Brasil Observer #47 - BR

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LONDRES

www.brasilobserver.co.uk

ISSN 2055-4826

MARÇO/2017

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Março 2017 | brasilobserver.co.uk

Conteúdo LONDON EDITION É uma publicação mensal da ANAGU UK UN LIMITED fundada por:

Ana Toledo Diretora de Operações ana@brasilobserver.co.uk Guilherme Reis Diretor Editorial guilherme@brasilobserver.co.uk Roberta Schwambach Diretora Financeira roberta@brasilobserver.co.uk Editor em Inglês Shaun Cumming shaun@investwrite.co.uk Design e Diagramação Jean Peixe ultrapeixe@gmail.com Colaboradores Ana Freccia Rosa, Aquiles Reis, Christian Taylor, Franko Figueiredo, Gabriela Lobianco, Heloisa Righetto, Márcio Apolinário, Nathália Braga Bannister e Wagner de Alcântara Aragão

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Março/17

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O Carnaval brasileiro em imagens

Anita Malfatti: 100 anos de arte moderna

OBSERVAÇÕES

CULT

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O Brasil está vencendo a guerra contra a corrupção?

Arte, literatura e música

COLUNISTA CONVIDADO

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ENTREVISTA

DICAS CULTURAIS

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COLUNISTAS

Gabriela Lobianco entrevista o músico Eumir Deodato

Franko Figueiredo sobre teatro e vida Heloisa Righetto sobre feminismo Aquiles Reis sobre música

REPORTAGEM

LONDON BY

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Como o agronegócio ameaça a Amazônia

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Um passeio por Crystal Palace

REPORTAGEM

A calamidade da segurança pública no Brasil

Arte da Capa Arquivo pessoal

IMPRESSÃO St Clements press (1988 ) Ltd, Stratford, London mohammed.faqir@stclementspress.com 10.000 cópias

Edson Ikê

Distribuição Emblem Group Ltd.

O artista gráfico Edson Ikê explora a xilogravura como base de seu trabalho, influenciado por artistas populares da gravura nordestina e da cultura urbana. Atualmente faz ilustrações para as editoras Moderna, Unoi Educação, Evoluir, Abril, Sesc e agências de publicidade com projetos voltados para a questão da valorização da cultura afro-brasileira.

Para anunciar comercial@brasilobserver.co.uk 020 3015 5043 Para assinar contato@brasiloberver.co.uk Para sugerir pauta e colaborar editor@brasilobserver.co.uk Online 074 92 65 31 32 brasilobserver.co.uk issuu.com/brasilobserver facebook.com/brasilobserver twitter.com/brasilobserver O Brasil Observer, publicação mensal da ANAGU UK MARKETING E JORNAIS UN LIMITED (company number 08621487), não se responsabiliza pelos conceitos emitidos nos artigos assinados. As pessoas que não constarem do expediente não tem autorização para falar em nome desta publicação. Os conteúdos publicados neste jornal podem ser reproduzidos desde que creditados ao autor e ao Brasil Observer.

APOIO:

A capa desta edição foi feita por Edso Ikê para a Mostra BO, projeto desenvolvido pelo Brasil Observer em parceria com a Pigment e apoio institucional da Embaixada do Brasil em Londres. Cada uma das 11 edições deste jornal em 2017 contará com uma arte em sua capa produzida por artistas brasileiros selecionados em chamada pública. Em fevereiro de 2018, os trabalhos serão expostos na Embaixada.


brasilobserver.co.uk | Março 2017

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Março 2017 | brasilobserver.co.uk

OBSERVAÇÕES

Alfredo Filho/SECOM

Manu Dias/GOVBA

Juan Hoppe

Fernando Grilli/Riotur

O CARNAVAL


Daniel Tavares/PCR

Sumaia Villela/Agência Brasil

Clélio Tomaz/PCR

Valter Campanato/Agência Brasil

Peu Ricardo

Fernando Maia/Riotur

Juan Hoppe

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Mídia Ninja

EM IMAGENS


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Março 2017 | brasilobserver.co.uk

CONVIDADO

Por que o Brasil está vencendo a luta contra a corrupção Controlar a corrupção é possível, mas o sistema precisa de novas regras para fiscalizar melhor os políticos Por Paul F. Lagunes e Susan Rose-Ackerman Publicado originalmente em The Conversation (theconversation.com) g

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Em janeiro, o respeitado Ministro do STF Teori Zavascki morreu em um acidente de avião. Ele era o relator da maior investigação de corrupção da história do país. Mesmo que o recém-escolhido sucessor na relatoria da Lava Jato, o juiz Edson Fachin, esteja à altura do caso, a morte de Teori permanece como uma perda trágica e um baque para a luta anticorrupção no Brasil. Especialmente porque ela aconteceu na esteira de um tremendo esforço popular pela implementação de medidas que facilitariam o trabalho de procuradores e juízes em ações contra políticos corruptos. Ainda que seja fácil sucumbir ao ceticismo, a realidade revela muito mais razões para ter esperança. E nosso livro “Greed, Corruption and the Modern State”, publicado em 2015, argumentamos que as sociedades devem resistir às influências do poder econômico para proteger o interesse público. A rede de brasileiros expondo, processando e condenando os políticos corruptos que nadam no mar de lama nacional encarna esse ideal. Esses esforços, porém, precisam de reformas legais capazes de facilitar a luta contra a corrupção.

