Brasil Observer #49 - BR

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LONDRES

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ISSN 2055-4826

MAIO/2017

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Um equívoco comum quando se pensa em liquidação de empresas é acreditar que esta decisão foi apenas consequência do acúmulo de dívidas.

Especialistas em Dívidas & Finanças

Liquidação & Reestruturação de empresas:

Não desista do seu sonho

Pelo contrário, a legislação de insolvência é projetada para ajudar os diretores da empresa e o próprio negócio. Isso é feito através de uma reestruturação positiva para qualquer companhia que esteja com dificuldade de arcar com seus compromissos financeiros. A primeira dica para uma empresa que se encontre nessa situação é procurar um aconselhamento confiável o quanto antes. Como determinado pelo Companies Act 2006, os diretores da empresa têm o dever fiduciário de agir da maneira mais benéfica para a companhia e também de manter o valor das ações. No entanto, se um diretor continuar com as atividades da empresa sob essas circunstâncias, ele estará infringindo a lei, o que no futuro pode ter implicações e consequências significativas. Há muitas opções formais e informais que os diretores da empresa podem considerar para ajudar a resolver a situação financeira da companhia. As informais incluem fazer financiamento, negociar com os credores e pedir prazos para pagamento. Já as formais incluem administração por interventores, reestruturação ou liquidação voluntária. Não lidar com as dívidas da companhia abra-se a possibilidade de credores, como o HM Revenue and Customs ou o locador, entrarem no estabelecimento e confiscarem bens. Ou, até forçarem a liquidação compulsória, o que significaria, então, que o governo seria o encarregado do processo de liquidação. Há uma série de fatores comuns que, muitas vezes, levam uma empresa a se endividar: • Dificuldades de fluxo de caixa; • Créditos incobráveis; • Pressão do HM Revenue and Customs e/ou do locador; • Notificações de cobrança ou ameaças de ação judicial; • Perda inesperada de um contrato com um cliente importante; • Uso do limite da conta bancária ou empréstimos pendentes. Caso a sua empresa esteja passando por algum dos problemas acima, saiba que existem soluções dentro da legislação de insolvência que lhe permitem lidar com todos os seus credores. Desta forma você pode concentrar-se em ações que possibilitam seguir em frente, sem que as preocupações sobre suas dívidas o impossibilitem de continuar seu negócio.

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ARTE DA CAPA Arquivo pessoal

LONDON EDITION É uma publicação mensal da ANAGU UK UN LIMITED fundada por:

Ana Toledo Diretora de Operações ana@brasilobserver.co.uk Guilherme Reis Diretor Editorial guilherme@brasilobserver.co.uk Roberta Schwambach Diretora Financeira roberta@brasilobserver.co.uk Editor em Inglês Shaun Cumming shaun@investwrite.co.uk Design e Diagramação Jean Peixe ultrapeixe@gmail.com Colaboradores Antonio Veiga, Aquiles Reis, Christian Taylor, Daniela Barone Soares, Franko Figueiredo, Gabriela Lobianco, Heloisa Righetto, Márcio Apolinário, Nathália Braga Bannister , Wagner de Alcântara Aragão IMPRESSÃO St Clements press (1988 ) Ltd, Stratford, London mohammed.faqir@stclementspress.com 10.000 cópias Distribuição Emblem Group Ltd. Para anunciar comercial@brasilobserver.co.uk 020 3015 5043 Para assinar contato@brasiloberver.co.uk Para sugerir pauta e colaborar editor@brasilobserver.co.uk Online 074 4529 4660 brasilobserver.co.uk issuu.com/brasilobserver facebook.com/brasilobserver twitter.com/brasilobserver O Brasil Observer, publicação mensal da ANAGU UK MARKETING E JORNAIS UN LIMITED (company number 08621487), não se responsabiliza pelos conceitos emitidos nos artigos assinados. As pessoas que não constarem do expediente não tem autorização para falar em nome desta publicação. Os conteúdos publicados neste jornal podem ser reproduzidos desde que creditados ao autor e ao Brasil Observer.

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ELEIÇÕES GERAIS

Especial sobre as Eleições Gerais no Reino Unido

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ENTREVISTA

Kleber Mendonça filho, diretor do filme ‘Aquarius’

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REPORTAGEM

Pesquisa mostra o Estado brasileiro como inimigo

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REPORTAGEM

A situação de migrantes venezuelanos no Brasil

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CULT

Cora Coralina, uma expressão da brasilidade

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Guilherme Kramer

DICAS CULTURAIS

Nina Miranda lança seu primeiro álbum solo

www.guilhermekramer.com

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COLUNISTAS

Franko Figueiredo sobre teatro e vida Heloisa Righetto sobre feminismo Daniela Barone sobre comportamento

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GB TRIP

Passeios de um dia a partir de Londres

Do trabalho de Guilherme Kramer emergem rostos vívidos e paisagens detalhadas, vistos nas ruas, bem como nas profundezas de sua imaginação. Por muito tempo, em grande parte de suas pinturas predominou a estética em preto e branco, que mais recentemente vem dividindo espaço com as cores. Seu fascínio pelas multidões resulta em estudos das massas em diferentes contextos. São a tradução de dias passados em transportes públicos, festivais populares, manifestações e outros grandes encontros. Compulsivo, o artista é capaz de preencher grandes folhas de papel, telas e outras superfícies, no que chama de “arte espontânea”, descarregando toda a informação que captura em suas travessias urbanas. De 2006 a 2017, Kramer realizou exposições individuais e coletivas em diferentes cidades do Brasil e do mundo, incluindo Hong Kong, Shangai, Barcelona, Roma, Bogotá, Berna, Açores e Paris. Em 2010, participou da oficina de gravura Lasar Segall, em São Paulo, onde aperfeiçoou técnicas de litografia, xilogravura e metal. De 2012 a 2014, estudou Artes Aplicadas ao Muro na Escola Massana de Barcelona, dedicandose às técnicas de pintura, desenho, cerâmica, mosaico e vitral. A capa desta edição foi feita por Guilherme Kramer para a Mostra BO, projeto desenvolvido pelo Brasil Observer em parceria com a Pigment e apoio institucional da Embaixada do Brasil em Londres. Cada uma das 11 edições deste jornal em 2017 contará com uma arte em sua capa produzida por artistas brasileiros selecionados em chamada pública. Em fevereiro de 2018, os trabalhos serão expostos na Embaixada.

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ELEIÇÕES GERAIS

Podemos confiar nas pesquisas de opinião? Por Matthew Wyman g Divulgação

Os líderes: Theresa May (Partido Conservador), Jeremy Corbyn (Partido Trabalhista), Tim Farron (Partido Liberal Democrata) e Nicola Sturgeon (Partido Nacional Escocês)

Eleições Gerais 2017

como estão os principais partidos antes do voto

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Por Victoria Honeyman g

O anúncio de Theresa May convocando eleições gerais para o dia 8 de junho pegou praticamente todos de surpresa. Desde que se tornou líder do Partido Conservador e primeira-ministra, May rejeitou repetidas vezes a possibilidade de antecipar as eleições. Ela argumentou, desde o início de seu mandato, que a realização do pleito durante as negociações do Brexit seria desaconselhável. No entanto, com as pesquisas de opinião sugerindo que os conservadores poderiam conquistar uma maioria expressiva no Parlamento, parece que a tentação se tornou irresistível. A questão agora é saber quem serão os vencedores e os perdedores das eleições.

Conservadores a caminho de uma grande vitória O resultado óbvio é uma vitória de Theresa May. A primeira-ministra está confiante de que não apenas vencerá a disputa, como também aumentará sua maioria na Câmara dos Comuns. Se não fosse esse o caso, por que convocar eleições? Se ela tivesse preocupações sobre sua própria capacidade de vencer, talvez esperasse as condições melhorarem. No entanto, essa é uma estratégia perigosa, como bem sabem Jim Callaghan e Gordon Brown. As pesquisas de opinião nem sempre acertam, basta lembrar o referendo sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia e as últimas eleições presidenciais nos EUA. No entanto, a enorme diferença entre o Partido Conservador e o Partido Trabalhista g

nas pesquisas sugere que, mesmo que a margem de vitória não seja exata, os conservadores ainda ampliariam sua maioria no Parlamento. Isso não significa que May terá vida fácil. Ela terá que convencer os eleitores conservadores de que é a capaz de conduzir as negociações do Brexit. May já afirmou que “Brexit significa Brexit”, mas isso pode significar coisas distintas para eleitores diferentes. A nova leva de conservadores que formariam essa maioria ampliada ajudaria a determinar o futuro das negociações de saída da União Europeia. Se os novos deputados estiverem à direita do partido, um Brexit “difícil” (“hard Brexit”) será o único resultado aceitável. Se os novos deputados forem figuras mais de centro-direita, May terá mais espaço para manobrar. Além dos eleitores conservadores tradicionais, May tentará convencer alguns eleitores de esquerda e de direita. Ela vai usar o Brexit para tentar persuadir eleitores desiludidos de que ela é a melhor e única esperança para o Reino Unido.

Liberais democratas renascem das cinzas Tim Farron, líder do Partido Liberal Democrata, parece estar bastante satisfeito com a convocação de novas eleições. Seu partido foi aniquilado na votação de 2015, mas colheram bons resultados nos últimos dois anos. Os liberais democratas tiveram bom desempenho nas eleições municipais e suplementares, sobretudo em Rich-

mond-upon-Thames, onde venceram o conservador Zac Goldsmith com uma mensagem pró-União Europeia. O partido inevitavelmente aumentará seu número de deputados. A mensagem é clara – os liberais democratas apoiam a continuidade do Reino Unido no mercado único europeu – e será fácil para eles se comunicarem com os 48% do público britânico que votaram a favor da permanência na União Europeia em junho de 2016.

Trabalhistas lutam para alinhar um discurso O Partido Trabalhista tem uma mensagem muito mais difícil de defender nas eleições gerais. Sem uma posição clara sobre o Brexit, o partido tem preferido se concentrar em questões de política doméstica. Essas questões são mais fáceis de vender ao eleitorado, e os trabalhistas vão argumentar que o debate deve ir além do Brexit. Independentemente disso, a saída da União Europeia vai dominar a campanha e os trabalhistas vão acabar sofrendo. Ainda que o líder Jeremy Corbyn seja idolatrado por seus seguidores, que esperam uma vitória surpresa, as evidências indicam que isso simplesmente não vai acontecer. Os deputados trabalhistas estão se preparando para o efeito Corbyn. De muitas maneiras, a liderança de Corbyn é um sintoma da maior dificuldade do partido – quem é seu eleitorado e como lidar com o legado de Tony Blair? A histórica vantagem trabalhista na

Escócia foi esmagada pelo SNP (Partido Nacional Escocês) e muitos eleitores tradicionais do partido votaram a favor do Brexit, contrariando a posição oficial. Como os deputados trabalhistas, muitos dos quais defenderam a permanência na União Europeia, justificariam sua postura ao seu eleitorado local?

SNP é tanto uma força quanto uma fraqueza O SNP tem uma preocupação ligeiramente diferente, na medida em que começa a partir de uma posição de dominância. O partido detém 56 dos 59 assentos parlamentares da Escócia, portanto, há apenas ganhos marginais a serem feitos – e até mesmo perdas a serem consideradas. O apelo da líder do partido e primeira-ministra da Escócia, Nicola Sturgeon, por um segundo referendo de independência será testado nas eleições. Aqueles que apoiam o SNP, mas não a independência, podem estar bastante preocupados com a possibilidade de outro referendo. Por outro lado, o público escocês pró-europeu pode querer garantir que sua voz seja ouvida claramente em Westminster. Os candidatos do SNP sugerirão que somente eles podem fornecer tal voz. As próximas semanas serão preenchidas de incerteza política, ataques e contra-ataques. Certo é que as carreiras políticas de May e Corbyn dependem dos resultados das eleições. Um deles quase certamente estará procurando outro emprego no dia 9 de junho.

