janeiro estão levando as realidades ásperas dos bairros mais pobres e violentos da cidade para audiências gigantescas, encorajando uma nova geração de jovens artistas.

FUNK DE FAVELA Estava eu em minha primeira sessão de observação, participando de um baile funk na favela, quando vi a quadra de uma escola de samba cheia de equipamentos de som. Uma voz feminina explodiu em meus ouvidos. Era o grupo chamado Gaiola das Popozudas, e a vocalista Valesca cantava: “Vem amor, bate e não para / Com o peru na minha cara”. Eu pensei: não é por acaso que este é o primeiro som que estou ouvindo em meu primeiro dia de trabalho de campo. Preciso aprender com essas mulheres, preciso desconstruir algumas certezas pessoais. Produto da diáspora africana no Brasil, o funk começou a aparecer no Rio de Janeiro no início dos anos 1990, com letras originais escritas em português. Ao longo da última década, passou-se a adaptar canções estrangeiras com novas letras, em vez de traduzir as músicas originais. Com concursos de composição em festas de funk, os jovens fãs se tornaram MCs, escrevendo letras que falavam sobre as favelas onde haviam crescido, declarando seu amor por festas e por outros passatempos disponíveis para a juventude negra e pobre do Rio. Naquela época, havia poucas mulheres no palco. Quando se apresentavam, como a MC Cacau, muitas vezes cantavam sobre o amor. Uma exceção importante foi MC Dandara, uma mulher negra que alcançou sucesso com ser politizado Rap de Benedita. A letra concentra-se em Benedita da Silva, uma residente negra da favela que foi eleita para o Congresso Nacional como representante do Partido dos Trabalhadores, sendo tratada com preconceito pela imprensa tradicional. Até mesmo o nome artístico de Dandara era profundamente político: Dandara era uma líder do assentamento de escravos fugitivos Quilombo dos Palmares, que no século 18 se tornou organização abolicionista.

Na virada do século 21, o domínio masculino no funk passou a ser desafiado com cada vez mais MCs mulheres entrando em cena. A pioneira MC Deize Tigrona, que veio de uma das mais conhecidas favelas do Rio, a Cidade de Deus, era empregada doméstica quando se tornou funkeira. Suas músicas são eróticas, mas jocosas. Um dos primeiros sucessos de Deize foi Injeção, na qual uma injeção no consultório médico torna-se referência ao sexo anal (o refrão diz: “Tá ardendo, mas tô aguentando”). Por volta da mesma época no início dos anos 2000, outra residente da Cidade de Deus alcançou a fama cantando sobre sexo e prazer do ponto de vista de uma mulher. Tati Quebra Barraco era negra, como Deize, e desafiava os padrões de beleza cantando: “Sou feia, mas tô na moda”.

FUNK ABRAÇA O FEMINISMO Conquistando fama, dinheiro e poder, Tati se tornou uma das mulheres mais bem sucedidas no funk. Juntas, ela e Deize introduziram o que mais tarde passaria a ser conhecido como funk feminista, influenciando uma nova geração de artistas mulheres nas favelas. Pouco mais tarde, a artista Valesca Popozuda tornou-se a primeira funkeira a se considerar feminista publicamente. Valesca, que é branca, tornou-se conhecida por letras explícitas que descrevem o que ela gosta de fazer na cama – e não apenas com homens. Com canções que declaram apoio às pessoas LGBTQ, entre outras comunidades marginalizadas, sua defesa da autonomia feminina é claramente política. Em Sou Gay, Valesca canta: “Suei, beijei, gostei, gozei / Sou bi, sou free, sou tri, sou gay”. Valesca tornou-se um ícone do feminismo por falar contra o preconceito de todos os tipos. Em outras faixas, ela destaca questões importantes para a classe trabalhadora e as mulheres pobres do Rio de Janeiro. Em Larguei Meu Marido, por exemplo, conta a história de uma mulher que deixa seu marido abusivo e descobre que ele de repente a quer de volta agora que ela está traindo ele (como ele costumava fazer com ela). Ao vivo no palco, quando Valesca se chama de puta, a multidão enlouquece. Seguindo os passos dessas artistas pioneiras, hoje muitas funkeiras cantam sobre uma variedade sempre crescente de tópicos. A indústria ainda tem questões de gênero, no entanto. As mulheres podem ter estourado no palco, mas elas ainda são minoria entre DJs, empresários e produtores. Os homens dominam os bastidores. Isso certamente vai mudar. Nada é impossível para essas brasileiras que, imersas em uma sociedade profundamente patriarcal governada por valores cristãos conservadores, encontraram voz para gritar: essa buceta é minha! É a linguagem do funk para o slogan “meu corpo, minhas regras”.


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10 Junho 2017 | brasilobserver.co.uk

ENTREVISTA

LINIKER E OS CARAMELOWS Quando 9 de junho, 8pm Onde Rich Mix, 35-47 Bethnal Green Road, London E1 6LA Entrada £15-18 Info www.richmix.org.uk

Rafael M Barone

‘Estamos levando na nossa malinha de mão um bocado do calor brasileiro’ Baixista da banda Liniker e os Caramelows conversa com o Brasil Observer antes de apresentação em Londres Por Wagner de Alcântara Aragão

Menos de dois anos depois do EP “Cru”, lançado pela internet e que, pelo sucesso e visibilidade, colocou o grupo no circuito musical brasileiro, Liniker e os Caramelows realizam em junho sua primeira turnê internacional. Em 20 dias, serão 11 shows em igual quantidade de cidades, de seis diferentes países da Europa. Não é a primeira vez que a turma se apresenta fora do Brasil – em março, a banda participou de um festival nos Estados Unidos. Mas a agenda europeia se estabelece como marco na história do sexteto. Além de extensa, foi estrategicamente garimpada, conforme explica em entrevista ao Brasil Observer o baixista Rafael Barone. O músico ressalta ainda que, além de música e muita arte, Liniker e os Caramelows levam para o público que está na Europa posicionamento político também. Em tempos de tanta conturbação no Brasil, Liniker e os Caramelows consideram fundamental expressar o que pensam e o que defendem política e socialmente. “Isenção” não é com eles. Confira a entrevista, concedida por

e-mail, uma semana antes de o grupo embarcar para a turnê. Como foi o processo de elaboração dessa turnê? É a primeira turnê internacional de vocês – ou, pelo menos, a mais extensa? Desde que lançamos o EP “Cru” e vimos a repercussão no exterior, monitoramos alguns dos países [dos quais] mais se acessavam os [nossos] vídeos e também de onde nos pediam shows. Estávamos esperando alguma data especial, e a aprovação na programação do Primavera Sounds foi a desculpa perfeita para iniciarmos a turnê. Já havia conversas com duas agências de lá, a Bacana, fazendo Europa em geral, e a Ao Sul do Mundo, que faz Portugal. A partir daí iniciamos a busca pelas melhores datas em cidades estratégicas como Barcelona, Madrid, Paris, Berlim, Londres, Lisboa, Porto. Essa é de fato nossa primeira turnê internacional, sendo que nossa primeira viagem internacional foi em março deste ano, para três shows no festival SXSW, nos Estados Unidos.


brasilobserver.co.uk | Junho 2017 11

Leila P.

Liniker e os Caramelows

Rafael Barone

​ que o público pode esperar dessa O turnê, em termos de repertório, espetáculo? Alguma coisa especial preparada? Para essa turnê vamos levar duas novas músicas no repertório, um cover instrumental da banda Black Rio e uma música nova, já desenhando o que possivelmente será o novo disco – mas é muito cedo ainda pra falar disso. Também vamos com novos figurinos e banda completa, os nove nos palcos da Europa. Pelo que vocês projetam até o momento, o público deve ser composto essencialmente por brasileiros que estão na Europa, ou a tendência é ter presença significativa de público local também? Acreditamos que o público será distinto, de acordo com cada data. Em algumas capitais, como Paris, Londres, Berlim, boa parte do público deve ser de brasileiros. Em algumas datas que serão festivais, como Barcelona e Braga, teremos majoritariamente outros públicos que não os

brasileiros, mas sabemos que em todas as datas teremos muitos conterrâneos calorosos pra nos receber. Para o show em Londres, quais as expectativas? Que recado, desde já, vocês podem deixar para o público que está na Inglaterra? Nossa passagem por Londres será muito rápida; não conseguiremos vivenciar a cidade e essa cultura que nos inspira tanto (sobretudo os roqueiros da banda). Então é aproveitar de conta-gotas cada minuto que estivermos por aí, sabendo que voltaremos em breve e, quem sabe, passando por várias outras cidades do Reino Unido. Essa turnê ocorre num momento bastante conturbado da vida brasileira. Lineker e os Caramelows se caracterizam por se posicionarem política e socialmente. Esperam que os shows dessa turnê, de certa forma, catalisem anseios dos brasileiros que estão longe do país, mas que estão acompanhando e sentindo a desordem política e social com atenção?