DE ESCÂNDALO EM ESCÂNDALO Os brasileiros há tempos tiveram que aceitar escândalos de corrupção como parte crônica de seus governos. Fraudes estavam presentes na época da ditadura civil-militar, apesar do que aqueles que desejam a volta dos militares parecem acreditar. Mas casos de corrupção também atormentaram cada administração presidencial desde que a democracia foi restabelecida em 1985. Até os governos do popular Luiz Inácio Lula da Silva, que comandou o país durante um período de crescente prosperidade (2003 a 2010), coincidiram com diversos escândalos. Eles incluem Caixa Dois, Bingos e, mais memorável, o Mensalão, um esquema pelo qual partidos aliados receberam mais de US$40 milhões em pagamentos clandestinos para apoiar o PT. Mesmo assim, enquanto o STF investigava o Mensalão, o PT conseguiu vencer

duas eleições presidenciais – uma que reelegeu Lula e outra vencida por Dilma Rousseff, em 2010. A administração de Dilma começou promissora no combate à corrupção. Ela demitiu cinco ministros ligados a subornos, propinas e tráfico de influência e ajudou a decretar uma lei de transparência governamental. Em poucos anos, porém, a maré mudou e Dilma perdeu apoio popular à medida que a economia se deteriorava, os protestos contra corrupção cresciam e bilhões eram gastos em estádios para a Copa do Mundo. Ao mesmo tempo, a operação Lava Jato começou a se desdobrar. O esquema investigado pela Polícia Federal envolvia empreiteiras e funcionários da Petrobrás agindo em conluio para inflacionar contratos. Os empregados da gigante estatal eram subornados, enquanto políticos

recebiam propinas como presentes pessoais ou doações para campanhas. Posteriormente, Dilma Rousseff foi acusada de gastar dinheiro público sem autorização do Congresso e acabou sofrendo impeachment em agosto de 2016. Sob Dilma não pesava nenhuma acusação de corrupção, por isso muitos dizem que ela foi usada como bode expiatório.

QUEM ESTÁ MUDANDO O BRASIL Nenhum dos subornos e ou pagamentos de propina seriam conhecidos hoje se os promotores federais não tivessem investigado obstinadamente o esquema da Petrobras, permitindo que o Poder Judiciário incomodasse de fato a elite política e econômica do país. Os próprios brasileiros e a mídia também merecem crédito pelo gradual fim da impunidade. Nos últimos três anos, as

pessoas tomaram as ruas em várias ocasiões para protestar contra a corrupção. A cobertura da mídia local sobre os escândalos tem sido implacável. As autoridades já fizeram quase 200 prisões e os tribunais inferiores condenaram mais de 80 pessoas, incluindo o ex -presidente da Odebrecht, o maior grupo de construção da América Latina, que também terá de pagar pelo menos US$ 3,5 bilhões em multas por subornar funcionários do governo. O STF, responsável pelos políticos, está processando mais de 100 casos adicionais.

10 MEDIDAS Apesar do relativo sucesso, os promotores e juízes brasileiros operam em um ambiente legal e institucional desafiador, o que dificulta a obtenção de resultados decisivos.


brasilobserver.co.uk | Março 2017

Paul F. Lagunes é Professor Assistente de Relações Internacioais na Columbia University. Susan Rose-Ackerman é Professora de Jurisprudência (Lei e Ciência Política) na Yale University.

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Antonio Cruz/ABr

Para solucionar esses problemas, os promotores elaboraram o projeto conhecido como 10 Medidas contra a Corrupção, apresentado ao Congresso no ano passado como uma iniciativa popular aprovada por mais de dois milhões de brasileiros. A ameaça que o projeto representa a interesses políticos escusos provocou uma oposição poderosa no Legislativo, e os parlamentares claramente enfraqueceram as medidas, acrescentando uma emenda para minar a eficácia de promotores e juízes. Um esforço do ex -presidente do Senado, Renan Calheiros, para apressar a aprovação de uma versão mais fraca do projeto de lei falhou. E o STF aparentemente disparou contra Renan forçando-o a abandonar a presidência enquanto ele próprio enfrenta acusações de corrupção. O fracasso em aprovar uma reforma

contundente abalou o sistema político do país. Os diversos casos que vêm sendo revelados fazem com que a população acredite que a corrupção está piorando. Paradoxalmente, entretanto, o dilúvio de casos recentes nos indica que as condições estão melhorando. Os diversos elementos do sistema de fiscalização do país estão funcionando.

REFORMANDO O SISTEMA Para consolidar esses ganhos, são necessárias reformas importantes. As 10 Medidas contra a Corrupção devem ser o ponto de partida para reformas mais fundamentais. Este projeto visa eliminar algumas das práticas que estão no cerne do escândalo da Petrobras, como as contribuições ilegais para campanhas eleitorais. O projeto visa também acelerar o processo penal, garantir a confidencialidade dos denunciantes, estender o estatuto de limitações e aumentar as capacidades de confisco de bens. No entanto, o zelo da promotoria também levou a táticas controversas que têm levantado preocupações sobre o devido processo. Nós, por exemplo, questionamos o uso da detenção préjulgamento sem evidência clara de risco. Outros questionam a alta proporção de casos que visam o PT e outros partidos políticos de esquerda. Embora essas preocupações precisem ser tratadas, acreditamos que os promotores e juízes estão agindo da melhor forma possível em condições desafiadoras. O próximo passo, mais difícil, deve ser a reforma estrutural do sistema político. O Brasil tem mais de duas dúzias de partidos que produzem uma legislatura caótica em que os legisladores competem por recompensas em troca de votos. Conforme evidenciado no Mensalão, os presidentes têm usado táticas questionáveis ​​para sustentar as coligações governamentais. A corrupção política pode parecer o resultado inevitável da estrutura constitucional do Brasil. Um sistema parlamentar, com um primeiro-ministro da coligação vencedora, resolveria alguns problemas, mas parece atualmente irrealista. Alternativamente, exigir uma maior proporção do voto popular antes que um partido possa participar na legislatura seria uma reforma menos draconiana.