Victoria Honeyman é Professora de Política Britânica, University of Leeds. Este artigo foi publicado originalmente em The Conversation (www.theconversation.com)

As pesquisas de intenção de voto erraram feio nos últimos anos. Havia um amplo consenso na véspera das últimas eleições gerais do Reino Unido de que nenhum partido obteria a maioria das cadeiras do Parlamento. Poucas sondagens previram a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais de 2016 nos EUA. E quase todos concordavam que o Brexit não iria acontecer. Afinal, as pesquisas de opinião são confiáveis? As pesquisas começaram a ser feitas nas eleições presidenciais de 1936 nos EUA, quando vários jornais americanos previam a vitória do republicano Alf Landon com base em sondagens de suas lideranças (ricas e não representativas). George Gallop percebeu que poderia conseguir previsões muito mais precisas e razoavelmente baratas, tomando como base uma amostra aleatória da população, e com isso previu com sucesso a vitória esmagadora de Franklin D Roosevelt. As palavras-chave aqui são “amostra aleatória”, e é aqui que as pesquisas modernas estão encontrando problemas. Quando Gallop começou a construir seu império de pesquisa de mercado, avaliar a opinião pública era um negócio complicado. Envolvia o envio de entrevistadores treinados para endereços

aleatoriamente selecionados para entrevistar pessoas específicas. Se não fosse possível encontrá-las, os entrevistadores voltavam em outro dia até conseguirem. O que os pesquisadores chamam de “taxas de resposta” – a proporção de pessoas que concordam em ser entrevistadas – eram muito altas. Os custos também eram elevados. Você tinha que treinar seus entrevistadores, enviá-los a diferentes locais e organizar os resultados, o que antes dos computadores era feito à mão usando cartões de papel perfurado. No entanto, na maioria dos casos, os resultados eram satisfatórios, os políticos passaram a depender fortemente das pesquisas e os jornais adquiriram o hábito de usá-las para relatar a política como entretenimento, como um jogo de corrida.

Fazendo pesquisas hoje Hoje em dia, a tecnologia e as mudanças na forma como as pesquisas de opinião política são feitas permitem aos pesquisadores obter respostas muito mais rapidamente e de forma mais barata. A sondagem pode ser feita por correio, on-line ou telefone. Em vez de amostras genuinamente aleatórias, é geralmente mais barato para os pesquisa-

dores usarem as chamadas “amostras de cota”. Os entrevistadores falam com certo número de pessoas em diferentes categorias demográficas (por sexo, renda, classe social, grupo étnico e assim por diante). No entanto, eles enfrentam vários desafios cada vez mais difíceis. Alguns tipos de pessoas são mais difíceis de alcançar do que outros, especialmente as pessoas que trabalham em tempo integral – um grupo que ainda é mais propenso a votar em partidos conservadores. Nossas opiniões são sondadas para tantas coisas sem sentido que as taxas de resposta caíram consideravelmente – em torno de 25-30%. Além disso, pessoas interessadas em política são mais propensas a compartilhar suas opiniões com um estranho, e também são mais propensas a ser de esquerda. Esses fatores indicam que as amostras usadas pelos pesquisadores para fazer suas previsões simplesmente não são tão boas como costumavam ser, e todas elas tendem a errar na mesma direção. Isso não significa que as pesquisas sejam agora irrelevantes. Pesquisas que são bem feitas ainda podem obter resultados representativos. Por exemplo, a amostra utilizada pelo British Social Attitudes, obtida através de entrevistas face a face e revisitas onde o indivíduo selecionado

aleatoriamente não estava disponível, previu corretamente uma vantagem de seis pontos para os conservadores nas eleições gerais de 2015. Essas pesquisas de alta qualidade, porém, são caras e demoram a ser feitas. Dado que os meios de comunicação de massa preferem números obtidos rapidamente, e para o entretenimento, é improvável que eles queiram fazer um investimento extra. As sondagens internas dos próprios partidos levam tempo para serem feitas e obtêm resultados precisos, e sem dúvida fizeram parte da decisão da primeira-ministra Theresa May de chamar novas eleições. As pesquisas atuais mostram que o Partido Conservador tem uma vantagem de 20 pontos sobre o Partido Trabalhista, se não mais. Será que a verdadeira situação do país pode ser outra senão uma grande vantagem conservadora? Absolutamente não: mesmo pesquisas baratas não são tão imprecisas. É altamente improvável que o Partido Trabalhista obtenha uma maioria parlamentar no dia 8 de junho. Matthew Wyman é Professor Sênior, Keele University. Este artigo foi publicado originalmente em The Conversation (www.theconversation.com) g

O que a eleição significa para o Brexit? Por Kathryn Simpson g

Assim que Theresa May antecipou as eleições gerais, poucas semanas após acionar o Artigo 50, iniciando a saída do Reino Unido da União Europeia, a votação foi apelidada de “eleição do Brexit”. É provável que May faça sua campanha com uma estratégia de “vote nos conservadores para a minha visão do Brexit”. Embora haja divisões no Partido Conservador sobre o que significa a saída da União Europeia, há divisões maiores dentro do Partido Trabalhista. A oposição começa a campanha atrás. Mas o que essa eleição significa para o processo de negociação do Brexit? Existem várias implicações importantes.

As negociações serão interrompidas? Quando, em março, Theresa May acionou o Artigo 50, ela abriu a janela de dois anos para as negociações do Brexit. Por isso, gastar seis semanas para realizar as eleições gerais pode parecer arriscado, pois consumirá tempo disponível para lidar com a União Europeia. No entanto, a eleição não resultará em qualquer grande atraso nas negociações do Artigo 50.

Agora que o Artigo 50 foi desencadeado, o equilíbrio de poder está mais do lado dos países da União Europeia. Eles realizaram uma reunião dia 29 de abril para confirmar o calendário do processo. O Conselho Europeu também precisa finalizar a estrutura das negociações – e isso não acontecerá até 22 de junho. É improvável que as negociações se iniciem até o outono, quando as eleições na França e na Alemanha estiverem definidas.

A eleição pode atrasar o Brexit? O Reino Unido precisa por ordem na casa para começar o Brexit. Funcionários públicos já estão trabalhando contra o tempo para preencher as lacunas que a saída do Reino Unido da União Europeia vai criar. Isso inclui readequar todas as leis europeias para dentro das leis britânicas para que possam ser revistas e potencialmente alteradas após o Brexit. Durante o período eleitoral, os funcionários públicos terão seus tempos de trabalho limitados. Isso inibirá grande parte do dia-a-dia do governo, bem como o nível de escrutínio sobre o processo legislativo.

O governo já discutiu uma fase de implementação do Brexit, durante a qual serão gradualmente introduzidos novos sistemas de imigração e alfândega. Grande parte do trabalho necessário para adequar o Reino Unido ao Brexit não será concluída até abril de 2019, quando a janela de negociação de dois anos se fecha. O prazo se encerraria um ano antes das eleições gerais programadas para 2020, o que deixaria os conservadores pressionados. A próxima eleição será realizada em 2022, dando à fase de implementação mais espaço para respirar.

A posição de Theresa May será fortalecida? Nessas eleições gerais, Theresa May está buscando um mandato para seus planos relacionados ao Brexit. Ela sabe que sem um mandato forte terá dificuldades nas negociações com a União Europeia. Ela deve usar esse processo eleitoral e seu manifesto para definir uma visão mais clara sobre o Brexit. Mais transparência sobre como a economia do Reino Unido vai ficar é uma questão importante, assim como o papel que o Tribunal de Justiça Europeu terá no futuro.

Se os conservadores ganharem a maioria – e um mandato – depois de terem explicado o que será um Reino Unido pós-Brexit, será mais difícil para a União Europeia extrair compromissos sobre questões específicas. No entanto, se for específica demais sobre questões políticas fundamentais durante a eleição, a primeira-ministra pode encontrar-se incapaz de realizar compromissos quando ela precisar negociar. May deve ter cautela em sua procura por um mandato. Tudo isso significa que, embora as eleições gerais de 2017 possam ser vistas como a eleição do Brexit, não fornecerão muito esclarecimento sobre a saída do Reino Unido da União Europeia. Se 2016 nos ensinou alguma coisa, é que o clima político atual é volátil, as previsões podem estar erradas e não existe certeza política. Kathryn Simpson é Professora de Política e Serviços Públicos, Manchester Metropolitan University. Este artigo foi publicado originalmente em The Conversation (www.theconversation.com) g


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brasilobserver.co.uk | Maio 2017

A chance de formar uma aliança progressista deve ser aproveitada Por Andy Price g

Todos os partidos, exceto os conservadores, temem o resultado das eleições gerais. Até para o SNP (Partido Nacional Escocês), que sem dúvida manterá – se não melhorar – sua posição dominante, a perspectiva de uma maioria conservadora ampliada não é bem-vinda. A não ser que o Partido Trabalhista se recupere espetacularmente – e que ocorram eventos não planejados, tão cruciais na política –, uma vitória conservadora é quase certa. Mas, mesmo que a recuperação trabalhista aconteça, Jeremy Corbyn é o homem certo para dirigir o Reino Unido através do Brexit e suas consequências? Queiram ou não, para a maioria dos eleitores, as eleições serão uma escolha entre Corbyn e Theresa May, não seus partidos. E a triste verdade é que muitos podem encontrar-se na posição indesejável de não acreditar em nenhum dos dois. A terceira votação nacional em dois anos é cansativa o suficiente para aqueles que estão apenas tentando lidar com suas próprias vidas; pedir às mesmas pessoas que votem em uma de duas opções igualmente desagradáveis ​​é ainda pior. Então o que deve ser feito? Com o apetite por esta eleição aparentemente tão baixo, e com o resultado já próximo de certo,

a primeira coisa que devemos fazer é ver a situação atual como uma oportunidade para renovar a política. O pleito deve ser visto como nada menos do que uma oportunidade única para romper o dualismo entre trabalhistas e conservadores. As discussões entre alguns dos partidos menores já se voltaram para isso. Os verdes pediram uma “aliança progressista” entre os partidos alinhados contra os conservadores. O SNP respondeu positivamente caso essa se torne uma opção realista. Os trabalhistas discordaram totalmente, mas devem reconsiderar. Os detalhes dessa aliança (incluindo o voto tático e os pactos eleitorais) levariam semanas para serem acordados, inclusive a espinhosa questão de quem assumiria a liderança em uma improvável vitória eleitoral. Mas isso não deve ser a principal preocupação. A primeira coisa a considerar deve ser o processo de união dessa aliança.

Uma visão de longo prazo Uma aliança progressista não deve se formar apenas para as eleições gerais de junho próximo, mas para a vida. As partes precisam enxergar além de um projeto de curto prazo. As mudanças na

paisagem eleitoral do Reino Unido nos últimos anos indicam que a probabilidade de se obter uma maioria parlamentar de partido único de esquerda será cada vez mais improvável. A ascensão do SNP na Escócia – antigo campo trabalhista – e a aparição do UKIP como alternativa para os eleitores indecisos de distritos marginais têm feito o Partido Trabalhista sucumbir. A probabilidade de maiorias conservadoras cada vez mais amplas também está crescendo como resultado do envelhecimento da população e do voto cada vez mais desengajado da juventude. O plano de uma aliança progressista forjada no calor das eleições deveria ser explicitamente desafiar essa crescente hegemonia conservadora. E os partidos e políticos envolvidos devem dizer isso claramente. Eles deveriam buscar um novo agrupamento político à esquerda, de longo prazo, que se aproxime mais da realidade desindustrializada e multicultural do Reino Unido; que avalie com mais precisão nosso lugar no mundo e nossas responsabilidades para com outras nações; que não apenas festeje a adesão à União Europeia, mas que também celebre a his-

tória e a identidade europeias; que coloque a reforma eleitoral no centro de seu manifesto; e, talvez o mais importante de tudo, que coloque a iminente crise ecológica no centro da vida política.

Coragem Para fazer tudo isso acontecer, porém, um ingrediente adicional é necessário – coragem. Isso pode parecer exagerado, mas não é. Defender algumas das questões citadas anteriormente é ir contra o conselho dos estrategistas que têm dominado a política durante pelo menos os últimos 40 anos. Esses itens são constantemente taxados de perdedores de voto, se não suicídio eleitoral. Nunca defenda a União Europeia e a consequente perda de soberania nacional; nunca entre em uma eleição falando de reforma eleitoral; nunca lembre os eleitores dos danos ambientais associados a seus estilos de vida. Se você fizer isso, diz a sabedoria política convencional, você vai afastar os eleitores e perder feio. Esse tipo de conselho é uma profecia auto-realizável: se você aceitar a premissa central de que essas questões são perdedoras de votos e, em seguida, tentar

Por que uma aliança progressista não funciona na política britânica Por Tom Quinn g

A campanha eleitoral está em andamento, mas com os conservadores 20 pontos à frente dos trabalhistas, as coisas já estão parecendo sombrias para aqueles à esquerda no espectro político. As perspectivas de o Partido Trabalhista obter maioria no Parlamento parecem nulas. A atenção, portanto, volta-se para uma ideia que tem sido repetidamente proposta nos últimos anos – uma “aliança progressista” de partidos anti-conservadores. A ideia é sedutoramente simples. O voto de centro-esquerda é dividido entre o Partido Trabalhista, os Liberais Democratas, o Partido Verde, o Partido Nacional Escocês (SNP) e o Plaid Cymru. Sob o sistema eleitoral britânico, essas divisões permitem aos conservadores ganhar os assentos que poderiam ser perdidos para um candidato “progressista” único. Portanto, os partidos de centro-esquerda poderiam ganhar mais assentos se explicitamente encorajassem a votação tática anti-conservadora e apoiassem quem tivesse a melhor chance de derrotar o candidato conservador em um determinado distrito.