Com certeza será um momento de catalisarmos nossas energias e nos posicionarmos. Todos nós brasileiros, não só os que vivem no país, sabemos bem o quão conturbado e perigoso é este momento. Precisamos deixar clara nossa posição a favor de muito mais transparência nos três poderes. Contra toda essa cultura de corrupção que é estrutural em nosso país. Contra esse governo que tomou o poder por intermédio de um golpe muito bem articulado pela direita aliada a interesses de grandes empresários e a mídia que mascara muito bem tudo isso para grande parte da população brasileira. Essa conturbação não chega a ser exclusividade brasileira – em maior ou menor grau, países da Europa também enfrentam convulsões. O reacionarismo ascende por lá também. A presença e a atuação de vocês por lá, por tudo que vocês representam, são uma forma também de reafirmar essa resistência ao avanço do reacionarismo, da extrema direita conservadora, fascista?

Nos últimos anos as pautas da esquerda vêm ganhando mais força no mundo todo. Cada vez mais indivíduos se posicionando contra o racismo, xenofobia, homofobia, transfobia, machismo, contra a fome, a favor da dignidade humana e outras tantas lutas que são enfrentadas no dia a dia da maioria da população mundial. Esse movimento da direita eu vejo muito como uma reação a todos os avanços que vêm sendo feitos. Acho, sim, que teremos grandes embates sociais, principalmente pelo uso de força bruta por partes dessas oligarquias invisíveis, mas não iremos dar um passo atrás. Fique à vontade para fazer observações outras que considerar necessárias; deixar algum recado para o público etc. Estamos levando na nossa malinha de mão um bocado do calor brasileiro que eu imagino que faça tanta falta a todos os brasileiros em Londres. Comecem desde já os alongamentos e preparem o coração que vamos dançar muito e também nos emocionar muito juntos!


12 Junho 2017 | brasilobserver.co.uk

REPORTAGEM

Até onde vai a ‘nova direita’? Em cenário de descrédito da classe política, novos personagens e agremiações têm a chance de crescer e ampliar seu espaço

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Matéria publicada originalmente em www.redebrasilatual.com.br

Por Glauco Faria e Luciano Velleda


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Movimentos de direita cresceram com o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e buscam voos maiores em 2018

Tasso Marcelo/ Fotos Públicas

Eles começaram a aparecer com mais força nos protestos a favor do impeachment de Dilma Rousseff, mas mesmo antes disso já eram figuras relevantes nas redes sociais. Alguns de seus expoentes, a essa altura, tinham se tornado figuras carimbadas em veículos da mídia tradicional, enquanto outros amealhavam legiões de fãs com suas análises e comentários. Em 2016, conseguiram eleger representantes diretos e viram triunfos de candidatos que contaram com seu apoio. Agora, em um cenário político que favorece a possível emergência de outsiders, os integrantes da chamada nova direita pretendem almejar voos maiores nas eleições do ano que vem. Esse novo agrupamento ideológico, heterogêneo, mas cada vez mais visível, tem sido estudado por parte do meio acadêmico que acompanha sua consolidação nos últimos anos. Não à toa, já que possíveis postulantes desse segmento aparecem com relativo protagonismo em sondagens eleitorais recentes, como é o caso do deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) e do prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB). Mas como definir e delimitar o que seria essa nova direita? “Para sabermos se há uma ‘nova direita’, seria preciso diferenciá-la da ‘velha direita’”, resume Adriano Codato, professor de Ciência Política e coordenador geral do Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira da Universidade Federal do Paraná (UFPR), explicando em seguida a diferença entre um e outro grupo, proposta pelo cientista político Bruno Bolognesi no âmbito de um projeto de estudo sobre as direitas na América Latina. Conforme essa divisão descrita por Codato, a velha direita está concentrada em partidos que possuem ligação com as ditaduras militares – por exemplo, DEM, ex-PFL, que teve parte de seus integrantes vindos do PDS, ex-Arena –, sendo caracterizada por pontos como a defesa moderada da não intervenção do Estado na economia, a crítica aos programas de compensação social como Bolsa Família, Fies etc., e pela defesa da moral cívica e da família tradicional (direita laica). Já a nova direita, segundo o cientista político, surge “tanto como resposta política e eleitoral à velha direita como resposta à ascensão da esquerda”. Ela se faz presente principalmente nas novas e pequenas legendas sem ligação com o sistema de partidos tradicional, como PSC, PRB e PEN, defendendo a intervenção limitada do Estado na economia para garantir a igualdade de oportunidades – programas sociais –, a aceitação da democracia eleitoral, e a defesa radical dos valores cristãos e da família tradicional (direita religiosa). Se no início do período da redemocratização até políticos com evidente inclinação à direita não se assumiam como tal, hoje o cenário é diferente. “É uma nova geração, são pessoas que têm entre 18 e 40 anos, nasceram nos anos 1980 para cá e não se relacionam com o regime militar. Em geral, rejeitam a ditadura

de forma absoluta em termos econômicos”, explica Camila Rocha, doutoranda em Ciência Política pela Universidade de São Paulo, que ressalta a diversidade de pensamentos e um ponto em comum entre esses segmentos. “Tem desde monarquistas até libertários, mas todos convergem na defesa da liberdade de mercado, divergem no papel do Estado regulando os costumes.” Conciliar o liberalismo econômico com o conservadorismo em termos morais tem sido um dos desafios dos que pretendem encarnar o espírito da direita rejuvenescida. Um exemplo disso foi a candidatura do Pastor Everaldo, pelo PSC, à presidência da República em 2014. Um dos principais motes do seu discurso durante a campanha, além da “defesa da família”, era a pregação em prol do Estado mínimo, repetindo bordões como “Mais Brasil e menos Brasília na vida do cidadão brasileiro”. Foi o único presidenciável a defender de forma aberta a privatização da Petrobras. Ao fim, não conseguiu mobilizar nem o segmento evangélico nem os liberais econômicos em torno de sua candidatura, amargando parcos 0,75% dos votos no primeiro turno. “O programa e o discurso do Pastor Everaldo eram ensaiados por seus financiadores e não uma conversão da direita religiosa ao liberalismo econômico. É muito difícil no Brasil ser ‘liberal’, no sentido econômico, e ser ao mesmo tempo ‘liberal’, no sentido dos direitos individuais”, avalia Adriano Codato. “Os candidatos conservadores religiosos podem se fantasiar com o liberalismo econômico, mas não podem admitir o liberalismo dos ‘direitos do indivíduo’, pois isso implicaria em admitir o controle sobre o próprio corpo, por exemplo. Além disso, o liberalismo estrito, aquele de manual de Economia, não serve num país de renda tão baixa, necessidades sociais tão altas e que está acostumado a ser provido pelo Estado. O empresariado inclusive. Ou principalmente.” A legenda do religioso é uma das que têm buscado reforçar uma maior identidade com movimentos da direita emergente, tentando se renovar perante o eleitorado. “Parte da nova direita se organiza principalmente em torno de três partidos: o PSL, que tem uma tendência; o Livres, que quer se tornar hegemônica; o PSC, do Pastor Everaldo, de tendência liberal-conservadora; e o Partido Novo, mais alinhado com o Proposta Republicana (PRO) de Mauricio Macri (presidente argentino), não entrando na pauta de costumes, com um perfil de administração profissional e contando com empresários”, pontua Camila Rocha. No caso do PSC, a cientista política aponta o advogado Bernardo Santoro, diretor do Instituto Liberal, como um dos responsáveis pela elaboração da plataforma de campanha do presidenciável do partido. “Ele (Everaldo) não tinha qualquer noção de liberalismo econômico antes disso”, afirma. Santoro também colaborou com a campanha de Flávio Bolsonaro à prefeitura do Rio de