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OLHANDO PARA O FUTURO O controle da corrupção no Brasil é possível, mas o sistema exige novas regras para tornar os políticos mais responsáveis e reduzir os incentivos para pagamentos corruptos. Os reformadores podem ajudar, aproveitando a crise política gerada pelo escândalo da Petrobras. Pelo bem do país, e para homenagear a memória de Teori Zavascki, o Congresso deve abraçar este momento crítico da história e aprovar uma legislação que possa finalmente romper com o ciclo de corrupção. Para o bem da democracia brasileira.

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Março 2017 | brasilobserver.co.uk

ENTREVISTA

Eumir Deodato o mestre arranjador

Músico brasileiro conversa com o Brasil Observer antes de vir a Londres para duas apresentações no Ronnie Scott’s Por Gabriela Lobianco


brasilobserver.co.uk | Março 2017

Divulgação

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Carioca erradicado nos Estados Unidos, Eumir Deodato é um versátil compositor, arranjador e instrumentista que se apresenta quase todos os anos no Ronnie Scott’s, renomado clube de jazz da capital britânica. Apesar de um currículo tarimbado, com participações em mais de 500 álbuns entre arranjos e composições, além de um Grammy na prateleira, Eumir é muito acanhado e fala de sua trajetória com bastante simplicidade e naturalidade. “Sempre me apresento com a orquestra própria do Ronnie Scott’s. Prefiro me apresentar ao ar livre, mas especialmente agora, no inverno, acabo por me render aos clubes”, disse em uma conversa exclusiva via Skype com o Brasil Observer. Nesta temporada, o concerto conta com a participação de Dom Glover no trompete, Dave Williamson no trombone, Ben Castle no saxofone barítono e na flauta, Ronan McCullagh na guitarra, Andrew McKinney no baixo, Pat Illingworth na bateria e Snowboy na percussão. Segundo Deodato, trata-se de um espetáculo simples, mas bem ensaiado e pensado, com mistura de jazz e ritmos esfuziantes. Acrescenta ainda que o público que normalmente o reverencia é mesclado entre estrangeiros e brasileiros, não apenas imigrantes, mas de viajantes. “Apesar da crise, né?”, brincou. E foge de comentar questões sérias como a questão dos imigrantes nos Estados Unidos ou o Brexit. “Não tenho seguido muito, não”.

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TRAJETÓRIA Autodidata, Eumir Deodato iniciou a carreira aos 12 anos tocando acordeão. Dedicou-se em seguida aos estudos de piano, arranjos e regência em orquestra. Ficou famoso em 1973 com o álbum Prelude, que gravou ao vivo no Madison Square Garden, em Nova York. Principalmente com a faixa “Also Sprach Zarathustra”, mundialmente conhecida como o tema do filme “2001: Uma Odisséia no Espaço”. Foi a primeira de inúmeras trilhas sonoras para as quais trabalhou em Hollywood, como em “Os Aventureiros”, do britânico Lewis Gilbert, com a atriz norte-americana Candice Bergen no elenco, ou mesmo sua composição “Spirit of the Summer”, que acabou parte da trilha sonora do filme “O exorcista”. Eumir é também lembrado por ter trabalhado na década de 1960 com renomados artistas da Música Popular Brasileira, como Antônio Carlos Jobim, César Camargo Mariano, Baden Powell, Chico Buarque, Elis Regina e Vinícius de Moraes. Inúmeras colaborações que levaram a outras. É o caso da música “Travessia”, de Milton Nascimento, que em 2017 completa 50 anos, que acabou possibilitando parcerias com artistas do calibre da islandesa Björk. “É verdade, a conheci devido ao arranjo [da música] que fiz para o Festival [Internacional da Canção de 1967, da TV Globo]. É espetacular, trabalhamos num estúdio na Espanha com músicos excelentes, como o baterista português Luís Jardim”, relembra. Além disso, Eumir participou do movimento musical que surgiu na década de 1960 em Minas Gerais e culminou no disco Clube Da Esquina, que completa 45 anos em 2017. O movimento fundia inovações da Bossa Nova e elementos de Jazz, Folk e Rock – com grande influência dos Beatles –, além de música folclórica erudita e hispânica. Milton Nascimento e os irmãos Borges (Marilton, Márcio e Lô) lideravam o clube, do qual Eumir também fez parte. “Participei do álbum, mas fiz as coisas que já sabia que o Milton tinha feito. Ele me passou a música, eu fiz o arranjo, somente um de cordas que ficou muito bonito. O resto do álbum foi feito no Rio de Janeiro e eu depois voltei para Nova York”, explica. Quando indagado sobre o sucesso desse disco emblemático, Eumir diz que não tem muita responsabilidade pelo sucesso. “Tem coisas muito bonitas feitas pelo Lô Borges, pelo resto da turma que trabalhava com o Milton naquela época e ainda trabalham com ele”. E revela que já não tem contato com esses músicos e artistas: “não tenho mais notícias do Milton Nascimento há muitos anos já. Ele está bem?”, questiona.

VIDA NO EXTERIOR Depois que Prelude vendeu milhões de cópias, se estabelecendo no terceiro posto da Billboard, a carreira de Eumir Deodato decolou. No mesmo disco, abrasileirou com o estilo Bossa Nova “Afternoon of a Faun”, de Claude Debussy. Depois disso, teve a oportunidade de trabalhar com vários artistas consagrados: foi arranjador de Frank Sinatra, Roberta Flack, Aretha Franklin, Kool and The Gang, entre inúmeros outros. Quem puder comparecer ao Ronnie Scott’s este mês para apreciar o som de Eumir Deodato não vai se arrepender (ver Dicas Culturais – pg. 19).