Isso poderia até implicar pactos eleitorais em algumas localidades. Os partidos sem nenhuma chance de ganhar apoiariam outro partido progressista contra os conservadores. Os verdes fizeram isso para ajudar os liberais democratas em algumas eleições suplementares de 2016, e algumas figuras trabalhistas quiseram fazer o mesmo.

O grande problema Os apelos para uma aliança progressista, porém, não conseguem compreender os cenários eleitorais contrastantes de alguns distritos. E ignoram as diferenças entre os partidos progressistas na percepção dos eleitores. É fundamental entender que, no sistema político britânico, os eleitores não estão apenas votando nos deputados locais; eles também estão votando diretamente para os governos. A principal opção é um governo liderado por conservadores ou um governo liderado por trabalhistas. Partidos menores devem trabalhar den-

tro desses parâmetros. Eles podem fazer isso se opondo a um governo liderado por qualquer dos principais partidos, ou fazendo um acordo com qualquer dos lados que ofereça o melhor acordo pós-eleitoral. Os liberais democratas tentaram fazer isso em 2010 e acabaram alienando seus partidários de centro-esquerda entrando em uma coalizão com os conservadores. O resultado foi a aniquilação quase total nas eleições seguintes, cinco anos depois. Alternativamente, os partidos menores podem escolher um lado. Para os verdes e os partidos nacionalistas, isso significa a esquerda. Mas isso traz seus próprios problemas. Se os eleitores associam fortemente um pequeno partido com um dos principais partidos – e um pacto eleitoral ou um apelo formal para o voto tático são um sinal claro –, eles acreditam que um voto para o pequeno partido é efetivamente um voto para um governo liderado pelo partido maior. A maioria dos eleitores do Partido Verde e do SNP provavelmente prefere um governo dirigido pelo Partido Trabalhista a um governo liderado pelos conserva-

dores, e é por isso que esses dois partidos de esquerda têm estado na vanguarda dos apelos por uma “aliança progressista” (particularmente na forma de acordo pós-eleição, no caso do SNP). Os liberais democratas, mais centristas, enfrentam um cálculo mais difícil. Um pacto eleitoral poderia encorajar os partidários do Partido Trabalhista e do Partido Verde a votarem taticamente no Partido Liberal Democrata no sul da Inglaterra, aumentando suas perspectivas. Por outro lado, os eleitores centristas nesses distritos acreditariam – e os conservadores entregariam essa mensagem – que o voto nos liberais democratas resultaria em um governo liderado pelo Partido Trabalhista. Isso não seria desastroso se o Partido Trabalhista fosse centrista e popular, mas, sob a liderança de Jeremy Corbyn, os trabalhistas não são uma coisa nem outra. Como há muito mais eleitores centristas do que esquerdistas nos distritos marginais, qualquer acordo formal envolvendo o Partido Trabalhista poderia colocar esses votos em risco para os liberais democratas. As-

vendê-las em uma eleição, então sim, você está condenado desde o início. No entanto, se o seu ponto de partida é que as posições citadas são boas posições para uma democracia do século 21, então há muito mais para vender ao eleitorado. Embora não pareça popular agora, há muito para dizer sobre globalização, sobre abertura para diferentes culturas e nacionalidades. E há certamente muito a dizer sobre adotar uma vida mais sustentável ecologicamente. Mas quando vemos os políticos defenderem qualquer uma dessas coisas? Posso contar em uma mão os políticos que vi defenderem orgulhosamente a União Europeia. E, além dos liberais democratas, quem já defendeu apaixonadamente uma reforma eleitoral que pudesse devolver o poder de forma significativa às pessoas além de Londres. E, é claro, apesar de haver muitos defensores da globalização econômica e da expansão do consumismo capitalista, podemos lembrar qualquer político defendendo a livre circulação de pessoas, recebendo imigrantes? Não, isso não acontece. Todas essas questões são vistas como prejudiciais ao sucesso eleitoral. Portanto, os políticos precisam de coragem.

pessoas naturalmente ruins. Longe disso. Os valores progressistas estão ameaçados por causa das questões que o governo atual está tirando proveito para proteger sua agenda do Brexit. Em sua forma atual, a saída do Reino Unido da União Europeia vai significar grandes problemas sociais e econômicos. Partir para a ofensiva é a única opção. Caso contrário, o resultado será um gabinete de ministros que menosprezam qualquer pessoa que procure questioná -los e uma primeira-ministra que antecipa eleições gerais de forma beligerante, alegando se tratar de interesse nacional. A mídia obcecada pelo Brexit faz o resto. Essa estratégia faz sentido. Mas, ao desencadear forças cada vez mais obscuras para se proteger de suas fraquezas, o governo está dividindo a população como nunca antes. São essas as forças a serem enfrentadas pelos progressistas nessas eleições gerais, forças diferentes de qualquer outra na história pós-1945. A questão agora é: temos os políticos, os conselheiros, os acadêmicos e os escritores corajosos o suficiente para se levantar e defender essas novas forças progressistas?

O que está em jogo? Uma aliança progressista é necessária agora mais do que nunca, precisamente porque os valores progressistas estão sob intensa pressão. E não se enganem: eles estão realmente ameaçados. Não porque Theresa May, os conservadores ou os direitistas em geral sejam de algum modo

sim, ainda que Tim Farron ficasse satisfeito em receber votos táticos dos partidários do Partido Trabalhista nos assentos marginais, ele não gostaria de uma “aliança progressista” que formalmente associa seu partido com Corbyn. Os liberais democratas preferem manter-se afastados dos dois principais partidos, oferecendo aos eleitores a chance de votar em um partido pró-União Europeia que se oponha às políticas de um governo conservador.

Lembre-se do que aconteceu com Ed Para o Partido Trabalhista, o principal perigo de uma aliança progressista é o SNP. Um pacto com os nacionalistas, para começar, mataria qualquer chance de um renascimento trabalhista na Escócia. O que mais ganhariam os eleitores esquerdistas votando no Partido Trabalhista? Também correria o risco de alienar os eleitores oscilantes nos distritos marginais trabalhistas ingleses que não gostam do separatismo do SNP. Neste caso, os eleitores centristas podem temer que um voto para o Partido Trabalhista seja um voto para Nicola Sturgeon se tornar uma força de um governo trabalhista fraco. Esse foi precisamente o argumento dos conservadores nas eleições de 2015. Ed Miliband, o líder trabalhista da época, foi retratado em um famoso cartaz como estando dentro do bolso do ex-primeiro ministro

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Andy Price é Chefe do Departamento de Política, Sheffield Hallam University. Este artigo foi publicado originalmente em The Conversation (www.theconversation.com)

escocês e líder do SNP, Alex Salmond. Curiosamente, o cartaz foi utilizado em assentos marginais, como em Colchester. Isso apesar de os trabalhistas não terem qualquer chance de ganhar nesses locais. Fazia sentido estratégico porque os eleitores centristas estavam sendo informados de que um voto para os liberais democratas arriscava tornar-se um voto para a “aliança progressista”. Assim, a única alternativa era um governo conservador majoritário. Os conservadores subsequentemente ganharam Colchester dos liberais democratas, um dos 26 assentos ingleses cruciais para a vitória. A proximidade ideológica dos partidos progressistas não significa que eles são vistos como substitutos perfeitos por eleitores oscilantes. Theresa May entende isso. No lugar do que ela chamou de “uma coalizão de caos” envolvendo os partidos de centro-esquerda, ela oferece a clareza de um governo conservador majoritário. Se a primeira-ministra conservadora está ansiosa para falar mal de uma “aliança progressista”, isso deve ser aviso bastante de seus perigos inerentes para os partidos progressistas. Tom Quinn é Professor Sênior, Departamento de Governo, University of Essex. Este artigo foi publicado originalmente em The Conversation (www.theconversation.com) g

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10 Maio 2017 | brasilobserver.co.uk

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ENTREVISTA Divulgação

Agora temos um governo completamente diferente, que está destruindo sistematicamente muitas políticas públicas. Há uma nuvem cinza pairando sobre o cinema brasileiro. Você, Cláudio Assis, Gabriel Mascaro, Marcelo Gomes, alguns dos cineastas mais criativos do Brasil são todos de Recife. O que há com o cinema de Pernambuco? Tem alguma coisa na água que vocês bebem?

Kleber Mendonça Filho, o diretor que denunciou o golpe no Brasil O diretor do aclamado ‘Aquarius’ veio a Londres para o lançamento do filme e conversou com Victor Fraga do DMovies Por Victor Fraga g

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Kleber Mendonça Filho ganhou notoriedade internacional no ano passado ao conduzir um protesto muito oportuno em um palco repleto de estrelas. No tapete vermelho do Festival de Cannes, em maio de 2016, o cineasta e a equipe de seu último filme, ‘Aquarius’, levantaram cartazes denunciando o golpe de Estado que estava ocorrendo no Brasil. As imagens do gesto circularam o mundo, aparecendo em capas de muitos jornais, incluindo The Guardian. A ação coincidiu com o início do processo golpista no Brasil, e o lançamento do filme meses depois ocorreu exatamente ao mesmo tempo em que o impeachment da presidente Dilma Rousseff foi consumado, em agosto. Kleber não é apenas uma cara de bigode sexy no tapete vermelho, porém. Atualmente, é o mais aclamado cineasta do Brasil, com apenas dois longas-metragens. O notável ‘O Som ao Redor’ (2011) explora a tediosa cacofonia urbana que une vizinhos de classe média em Recife (cidade natal de Kleber). O longa foi eleito pelo New York Times como um dos melhores filmes dos últimos 10 anos. Já ‘Aquarius’ (2016) conta a história de Clara, interpretada

pela icônica Sônia Braga, uma mulher que resiste a especuladores imobiliários que querem derrubar o prédio onde ela mora. Clara usa a nostalgia como escudo contra uma sociedade em rápida mutação e profundamente corrupta, bem como um instrumento para a sobrevivência física e emocional. Depois de aparecer no BFI London Film Festival do ano passado, ‘Aquarius’ foi lançado nos cinemas do Reino Unido em março último. Kleber veio para Londres especialmente para a ocasião, e concedeu a entrevista a seguir. O Brasil ainda é um país muito exótico aos olhos britânicos, e a maioria das pessoas não sabe onde fica Recife nem que houve um golpe no ano passado. Como você acha que as pessoas vão se relacionar com o seu filme aqui? Quando faço um filme, eu sempre me pergunto: alguém vai vê-lo, vai fazer algum sentido, alguém vai se importar? Acho que todo cineasta deve ter isso em mente. Tenho tido muita sorte desde que comecei a fazer curtas-metragens, porque meus trabalhos parecem viajar

muito bem. Todos os meus filmes foram muito bem no Brasil e no exterior. Em ‘O Som ao Redor’, fiz as filmagens na rua onde moro. É quase como um filme caseiro, feito com pouco menos de US$ 1 milhão, e que foi para países que eu nunca imaginava. Com ‘Aquarius’ é ainda maior. A mesma história parece acontecer em todos os lugares. Estou convencido de que as pessoas vão se relacionar bem com meu filme onde quer que haja dinheiro e imóveis. O conflito principal é bem compreendido por pessoas em todos os lugares. Claro que você pode perder alguns detalhes se você não for brasileiro. Existem certos sabores que foram incorporados ao filme que são naturalmente locais. Mas eu não acho que isso irá impedir os britânicos de compreender o filme. Este é um momento muito bom para o cinema brasileiro, 12 filmes no último Festival de Berlim, sete em Roterdã, e a organização Cinema do Brasil tem mais de 150 filmes em seu catálogo. Você está preocupado com a possibilidade de o atual governo golpista do Brasil destruir esse momento incrível?