Janeiro, em 2016, e está trabalhando a candidatura de Jair Bolsonaro à presidência em 2018. “Uma das tensões da nova direita é entre liberalismo e conservadorismo. Muitos libertários, por exemplo, são contra Bolsonaro e tem sido feito um trabalho de convencimento para que ele seja encarado como alguém confiável”, pontua. Uma amostra da dificuldade para equilibrar as tensões entre valores distintos da direita são as declarações de Bolsonaro. No início de fevereiro, ele disse que o Estado brasileiro é “cristão” e que as “minorias têm que se curvar”. Na ocasião, Santoro, em seu perfil no Facebook, saiu em sua defesa, dizendo que as críticas ao discurso do parlamentar eram um “caso claro de má-vontade com o deputado”. “Não há nenhum problema em se defender um Estado confessional democrático, que tem em si mesmo um poder de defesa institucional ao marxismo cultural que o estado laico não possui”, escreveu. “O que ele pretende, de fato, é combater, isso com vigor e tenacidade, todas as minorias politicamente organizadas que pretendem e têm tentado implementar agendas de reengenharia social para destruição dos valores cristãos que, sim, fazem parte da construção e sedimentação da nossa sociedade.” Na mesma postagem, Santoro vê paralelos entre o deputado e o atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. “Racionalizando as atitudes dele, o que eu vejo é que, com esse discurso superficial e de chavões, ele atinge a classe popular, cujo pensamento político não é rebuscado e não compreende o tipo de nuance que eu apresentei aqui. Talvez ele tenha percebido algo que eu não percebi, uma forma de comunicação genuína com o povo, tal como Trump fez nos EUA e nenhum analista político lá percebeu (salvo o esquerdista Michal Moore, o único que viu que Trump estava comendo a base democrata no cinturão do aço com seu discurso antiglobalização, onde a eleição se resolveu a seu favor, especialmente em Pensilvânia, Michigan e Wisconsin).”

A DEFESA DO LIBERALISMO DÁ VOTOS? Que existe uma consolidação do espaço da direita em termos político eleitorais, não se pode negar. Porém, a questão é saber até onde esse segmento pode ir, já que os postulados neoliberais não encontram grande apoio em meio à população, mesmo entre aqueles que se definem de direita. Nas eleições presidenciais de 2006, aliás, o candidato tucano, Geraldo Alckmin, passou pelo constrangimento de ter que se vestir com um macacão ornado com logotipos de empresas públicas para afirmar que não iria proceder a novas privatizações, uma das marcas dos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, único tucano a chegar ao Planalto.


14 Junho 2017 | brasilobserver.co.uk

Um estudo feito pelos pesquisadores Esther Solano (Unifesp), Pablo Ortellado e Marcio Moretto (USP) mostra a dificuldade que candidatos atrelados à defesa de princípios do liberalismo econômico podem encontrar em eleições majoritárias. Entre os dias 15 e 22 de outubro de 2016, eles realizaram uma pesquisa sobre assuntos frequentes nas redes sociais quando se aborda política, ouvindo 1.058 paulistanos. Entre os temas estava, por exemplo, a seguinte afirmação: “As empresas estatais como os Correios e o Banco do Brasil deveriam ser privatizadas”. Entre os entrevistados, 53,1% discordaram, diante de 30,2% que concordaram. Outras afirmações avaliadas foram “O bolsa-família é necessário para reduzir a desigualdade”, com concordância de 54,1% das pessoas. Em relação à frase “Quem começou a trabalhar cedo, deve poder se aposentar cedo, sem limite de idade”, 83,8% disseram estar de acordo, sendo que 83,1% concordam que “Todo mundo deveria trabalhar com carteira assinada”. “Existe uma diferença grande entre os grupos que tomaram frente da questão do impeachment e as pessoas que estiveram presentes nessas manifestações”, avalia Esther Solano, em evento realizado pelo Instituto Goethe, em São Paulo. “Esses atores (como MBL, Vem Pra Rua e Revoltados On Line) se colocam como pró-mercado, privatistas e defensores do Estado Mínimo. Mas as pessoas que se definem como conservadoras e que foram para as manifestações pró-impeachment não aderem ao consenso neoliberal”, afirma, ressaltando que tal consenso só se aproxima da realidade nas camadas com renda mais alta. Pesquisa da Fundação Perseu Abramo divulgada em março, que analisava os valores políticos das regiões periféricas de São Paulo, também reforça essa percepção, ainda que, à época, setores da mídia tradicional tenham celebrado os resultados. “No momento antes da crise, quando houve a ampliação do mercado de trabalho e do mercado de consumo, as pessoas passaram a ser incluídas e a experimentar um pouco o que era ter cidadania, ainda que por meio do consumo, de uma maneira intensa e, para alguns desses setores, inédita. No momento em que temos a reversão do ciclo econômico, essas pessoas passam a sentir o impacto desse recuo. Isso vai criando um ambiente marcado por valores ambíguos e paradoxais. No fundo, esse grupo social, como experimentou a cidadania e o consumo, passou a ter a autoestima elevada, auto respeito, passou a desejar o direito de construir a própria biografia de maneira autônoma”, explica, em entrevista à RBA publicada em abril, o professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp), cientista político e economista William Nozaki. “Isso cria uma noção de individualidade diferente da que existia até aquele momento, porque as pessoas passam a se entender como cidadãos. E como cidadãos passam a se ver como indivíduos que querem ter a chance, a oportunida-

de, de construir a própria vida. Isso cria uma abertura para a inoculação de valores marcados pela presença do empreendedorismo, da competição, mas não no sentido neoliberal, e sim no sentido de ter o direito de construir a própria trajetória de vida. Passa mais por aí do que por uma lógica de competição exacerbada, ou de vitória da livre concorrência de mercado. É mais a construção de uma noção moderna de indivíduo”, afirma.

A ANTIPOLÍTICA E AS PRÓXIMAS ELEIÇÕES O estudo conduzido pelos pesquisadores da USP e Unifesp mostra ainda que boa parte do sentimento do antipetismo poderia ter migrado para a antipolítica. Já em abril de 2015, somente 11% dos manifestantes entrevistados nos atos pelo impeachment diziam confiar muito no PSDB, em que pese a maioria deles ter se assumido como votante da legenda. Em relação ao PMDB, partido ao qual pertencia o vice-presidente que assumiria a cadeira de Dilma, esse índice chegava a 1,4%. “Vivemos um cenário de cultura política rarefeita, uma polarização muito forte e ao mesmo tempo vazia, e isso possibilita a eleição de líderes tecnocráticos num ambiente de democracia fraca. Nesse cenário, o surgimento de lideranças apolíticas pode ser um grande perigo, ao mesmo tempo em que as coisas mudam rapidamente e não é possível fazer muitas previsões com segurança”, observa Rodrigo Estramanho de Almeida, professor da FESPSP (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo). Com um panorama no qual reina o descrédito tradicional, abre-se um caminho para legendas como o Novo ou um repaginado PSL, além de figuras fora da política tradicional e que, pretensamente, rejeitam a política. Isso já se refletiu nas eleições de João Doria, em São Paulo, e de Alexandre Kalil (PHS), em Belo Horizonte, por exemplo. Um perfil de candidato relacionado ao sucesso pessoal, com discurso de “gestão empresarial” na administração pública. Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso reconheceu essa condição, que afetou a imagem de três possíveis postulantes de seu partido à presidência em 2018, os senadores Aécio Neves e José serra, e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. “A questão é que o sistema político brasileiro não favorece a formação de líderes nacionais. Fora de campanhas, quem aparecia nacionalmente? O ex-presidente, o presidente e um ou outro candidato a presidente. Quando alguém chamava atenção? Só os mais bizarros conseguiam. Isso agora mudou, está mudando. O Doria está fora (desse esquema anterior), o Luciano Huck está fora. Eles são o novo porque não estão sendo propelidos pelas forças de sempre. Temos de ver como isso se desenrola.” Se nomes da nova direita estão também nos partidos grandes, as legendas menores têm um espaço grande para

crescer. O Novo, por exemplo, filiou o técnico de vôlei Bernardinho, emigrado do PSDB, em abril. Uma palestra do ex-treinador (com entrada paga) programada para junho, em Porto Alegre, aparece na agenda de eventos da legenda, indicando que ele poderá agregar outras personalidades públicas ao partido. No PSL, o economista Gustavo Franco, ainda no PSDB, é um dos padrinhos da tendência Livres, representada por libertários que buscam ocupar um espaço maior na agremiação. Entre os partidos grandes, o prefeito de São Paulo tem investido na fórmula que fez sucesso nas manifestações de 2015, vestindo o figurino do antipetismo e polarizando, sempre que possível, com Lula. Aécio também adotou estratégia semelhante em 2014 e conseguiu superar Marina Silva e chegar ao segundo turno. Mas a radicalidade à direita assustou parte do eleitorado “centrista” e o tucano foi derrotado por Dilma. Em uma disputa pelo eleitorado de Bolsonaro, o antipetismo pode servir a Doria, mas é o suficiente para vencer?