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10 Março 2017 | brasilobserver.co.uk

REPORTAGEM Outdoor dá as boas-vindas à cidade de Sorriso

A rainha da selva: soja destrói a Amazônia e ‘chantageia o país’

Agronegócio representa metade das exportações brasileiras, o que garante poder político ao setor Por Maurício Torres e Sue Branford g


brasilobserver.co.uk | Março 2017 11

Thaís Borges

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Em apenas 40 anos, o norte do estado de Mato Grosso sofreu uma transformação profunda: o avanço do agronegócio substituiu o cerrado e a floresta amazônica por extensas monoculturas agrícolas, protagonizadas pela soja. A soja entrou no estado a uma velocidade assustadora: a área sob cultivo pulou de 1,2 milhões de hectares em 1991 para 6,2 milhões de hectares em 2010 e para 9,4 milhões de hectares em 2016. Segundo o geógrafo Antônio Ioris, professor da Universidade de Cardiff, que pesquisa o avanço do agronegócio em Mato Grosso, um fator-chave neste processo foi a participação do órgão de pesquisa agrícola do governo federal: “As novas tecnologias desenvolvidas pela Embrapa para os solos ácidos e outros problemas permitem que a soja entre após uma crise do setor na década de 1980, dando novo fôlego à fronteira agrícola”. Entretanto, a grande expansão da soja aconteceria no final dos anos 1990, “beneficiada pelo boom das commodities e pela liberalização da economia”, completa Ioris. O avanço do agronegócio no MT foi acompanhado da narrativa de levar “desenvolvimento para o estado” mas, segundo Andreia Fanzeres, coordenadora do programa de direitos indígenas da Operação Amazônia Nativa (OPAN), ONG que

trabalha com povos indígenas na região, tais “benefícios” não alcançaram todos que ali viviam. Como ocorreu em episódios anteriores de colonização na Amazônia, as populações tradicionais que habitavam a região há centenas de anos nunca foram consultadas ou beneficiadas com a indústria da soja: “As comunidades indígenas e agricultores familiares de forma geral sempre estiveram à margem do processo de decisão sobre que tipo de desenvolvimento querem”. “Há certas regiões, como ali próximo à Brasnorte [município às margens do rio Juruena], por exemplo, onde você pode olhar 360 graus ao redor sem ver uma única árvore”, comenta o antropólogo Rinaldo Arruda, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

CHANTAGEM ‘MODERNA’ O cultivo da soja exige grandes extensões de terra para ser lucrativo. Assim, sua expansão no estado levou à concentração fundiária. Com a valorização da commodity e o aumento da produtividade, a economia nacional foi se tornando cada vez mais dependente das divisas oriundas da exportação desse bem primário. O peso da soja na balança comercial brasileira “garante poder político para influenciar a implementação de

infraestrutura e logística, como a pavimentação das estradas e até a construção de hidrovias”, explica Ioris, sintetizando: “O agronegócio chantageia o país”. Em todos os níveis, o agronegócio na região é amplamente promovido por governos e indústria como sinônimo de “modernidade” e “desenvolvimento”. “Se não fosse a soja, Mato Grosso ainda estaria em uma situação de atraso“, diz o atual ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Blairo Maggi, um dos maiores produtores do grão no país e que governou o estado entre 2003 e 2010. “Hoje, o produtor de soja consegue margem de 30% sobre o capital investido”, afirma Maggi. Entretanto, o lucro de poucos fazendeiros ao preço da expropriação de um grande contingente de famílias camponesas se revela uma concepção bastante particular de progresso. O esvaziamento populacional do campo, provocado pelas imensas monoculturas, também não parece ser exatamente “moderno”. Em trabalhos que são referência obrigatória para entender a fronteira, o sociólogo José de Souza Martins apontou o uso de dinâmica similar durante a ditadura. Suas pesquisas mostram que, ao mesmo tempo em que o governo militar discursava a camponeses pobres, acenava a grandes grupos econômicos com fartas ofertas de financiamentos; enquanto propagava a ocupação do “vazio” amazônico, beneficiava com políticas públicas os megaprojetos de pecuária, atividade que justamente expropriou mais gente do que trazia. Nos campos desnudos de gente e árvores, erguem-se, aqui e ali, um e outro grande terminal graneleiro para estocar a soja. Os silos ostentam marcas de grandes multinacionais em suas fachadas, principalmente Bunge, ADM e Cargill, e da empresa brasileira Amaggi, cujo dono é Blairo Maggi, atual ministro de Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Depois de ter acumulado fortuna com o plantio, processamento e exportação de soja, a Amaggi se juntou aos grandes operadores do comércio internacional. A empresa tem relação particularmente estreita com a Bunge, de quem é sócia nos terminais graneleiros localizados em Miritituba (Itaituba, PA), às margens do baixo rio Tapajós.

TRATORANDO A REFORMA AGRÁRIA Rumo ao norte, a soja expandiu-se de forma irregular, chegando a lugares como o projeto de assentamento de reforma agrária Wesley Manoel dos Santos, criado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em 1997. Localizado a 70 km ao noroeste do município de Sinop, o assentamento é um claro indicativo dos desafios que a agricultura familiar enfrenta no Brasil, e em especial, na Amazônia. Ali é possível perceber como o abandono e a negligência estatais acabam inviabilizando a vida dos assentados e permitindo que o agronegócio avançasse sobre suas terras. A área fora comprada pela Mercedes Benz do Brasil no final da década de 1960. Segundo as pesquisas de Odimar