Essa é a grande questão que todo mundo na indústria cinematográfica brasileira está enfrentando agora. Muito do que estamos vendo hoje, como os filmes em Berlim e Roterdã, a aclamação internacional de ‘Boi Neon’ (Gabriel Mascaro, 2015) e ‘Que Horas Ela Volta?’ (Anna Muylaert, 2015), tudo isso é resultado de anos de investimento e desenvolvimento de políticas de apoio ao cinema brasileiro. Por um lado, temos um monte de filmes comerciais indo muito bem nos cinemas brasileiros. As pessoas pensam que eu sou contra filmes comerciais, mas isso é ridículo. Acontece que eu pertenço ao outro lado, onde tem mais prestígio do que dinheiro, embora ‘Aquarius’ tenha alcançado ganhos de bilheteria que não são típicos de um filme de 150 minutos filmado em Recife com uma protagonista de 65 anos [Clara, interpretada por Sônia Braga]. Meu filme foi comercialmente bem-sucedido e prestigiado. E muito disso veio das políticas implementadas por Lula desde 2003. Essa é a verdade incontestável. Algumas pessoas podem não gostar do governo anterior, mas não podem negar essa realidade, que começou com Lula e continuou com Dilma.

Essa é uma pergunta muito difícil. Recife parece ser um terreno fértil, e não apenas para o cinema. É na literatura, nas artes, na música. Isso foi particularmente verdadeiro nos anos 1990 com o movimento Mangue Beat na cena musical. E agora temos a cena do cinema, que é muito forte! Minha teoria é que depois de 400 anos de monocultura de cana-de-açúcar, quando fomos conhecidos apenas por plantações de cana-de-açúcar e nada mais, as coisas mudaram. Isso gerou algum movimento interno que nos forçou a pensar “multi” em vez de “mono”. Com a presença dos invasores holandeses, combinados com a distância do Rio de Janeiro e de São Paulo, que estavam bastante longe, acabamos com este terreno muito interessante para a cultura. Sua pergunta é feita todos os dias no Brasil, particularmente por cariocas e paulistas, e todo mundo está tentando entender como essa força cultural surgiu. A Globo está em todo lugar no Brasil: na imprensa, na Internet, na televisão e também no cinema, incluindo seu filme [que foi produzido pela Globo Filmes]. Você acha que é saudável para o cinema, televisão e demais meios estar sob o controle de uma única organização? Não é nada saudável. Esta é uma discussão enorme no Brasil. Precisamos de diversidade de críticas e de pontos de vista. Historicamente, desde os anos 1960, a Globo domina a mídia no Brasil, particularmente na televisão. Eles têm encontrado maneiras de se tornar ainda mais diversificados com a Internet e televisão a cabo. Agora o poder da Globo está sendo questionado através da Internet e das redes sociais, Netflix, Facebook e YouTube. Pelo menos agora podemos ver alguma mudança no alcance da Globo. Que tipo de mudança? A atenção das pessoas está sendo desviada para o YouTube, Netflix (que é incrivelmente forte no Brasil) e assim por diante. Além disso, as pessoas fazem sua própria programação. E como isso afeta a indústria cinematográfica? Temos uma relação interessante com a Globo Filmes porque sempre fui crítico. Na época de ‘O Som ao Redor’, tive uma grande queda de braço com o presidente Cadu Rodrigues. Mas agora eles têm uma

maneira completamente nova de olhar para o cinema brasileiro, não apenas em relação ao “lado comercial”, mas também ao “lado do prestígio”. Foi muito interessante que tivéssemos eles apoiando ‘Aquarius’, você sabe por quê? Não, mas tenho certeza que você vai me dizer! ‘Aquarius’ será exibido na televisão brasileira no horário nobre, no canal aberto da Globo. Isso é inédito para um filme tão longo e não comercial. Para mim, isso é diversidade. O cinema é uma arma para a mudança, para a denúncia, e você fez bom uso disso em Cannes, quando denunciou o golpe no Brasil. Você pode nos contar um pouco sobre a retaliação que sofreu desde então? Você faria aquele gesto de novo? Se eu tivesse uma máquina do tempo e pudesse voltar a maio do ano passado, faria exatamente o que fizemos. Nós, como cidadãos brasileiros, fizemos um protesto muito simples, expressando nossa opinião sobre o que estava acontecendo no Brasil. Estávamos pensando no que está acontecendo agora naquela época. Nós não tivemos escolha. Tínhamos que dizer “isso é errado!”. Tivemos muito apoio, mas também um monte de ataques, especialmente nas redes sociais. E esses ataques podem ser muito vorazes. Mas isso também trouxe atenção ao meu filme. Tentaram boicotá -lo, o que o tornou ainda maior. Os maiores cineastas brasileiros dos últimos 20 anos já se envolveram em uma carreira internacional, incluindo Walter Salles com ‘Diários de Motocicleta’ (2004), Fernando Meirelles com ‘O Jardineiro Fiel’ (2005) e José Padilha com ‘RoboCop’ (2014). Você fará o mesmo? Estou aberto a possibilidades, mas não sonho em fazer um filme em Hollywood. Você não vai refazer ‘RoboCop’ pra gente então? Eu nunca em minha vida faria um remake de um filme que eu amo. E eu amo ‘RoboCop’ [o original de 1987, de Paul Verhoven]. Mas, você sabe, boa sorte para... bem, você sabe de quem estou falando! [Vale a pena salientar que José Padilha, que remodelou ‘RoboCop’, fou um dos poucos cineastas do Brasil que apoiaram o golpe de 2016]. Se eu fizer uma descoberta interessante em um livro ou em um script, é claro que eu consideraria fazer um filme no exterior. Mas eu nunca faria um filme apenas por uma questão de dinheiro. g

Victor Fraga é um jornalista brasileiro baseado em Londres com mais de 15 anos de envolvimento com cinema e afins. Esta entrevista foi publicada originalmente em www.dmovies.org


12 Maio 2017 | brasilobserver.co.uk

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REPORTAGEM Reprodução

O inimigo que deveria ser um aliado

Pesquisa aponta que a população da periferia de São Paulo vê o Estado como um adversário, porque retorna os impostos pagos com serviços “aquém de suas necessidades” Por Wagner de Alcântara Aragão

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Uma pesquisa qualitativa cujos resultados foram divulgados no fim de março mostra que a população da periferia de São Paulo quase nada sabe, não se envolve e pouco se importa com a polarização político -partidária que se acirrou no Brasil depois das eleições de 2014; e ainda tem os meios de comunicação de massa como principal fonte de informação e enxerga o Estado como um “adversário”, um “inimigo”. A pesquisa – “Percepções e valores políticos nas periferias de São Paulo” – foi elaborada pela Fundação Perseu Abramo, ligada ao Partido dos Trabalhadores (PT), cuja origem, quase 40 anos atrás, está justamente baseada na classe operária moradora de bairros periféricos da capital paulista e região metropolitana. O estudo mostra também que, no lugar dos partidos políticos e movimentos sociais, são as igrejas pentecostais que assumiram o posto de grupo catalisador dos anseios da população mais pobre da metrópole paulistana. O professor e economista Márcio Pochmann, presidente da Fundação Perseu Abramo, ressalva que o povo da periferia não enxerga o Estado como “inimigo” na perspectiva do neoliberalismo e dos neoliberais, isto

é, a população mais pobre não é essencialmente contra a atuação do poder público na sociedade, tampouco contra o tamanho do Estado. “Não é que a população entenda o Estado como ‘inimigo’ no sentido de considerar que, com a saída do Estado, a vida vai melhorar [como defendem os neoliberais]. A população critica o Estado, mas não é uma crítica na visão neoliberal. É uma consciência de que [a população mais pobre] recebe do Estado serviços aquém de suas necessidades”, explica Pochmann, em entrevista concedida ao Brasil Observer. Para o professor, “há elementos de racionalidade” nessa crítica. “Eles [moradores da periferia] são os usuários do transporte público, da saúde pública… Conhecem o Estado pela mão da polícia [e sua ação truculenta nos bairros mais carentes]. Sabem identificar os problemas”, frisa o economista.

ta do Fachin” – uma referência aos nomes de oito ministros do governo de Michel Temer, os quatro últimos ex-presidentes da República vivos, 42 deputados federais e 29 senadores colocados sob investigação judicial pelo relator da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin – contribuem mais ainda para a demonização da política. Além disso, salienta o professor e economista, a população pesquisada tem dificuldade de distinguir esferas de governo e instâncias dos três poderes da República, e suas atribuições e responsabilidades. Assim, tudo é, para o público consultado, “governo”, e por tabela, “Estado”. Há, dessa forma, uma insatisfação com o Estado de modo geral, com “governos”, uma contestação semelhante à dos anarquistas, identifica Márcio Pochmann. Por isso, a rejeição do Estado pela população pobre estaria mais alinhada aos ideais do anarquismo do que aos do neoliberalismo.

POLÍTICA E POLÍTICOS

IGREJAS

Ainda na avaliação de Pochmann, a imagem desgastada da política e dos políticos é transferida para a imagem do Estado também. Vale ressaltar que episódios como o da chamada “Lis-

Outra constatação da pesquisa é a de que a ausência do Estado, antes preenchida pela atuação de sindicatos, movimentos sociais e partidos de esquerda na periferia, passou a ser

suprida pelas igrejas neopentecostais. E não à toa, observa Pochmann. “Essas igrejas fazem um trabalho importante de oferta de serviços; oferecem a possibilidade de sociabilidade nas periferias. Oferecem assistência a famílias desestruturadas, tratam dos anseios dessa população.” Mas, apesar das condições de vida ainda precárias, a população da periferia não identifica os avanços que conquistou, sobretudo no decênio 2004-2014, com políticas públicas de inclusão como ProUni e Fies, que abriram as portas do ensino superior para os mais pobres; Minha Casa, Minha Vida, que concretizou o sonho da casa própria para muita gente; Mais Médicos, que levou atendimento básico de saúde a comunidades órfãs, entre outras ações? Para Márcio Pochmann, sim, há esse reconhecimento; faltou, todavia, à população das periferias uma maior sensação de envolvimento no processo, de pertencimento a tais políticas. “Ocorre que foram políticas públicas feitas para os pobres, e não com os pobres”, compara o economista. “O pobre foi uma parte passiva dessas políticas”, acrescenta.

PERCEPÇÕES DA PERIFERIA Algumas das constatações da pesquisa feita pela Fundação Perseu Abramo periferia da cidade de São Paulo: g

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SOBRE AS REFORMAS A entrevista de Pochmann ao Brasil Observer foi concedida dias antes da greve geral que parou o país, em 28 de abril, contra as reformas trabalhista e da Previdência. O economista adianta que a pesquisa não tratou desse tema com o público consultado; entretanto, para o professor, é possível perceber que a população brasileira, insatisfeita com o governo Michel Temer, cada vez mais tende a se mobilizar contra as medidas que o sucessor de Dilma Rousseff vem impondo ao país – com a aprovação da maioria absoluta do Congresso Nacional e com evidente apoio dos meios de comunicação de massa. No entendimento do professor, ainda falta uma mobilização mais intensa contra a reforma trabalhista, como já ocorre contra a reforma da Previdência. A estratégia adotada pelo governo Temer foi diferente para cada uma das “reformas”, e isso, argumenta Pochmann, fez com que as atenções se concentrassem nas propostas de modificações previdenciárias. “A reforma da Previdência foi inteira num pacote para o Parlamento. A população conseguiu ficar sabendo do que se tratava. Já a reforma trabalhista foi constituída só de quatro mudanças. Na Câmara dos Deputados é que o relator [Rogério Marinho, PSDB/RN] incluiu mudanças que na prática desconstituem a legislação trabalhista. Foi uma estratégia do governo. Isso dificultou a identificação [por parte dos trabalhadores, da sociedade] das mudanças propostas”, explica o economista.

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A formulação e debate sobre a política se dão de forma superficial e ainda de acordo com a agenda definida pela mídia hegemônica. Palavras que limitam os campos e são utilizadas inclusive de maneira pejorativa em disputas políticas (‘reaça’ e ‘coxinha’ ou ‘conservador’ versus ‘progressista’) não habitam o imaginário dessa população. Há confusão quanto às esferas federal, estadual e municipal. Não é fácil definir as funções de cada uma. A tendência é de que tudo o que concerne à vivência concreta na cidade seja cobrado das prefeituras e o que diz respeito a questões mais macro e abstratas, para a Presidência da República, isentando o governo estadual. A cisão entre ‘classe trabalhadora’ e burguesia também não perpassa pelo imaginário dos entrevistados. Para os entrevistados, o principal confronto existente na sociedade não é entre ricos e pobres, entre capital e trabalho, entre corporações e trabalhadores. O grande confronto se dá entre Estado e cidadãos, entre a sociedade e seus governantes. Há forte desejo por visibilidade e valorização pessoal; querem ter um ‘lugar no mundo’: ‘ascensão social’ é importante no processo de diferenciação. No caminho para a ascensão é preciso estabilidade: riscos de rupturas, de caos, ameaças incomodam e tendem a ser rejeitadas.