Prefeito de São Paulo, João Doria

Deputado federal Jair Bolsonaro


brasilobserver.co.uk | Junho 2017 15

Reprodução

June

Samba Phenom

Luiz Guadanoli/Secom


16 Junho 2017 | brasilobserver.co.uk

Para fechar o corpo Luciano Paiva

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Candomblé

Como um ritual de proteção une diferentes tradições religiosas Por Adam Lee

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Este artigo foi publicado originalmente em www.globalvoices.org

Quando o comércio de escravos chegou ao Brasil no século 16, as crenças e os rituais africanos sobreviveram às longas viagens transatlânticas. Ao longo dos séculos, tais crenças viriam a unificar muitos dos descendentes dos cerca de quatro milhões de escravos trazidos para o país, por meio das atuais religiões afro-brasileiras do candomblé e da umbanda. Durante período de colonização, 700 mil imigrantes portugueses se fixaram no Brasil, trazendo seu próprio tipo de catolicismo com eles. Alguns deles acabariam assentando-se no Sertão, o implacável deserto brasileiro, e seus descendentes seriam conhecidos como “sertanejos”. Os dois grupos viriam a compartilhar não só uma grande parte da mesma região – o Nordeste –, mas também um aspecto importante entre as suas religiões: um ritual conhecido como o fechamento de corpo. O fechamento de corpo é baseado em uma oração de proteção que resulta em um corpo protegido. O ritual é feito para afastar o mal, seja espiritual, físico ou os dois. Se a garantia procurada fosse física, o beneficiário acreditaria estar protegido contra ataques de seus inimigos, sejam eles perpetrados por facas, armas de fogo ou veneno de cobra. Mas como o fechamento de corpo se tornaria um fio condutor que percorre essas duas diferentes tradições religiosas no Brasil? A história começou há mais de quinhentos anos.

CATOLICISMO COMO UM MANTO No século 15, os portugueses foram à África em busca de uma rota para a Índia, iniciaram a produção de cana de açúcar e, em seguida, fizeram a transição para um negócio mais lucrativo: o do comércio de escravos. No mesmo período, na África subsaariana, os missionários portugueses chegaram para converter os habitantes locais para o cristianismo. A manifestação posterior dos sistemas de crenças africanas no Brasil sugere que a missão dos padres portugueses não foi totalmente bem-sucedida. Em vez de mudarem fundamentalmente suas crenças, os africanos acabaram as complementando e/ou as disfarçando com elementos da religião dos escravistas portugueses. A revista brasileira Mundo Estranho escreveu sobre essa ocultação num artigo de janeiro 2014: “Naquela época, chegaram ao país os primeiros africanos de origem iorubá, um povo que ocupava a região onde hoje ficam Nigéria, Benin e Togo. A religião dos iorubás era o candomblé, mas eles aportaram no Brasil

como escravos e não podiam cultuar suas divindades livremente […] Por causa dessa proibição, os escravos começaram a associar suas divindades com os santos católicos para exercerem sua fé disfarçadamente. Como os santos católicos são bem numerosos, existem divindades que são identificadas com mais de um santo. Oxóssi, o rei da caça, é associado a São Jorge e a São Sebastião”. O candomblé como religião foi formalizado no século 19. Depois veio a umbanda, já no século 20, que é principalmente uma mistura de candomblé e espiritismo, esse por sua vez um movimento religioso que acredita na existência de espíritos e reencarnação. As duas religiões de origem africana são “comparáveis ao cristianismo e ao Islã”, já que “elas têm fundações, ritos, visões e interpretações completamente diferentes”, de acordo com o blog Tenda de Umbanda Filhos da Vovó Rita, que é gerido por um terreiro de umbanda em Santa Catarina. No entanto, o blog explica que candomblé e umbanda compartilham alguns traços comuns, tais como a devoção aos deuses conhecidos como orixás e o uso de contas e tambores de mão. Uma das crenças africanas a fazer parte deste manto católico era justamente o ritual de corpo fechado. Curiosamente, o ritual – também chamado de “kura” – normalmente é praticado a cada ano na sexta-feira santa, em terreiros por todo Brasil. O blog O Candomblé explica o processo do ritual: “As Kuras são incisões feitas no corpo do Yaô (noviço já iniciado no Candomblé), que por um lado representam o símbolo de cada tribo, como o símbolo de cada Ilê (casa ou terreiro), mas têm o objetivo de fechar o corpo do Yaô, protegendo-o de todo o tipo de influências negativas. Para isso são feitas as incisões (o que chamamos de abrir). Nessas incisões é colocado o Atim (pó) de defesa para aquele Yaô (iniciado). O Atim tem uma composição base de diversas plantas e substâncias, mas o Atim utilizado para as Kuras contém também as ervas do Orixá daquele Yaô em quem ele vai ser aplicado”. A umbanda, por outro lado, geralmente adota métodos menos invasivos para “fechar” o corpo. Em vez de incisões, o pai ou mãe de santo (chefes do terreiro) usam uma mistura de ervas e outros ingredientes para depois delicadamente fazer o símbolo da cruz sobre as partes diferentes do corpo da pessoa que está se submetendo ao ritual. Os ingredientes variam. De acordo com o blog Sete Porteiras, elementos como chaves, giz branco, ervas, azeite, correntes, amuletos, orações, velas, água, conchas, correntes de aço e alho são nor-


brasilobserver.co.uk | Junho 2017 17

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AS ORAÇÕES DE PROTEÇÃO DE UM BANDIDO Os afro-brasileiros não foram os únicos que passaram a praticar o fechamento do corpo. Os camponeses residentes do Sertão também adotaram o ritual. Localizado no interior nordestino, o sertão é o deserto brasileiro. A baixa precipitação anual na região gera secas prolongadas. O solo é pouco favorável à agricultura. Lá, a vida depende dos ciclos da natureza e de sacrifícios e batalhas diárias, mas, apesar disso, sua população resiste e sobrevive. Euclides da Cunha, um escritor e repórter brasileiro que cobriu a Guerra de Canudos, uma rebelião camponesa que aconteceu no final do século 19 no Sertão, falou sobre a longevidade e a força do camponês rural quando disse que “o sertanejo é, antes de tudo, um forte”. A região tem uma cultura distinta. Ao longo dos séculos, tradições orais se misturaram e deram origem à rica literatura local, conhecida como cordel, estilos musicais, como o forró, frevo, xaxado, samba de roda e samba de coco, e festividades de inverno (durante a estação chuvosa), centrados em torno de São João Batista. A religião no Sertão também tem um toque único. Camponeses criaram o seu próprio tipo de catolicismo rural no Brasil, combinando “magia, superstições, a presença de amuletos, orações fortes e de corpo fechado, rezadeiras, beatos”, de acordo com o cientista social Max Silva D’Oliveira. Na dissertação intitulada “O Mandonismo do Sertão”, o autor Luis Carlos Mendes Santiago descreve vários métodos e cerimônias para fechar o corpo praticados no Sertão que às vezes vão além de simples orações. Em um exemplo, descrito pelo famoso antropólogo brasileiro Câmara Cascudo, o beneficiário permanece de pé, com o pé direito sobre o esquerdo, em um balde de água, ao receber gestos feitos com uma chave. Outra maneira inclui uma freira que costura uma hóstia – considerado o corpo de Cristo – sob a pele enquanto são feitas orações e movimentos rituais Um sertanejo que ficou famoso por praticar o ritual de corpo fechado foi Virgulino Ferreira da Silva, mais conhecido como Lampião. Durante os anos 1920 e 1930, Lampião foi um líder de cangaceiros, grupo de camponeses armados que ora prestavam serviços a grandes proprietários de terra, ora se rebelavam contra eles. O autor americano Billy Jaynes Chandler, que escreveu o livro “Bandit King”, o compara com o americano Jesse James, um famoso fora da lei dos Estados Unidos e uma figura central no imaginário do faroeste americano. Enquanto Lampião ardentemente e continuamente infringiu a lei, ele nunca rompeu com as suas crenças religiosas,