João Peripolli, professor da Universidade Estadual de Mato Grosso, para burlar a lei, a Mercedes constituiu dez empresas de sociedade anônima; cada S/A acumulava terras em seu nome, integrando “40, 50, 60… mil hectares, perfazendo um total de mais ou menos 500.000 mil hectares. Formada a propriedade, a grande área, o latifúndio passou a ser chamado/conhecido como Gleba Mercedes.” A criação das empresas também “significava garantia de financiamentos junto à Sudam (a antiga Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia)”. Os empréstimos deveriam ser investidos nas terras mas, segundo depoimentos colhidos por Peripolli, a área “nunca foi, de fato, ocupada pela empresa”. A Mercedes acabou por não quitar o terreno e o vendeu a uma empresa familiar de São Paulo. Em 1997, o Incra comprou a terra e criou um assentamento para instalar 507 famílias. Implementar a reforma agrária não se limita a entregar a terra; inclui assistência técnica, construção de vias de acesso e um pacote de apoio ao colono. Porém, em uma conjuntura na qual o agronegócio é a prioridade das políticas públicas, as famílias procuraram outros caminhos. No início, criavam gado leiteiro e vendiam leite e queijo em Sinop, o mercado mais próximo, distante mais de três horas de viagem em dias sem chuva. Os problemas não demoraram a surgir. Segundo o colono Jair Marcelo da Silva, conhecido como Capixaba, eles sempre adotaram cuidados com higiene, pois tinham como princípio só vender no mercado produtos que suas próprias famílias consumissem. Entretanto, a prática de seu cotidiano não atendia aos critérios da vigilância sanitária elaborados para laticínios industriais. “Os órgãos sanitários não pensam como a gente”, contou Capixaba. Os colonos foram proibidos de vender seus produtos em Sinop e os sonhos ruíram. “Eu tinha seis vacas dando leite, tirava até 90 litros por dia”, explicou Capixaba. “Fazer o que com esse leite? O que a gente fazia? Dava para os porcos. Imagina só!” Os assentados tentaram, então, outro caminho – a criação de porcos e galinhas – e, mais uma vez, encontraram barreiras intransponíveis na legislação sanitária e veterinária. Sem renda, alguns colonos fizeram cursos para aprender a operar as máquinas sofisticadas usadas pelos grandes fazendeiros (que tinham, sim, como cumprir com as exigências sanitárias e veterinárias) e outros foram trabalhar como diaristas. A terra dos colonos que não conseguiram viabilizar economicamente sua ocupação acabaram entregues de mão beijada aos sojeiros. Alguns, sem condições de viver, venderam seus lotes a preços muito baixos enquanto outros colonos acabaram arrendando por preços baixíssimos ou até, cedendo gratuitamente suas terras para que o fazendeiro as “amansasse”. Amansar a terra significa desmatar, destocar (arrancar as raízes das árvores derrubadas) e corrigir a acidez do solo, um processo custoso que leva pelo menos três ou quatro anos.


12 Março 2017 | brasilobserver.co.uk

Thaís Borges

A concentração fundiária provocada pelo agronegócio abarca terras que deveriam estar destinadas à reforma agrária

Thaís Borges

BR-163, a Cuiabá-Santarém, na chegada à Sorriso (MT), o município com a maior produção de soja no país

Maurício Torres

Em apenas 30 anos, o avanço do agronegócio reduziu drasticamente a cobertura florestal da região norte do Mato Grosso

Ao final, o colono acaba com uma área apta para o capitalizado agronegócio da soja. Em um mundo onde terra desmatada vale muito mais do que floresta em pé, é a única forma que o assentado consegue valorizar seu lote. Porém, o principal volume de soja no assentamento entrou por outro caminho. Durante nossa visita ao assentamento, notamos uma enorme plantação de soja, grande demais para pertencer a um único colono. Capixaba explicou: parte da reserva legal dos lotes (porção que deve ser mantida como floresta de acordo com o Código Florestal) foi reunida em uma área coletiva, de modo a formar uma grande massa florestal, proposta adequada do ponto de vista ecológico. Segundo os colonos, a área escolhida era coberta por uma “floresta tão densa que o fogo nunca penetrava”. Pouco a pouco, a soja venceu a floresta. Os sojeiros usaram o corrento, técnica em que uma enorme corrente de aço com 100m de comprimento é atada pelas pontas a grandes tratores e arrastada, derrubando tudo que encontra pela frente. A área desmatada cobre hoje 3.500 hectares e está toda plantada com soja. Como aconteceu? Ninguém sabe dizer ao certo. Há relatos que um funcionário corrupto do Incra local vendeu a reserva para fazendeiros. Nada foi provado, mas de acordo com os assentados, hoje, o servidor goza de sua aposentadoria em uma mansão na cidade vizinha.

CORRUPÇÃO, MADRINHA DO AGRONEGÓCIO

Thaís Borges

Jair Marcelo da Silva, o Capixaba, assentado do PA Wesley Manoel dos Santos. O vasto campo de soja atrás dele é a reserva legal florestal do assentamento, toda grilada por sojeiros

Thaís Borges

Para preparar a terra para o agronegócio, não basta colocar a floresta abaixo; é preciso arrancar as raízes das árvores

Thaís Borges

Às margens da porção norte mato-grossense da BR-163, na região dos projetos de colonização, a “ocupação” gerou desertos onde nada se vê além de soja e dos grandes silos das multinacionais

O avanço criminoso do agronegócio sobre assentamentos de reforma agrária não é peculiaridade da gleba Mercedes. No Tapuráh-Itanhangá, localizado ao oeste de Sinop, a Operação Terra Prometida, deflagrada em novembro de 2004 pela Polícia Federal prendeu mais de 20 pessoas pela apropriação de 1 mil lotes de um total de 1.149 lotes do assentamento. Segundo a Operação, as áreas eram concentradas e utilizadas como campos de soja. Entre os presos, estavam Odair e Milton Geller, irmãos do então ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento Neri Geller, que hoje é secretário de Política Agrícola do Ministério. De acordo com o geógrafo Antonio Ioris, há um caráter sistêmico na associação entre grilagem e agronegócio: “o agronegócio é intrinsecamente corrupto; há a corrupção mais evidente e imediata (como no caso da atuação do Incra e seu controle por fazendeiros e grileiros), mas há também a corrupção de longo-prazo, demonstrada na apropriação violenta e especulação da terra, na agressividade contra posseiros e índios e na destruição socioambiental.” A Constituição Federal institui que o título que um assentado da reforma agrária recebe é inegociável pelo prazo de 10 anos. Isso torna ilegal a compra de lotes pelo agronegócio no assentamento Tapuráh-Itanhangá, pois, apesar do assentamento ter 20 anos de criação, a grande maioria de seus beneficiários não tinha títulos dos lotes há mais de 10 anos. Essa regra foi alterada em 23 de deg