Observações:

Vale assinalar que se trata de um estudo qualitativo, e não quantitativo, ou seja, não há indicadores estatísticos. A pesquisa foi realizada por meio de duas técnicas complementares: entrevistas em profundidade e grupos focais, expondo os entrevistados a um conjunto de temas pré-determinados, captando a compreensão, percepção e valores presentes na opinião pública a respeito destes assuntos, assim como a narrativa discursiva construída em torno deles.


14 Maio 2017 | brasilobserver.co.uk

brasilobserver.co.uk | Maio 2017 15

Preconceito e burocracia: a vida de migrantes venezuelanos no norte do Brasil Cerca de 30 mil venezuelanos passaram a residir em Roraima desde o início de 2016, segundo dados do governo estadual Por Rodrigo Borges Delfim g Marco da fronteira entre Brasil e Venezuela Rodrigo Borges Delfim

Já são milhares os venezuelanos que vivem em Roraima. O estado do Norte do Brasil ganhou o noticiário ao tornar-se refúgio para quem foge da crise econômica que assola o país vizinho. Enquanto as autoridades roraimenses reclamam da falta de apoio do governo federal para acolher os migrantes, estes relatam preconceito por parte dos brasileiros — e sofrem com a burocracia para regularizar sua documentação no país. “Não é por brincadeira que estamos aqui. Somos xingados por falar espanhol. Somos discriminados por seremos venezuelanos”, afirma a psicóloga Merlina Ferreira, que há um ano vive em Boa Vista, capital do Estado. Merlina está entre os 30 mil venezuelanos que passaram a residir em Roraima desde o início de 2016, segundo dados do governo estadual. Entre os migrantes, há indígenas da etnia warao, a segunda maior da Venezuela. Muitos deles buscam seu sustento no comércio de artesanato ou pedindo esmolas nas ruas. Quando conseguem uma quantidade razoável de dinheiro e produtos, retornam aos locais de origem. A presença em maior número dos venezuelanos tem sido notada tanto em Pacaraima, cidade vizinha à venezuelana Santa Elena de Uairén, quanto em Boa Vista, seja nas filas dos serviços públicos ou nas ruas. Muitos migrantes não dispõem de abrigos permanentes e dormem ao relento. O assunto é um dos mais debatidos pela população local e também é destaque no noticiário nacional, gerando tanto manifestações de solidariedade quanto de preconceito contra os venezuelanos. Visando entender melhor o problema, o Ministério Público Federal (MPF) levou em março uma delegação com 40 pessoas de diferentes organismos do governo e entidades não governamentais de todo o Brasil a Roraima. “Temos que ter um olhar humanitário, mas precisamos ir além, porque essas pessoas são sujeitos de direitos. As soluções não podem ser temporárias, temos de pensar em soluções permanentes”, aponta o Procurador Federal João Akira Omoto, um dos organizadores da missão. Durante três dias, a missão conversou com migrantes e representantes de diversos órgãos municipais e estaduais. Também foram visitados um abrigo provisório na periferia de Boa Vista e a cidade de Pacaraima, que não dispõe de nenhum abrigo público para os estrangeiros. Ao final, o MPF organizou uma audiência pública em Boa Vista, que reuniu tanto migrantes como autoridades federais, estaduais e municipais. Tanto a prefeitura de Boa Vista quanto o governo de Roraima reclamam que faltam recursos para atender às demandas trazidas pelo aumento da migração venezuelana e afirmam que o assunto é de competência federal. As autoridades também se queixam da ausência de documentos – em geral, os migrantes indígenas não possuem qualquer tipo de documento.

“Eu não consigo cadastrar o imigrante irregular nos serviços de saúde. Sem esse registro não conseguimos verba para esse atendimento, e assim colocamos em risco o atendimento do restante da população. Não temos condições de assumir o atendimento dessas pessoas aqui”, declara a Procuradora-Geral do Município de Boa Vista, Marcela Medeiros. “O que estamos fazendo aqui é ajuda humanitária. Não vamos deixar mulheres e crianças nas ruas. E como a temática envolve a questão indígena ela se torna mais profunda. É nisso que queremos que o governo federal nos ajude”, diz a governadora de Roraima, Suely Campos. O fluxo migratório tem sido mal recebido pelos locais, incomodados com a presença de migrantes em praças, como vendedores ou pedindo esmolas. Autoridades municipais relacionam a chegada dos venezuelanos com o aumento de crimes, como roubos, assaltos e homicídios. No entanto, dizem que estão preparando estudos que embasem essas afirmações. O procurador José Gladston Viana Correia, outro organizador da missão, pediu cautela quanto a estas afirmações dos gestores locais. “Precisamos de dados que demonstrem essas suspeitas”, afirmou. Akira reforça a observação de Gladston. “A Polícia Federal apurou que não havia registros de crimes por venezuelanos até dezembro de 2016 em Roraima. É necessário que essas informações sejam divulgadas com clareza. E o que tem circulado não condiz com os dados registrados”. Para Gustavo da Frota Simões, professor do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Roraima, dados desencontrados ou mal interpretados divulgados pelas autoridades e pela imprensa ajudam a criar um clima de “invasão” de venezuelanos. “Os jornais tratam a migração com olhos de quem não entende o assunto e de xenofobia. O migrante ou “o venezuelano” é sempre “o autor do crime”, causador do aumento da prostituição, drogas e de outros males”. Simões acredita que os problemas citados por prefeituras e secretarias são anteriores ao crescimento da migração venezuelana. “A meu ver, essa situação de emergência foi utilizada como um mecanismo para negociar dívidas e receber mais recursos, além de justificar falhas que já aconteciam anteriormente à chegada dos venezuelanos”. Os relatos de preconceito e discriminação eram gerais entre os cerca de 50 migrantes venezuelanos presentes na audiência pública realizada em Boa Vista, no auditório da Universidade Federal de Roraima. “Não somos um problema. A situação em nosso país é muito difícil, por isso estamos aqui”, afirmou o venezuelano Bruno Florian. “Queremos ser parte da solução. Sofremos muito com a discriminação aqui, as mulheres são taxadas de prostitutas”, reforçou o venezuelano Freiomar Villena.

NO LIMBO DA LEI Ainda que venezuelanos possam entrar no Brasil utilizando a carteira de identidade, aqueles que chegam com a intenção de trabalhar ou de firmar residência encontram dificuldades para obter documentos como a carteira de trabalho, que permite que a pessoa possa trabalhar formalmente. A saída encontrada pelos migrantes venezuelanos para obter uma situação migratória regular, ainda que precária e limitada, é o pedido de refúgio. No Brasil, solicitantes de refúgio têm direito a documentos brasileiros, como número de seguridade social, passaporte e carteira de trabalho, enquanto aguardam o julgamento de seu pedido. Esse julgamento pode levar meses ou até anos e, enquanto isso, o migrante pode trabalhar e residir livremente no país, assim como utilizar serviços públicos. De acordo com o Comitê Nacional para Refugiados (Conare), responsável por julgar os pedidos, o número de solicitações de venezuelanos saltou de 341 em 2015 para 2.230 em 2016. O solicitante é reconhecido como refugiado quando prova que sofria algum tipo de perseguição ou violação de direitos humanos em seu país de origem – as autoridades brasileiras consideram que a grande maioria dos venezuelanos não se enquadra nesses quesitos. No ano passado, apenas cinco pedidos de venezuelanos foram deferidos pelo Conare. Uma medida adotada recentemente pelo Conselho Nacional de Imigração (CNIg) foi permitir o pedido de residência temporária para migrantes que entrem no Brasil por terra e sejam de países vizinhos para os quais ainda não haja acordos de livre residência. Essa medida, no entanto, esbarra nas altas taxas que os migrantes precisam pagar (que chegam a R$ 400). Outra solução estaria na aprovação da Lei de Migração, que atualmente tramita no Senado Federal, em Brasília. A nova lei, que viria a substituir o atual Estatuto do Estrangeiro, ampliaria a política de vistos humanitários – hoje provisória e aplicada apenas para sírios e haitianos. Enquanto isso, ações locais tentam amenizar a situação. Durante a audiência pública, autoridades reconheceram falhas no atendimento aos migrantes e se comprometeram a melhorar os processos. “A expectativa é que essa articulação realmente aconteça e que venha uma resposta dos órgãos públicos para a sociedade civil, em forma de uma efetiva prestação de serviços”, afirmou a procuradora Ana Carolina Bragança, que atua em Roraima e ajudou a conduzir a audiência pública. O jornalista Rodrigo Borges Delfim é editor do site Migramundo. Sua viagem a Roraima foi parcialmente bancada por uma vaquinha feita pelos seus leitores. Artigo publicado em www.globalvoices.org g

Migrantes venezuelanos, indígenas e não indígenas, conversam com integrantes da missão do Ministério Público Federal

O QUE ESTÁ ACONTECENDO NA VENEZUELA? Ditadura é uma palavra que muitos venezuelanos estão utilizando para descrever os últimos meses de agitação política naquele país sul-americano, que teve seu ápice no dia 30 de março de 2017, quando o Tribunal Supremo de Justiça anulou os poderes do Parlamento Nacional. A ação desencadeou protestos e causou repúdio internacional. Alguns a descreveram como “autogolpe”. Para muitos venezuelanos, foi a confirmação de que já não resta qualquer vestígio de democracia no país. O Tribunal Supremo assumiu as funções da Assembleia Nacional e permitiu que o presidente Nicolás Maduro assumisse algumas funções do legislativo. Entretanto, o tribunal deu marcha à ré poucos dias depois, quando Maduro solicitou que a decisão fosse reconsiderada. Apesar do restabelecimento da Assembleia Nacional, organizações de dentro e fora do país permanecem insatisfeitas. Manifestantes continuam a se mobilizar em massa, quase diariamente, apesar da violência policial. Para um observador casual, que lê apenas os títulos de matérias da imprensa internacional, a Venezuela vem enfrentando uma crise nos últimos anos e a efêmera resolução do Tribunal Supremo é o evento mais recente desta crise. No entanto, a Venezuela não vive uma crise. Vive muitas crises, todas interconectadas e que afetam o povo venezuelano. A primeira é política. O falecido Hugo Chávez, morto em 2013, elegeu a dedo o presidente Nicolás Maduro como seu sucessor. Maduro afirma que busca fomentar a Revolução Bolivariana socialista de Chávez, para levar democracia ao povo e diminuir os altos níveis de pobreza no país. Maduro, porém, não conquistou o apoio e o respeito públicos de seu antecessor. Após três anos de crise econômica e níveis

de violência e pobreza sem precedentes, a popularidade de Maduro chegou ao ponto mais baixo. Ele é acusado pela oposição de usar métodos autoritários para deter as dissidências. Seu governo tem reprimido protestos, censurado a imprensa e restringido a liberdade de expressão. Opositores, críticos e jornalistas que reportam irregularidades do governo estão sendo encarcerados. Alguns optaram pelo exílio. Outros apenas se calaram. O governo de Maduro tem sido marcado por uma profunda crise econômica. O país depende das receitas do petróleo, cujos preços vêm caindo nos últimos anos, e o sistema não tem conseguido compensar essas perdas. A taxa de inflação na Venezuela, que passa de 50% desde 2014, chegou a 800% no final de 2016 e continua a subir. Por outro lado, as autoridades monetárias limitaram as importações, impactando o abastecimento. O governo controla o preço dos produtos da cesta básica, mas o mercado negro ainda tem poderosa influência nos preços. Os valores dos produtos básicos podem aumentar em questão de dias e a moeda nacional pode desvalorizar com a mesma velocidade. A insegurança alimentar é percebida nas longas filas dentro e fora dos supermercados e nos vários casos de tentativas de se cruzar a fronteira com a Colômbia para comprar produtos alimentícios básicos. A Venezuela também sofre uma crise no sistema de saúde. A falta de medicamentos e as más condições das instalações, além da marginalização das comunidades indígenas têm tido consequências fatais. A violência também aumentou nas últimas décadas. A taxa de homicídios na Venezuela está entre as mais altas do mundo. A complicada realidade venezuelana tem provocado a saída em massa de venezuelanos do país. Enquanto os partidos continuam culpando uns aos outros, a crise piora.


16 Maio 2017 | brasilobserver.co.uk

brasilobserver.co.uk | Maio 2017 17

Muitas mulheres habitam

Todas as Vidas

Cora Coralina A Espetáculo em São Paulo conta trajetória da escritora goiana Por Vitor Nuzzi g

Cora, como essas mulheres habitam tantas outras mulheres que vão à luta, vão à frente desafiando o seu tempo”.