que se estendiam para o terreno místico. O blog Lampião Aceso descreve as crenças de Lampião durante a época de seu banditismo nômade: “Era comum a crença de que aquele que soubesse alguma oração de corpo fechado e tomasse seus cuidados, estaria protegido contra a peste e as balas mortais dos inimigos. Lampião e seus cangaceiros recitavam esta oração diariamente. O líder do cangaço acreditava que a força da fé era suficiente para protegê-los dos perigos naturais do Sertão […]. Outro guerreiro, séculos antes, tornou-se símbolo da proteção divina: São Jorge, que corresponde, na mitologia, ao Orixá dos exércitos e dos guerreiros. […] Lampião incluiu em sua oração de fechamento de corpo não só vários elementos da oração a São Jorge, como principalmente a imensa religiosidade que recobre o povo sertanejo”. Além de apenas recitar as orações de proteção, o Lampião era bem conhecido, tanto entre os seus amigos bandidos quanto os seus inimigos, por sua capacidade de ver “além”. Não só isso, mas seus inimigos nas Forças Volantes – soldados que eram contratados para lutar contra os bandidos – também levavam a sério o significado de seus próprios sonhos. No livro “Lampião: Senhor do Sertão”, a autora Elise Grunspan-Jasmin acrescenta: “Lampião não tinha somente o dom de interpretar os sinais anunciadores de boa fortuna, de perigo ou de desgraça. Diziase que era dotado de uma intuição de adivinho e, de acordo com alguns dos seus companheiros, de um ‘sexto sentido’: ele ‘via’ o que os inimigos procuravam dissimular e também o que ninguém tinha possibilidade de ‘ver’”. Apesar de suas orações diárias para proteção, o Lampião, que deve ter se sentido invencível durante o seu reinado de 16 anos como o mais famoso fora da lei do Brasil, acabou sendo traído, o que levou ao seu assassinato por tropas policiais. Seu corpo “fechado” estava literalmente aberto e uma parte dele foi exposto publicamente como exemplo para outros que pudessem se inspirar em sua causa. Pode-se dizer que a sua morte é a prova de que o ritual de corpo fechado não funciona, mas talvez suas quase duas décadas como um fora da lei provem o contrário.

UMA SAÍDA PARA OS QUE MAIS SOFREM O mais interessante talvez não seja o fato do ritual de corpo fechado sobreviver ou morrer com certas pessoas, mas que sobrevive culturalmente através dos séculos, mesmo quando praticado por descendentes de dois grupos sociais completamente diferentes. Apesar de ser um ritual que não nasceu no Brasil, o fato de que eles criaram raízes entre aqueles que mais sofreram – descendentes de escravos e colonos do sertão – não parece ser coincidência. Talvez a razão pelo qual o ritual sobreviva esteja na paisagem, tanto geográfica quanto religiosa. Um ponto de convergência que por acaso está no Brasil.

Divulgação

malmente usados. Cada chefe de terreiro tem sua própria maneira particular de manipular os elementos físicos voltados para a proteção astral.

Made in Brasil & Made in Brasil Boteco Parada Obrigatória para os Entusiastas da Cultura Brasileira Nas agitadas ruas de Camden Town, podemos encontrar dois locais que brindam o público com o verde amarelo da cultura brasileira. O nome não poderia ser outro, Made in Brasil e Made in Brasil Boteco, lugares que fazem história no bairro londrino e oferecem uma perfeita combinação com os ingredientes que não podem faltar nos bares brasileiros: boa música, saborosas porções, caipirinhas e excelente atendimento. Parada obrigatória para os entusiastas da diversidade brasileira.

Made in Brasil

Desde 2004, o Made in Brasil faz com que você se sinta em uma festa na praia, com seu clima vibrante, suas cores naturais quentes e a decoração típica. Isso combinado com a extensa lista de coquetéis e a saborosa culinária tradicional e moderna brasileira. Além disso, o local conta com um espaço intitulado ‘Copacabana Beach Bar’, localizado no andar de baixo do bar. Com estilo próprio e acolhedor, conta com apresentações de bandas ao vivo, e é onde os DJs residentes mandam o melhor da bossa nova, samba e ritmos latinos. O espaço fica disponível para festas privadas, de empresas e particulares.

Made in Brasil Boteco

O Made in Brasil Boteco é inspirado nos autênticos botequins brasileiros, que são ponto de encontro para boêmios que buscam drinks saborosos, elegantes porções e uma conversa sem compromisso em um ambiente agradável. Proposta cumprida com excelência pelo local, que com seus diferentes ambientes agrada a todos os gostos, desde os que preferem ficar em torno do bar àqueles que buscam um ambiente mais intimista – há também um aconchegante terraço para aproveitar. A música é um fator intrínseco ao Boteco, regado a jam sessions, DJs e roda de samba. O espaço também conta com exposições de arte, aulas de samba e salsa, exibição de filmes brasileiros e sul-americanos, além de espaço para eventos culturais, empresariais e particulares. Para ficar por dentro da programação, fique ligado: @MadeInBrasil1 – @madeinbrasilboteco


18 Junho 2017 | brasilobserver.co.uk

DICAS

EXPOSIÇÃO Brasil Junino: ‘Potencializar o turismo através das manifestações culturais’ Divulgação

Com uma equipe de 59 pessoas, entre bailarinos, artistas e produtores, mais oito toneladas de trajes típicos, decoração e fantasias, o Brasil Junino desembarcou na Europa no início de maio e já reuniu mais de 50 mil pessoas em quatro capitais Por Ana Toledo

Depois de mais de 500 mil visitas recebidas durante os Jogos Olímpicos Rio 2016, o Brasil Junino ganhou força. Em 2017, nos meses de maio e junho, com organização do Instituto Brasileiro de Integração (IBI), suporte da Embratur e das Embaixadas do Brasil, o “Arraiá Brasileiro” desembarcou na Europa para uma turnê pelas capitais Lisboa, Madrid, Roma e Londres. São oito toneladas de materiais vindos do Brasil, mais quatro toneladas de material produzido em Lisboa, tudo para completar cada detalhe do evento e mostrar a diversidade cultural do Brasil através da festa Junina, celebração que acontece em todas as regiões do país, sendo as maiores no nordeste brasileiro. Em Londres, de 26 de maio a 4 de junho, a Sala Brasil – prestigiado espaço da Embaixada Brasileira em Londres – ganha um colorido sem igual com bandeiras, balões, comidas e bebidas típicas, música, dança, poesia, literatura de cordel, Santo Antônio e um espaço dedicado a J. Borges, artista folclórico e xilogravurista brasileiro. Além dos 10 dias de programação na Embaixada, o Brasil Junino sai às ruas com flashmobs nas famosas praças Trafalgar Square e Leicester Square. “A ideia é fortalecer a cultura popular brasileira, mostrando as festas juninas como um novo produto turístico do Brasil”, explica a brasiliense Edilane Oliveira, diretora artística e curadora do Brasil Junino. A estrutura da mostra é composta por painéis com áudio e vídeo, mostrando as sete principais festas de São João do Brasil, que acontecem nas cidades de Campina Grande (Paraíba), Caruaru (Pernambuco), Aracaju (Sergipe), São Luís (Maranhão), Amargos (Bahia), Mossoró (Rio Grande do Norte) e Ceilândia (Distrito Federal).