zembro de 2016, quando o governo de Michel Temer editou a Medida Provisória (MP) 759. Festejada por alguns, a medida apresentava caminhos para a situação caótica das ocupações em periferias urbanas. Por outro lado, a MP acelerou o processo que reconcentra lotes em assentamentos de reforma agrária. Pelo texto da Medida Provisória, o prazo de 10 anos passa a contar logo no início do assentamento, quando as famílias recebem a autorização formal para se instalarem no lote, e não mais a partir do momento que o assentado recebe o título. Para Cândido Neto da Cunha, “a MP tem a estratégia de jogar as terras da reforma agrária no mercado com a maior rapidez possível e criar meios de tornar ‘legais’ as ocupações ilegais de terras da reforma agrária”. Segundo Cunha, os assentamentos da região não contam com a estrutura necessária e a precariedade torna-se uma forma de pressão para que o assentado não consiga permanecer na terra. “Isso torna as famílias assentadas mais susceptíveis à pressão que passarão a sofrer para a venda das terras nas áreas de expansão do agronegócio”, completa o perito agrário do Incra.

FUTURO QUE REPETE O PASSADO O cenário é de crescente mercado de consumo internacional para a soja, especialmente por parte da China. Prevê-se que até 2024 a demanda chinesa chegue a 180 milhões de toneladas de soja por ano, ou mais do que a soma atual dos três maiores produtores mundiais – Estados Unidos, Brasil e Argentina. De onde virá essa soja? Os Estados Unidos têm pouca margem para aumentar sua produção e, desde 2010, analistas diziam que a área cultivada com soja na Argentina não pode mais crescer. O Brasil é o país com maior possibilidade de ampliar sua produção de soja. Até o início da década passada, o Brasil aumentou o volume de grãos por meio do crescimento em produtividade. Tal opção não existe mais: desde 2000, a produtividade se estabilizou em aproximadamente 3,1 toneladas de soja por hectare. A perspectiva, então, é a expansão da área cultivada e, neste sentido, uma das únicas opções é o avanço da fronteira agrícola sobre a Amazônia. Esse cenário apavora o antropólogo Rinaldo Arruda: “Cidades inchadas de gente, sem saneamento, muito violentas, com conflitos internos e meio ambiente degradado. Uma Amazônia de periferia. Essa noção que acompanha nossa sociedade, pelo menos desde o século XIX, de uma evolução civilizatória é totalmente enganosa: é uma ficção”. Ao que tudo indica, o projeto de futuro do agronegócio, que inclui a soja alastrandose pela floresta amazônica e as comunidades locais expropriadas mudando-se para as grandes cidades, repete um passado de devastação ambiental, grilagem, concentração de terras, pobreza e violações dos direitos de povos indígenas e comunidades rurais.

Publicado originalmente em inglês pelo portal Mongabay (mongabey.com) e traduzido por The Intercept Brasil (theintercepct.com)


brasilobserver.co.uk | Marรงo 2017 13


14 Março 2017 | brasilobserver.co.uk

Os policiais pedem socorro Fechamento de batalhões da PM no Espírito Santo e movimento semelhante no Rio de Janeiro escancaram as péssimas condições de trabalho das forças de segurança brasileiras Por Wagner de Alcântara Aragão

Saques, homicídios em série e uma população amedrontada. Por pelo menos dez dias consecutivos o cenário foi esse no Espírito Santo, quando, no começo de fevereiro, batalhões da Polícia Militar foram bloqueados por mulheres de policiais e por representantes de entidades de classe da corporação. O movimento, acompanhado pela televisão e internet por um Brasil assustado com o que se passava em terras capixabas, expôs ao país as mazelas dos trabalhadores de segurança pública. A paralisação no Espírito Santo despertou mobilizações semelhantes em outros Estados. No Rio de Janeiro, mulheres de policiais militares chegaram a ocupar a frente de batalhões, embora não tenham impedido a saída e entrada de equipes, viaturas e equipamentos. Assim como outras categorias de servidores públicos, os policiais militares têm sido vitimados pela crise fiscal que assola boa parte das unidades da federação. A recessão econômica fez cair extraordinariamente a arrecadação de impostos, de modo que as administrações (tanto estaduais como municipais) têm alegado dificuldades para quitar despesas e honrar pagamentos. Como quase sempre, os trabalhadores estão a ser sacrificados. Funcionários públicos com vencimentos sendo


brasilobserver.co.uk | Março 2017 15

Tânia Rêgo/Agência Brasil

e centro-esquerda, nos estados, “fizeram muito pouco para transformar as polícias”. “Da Bahia, que está no terceiro governo petista, a São Paulo que tem o mesmo grupo no poder desde 1982, não se têm nada muito diferente”, comparou.