CULTURA POPULAR

Saída do interior do Maranhão, ela aprendeu a ler com a literatura de cordel. Também teve estímulo da avó professora. A distração das crianças era ouvir rádio. “Fui me envolvendo com questões artísticas desde pequenininha, com apresentações na igreja, na escola, movimento teatral no Rio Grande do Norte, paródias, textos de teatro”, lembra Lília, que nasceu em Tuntum e foi criada em Imperatriz. Já no estado potiguar se aproximou dos repentistas. “Quando cheguei a Brasília, já tinha esse contato com a literatura e com a cultura popular”. Ela fala com admiração de Cora, de sua postura ao enfrentar preconceitos, do envolvimento em movimentos políticos e artísticos, como a Semana de Arte Moderna de 1922, sua participação em causas sociais. “Aos 15 anos, já participava de reuniões, representando as mulheres silenciadas. Foge com o amor de sua vida, Cantídio (para o interior paulista; era um homem mais velho e separado, com quem se casaria em 1925). Ela serve de espelho para que outras mulheres possam enfrentar as demais formas de violência que a gente vem enfrentando”. A montagem do espetáculo foi lenta, começou com ‘Todas as Vidas’ e foi agregando fragmentos de poemas e contos. Manteve elementos como a cozinha, onde durante a apresentação é feito um doce de banana. “O espetáculo tem algumas mudanças, e provavelmente é por isso que ele vem me movimentando, que eu continuo apaixonada por ele”, diz Lília, que na atual montagem assina a direção. Em cena, ela é acompanhada por dois músicos, Léo Terra Oliveira e Maísa Arantes de Amorim. “Tem muito a ver com a memória que eu tenho da minha mãe, com as mulheres que têm na cozinha o seu labor, as conversas. As pessoas relatam muito que lembram da avó, da tia do interior...”, conta a atriz.

Vive dentro de mim uma cabocla velha de mau-olhado, acocorada ao pé do borralho, olhando pra o fogo. Benze quebranto. Bota feitiço... Ogum. Orixá. Macumba, terreiro. Ogã, pai-de-santo...

Lília diz, rindo, que não chegou a experimentar doces feitos pela própria Cora, chamados de “sublimes e divinos” por Jorge Amado, em 1975. “Muitas pessoas que provaram disseram que os doces eram maravilhosos. Ela vendia o doce e aproveitava para falar uma poesia para vender o livro”. A autora observa que Cora disse ser mais doceira, cozinheira, do que escritora. Será? “Esses dois ofícios, juntinhos, tinham uma alquimia, a gente pode dizer que se complementam”.

Vive dentro de mim a lavadeira do Rio Vermelho, Seu cheiro gostoso d’água e sabão. Rodilha de pano. Trouxa de roupa, pedra de anil. Sua coroa verde de sãocaetano. Vive dentro de mim a mulher cozinheira. Pimenta e cebola. Quitute bem feito. Panela de barro. Taipa de lenha. Cozinha antiga toda pretinha. Bem cacheada de picumã. Pedra pontuda. Cumbuco de coco. Pisando alho-sal.

SEM SE ENTREGAR Para a criadora do espetáculo, provavelmente por fazer uma “opção de classe”, Cora tenha sido desprezada pela elite goiana. Dificuldades na infância podem ter servido de estímulo ao seu engajamento social posterior, sua opção pelos marginalizados. “A opção talvez tenha a ver com seus próprios sofreres na busca de afirmação como mulher, escritora, pensadora”, acredita Lília, comentando, no entanto, que mesmo diante de dificuldades Cora sempre foi otimista e não reclamava. “Essa é uma das imagens mais fortes que eu tenho dela: a de quem não se entrega e vai para a ação”, afirma. Ela também acredita que ainda falta conhecimento sobre a obra de Cora Coralina, inclusive por uma parte da academia. Lília conta episódio de alguns anos atrás, após fazer uma apresentação em uma universidade federal. Um diretor reclamou, posteriormente, dos gastos para realizar um sarau sobre uma “escritorazinha”. “Existe muito preconceito, muitas pessoas não se debruçam sobre a obra dela”. Mas o tempo atual é ainda mais propício para isso, para a poesia. “Vivemos tempos duros, difíceis, de negação a uma série de direitos, de ataques à classe trabalhadora. A poesia tem essa capacidade de nos fazer refletir, de perceber a beleza mesmo diante do caos, mesmo diante do medo. De perceber a poética da vida”, reflete. É possível buscar saídas. “Basta que a gente observe, perceba e vá fazer o que tem de ser feito, que é lutar sempre”.

Vive dentro de mim a mulher do povo. Bem proletária. Bem linguaruda, desabusada, sem preconceitos, de casca-grossa, de chinelinha, e filharada. Vive dentro de mim a mulher roceira. – Enxerto da terra, meio casmurra. Trabalhadeira. Madrugadeira. Analfabeta. De pé no chão. Bem parideira. Bem criadeira. Seus doze filhos. Seus vinte netos. Vive dentro de mim a mulher da vida.

Minha irmãzinha... tão desprezada, tão murmurada... Fingindo alegre seu triste fado. Reprodução

Artigo publicado originalmente por Rede Brasil Atual (www.redebrasilatual.com.br) g

Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas era o nome de batismo de Cora Coralina, “coração vermelho”, escritora, poetisa, doceira, engajada, solidária aos deserdados da sociedade, que morreu em 10 de abril de 1985, perto de completar 96 anos. Em abril passado, véspera dos 32 anos de sua morte, um espetáculo em São Paulo – estado onde ela viveu durante 45 anos – contou um pouco da história da mulher nascida em Cidade de Goiás (GO), buscando recriar o ambiente em que vivia, com direito a doce feito ao vivo e à presença de Vicência Bretas Tahan, filha caçula de Cora. Vicência, única viva dos filhos, é educadora aposentada. ‘Cora Dentro de Mim – Plantando Roseiras & Fazendo Doces’ é o nome do espetáculo apresentado pela atriz e escritora maranhense Lília Diniz. Já são 17 anos de estrada, período em que foi visto por 10 mil pessoas. A história começa com o poema ‘Todas as Vidas’ (leia ao lado), dado a Lília por uma amiga que havia visitado o museu de Cora na cidade goiana. Fascinada, andou com o texto durante três anos na bolsa, um dia musicou e recitou – e começou a entrar no universo lírico de Cora, uma das criadoras, em 1907, do jornal A Rosa, dirigido só por mulheres. “O que me aproximou da Cora foi a simplicidade dos versos, com a profundidade que tem, e da maneira apaixonada que ela fala da sua gente, das coisas simples da vida”, conta a atriz, que mora no Distrito Federal. “Até então, eu não conhecia o lado guerreiro dela, das lutas. Só depois de ler o livro da Vicência (‘Cora Coragem, Cora Poesia’) me deparei com outra Cora, mudei a maneira de interpretar seus poemas”. Muitas mulheres são Cora, no enfrentamento do preconceito, na luta por independência. “Ao assumir a defesa das prostitutas, das lavadeiras, das mulheres obscuras, ela se coloca de igual para igual”, diz Lília. “Ela serve de espelho para que outras mulheres possam enfrentar as demais formas de violência que a gente vem enfrentando ao longo da nossa existência. Essas mulheres habitam

(Cora Coralina)

Todas as vidas dentro de mim: Na minha vida – a vida mera das obscuras.


18 Maio 2017 | brasilobserver.co.uk

brasilobserver.co.uk | Maio 2017 19

DICAS

Música

EXPOSIÇÃO

Nina Miranda traz seu dub tropical em ‘Freedom of Movement’ Regina Mester

Enraizado em um profundo senso de comunidade, ‘Freedom of Movement’ é o álbum de estreia de Nina Miranda, que será lançado pela Six Degrees Records dia 26 de maio e contará com participações diversas, sendo o núcleo da banda formado pelo grupo londrino Ibibio Sound Machine. Desde o início da década de 1990, com o Smoke City e o projeto Trouble Man de Mark Pritchard, até os concertos e álbuns de Nitin Sawhney, Nina há tempos tem abraçado a troca de experiências em colaborações musicais. Miscelânea multifacetada de pessoas e lugares que a inspiram, ‘Freedom of Movement’ representa uma resistência às forças restritivas e negativas que ela tem visto prevalecer no mundo em 2017. Nina Miranda passou a maior parte de sua vida entre o Brasil e Londres; este tão aguardado álbum solo vai de encontro à liberdade de sua experiência. Como um Sanhaçu Escarlate, ave migratória que voa pela Américas, Nina migra entre os continentes musicais com fluência e originalidade imersivas. O resultado é um álbum que ressoa o hibridismo de gênero que seus fãs passaram a saborear ao longo dos anos. A primeira gravação de Nina aconteceu quando ela fazia um curso de arte na Universidade de Middlesex. Seu vizinho era um jovem chamado Nigel Godrich (Radiohead), e ela passava seu tempo livre no Rak Studios. Mais tarde, naquele ano, Nina se juntou ao Sweatmouth, coletivo de rappers, cantores, DJs e músicos que lançou dois EPs que receberam grandes elogios da crítica, sendo tocados pelos DJs Gilles Peterson e Patrick Forge, que finalmente entrou em contato quando ela trocou as ruas de Londres pelas do Rio de Janeiro. Nina diz que definiu seu som ao “entrelaçar os fios de suas línguas e culturas, a luz e a sombra de seus continentes e humores, o hip-hop e a bossa, o ska e o dub”. Amigo da escola Haverstock e DJ da cena de Camden, Marc Brown apreciou suas gravações e shows ao vivo com o Sweatmouth e fez uma canção para Nina, que gravou as palavras “This must be underwater love…” ao ouvir a música pela primeira vez, “canalizando o Rio Amazonas, as novelas brasileiras, uma chanteuse francesa” e seu retorno iminente à terra de suas raízes. Enquanto Nina estava morando no Rio, um EP de ‘Underwater Love’ rodou pela da cena musical e muitas gravadoras

passaram a cortejar a banda. Nina retornou ao Reino Unido para fazer o primeiro álbum do Smoke City com Marc, o multi-instrumentista Chris Franck e o produtor-escritor Patrick Forge. Seus sucessos (com a ajuda do comercial de TV criado por Michel Gondry Levi em 1997, intitulado ‘Mermaids’) criaram uma sensação mundial e abriram o caminho para uma nova sensibilidade pop. Mais tarde Nina se juntou ao Da Lata e tornou-se vocalista das bandas Shrift e Zeep. Integrante das cenas Trip Hop, Eletrônica e World Music dos anos 1990, ela colaborou com inúmeros artistas. Estes incluem Nitin Sawhney, Basement Jaxx, Bebel Gilberto, Jah Wobble, Nação Zumbi, Baaba Maal, Troubleman, Seu Jorge e Gilles Peterson. A música de Nina tem sido usada em trilhas sonoras de filmes e televisão em todo o mundo, resultando em seguidores que ficarão emocionados ao ouvi-la cantar solo neste admirável trabalho pluralista.