Brasil Junino na Sala Brasil, na Embaixada do Brasil em Londres

Personagens Catirina e Mateus, apresentando a história de São João para o público

“A exposição é totalmente interativa. Temos a parte de áudio e vídeo, na qual, além de mostrar as sete maiores festas de São João no Brasil, mostramos que o país tem estrutura para receber o turista internacional”, destaca Eliane. Para completar a festa, o Brasil Junino tem a cenografia com esquetes apresentados pelos personagens Catirina e Mateus, que introduzem para o público o significado desta festa para o Brasil. E, de acordo com a curadora, “para que a festa fique mais viva, as apresentações dos artistas, danças e música”. “Queremos fazer com que as pessoas tenham um pouquinho do São João aqui, vivam isso e tenham vontade de ir para o Brasil para curtir essas tradições lá”, acrescenta. Além de potencializar o turismo e promover a cultura popular, o Brasil Junino colabora com o fortalecimento de

Edilane Oliveira, Curadora e Diretora Artística do Brasil Junino

produtores locais da cultura brasileira nas cidades por onde passou. “Nós fortalecemos a nossa cultura por onde passamos e alguns artistas locais que vivem dessa arte e que, às vezes, não têm muita expressão. Com a vinda do Brasil Junino conseguimos promovê-los, e juntar essa força durante e depois de nossa passagem”, enfatiza Edilane. Em Londres, dentre outros artistas, o evento contou com presença de Zeu Azevedo, cantor, compositor e sanfoneiro brasileiro baseado em Londres há mais de 13 anos e considerado o embaixador do forró na Europa. Com o sucesso da mostra, os planos para 2018 já estão sendo consolidados com o intuito de que o evento seja estabelecido no calendário anual de promoção do Brasil na Europa. “Para 2018 já estão confirmadas as mostras de São João em Lisboa e em

Roma. Em Londres, já temos reuniões agendadas, e a ideia é fazer uma Festa Junina na Trafalgar Square com gastronomia, dança, música, arte e, se possível, artesanato. E marcando as datas fugindo do mês de junho para não concorrer com as festas no Brasil”, pontua a curadora. E comemora: “O resultado da passagem do Brasil Junino neste ano foi para deixar o evento fixo, para que o público possa nos esperar”. “Quando se juntam as forças conseguimos ter muita qualidade. E o resultado do Brasil Junino é isso, a união de forças para poder mostrar o Brasil para além do que está na mídia, através das suas tradições, manifestações culturais, através do seu povo”, finaliza. Para mais informações acesse www.brasiljunino.com.br


brasilobserver.co.uk | Junho 2017 19

MÚSICA LINIKER E OS CARAMELOWS

Música soul brasileira em seu melhor, com um show lindamente fascinante e cheio de energia por toda parte. Liniker e Os Caramelows têm uma paixão e eles a compartilham com você, olhando profundamente nos olhos do público - não é preciso falar português para ficar completamente embriagado por esse momento. Quando: 9 de junho, 8pm Onde: Rich Mix, 35-47 Bethnal Green Road, London E1 6LA Entrada: £15-18 Info: www.richmix.org.uk

META META

O trio Meta Meta vem de São Paulo, mas sua maior influência vem da Bahia, do Candomblé, religião afro-brasileira. Os cantos ancestrais misturam-se com tudo um pouco, desde o punk rock ao jazz e até formas tradicionais da música brasileira, latina e africana. Quando: 27-30 de julho Onde: Womad Festival, Charlton Park Entrada: Ingresso para 4 dias £210 Info: www.womad.co.uk

EUMIR DEODATO

Um dos artistas brasileiros mais bem-sucedidos, a música de Eumir Deodato surgiu dos tradicionais ritmos e sons brasileiros e latinos e caminhou em direção ao disco, r’n’b, pop e funk, criando registros clássicos que são tocados até hoje. Entre seus inúmeros trabalhos há hinos intemporais como Keep On Movin’ e Night Cruiser. Quando: 25 de junho, 7pm – 11pm Onde: Jazz Caffe, 5 Parkway, London NW1 7PG Entrada: £30-40 Info: www.thejazzcafelondon.com

BNEGÃO & OS SELETORES DE FREQUÊNCIA

O ícone do Hip Hop BNegão retorna a East London depois que ele se apresentou na cerimônia de encerramento dos Jogos Olímpicos de Londres 2012. O MC olha para o futuro da música brasileira, misturando rap com a essência do samba tradicional e o funk carioca, atuando com os Seletores de Frequência. Quando: 15-16 de julho Onde: Walthamstow Garden Party Entrada: Free Info: www.walthamstowgardenparty.com

JARDS MACALÉ

Jards Macalé foi uma figura central da Tropicália, trabalhando com Gilberto Gil e Caetano Veloso e muitos dos gigantes da música brasileira. Nesta rara apresentação no Reino Unido ele irá tocar com uma banda de quatro integrantes e fará um retorno emocional para a cidade onde se apresentou em 1971, na época do exílio. Quando: 30 de julho, 7pm Onde: Nells Jazz and Blues, West Kensington, London W14 8TG Entrada: £27,50 Info: www.nellsjazzandblues.com

NOMADE ORQUESTRA

Sem esforço, tecendo através dos sons dispares da diáspora musical do Brasil, o grupo vai do funk e do soul ao afrobeat, dub e hip hop, com um som que permanece ancorado no mundo do jazz enquanto viaja. O apoio será do DJ brasileiro Fabricio D.Vyzor. Quando: 1º de agosto, 7pm – 11pm Onde: Jazz Caffe, 5 Parkway, London NW1 7PG Entrada: £20-30 Info: www.thejazzcafelondon.com

NAÇÃO ZUMBI

O grupo Nação Zumbi está preparado para fazer uma rara aparição em Londres (primeira desde 2006) e tocar suas trilhas clássicas que remontam ao início dos anos noventa. O movimento Manguebeat foi um ponto fundamental na música brasileira e a Nação Zumbi esteve na vanguarda deste legado cultural gerado em Recife. Quando: 22 de julho, 7pm – 10pm Onde: The Garage, 20-22 Highbury Corner, London N5 1RD Entrada: £30 Info: www.thegarage.london

BIXIGA 70

Vindo de São Paulo, Bixiga 70 é uma banda claramente influenciada pela marca do afrobeat de Fela Kuti, mas mistura sons do Caribe, do Brasil e de outras partes da África. Com elementos de funk, bossa nova, baterias tribais da Guiné e samba, o grupo faz apresentações eletrizantes que não deixam o público ficar parado sobre os pés. Quando: 25 de julho, 7pm – 11pm Onde: Jazz Caffe, 5 Parkway, London NW1 7PG Entrada: £16-26 Info: www.thejazzcafelondon.com

MARCOS VALLE

Quando se trata de música brasileira, não há muitos nomes maiores do que Marcos Valle. Uma lenda incontestável da música sul-americana, sua fusão de samba, bossa nova, rock e jazz resultou em inúmeros registros clássicos, do Samba 68 e seu autointitulado álbum Marcos Valle para Previsão Do Tempo e o mais recente Contrastes. Quando: 7 de agosto, 7pm – 11pm Onde: Jazz Caffe, 5 Parkway, London NW1 7PG Entrada: £20-30 Info: www.thejazzcafelondon.com

ED MOTTA

O pianista brasileiro Ed Motta é um virtuoso do jazz. Sobrinho de Tim Maia, Motta já tocou com Marcos Valle, João Donato e Roy Ayers ao longo de sua carreira, e surpreendeu o público do Jazz Cafe no ano passado com uma apresentação elétrica, com músicas de seu último lançamento, AOR, além de clássicos do soul e da bossa nova. Quando: 22 de agosto, 7pm – 11pm Quando: 22 de agosto, 7pm – 11pm Onde: Jazz Caffe, 5 Parkway, London NW1 7PG Entrada: £20-30 Info: www.thejazzcafelondon.com