MILITARIZAÇÃO

Mulheres e familiares de policiais permanecem na saída do Comando da Polícia Militar de Vitória e impedem a saída dos militares

Servidores militares, como os policiais, são impedidos de fazer greve. Para o especialista Ignacio Cano, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e integrante do Laboratório de Análise da Violência, grupo de pesquisa da própria Uerj, a militarização da polícia está na raiz do caos enfrentado no início de fevereiro pela população do Espírito Santo. Em entrevista à Agência Brasil, o professor salienta que a estrutura das polícias militares inviabiliza o diálogo. “O caráter militar da polícia impede comunicação interna, um canal para reivindicação dos policiais, sindicalização e greve”, observa ele, para em seguida apontar a consequência: “Isso faz com que as demandas fiquem reprimidas por muito tempo e saiam de forma mais explosiva, mais descontrolada”, diz, referindo-se à forma como ocorreu o movimento reivindicatório no Espírito Santo, bem como se ensaiou ocorrer no Rio de Janeiro. Na avaliação de Igancio Cano, a mobilização das esposas dos PMs é uma forma de “burlar a falta de representação trabalhista” dos policiais. “Como eles, pelo regulamento, não podem nem se manifestar, estão usando os familiares para passar por cima dessa limitação legal para pressionar o governo. Os policiais usam as famílias para não serem punidos diretamente”, explica.

FEDERALIZAÇÃO parcelados, quando não atrasados totalmente; remunerações congeladas e outras medidas de arrocho salarial também estão a afetar os servidores das forças de segurança. O paradoxo é que essas forças, representadas principalmente pelos policiais militares, é que estão sendo usadas pelos governos para reprimir, com violência, os protestos de servidores (professores, profissionais da saúde etc.) em defesa de um direito básico, que é o de receber salário ao final de um mês de trabalho.

FORÇAS ARMADAS A paralisação dos policiais militares no Espírito Santo e as mobilizações em direção semelhante no Rio de Janeiro acabaram servindo de argumento para o governo federal, em conjunto com os governos locais, utilizar a Força Nacional de Segurança e as Forças Armadas para o patrulhamento ostensivo nos dois Estados. Até o início de março, a presença de militares federais estava garantida pelos ministérios da Defesa e da Justiça. Só no Rio de Janeiro, são nove mil homens das Forças Armadas. Entretanto, nas semanas que antecederam o Carnaval, no Rio de Janeiro o reforço federal serviu muito mais para a repressão aos protestos na porta da

Assembleia Legislativa contra o pacote de arrocho e privatizações enviado pelo Governo do Estado, do que propriamente para a prevenção a delitos e crimes. A sensação é a de que, sob a justificativa de levar segurança à população enquanto policiais estão impedidos de sair de seus batalhões, o governo federal tem se aproveitado da situação para “testar” a receptividade da opinião pública sobre o uso de Forças Armadas no patrulhamento urbano. Inevitáveis são as associações ao período em que o Brasil viveu uma ditadura militar (1964-1985). É a constatação que fez, por exemplo, o jornalista Renato Rovai, que mantém um blog de análise política e econômica do país. “O que está acontecendo em alguns estados, com destaque especial para o Espírito Santo, que é um dos menores do país, merece uma análise mais responsável daqueles que sabem que quando o caos se instaura, a saída em geral não é pela esquerda”, escreveu ele, ao alertar para o risco de instauração de uma repressão militar no país. Para o jornalista, “as polícias brasileiras funcionam quase que com a mesma estrutura e mentalidade dos ditos anos de chumbo, principalmente nas periferias”. Rovai observa que não só os governos de direita, mas também os de centro

No calor da crise em seu Estado, a senadora Rose de Freitas (PMDB-ES) protocolou no Senado, em 22 de fevereiro, uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC 6/2017) que federaliza as carreiras de policiais militares, bombeiros e policiais civis. A proposta está, inclusive, em consulta pública no site da Casa. Até o fechamento desta edição, a medida dividia opiniões. Pouco mais de 50% dos internautas demonstrava apoio à PEC, ao passo que pouco menos da metade votara “não” à iniciativa. Além das paralisações de policiais no Espírito Santo e no Rio, a autora da proposta citou o “fortalecimento das facções criminosas” e as “sangrentas” rebeliões de janeiro em presídios do Amazonas, Roraima e Rio Grande do Norte entre os fatores que justificam a federalização das Polícias Militares, Corpos de Bombeiros e Polícias Civis estaduais. “[Esses acontecimentos] são sinais gritantes de que nosso atual modelo de segurança pública está exaurido e falido”, afirma a senadora.

FRAGMENTAÇÃO Para a parlamentar, “os Estados e o Distrito Federal não têm mais condições de suportar sozinhos o peso de garantir a segurança dos cidadãos”. Fora isso,

acrescenta ela, fragmentadas em unidades da federação, as forças policiais não dão conta de garantir um serviço de segurança público eficiente. “O Brasil possui, de um lado, três polícias em nível federal, e, de outro, 27 polícias civis, 27 polícias militares e 27 corpos de bombeiros em nível estadual ou distrital, totalizando 84 órgãos de segurança pública, em geral, desvalorizados, ineficientes e sucateados, que não interagem nem cooperam uns com os outros”, aponta Rose de Freitas. De acordo com a proposta, as Polícias Militares estaduais seriam unificadas, e assim seria criada uma “Polícia Militar da União”. Já os Corpos de Bombeiros seriam desmembrados das PMs e constituiriam um “Corpo de Bombeiros Militares da União”. A PEC 06/2017 atinge também os policiais civis estaduais, os quais seriam incorporados à Polícia Federal. “A mudança que propomos visa à racionalização, desburocratização, otimização, uniformização e padronização de estruturas administrativas, procedimentos e equipamentos, eliminando as redundâncias e os conflitos ocasionados pela existência de 27 estruturas heterogêneas nas unidades da federação, sem prejuízo, é claro, da observância das particularidades regionais”, declara a senadora. A julgar pela adesão inicial dos colegas de Rose de Freitas, a proposta tem tudo para ser aprovada pelo Senado. Afinal, pelo menos 27 senadores já subscreveram a PEC apresentada pela representante capixaba naquela Casa. Até o fechamento desta edição, a PEC 06/2017 estava na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, instância encarregada de averiguar a constitucionalidade da proposta, para que siga em tramitação.