O ÁLBUM ‘Freedom of Movement’ traz uma enorme mistura de influências: os ritmos tradicionais da Bahia são justapostos com linhas de baixo urbanas, a atmosfera dos anos 1970 de Santana & Osibisa é canalizada juntamente com os valiosos grooves de Earth Wind & Fire and Sly & Robbie, o espírito livre Grace Jones e Rita Lee, o balanço de The Specials e a pegada urbana de Ian Dury & The Blockheads. Este passeio solo também mostra sua veia política, com letras conscientes que alertam contra a complacência, um apelo à ação neste momento crucial de nossa história coletiva. “Get me out of the cage!” O coro da faixa ‘The Cage’ é parte de um hino que nos incita a nos libertarmos das correntes físicas e ideológicas, agitando e suplicando o ouvinte com alegria xamânica. Nascida do que Miranda descreve como uma “epifania de Meat Loaf ” en-

quanto ela caminhava (“ele apareceu em uma pequena nuvem no céu”, diz ela, “seus dedos chamando enquanto cantava o coro para mim”), a música foi gravada primeiramente no Rio, com os célebres músicos Kassin e Domenico Lancelotti. Essa gravação, diz Nina, “foi como saltar de uma montanha e deslizar através de diferentes atmosferas, apenas mantivemos no mesmo fluxo”. Ela trouxe a canção de volta para Londres e trabalhou em seu estúdio caseiro, editando, arranjando e gravando a voz de Chico Cesar com cordas e percussão, incluindo os tambores de pneu reciclado do baiano Peu Meurray. E então para o estúdio do Ibibio Sound Machine. ‘The Cage’ e ‘The Garden’ foram gravadas como uma viagem épica, “pratro principal e sobremesa, guerra e paz”, mas foram separadas ​​no álbum com um marcador inaudível. Em ‘Marshmellow Dreams’, a paisagem sonora surrealista que vem da parceria com Chris Franck é uma pílula de sonho para o subconsciente, com a voz de Nina dançando sobre a instrumentação inventiva de Chris. “Tentamos manter a música flutuante”, diz Nina. “Solta do chão por âncoras ou cordas, coros ou versos, foi uma escolha deliberada”. Em ‘Whole of London’, um dueto escrito com o compositor Antony Elvin, os vocais românticos dele se chocam com o realismo interrogativo das palavras de Nina. “Começou como uma canção que escrevemos há quinze anos”, diz ela, “discutindo os dias de solteirice, quando não sabíamos se íamos nos arrepender”. Agora a canção foi reimaginada, diz ela, evocando imagens do Reino Unido pós -Brexit. “Ruas cinzentas sem cor, música e cultura. Torta de enguia fria sendo sugada por lábios tristes e cerveja quente tentando lavar toda a decepção, solidão e arrependimento”. ‘Silken Horse’ é uma sinuosa síntese cinematográfica de ritmos e poesias africanas realizadas com o percussionista Anselmo Netto e o lendário guitarrista Kari Bannermam. O cover de ‘Julia’ (Lennon/MCartney) traz um sabor especial para Nina, não só por causa de seu amor pelos The Beatles, mas também porque ela canta com sua própria irmã Julia em mente, pronunciando o nome no inglês da mãe e no sotaque brasileiro do pai. Com ‘Freedom of Movement’, Nina Miranda marca-se como um talento singular. Sua aura internacional é mais crucial do que nunca. Este pássaro realmente voa.

‘Rio Diaries’, desenhos de Paulo Mariotti Um colunista de jornal e um dramaturgo estavam indo para o centro da cidade. Era a rota usual. Mesmo assim o colunista para o carro em frente ao Pão de Açúcar e exclama: “você já viu algo tão extraordinário?” O amigo responde: “este é o óbvio ululante!”, forjando a expressão que se tornaria para os cariocas e os brasileiros em geral a melhor maneira de descrever o que não pode ser questionado. Os contornos do Rio de Janeiro são irresistíveis para aqueles que são adeptos de linhas e cores. Viajantes das várias expedições do século 19 retrataram de todos os ângulos o grupo de montanhas que moldam da cidade. As formas livres das lajes e paredes curvas dos edifícios de Niemeyer foram inspiradas pela cidade onde ele nasceu. Mas outros também ficaram encantados com as ruas e as cenas do dia-a-dia da vida carioca. Paulo Mariotti nasceu na Bahia, viveu em São Paulo e hoje mora e trabalha em Paris. Ele gosta de fazer retratos dos lugares com os quais estabeleceu um relacionamento afetuoso. O Rio o conquistou e há pouca chance de ser suplantado. Talvez os anos vividos em Paris tenham feito dele um observador sensível e meticuloso. Suas cenas de vida no Rio são construídas sobre detalhes delicados que revelam o espírito da cidade: o orgulho de seu trabalho e olhar gentil do garçom no Albamar; a garota do Leblon que vai e vem; a tarde preguiçosa na Praia Vermelha. Paulo usa caneta esferográfica azul em papel Canson, o que remete às telhas que costumavam colorir as fachadas da cidade colonial. Quando retrata o Pão de Açúcar, ele escolhe ter em primeiro plano a vista da pista do menor aeroporto a servir uma ciQuando: 5 a 24 de maio, das 10am às 6pm Onde: Embaixada do Brasil,

dade imensa. O Aeroporto Santos Dumont proporciona a primeira sensação da cidade. De lá em diante, Paulo Mariotti vai pegar nossa mão e nos mostrar o Rio.

PAULO MARIOTTI Nascido na Bahia, Paulo Mariotti formou-se em artes gráficas na FAAP, em São Paulo. Em 1991 mudou-se para Paris, onde continuou seus estudos na Sorbonne. Desde então, o artista viveu e trabalhou na capital francesa. Paulo Mariotti começou sua vida profissional na França como story-boarder para longas e curtas metragens. Em 1999 migrou para ilustração editorial e publicitária, desenvolvendo ao mesmo tempo uma carreira como jornalista na França e no Brasil. Em 2000 começou a trabalhar como correspondente da Vogue Brasil em Paris, contribuindo para as versões impressa e on-line da revista. Desde 2012, também trabalhou como correspondente do canal de notícias brasileiro Globo News. Ultimamente ele compartilha seu tempo entre ilustração e jornalismo. Como ilustrador, além de suas atribuições publicitárias, também assinou uma coluna mensal por 15 anos na revista de design francês IDEAT. Em 2010 publicou na França seu primeiro livro, uma coleção de ilustrações feitas para a imprensa. Em 2013 lançou seu segundo, ‘Aqui – Crônicas Cariocas’. Publicado pela BEI Editora, o trabalho reúne a maioria dos desenhos cujos originais estão sendo exibidos na Sala Brasil, na Embaixada do Brasil em Londres. 14-16 Cockspur Street, SW1Y 5BL Entrada: Gratuita Info: www.londres.itamaraty.gov.br


20 Maio 2017 | brasilobserver.co.uk

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COLUNISTAS Ramiro Silveira

FRANKO FIGUEIREDO

Uma enérgica mistura de loucura estilizada: ‘Turmoil’ de Jô Bilac está de volta a Londres

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Escrito por Jô Bilac e produzido pelo Dendê Collective, a peça Turmoil está de volta a Londres para quatro apresentações na Battersea Library, como parte do Wandsworth Arts Fringe Festival. Considerada uma surreal tragicomédia sul-americana ao estilo Jane Austen, a peça leva o espectador a um mundo de mortes misteriosas, doenças fatais, brigas familiares e uma cabra cega que rouba todos os corações. Esta é a segunda peça que Jô Bilac escreve para sua companhia Teatro Independente. Bilac foi inspirado por sua madrinha que morava em um apartamento no bairro de Humaitá, no Rio de Janeiro. Ele diz que “durante o período em que vivi em sua casa, ela criou uma cabra dentro do apartamento. Achava estranho. Quando cresceu, a cabra desapareceu. Então, quando eu era mais velho, entendi que a cabra tinha sido sacrificada em um ritual... Eu queria falar sobre essa transposição de afetos que revela nosso paradoxo humano, misturando sentimentos nobres e sublimes com obsessões e horror”. Jô Bilac descreve-se como um “carioca fascinado por plantas e gatos. Já escrevi muitos textos na praia, em lan houses. A cidade do Rio, paradoxo de beleza e horror, sempre foi uma referência que compreende os personagens dentro dos seus

HELOISA RIGHETTO

Sororidade de verdade

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próprios paradoxos”. Notoriamente, Bilac não se envergonha ao admitir que vem de uma família burguesa de classe média alta do bairro de Urca, no Rio, “que assimilava arte com entretenimento. E que entende o consumo desenfreado como uma forma de aplacar o vazio de suas próprias vidas”. Ao ler suas peças posso perceber o quanto isso influenciou seu trabalho. Cheio de enigmas e estranhezas, Turmoil é de fato um paradoxo; a escrita mistura melodrama e clichês da literatura do século 19 com elementos contemporâneos e simbolismos que nos recordam Lorca, Teatro do Absurdo e Surrealismo. A direção de André Pink acentua esses elementos contrastantes com uma mescla de estilos do Flamenco ao sapateado, da atuação melodramática à comédia, de Brecht ao pastiche. O resultado é fascinante e hilariante. Turmoil conta a história de Vladine, que passa a viver com seu irmão e a esposa Bianca devido à misteriosa morte de seu marido. Vladine traz com ela seu amado Nathaniel, uma cabra cega. O crescente apego de Matias à cabra e as ridículas exigências de Vladine levam Bianca a ter reações desesperadas com consequências não convencionais. O caos surge quando Bianca declara guerra contra Vladine e a cabra. Quem gag

nhará a batalha final? Vladine? Bianca? Matias? Ou Nathaniel, a cabra? Em uma entrevista realizada pelo Dendê Collective, Bilac explica que estava “interessado no significado que atribuímos aos signos, através da nossa própria compreensão do mundo. No caso da cabra, é um animal poderoso que foi adorado como um deus e que o cristianismo demonizou. A criatura passou a ser associada com a figura do próprio diabo, com o mal. Os chifres, a cegueira dos olhos, a lua, é tudo natureza; a mente humana é responsável por mitificar a natureza na busca pela compreensão da própria natureza humana. Nathaniel vem de ‘Natal’: nascimento. Mas não é dele que nasce a obsessão de Bianca, Matias e Vladine. Ele serve como bode expiatório para todos na casa”. Esses interesses e encontros se juntam maravilhosamente em Turmoil; a escrita de Bilac é inspiradora, espirituosa e cativante. Bilac passou seus anos de formação indo e vindo de Madrid para o Brasil. Ele diz que passou sua infância em uma comunidade cigana e acredita que sua educação intercontinental o ajudou a entender melhor o que nos une como seres humanos, “porque seja na Ásia, na Europa, na América... o homem está sempre lá, e dentro dele o crânio e o sangue, crescendo, se desenvolvendo e morrendo”.

A peça Turmoil foi apresentada pela primeira vez como uma leitura encenada em 2015 e desde então se desenvolveu em dois rascunhos antes de estrear como uma produção completa no início deste ano no Courtyard Theatre. A equipe original incluía Alejandro de Mesa Palau como Nathaniel, Najla Kay como Vladine, Paula Rodriguez como Bianca e Paul Sebastian Mauch como Matias. Para o Festival, o próprio Pink se juntou ao elenco como Matias, Fernanda Mandagará assumiu o papel de Vladine, Bianca agora é interpretada por Ciara Molloy e Bryn Mitchell interpreta Nathaniel. Músicos acompanham os atores ao vivo: Ella Bellsz no acordeão, Birte Widmann na flauta e Tom Baulling no violão. Turmoil é uma mistura enérgica de loucura estilizada executada por um elenco internacional talentoso. Vale a pena conferir.

Heloisa Righetto é jornalista e escreve sobre feminismo (@helorighetto – facebook.com/conexãofeminista)

Franko Figueiredo é diretor artístico e produtor associado da Companhia de Teatro StoneCrabs

2016), expliquei que “a sororidade faz com que uma mulher empoderada ajude outra a buscar empoderamento, criando assim uma rede de apoio enorme, que transcende diferenças.” Ou seja, é preciso entender que sororidade não é sinônimo de amizade eterna, ou sequer afinidade, e muito menos de concordância de ideais. Sororidade, por exemplo, significa reconhecer que a jornalista Rachel Sheherazade (conhecida por expor opiniões fascistas) ouviu comentários machistas de seu chefe, Sílvio Santos, em rede nacional, mesmo que ela não tenha entendido o comentário dessa forma e saído em defesa dele. Significa ter consciência que a Primeira Ministra Theresa May (que não tem feito muito por mulheres em situação vulnerável no Reino Unido) é vítima de reportagens sexistas, que falam de suas roupas e objetificam seu corpo. Algo que jamais seria feito a respeito de um líder do sexo masculino. Significa apoiar mulheres que sofrem preconceito por amamentar em público, mesmo que você não as conheça. Significa respeitar a decisão da mulher que não quer ter filhos, e não tomar essa decisão como crítica à maternidade. Significa exigir que o RH da empresa entreviste a mesma quantidade de homens e mulheres para uma vaga. Significa dar um voto de confiança para uma mulher que denuncia qualquer tipo de violência de gênero.

A campanha #MexeuComUmaMexeuComTodas, que criou uma rede de amparo para a figurinista Su Tonani, funcionária da Rede Globo que denunciou assédio do ator José Mayer, é um dos exemplos mais recentes da sororidade na prática. Atrizes e funcionárias da emissora (assim como milhares de pessoas nas redes sociais) rapidamente declararam seu apoio à Su diante da grave denúncia, o que resultou na admissão da culpa por parte do assediador e, consequentemente, sua suspensão. Esse episódio ainda é, infelizmente, uma exceção, já que milhares de vítimas encontramse sozinhas e desamparadas, sem forças para levar uma denúncia adiante. Mas é também a prova de que o bom e velho ditado “a união faz a força” funciona. Quando uma mulher denuncia abuso ou sofre qualquer tipo de ataque machista, não devemos dar nosso apoio com a condição de que ela se considere feminista. Devemos dar nosso apoio e ponto. Sororidade não é sinônimo de passar por cima de nossa individualidade, mas sim conseguir traçar um paralelo e entender que todas nós sofremos opressão de gênero – ainda que essa opressão seja sofrida de formas diferentes (aí entramos na questão da interseccionalidade, lembram?). Ajudar ou defender uma mulher não requer simpatia mútua, e sim empatia.