20 Junho 2017 | brasilobserver.co.uk

COLUNISTAS FRANKO FIGUEIREDO

‘RuPaul’s Drag Race’ amplia os horizontes

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“No Tee No Shade”, “Herstory”, “Werk!”, “Come Through” são algumas das muitas expressões que a série de TV ‘RuPaul’s Drag Race’ está inserindo no dicionário de inglês; aliás, existe agora um dicionário online para aqueles que não estão familiarizados com a linguagem underground. Ator, drag queen, apresentador de TV, cantor, compositor e produtor, RuPaul tem dedicado sua vida ao ofício do entretenimento. Ele alcançou fama internacional como drag queen com o lançamento de seu single de estreia ‘Supermodel (You Better Werk)’, que foi incluído em seu álbum ‘Supermodel of the World’ (1993). Mas é o seu reality show, já na nona temporada, que está trazendo a cultura drag para a mídia mainstream. A série, que recebeu um prêmio Emmy no ano passado, tem uma premissa bastante simples: várias drag queens competem em uma série de desafios para se tornar a próxima superstar dos Estados Unidos. Adicione conteúdo teatral poderoso e uma incrível variedade de artistas renomados para juízes e pronto! Tem-se uma receita vencedora. As drag queens que estrelam cada série são artistas multitalentosas que praticam a arte da transformação (exterior e interna). Somos convidados ao camarim, ou como RuPaul o chama, a sala de trabalho, para seguir uma jornada transformadora. Quando os artistas se deparam com o espelho, discutem suas experiências pessoais, a auto-estima, as condenações à prisão, os problemas com drogas, a família e a vida: desnudam tudo na frente da câmera e do mundo. Tornamo-nos testemunhas do trabalho árduo que realizam para criar sua arte, a fragilidade, a honestidade e a dor por que passam, nada se esconde. O formato transforma o que é um momento privado em pílulas comuns para consumo público. E nós amamos isso. É um espelho complexo e sensível que nos mostra o que é viver em tempos de pós-verdade. Em um dos últimos desafios, os competidores tiveram de transformar veteranos do exército dos EUA em drag queens por um dia. Esses militares eram de várias idades, alguns gays e outros não. Esse episódio deu aos participantes e ao público uma oportunidade para discutir as realidades de ser gay no exército. Este é apenas um exemplo de como o show se aventura na política/história sem perder em entretenimento. Mama Ru, como muitos dos concorrentes se referem a RuPaul, atua como anfitrião e mentor, frequentemente alertando-os contra os males de seu próprio sabotador interior, “essa pequena voz dentro de nós que nos faz duvidar de nós mesmos e que, quando ouvida, provoca a nossa própria queda”, e terminando cada episódio da mesma maneira: “lembre-se, se você não pode amar a si mesmo, como diabos você vai amar alguém?” Há sinceridade nessas afirmações que podem parecer palavras vazias, mas essa conversa de auto-amor e autocuidado sempre foi fundamental no mundo das drag queens. Cada temporada é cheia de lições de empoderamento: você precisa aprender a criar uma pele mais espessa sem perder a humanidade, rir de suas próprias falhas, ser mais receptivo e tornar-se ainda mais amável e forte para sobreviver.

A Logo TV, produtora do show, admitiu que a maior audiência do show é dividida entre meninas adolescentes e homens gays de 20 a 40 anos, e que continua a de expandir na medida em que a série é transmitida no canal VH1 , no horário nobre das noites de sexta-feira. Você pode facilmente entender por que a série tem tanto apelo junto a meninas jovens lutando para se aceitar e se definir. Uma pesquisa recente mostrou que longe de achar drag queens degradantes para as mulheres, elas acham suas versões exageradas de feminilidade libertadoras. Embora haja uma forte necessidade estética e teatral, a série não promove uma interpretação limitante da beleza ou da feminilidade. Para algumas drag queens, a série ampliou seus horizontes. ‘RuPaul’s Drag Race’ empurra os limites e amplia os horizontes para todos os competidores com sua teatralidade ilimitada: as rainhas são desafiadas a realizar vídeos, telenovelas, desenvolver personagens, produzir seus próprios comerciais, minisséries, escrever discursos cômicos, cortar e produzir seus próprios trajes, cantar e dançar. A nona temporada estreou em abril passado e apresentou Lady Gaga como juíza convidada, alcançando quase um milhão de espectadores, tornando-se o episódio mais visto da série. Vivemos uma época interessante em que vemos muitos grandes artistas se tornarem ícones underground através da série, como Alaska Thunderfuck, Violet Chachki, Alissa Edwards, Jinx Moonsoon, Ginger Minge e Sharon Needles. Alguns ex-participantes estão preocupados com a possibilidade de o show virar mainstream, mas em uma entrevista recente para o Huffpost, RuPaul é citado dizendo: “Drag desafia o status quo. Está sempre desafiado a matrix – a matrix é ‘escolha uma identidade e fique com ela o resto de sua vida, porque é assim que queremos vender produtos para você, então vamos saber quem você é e poder colocá-lo em uma caixa e em seguida vender cerveja e xampu’. Bem, o Drag diz: ‘sou uma metamorfose, faço o que eu quero a qualquer momento.’ E isso é muito, muito político.” Há conversas de que o ‘RuPaul’s Drag Race’ vai produzir sua própria série no Reino Unido e no Brasil. Seria uma ferramenta valiosa para quebrar os preconceitos sobre drag queens e pessoas LBGTQ.

Glossary: g

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No Tee No Shade - A phrase meaning “No disrespect.” Herstory - n. A spin on the word “History”, playfully replacing the “his” with “hers” to imply a feminine reclamation of the word. Werk – 1. A term meaning to “work your body.” 2. To strut, especially on a runway. 3. To give an outstanding presentation. i.e. “You betta werk bitch!” – RuPaul. Come Through - int. A phrase made famous by Season 7 winner Violet Chachki, first used after the a lip sync battle between Kennedy Davenport and Katya – used as an appraisal, a show of pride, a congratulations, etc. After being crowned, Violet Chachki immediately screamed “COME THROUGH!”

Franko Figueiredo é diretor artístico da Companhia de Teatro StoneCrabs e associado artístico do New Theatre Royal Portsmouth


brasilobserver.co.uk | Junho 2017 21

HELOISA RIGHETTO

Maternidade? Não, obrigada.

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Heloisa Righetto é jornalista e escreve sobre feminismo (@helorighetto – facebook.com/conexãofeminista)

Não sei exatamente quando foi que decidi que a maternidade não era pra mim. Talvez, lá no fundo, eu achava que em algum momento a tal vontade incontrolável de ter um bebê bateria em minha porta (e confesso que lidar com essa vontade teria sido muito mais fácil do que ficar esperando por ela). Era isso que todo mundo me falava, e quanto mais perto de fazer 30 anos eu chegava, maiores eram as expectativas de amigos e familiares. Todo mundo tinha certeza de que iria chegar a hora que meu sistema reprodutivo iria gritar “me usa” e toda minha razão iria sucumbir aos apelos uterinos. O interesse na minha fertilidade era intenso, e dava pra sentir a ansiedade da espera no ar. Qualquer anúncio que eu fazia – um novo trabalho, uma nova viagem, um projeto pessoal – não parecia ser digno de comemoração ou sequer respeito. Afinal, se tem uma decisão tomada por mulheres brancas e privilegiadas como eu que é respeitada é a decisão de ter filhos. Todo o resto é bônus, ou melhor, “sorte”. A nossa luta e nossas conquistas nunca são comemoradas. A minha negação em admitir que os filhos nunca viriam – e nunca virão, hoje já não tem receio de falar – foi baseada no medo de simplesmente traçar um caminho para a minha vida que sai completa-

mente dessa condição imposta à mulher pela sociedade patriarcal. Era muito mais fácil responder “ainda não decidi” toda vez que ouvia a pergunta “você não vai ter filhos?” e receber de volta um sorriso condescendente acompanhado das palavras “ah, daqui a pouco a vontade aparece!” do que dizer não e ter que lidar com expressões de reprovação e ainda mais perguntas inconvenientes. Eu também não compreendia que a minha decisão deveria ser comunicada aos quatro cantos, em vez de guardada só pra mim. Sempre relutei em escrever sobre não ter filhos, porque via os tipos de comentários e retaliações recebidos por mulheres que se aventuravam a publicar textos explicando a razão de não terem filhos. Mas, depois que me descobri feminista, descobri também que qualquer ação que colocamos em prática fora dos papéis que estão reservados para nós, mulheres, é uma ação política, que sacode as estruturas do patriarcado. Não ter filhos, assim como não casar ou então priorizar a carreira em vez da família, ou algo tão mais corriqueiro, como viajar sozinha, é sempre uma decisão cercada de questionamentos invasivos (jamais direcionados aos homens). São algumas das poucas coisas que realmente nos colocam no

papel principal, e nos dão a grande satisfação da escolha. Isso porque quase toda escolha na vida da mulher é baseada em uma criação machista. Mas, no momento que nos livramos dos nossos pré-determinados papéis de gênero, é que nossas escolhas podem ser consideradas realmente livres (ainda que estejam ligadas aos nossos privilégios). A romantização da maternidade e a promessa de amor verdadeiro e felicidade constante e eterna são enraizadas na criação das meninas. Por isso, eu pergunto: o “chamado” maternal é mesmo puramente biológico? Ou há nesse grande desejo de cumprir nosso destino e alcançarmos felicidade plena uma construção social muito mais intensa do que imaginamos? Eu acredito que a maternidade seja uma experiência emocionante e inigualável. Mas seguir a vida sem filhos também é. Ainda que essa opção seja vista com estranheza, ela é libertadora e repleta de descobertas pessoais. Há invisibilidade, há solidão (e não pelo fato da falta da companhia dos filhos, mas pelo fato da vida da mulher sem filhos não despertar interesse alheio), mas acima de tudo há a maravilhosa sensação de trilhar um caminho não marcado pelo patriarcado.