DANIELA BARONE SOARES

Exercendo o poder pessoal

TURMOIL por JÔ BILAC Quando: 5, 6, 12 e 13 de maio, 7pm Onde: Battersea Library, Londres Entrada: £10 / £8 Info: www.wandsworthfringe.com

Não existe amizade entre mulheres. Mulher está sempre falando mal de outra mulher. Chefe mulher é muito mais cruel do que chefe homem. Mulheres se vestem para competir com outras mulheres. Colega de trabalho mulher com certeza quer puxar seu tapete. Todas as mulheres estão de olho no seu marido. Mulher faz muito drama. Mulheres mentem sobre assédio porque são vingativas. Em algum momento das nossas vidas, todos nós falamos alguma (ou várias; talvez todas) das frases acima. Não sabemos exatamente como, ou exatamente quando, aprendemos que mulheres não são seres confiáveis. Principalmente aquelas que desafiam estereótipos de gênero e ousam ocupar os espaços públicos. Mulher dirigindo? Perigo na certa! Mulher na política? Vai começar uma guerra quando estiver de TPM! Mulher CEO? Vai chorar na sala de reunião se for contestada! Mulher que não quer casar ou não quer ter filhos? Odeia os homens e está planejando a aniquilação de toda a população masculina para que o mundo seja governado por lésbicas! E é por causa dessa doutrinação – que serve muito bem o patriarcado, obrigada – que tanta gente torce o nariz ou vira os olhos quando escuta a palavra do momento: sororidade. Não é a primeira vez que falo desse vocábulo feminista por aqui. Na coluna da edição 41 (agosto de

Daniela Barone Soares é parte da equipe do Inner Space. Para mais informações, palestras gratuitas em português, cursos, meditações e artigos acesse www.innerspace.org.uk g

Muitas coisas ao nosso redor podem desencadear um sentimento de impotência. O noticiário está cheio de exemplos negativos, estressantes e angustiantes que podem trazer medo, tristeza ou minar nossa capacidade de nos sentirmos habilitados a assumir o controle de nossas vidas. O que é auto-empoderamento? Aqui, estamos falando em termos de poder sobre o eu: o “poder interior” que nos permite responder a situações de forma controlada, calma e soberana. Em outras palavras, o poder sobre como agimos, sentimos, falamos e pensamos. Não se trata de controlar os outros ou ter dinheiro, status ou bens. Lembre-se de um momento em que você se sentiu empoderado. O que você estava fazendo? Sentimo-nos capacitados quando acreditamos em nosso “eu” e na qualidade das nossas

ações. É quando nos sentimos fortes internamente, sem que nada seja forçado. Pergunte-se: estou fazendo o que eu queria fazer – e da maneira que eu quero fazer isso? Estou me movendo em direção aos meus objetivos, meus sonhos? Estou me limitando? Eu sei qual é o meu dom e o estou usando? Como aumentar o poder interior? Isso está conectado ao poder do silêncio. A mente silenciosa é aquela que pode ver, pensar e agir claramente. Você consegue colocar um ponto final no que você estiver pensando e deixar que a mente se torne um lago tranquilo, profundo e silencioso? Você é capaz de agir de dentro para fora, ou está apenas reagindo ao que acontece externamente? Tornar a mente silenciosa requer prática. Primeiro, é preciso tornar-se consciente de quão barulhenta a mente pode ser. Sua mente conversa o dia inteiro?

Está comentando tudo o que está acontecendo? Qual é a qualidade desta conversa? Muitas vezes, essa conversa tende a ser bastante negativa e repetitiva. Isso nos deixa exaustos. Os pensamentos são sementes que se transformam em sentimentos. Em última análise, nós decidimos a forma como escolhemos pensar. Podemos continuar com a conversa negativa ou optar por torná-la mais poderosa. A meditação é uma prática que nos ajuda a dialogar com o “eu” de uma maneira positiva e poderosa – e a transformar nossos pensamentos e sentimentos. Ser poderoso é viver de dentro para fora. É escolher conscientemente nossos pensamentos, sentimentos e respostas à vida, em vez de passar pela vida apenas reagindo a tudo o que está acontecendo. É sentirmo-nos confortáveis com nós mesmos e sermos autênticos, sem perder o controle.


22 Maio 2017 | brasilobserver.co.uk

brasilobserver.co.uk | Maio 2017 23

BG TRIP Nathália Braga

10 passeios bate-volta de Londres Por Heloisa Righetto para o Visit Britain www.visitbritain.com

Londres é uma cidade inesgotável, mas para quem quiser conhecer um pouco mais da Inglaterra, vale a pena tirar um dia para visitar algumas das cidades conectadas a capital pela extensa malha ferroviária. Universidades, castelos, ruínas, monumentos, rios e igrejas mostram que o país tem muito mais a oferecer do que sua capital!

Uma das residências oficiais da monarquia britânica, o Castelo de Windsor começou a ser construído no século 11 e hoje em dia é o maior castelo habitado do mundo (cerca de 150 pessoas moram lá). Além das salas abertas ao público (que guardam muita história e incríveis obras de arte), o ingresso também inclui visita a St George’s Chapel, onde estão enterrados Henrique VIII e George VI (o pai da Rainha Elisabeth), e a impressionante casa de bonecas da Rainha Mary (esposa do Rei George V). O ingresso custa £20 por pessoa, e o Castelo fica pertinho das estações de trem Windsor & Eton Riverside e Windsor & Eton Central.

Você pode até não saber onde fica ou o que é Stonehenge, mas certamente já ouviu falar do mistério que envolve esse monumento: ninguém sabe provar quando foi construído, por quem e para que fim. Arqueólogos acreditam que ele foi construído entre 3.000 e 2.000 AC, e apenas uma pequena parte da sua formação original ainda está de pé. Todo esse mistério deu ao Stonehenge uma fama de misticismo, por isso o lugar tornou-se uma das atrações mais visitadas do Reino Unido. Para ir até lá é preciso pegar um trem para Salisbury e então um ônibus que faz o trajeto entre a cidade e Stonehenge. Organize-se com antecedência para evitar filas e já chegue com o seu ingresso, que tem horário definido. Nathália Braga

Andrew Dunn

Cambridge

Bath Os banhos romanos são a principal atração da cidade, mas muita gente vai para Bath por outros motivos, seja as obras de Jane Austen ou as construções georgianas e ruas planejadas como Royal Crescent e The Circus. Bath é uma cidade que merece diversas visitas, afinal depois de uma vez lá é impossível não querer voltar. Comece o dia entrando na Abadia e depois nos banhos romanos (estão lado a lado) e depois explore as ruas comerciais do centro, museus e áreas verdes. Para quem gosta de arte e antiguidades, Bath tem diversas pequenas galerias e lojas independentes para serem exploradas. Dica: se possível, sente-se no lado direito do trem durante a viagem a partir de Londres, para já ter uma vista linda do skyline de Bath, em tons de terracota, quando estiver chegando.

Rye Rye é o tipo de cidade que nos vem à mente quando pensamos no interior da Inglaterra. A Mermaid Street, uma das mais belas ruas medievais da Grã Bretanha, parece saída de um conto de fadas. É impossível não tirar dezenas de fotos dessa rua, dos mais diversos ângulos (aproveite para tomar algo no pub Mermaid Inn, um dos mais antigos do país). Outras atrações de Rye incluem a Lamb House e a igreja St Mary’s. Mas o mais gostoso é mesmo andar calmamente pela cidade, tomar um (ou vários!) café com bolo nas aconchegantes cafeterias e apreciar o estilo de vida tranquilo e charmoso do “countryside” britânico.

Eastbourne

Nathália Braga

Diego Delso

Uma das cidades universitárias mais conhecidas do mundo, Cambridge tem o balanço perfeito entre o burburinho de cidades grandes (muitas lojas, restaurantes e pessoas passeando) e a tranquilidade do interior (graças às áreas verdes e o Rio Cam). Tudo isso acompanhado de prédios milenares que abrigam os “colleges” e os dormitórios dos estudantes. Vários colleges estão abertos para visitação, como o Trinity (que tem uma biblioteca maravilhosa) e o Queen’s. Mas não deixe de entrar no King’s College Chapel, uma das igrejas mais incríveis da Grã Bretanha. Outra atração famosa de Cambridge é o passeio de barco no Rio Cam, que é geralmente conduzido por estudantes que contam curiosidades e lendas sobre a vida na universidade.

A Catedral de Canterbury é Patrimônio Mundial da Humanidade e certamente vai ocupar a maior parte do seu dia na cidade. Foi fundada em 597dc e abriga tanta história e passou por tantas transformações que vale a pena fazer uma visita guiada. Para descansar um pouco depois de absorver tanta informação, a dica é fazer um passeio de barco no Great Stour (nome do rio que cruza a cidade) e depois caminhar pelas ruelas do centro (tente sair da High Street, a rua principal, e se deixe levar pelas ruas adjacentes).

Stonehenge

Palácio de Hampton Court O Palácio de Hampton Court fica tecnicamente em Londres, mas por ser um pouco mais afastado acaba sendo um bate-volta de metade do dia. Hampton Court é geralmente associado ao Rei Henrique VIII, mas vários outros monarcas passaram por lá (o último foi George II, que reinou entre 1727 e 1760). Foi a Rainha Victoria que formalizou o sistema de ingressos para visitação pública, e hoje em dia cerca de 450 mil visitantes anuais tem a oportunidade de caminhar pelas salas e ver de perto mais de 5.000 objetos (entre peças de mobiliário, tapeçarias, obras de arte e acessórios de decoração). A visita ao Palácio é uma verdadeira aula sobre a história da monarquia britânica, mas vai além, pois os jardins merecem ser explorados com calma. Há uma área para crianças e o famoso labirinto. O ingresso custa £18,20, mas há descontos para grupos.

Assim como Cambridge, Oxford é imediatamente associada à Universidade. Os prédios das colleges estão espalhados por toda cidade, mas não são todos que estão abertos para visitação. Felizmente, a Christ Church College é aberta, e conhecê-la por dentro já vale o deslocamento até Oxford. Os fãs de Harry Potter irão reconhecer cenários do filme, e os fãs de Alice no País das Maravilhas poderão saber mais sobre o criador da história e suas inspirações. Para ter uma vista da cidade do alto, vá até a University Church St Mary The Virgin, e depois faça uma visita guiada pela Bodleiam Libraries ou dê uma passada no eclético Museu Pitt Rivers. Ah, e uma visita a Oxford não está completa sem uma foto da Bridge of Sighs (Ponte dos Suspiros), que ganhou esse apelido por ser parecida com a original em Veneza.

Canterbury

Nathália Braga

David Iliff

Castelo de Windsor

Oxford

Eastbourne é uma cidade litorânea no sul da Inglaterra, com uma praia de pedrinhas (algo que pode soar estranho, mas é bastante típico em todo litoral da Grã Bretanha). A avenida “beira mar” tem prédios com arquitetura bem característica da época de ouro do litoral inglês. O calçadão é largo e propício para caminhadas, mas a principal atração de Eastbourne não está na cidade nem na praia, e sim no penhasco em um das pontas da praia, área conhecida como Beachy Head. A vista lá em cima é sensacional, e vale fazer um piquenique por ali mesmo em dias de sol e calor. Você pode ir até lá caminhando (mas é preciso estar com calçado confortável, lembre-se de que é uma subida) ou então com o ônibus tipo hop on hop off, que faz esse trajeto.

Winchester Comece sua visita a Winchester pela parte alta da cidade, onde estão localizados diversos museus militares e também o Great Hall, que é a única parte que restou do Castelo de Winchester. No Great Hall o destaque é a távola redonda, aquela do Rei Arthur (ou pelo menos é a crença popular!). Outra grande atração de Winchester é a catedral, onde está o túmulo de Jane Austen (a escritora viveu em vilarejo ali perto nos seus últimos anos). Além de todas as construções históricas, Winchester é uma cidade animada e super charmosa, com cafés, restaurantes e lojas. Quem tiver tempo de sobra, vale a pena também caminhar pela beira do Rio Itchen e conhecer uma Winchester ainda mais bucólica.


24 Maio 2017 | brasilobserver.co.uk

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