DANIELA BARONE SOARES

Tomando boas decisões

Daniela Barone Soares é parte da equipe do Inner Space. Para mais informações, palestras gratuitas em português, cursos, meditações e artigos acesse www.innerspace.org.uk g

Estava caminhando em direção ao supermercado e, para minha surpresa, acabei indo ao parque. “Como parei aqui?”. Repensei minha tomada de decisão, quase inconsciente, que me levou até lá. Refleti sobre quantas decisões tomo sem sequer perceber! Tomamos decisões o tempo todo, pequenas e grandes. Um ex-chefe me disse: a melhor coisa que você pode fazer é tomar a decisão certa; a segunda melhor é tomar a decisão errada. O pior que você pode fazer é não tomar decisão alguma. Mesmo quando tomamos decisões erradas, podemos aprender e seguir em frente. Se hesitarmos constantemente, viveremos na ansiedade da indecisão – ou as circunstâncias acabarão por decidir por nós. Assim, tornamo-nos “reagentes” e perdemos o controle sobre nossas próprias decisões: reagimos ao que acontece, em vez de tomar as rédeas de nossas vidas. Ainda assim, creio que todos nós preferimos tomar decisões corretas na maior parte do tempo! Tomar boas decisões é fazer a coisa

certa, do jeito certo, no momento certo. É entender o que é necessário e agir para suprir essa necessidade, não sendo influenciado pelas demandas e personalidades das pessoas – ou por suas agendas individuais. Ou mesmo por motivos egoístas: uma boa decisão é benéfica para todos. No processo de tomada de decisão, precisamos nos libertar de noções preconcebidas e suposições falsas, emoções negativas, medo, dor ou raiva – e da necessidade de agradar aos outros. Precisamos aprender com nossas experiências passadas, mas não deixar que elas “contaminem” as decisões presentes. Para tomar uma boa decisão precisamos de “espaço”: deixar a mente e o coração respirarem. Estarmos leves. Criar intenções positivas e, em seguida, escolher aquela que ajudará o desenvolvimento pessoal e o avanço de todos os envolvidos. Duas qualidades-chave ajudam: honestidade e clareza. Honestidade (com o eu) nos informa e permite entender o que motiva a decisão: intenções e senti-

mentos. A honestidade é como uma luz que ilumina o caminho certo. E a verdadeira honestidade requer coragem. A clareza traz compreensão do maquinário interno: e o que está funcionando (ou não). Podemos verificar se as “matérias-primas” para a tomada de decisões são as corretas, ou seja, o desejo de trazer benefícios, de encontrar uma solução, de fazer honestamente o nosso melhor. Evite construir decisões com materiais ruins – ou terá o dobro do trabalho para repará-las! Embora seja útil nos inspirarmos em outros para refletir sobre a tomada de decisões, em última análise, somente nós somos responsáveis por nossas decisões e ações. Não podemos culpar ninguém. Então siga o seu coração, consciência, razão e intuição: a melhor tomada de decisão vem de um “espaço interior” positivo. Quanto mais suas decisões e ações refletirem sua natureza mais elevada, mais feliz você estará com elas. E mais benefício suas decisões trarão para todos.


22 Junho 2017 | brasilobserver.co.uk

GB TRIP Mike Peel

Castelo de Conwy

Snowdon Mountain Railway

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Explorando o norte do País de Gales Região foi uma das cinco recomendadas para viagens em 2017 pela revista Lonely Planet Por Visit Britain www.visitbritain.com

Tirolesa Penrhyn Quarry

Vales com lagos cristalinos, montanhas, ruínas medievais, lendas celtas e ovelhas, muitas ovelhas. Apesar da língua inglesa, das cabines vermelhas e da curta distância de Londres (duas horas de trem até a capital, Cardiff), o País de Gales soube manter muito bem sua história e cultura. É, sem dúvida, um dos povos mais acolhedores da Europa. E tudo isso em um território menor do que o Sergipe. Grande parte da região norte de Gales é coberta pelo Parque Nacional de Snowdonia, famoso entre alpinistas e turistas que buscam a trilha até o monte mais alto do país, Snowdon. É também onde estão construídas algumas das mais belas fortalezas da Grã-Bretanha – os famosos castelos do ‘cinturão’ de Edward I. Em um contraponto perfeito às atrações históricas, o turismo de aventura vem crescendo dia a dia, e foi decisivo para colocar Gales como destino de viagem prioritário em 2017.


brasilobserver.co.uk | Junho 2017 23

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Surf Snowdonia

TURISMO DE AVENTURA A tirolesa mais rápida do mundo, trampolins dentro de uma caverna e a prática de surfe estão entre as atrações inauguradas recentemente no norte do país. A Zip World possui quatro estações de tirolesa diferentes, sendo Penrhyn Quarry a mais rápida do mundo e a mais longa da Europa. A tirolesa Titan é a primeira a permitir que um grupo de quatro pessoas pule ao mesmo tempo. Já a atração Bounce Below montou uma rede de trampolins gigantes dentro de uma antiga mina de extração de ardósia em Blaenau Ffestiniog. Tornou-se uma atração incomum e divertida, principalmente por contar com diferentes níveis que atendem a família inteira – os mais básicos são para crianças a partir de sete anos. O surfe já era prática antiga nas praias do norte, tanto na ilha de Anglesey quanto na Península de Llyn, mas foi reforçado com a chegada da piscina artificial Surf Snowdonia, inaugurada em 2015. Criado a partir do lago de uma antiga fábrica de alumínio, o Surf Snowdonia contrasta muito bem com as montanhas, no vale de Conwy, e oferece cabines confortáveis para quem quiser se hospedar.

PASSEIOS CLÁSSICOS Divulgação

Welsh Cakes

Antes da aventura, recomendamos alguns dos clássicos da região. O passeio mais popular é a rota dos castelos (cinturão de Edward I), que passa pelas fortalezas medievais de Conwy, Caernarfon, Beaumaris e Harlech. Entre um e outro há uma série de vilarejos históricos, baías e belas paisagens. Combinação perfeita é aliar a rota dos castelos à rota de trem. As linhas Ffestiniog & Welsh Highland Railways interligam as cidades de Caernarfon e Blaenau Ffestiniog, passando por lugares cênicos e vilarejos famosos, como Portmeirion. Outra rota popular de trem é a subida até o topo da montanha Snowdon – a segunda mais alta da Grã-Bretanha. Enquanto a trilha a pé leva em média seis horas, o Snowdon Mountain Railway faz o trajeto em 1 hora, saindo de Llanberis. Para este passeio é necessário se programar com antecedência: são apenas 34 assentos, com saídas três vezes por dia. De maio a outubro o trem faz todo o trajeto até o centro de visitantes construído no cume; de março a maio ele vai só até Clogwyn e é necessário subir a pé o restante (cerca de uma hora). De novembro a fevereiro o trem, que é de 1896, não funciona. Vale lembrar que o Parque Nacional de Snowdonia foi classificado como ‘Dark Skies Reserve’, ou seja, o céu noturno de lá está entre os melhores do mundo para observação de estrelas.

GASTRONOMIA

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A culinária galesa foi outro ponto forte considerado pela Lonely Planet. Já existe atualmente um movimento de turistas em busca das experiências gastronômicas que o país oferece. Apesar da influência dos países vizinhos, Gales manteve sua identidade e desenvolveu bem os ingredientes que tinha à disposição: carne de carneiro, cordeiro, peixes, frutos do mar e o alho-poró compõem os pratos mais famosos. O alho-poró é inclusive um símbolo nacional de Gales e seu uso pelos galeses foi mencionado até em uma obra de Shakespeare. Na região norte é possível encontrar delícias locais e pratos típicos, como o Welsh Rarebit (tipo de torrada com queijo especial), biscoitos, welsh cakes, queijos e salsichas artesanais. Há também muitos festivais gastronômicos.


24 Junho 2017 | brasilobserver.co.uk

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brasilobserver.co.uk | Junho 2017 25

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