OUTRA PEC Uma outra PEC – a PEC 51/2013 – também em tramitação no Senado transfere dos Estados para a União a responsabilidade pela segurança pública do país. Esta, no entanto, estabelece a desmilitarização da polícia. De autoria do senador Lindbergh Farias (PT-RJ), a PEC 51/2013 está na Comissão de Constituição e Justiça do Senado desde 25 de novembro de 2015, sem previsão de que sua tramitação tenha sequência. A justificativa de Lindbergh à federalização da segurança pública coincide, em alguns aspectos, aos argumentos da senadora Rose de Freitas em favor da PEC 06/2017. O senador fluminense diz que “os vícios da arquitetura constitucional da segurança pública contribuem para o quadro calamitoso dessa área no país. O ciclo da atividade policial é fracionado – as tarefas de policiamento ostensivo, prevenindo delitos, e de investigação de crimes são distribuídas a órgãos diferentes. A União tem responsabilidades diminutas, salvo em situações excepcionais.” Para ele, todavia, a polícia deve ser desmilitarizada, porque “a excessiva rigidez das polícias militares deve ser substituída por maior autonomia para o policial, acompanhada de maior controle social e transparência”.


16 Março 2017 | brasilobserver.co.uk

Reprodução

Entre as obras mais conhecidas de Anita Malfatti estão ‘O Farol’ (1915), ‘A estudante russa’ (1915) e ‘Samba’ (1943)


brasilobserver.co.uk | Março 2017 17

F

O olhar de Malfatti abriu a cabeça de muitos críticos de arte para o novo, ao mesmo tempo explodiu a de outros mais ortodoxos e extremamente conservadores Por Márcio Apolinário e Jefferson Gonçalves

Fazer um tour por São Paulo é bem mais bacana se for possível sentir sua alma. “Anita Malfatti: 100 anos de arte moderna” é um convite da cidade para que as obras da mulher que inspirou a Semana da Arte de 1922, berço do movimento modernista no Brasil, sejam visitadas e apreciadas. O evento que começou no dia 8 de fevereiro e segue até 30 de abril, no Museu de Arte Moderna de São Paulo, não se trata apenas de um retorno ao passado. Quem procura sentir a importância cultural que a artista traz com sua linguagem expressionista, ainda tão contemporânea, vai se deixar levar por um aspecto tão plural e importante de uma forma que mostrará a cidade que nunca dorme em outros tons, além do cinza que já faz parte da impressão que São Paulo causa. Há um século, quem participava da inauguração da “Exposição de pintura moderna Anita Malfatti” mal fazia ideia que estava no centro daquilo que transformaria o curso da história da arte no Brasil, promovendo os pensamentos que acabaram por trazer as novas tendências da arte na Europa para bater de frente com a elite paulistana, acostumada a consumir a estética europeia mais conservadora. A pintora e professora brasileira Anita Catarina Malfatti, filha de um italiano e uma norte-americana, nasceu na cidade de São Paulo no ano de 1889. Ela, segunda filha do casal Samuelle Malfatti e Eleonora Elizabeth Krug (ou Betty Krug, como era mais conhecida), veio ter contato com as telas após o falecimento de seu pai, quando a mãe passou a dar aulas de pintura e desenho para sustentar a família. Anita acompanhava todas as aulas e isso começou a tomar o seu tempo, sendo Betty a primeira influência nos fundamentos das artes plásticas. O talento de Anita anexado à sua visão de vanguarda capta e exprime sensações com seus traços e cores. As inovações europeias começam as fervilhar na sua mente e, das obras criadas por Malfatti, as paisagens são sem dúvida um dos atrativos que mais impressionam. O impacto que a arte de vanguarda teve sobre a paulistana durante o período de aprendizado na Alemanha (19101913) e nos Estados Unidos (1914-1916) criou a ponte para as revoluções filosóficas na arte e na literatura anos mais tarde. Mas, em 1917, esta que era a segunda exposição da vida de Anita Malfatti trazia construções com manchas de cores fortes e contrastantes, os retratos

expressivos e desconstruídos, os enquadramentos completamente incomuns, as deformações físicas dos modelos pintados, as cores totalmente despadronizadas e não naturalista. Aquilo fora demais para a elite paulistana tão acostumada com pinturas acadêmicas ou muito próximas disso. O olhar de Malfatti abriu a cabeça de muitos críticos de arte para o novo, ao mesmo tempo explodiu a de outros mais ortodoxos e extremamente conservadores. Foi isso que aconteceu ao lidarem com produções como “A estudante russa”, quadro pintado em 1915 quando Anita Malfatti estava em Berlim, e sua técnica óleo sobre tela, provocando os sentidos com as formas e cores expressionistas fora do tradicional, ou mesmo a composição “A boba”, um dos quadros mais conhecidos e notáveis da pintora (também de 1915), que ousou tanto nas cores consideradas extravagantes, quanto na técnica de tratamento pictórico, fugindo um pouco do expressionismo e flertando com algo mais cubista. Talvez o olhar distante, trazendo um vazio para o observador, cause mais incômodo do que a exuberância e as pinceladas curtas e o forte contraste utilizado pela artista. Em um primeiro momento, a exposição fora um assombro e despertou a curiosidade na sociedade paulistana. As visitas foram mais intensas do que o esperado. Anita chegou a vender oito das suas obras. As pessoas tomavam conhecimento da arte da pintora e ficavam abismados com aquela provocação ao conceito ortodoxo e conservador de arte europeia. Entretanto, os mais conservadores também tiveram seu ponto de destaque, porém um deles acertou a pintora em cheio. Monteiro Lobato, com a sua crítica publicada no jornal O Estado de S.Paulo “A propósito da exposição Malfatti” (ou como ficou conhecida mais tarde “Paranoia ou mistificação?”), criou uma referência negativa ao nome da artista tão forte e pesada que todos os quadros vendidos acabaram sendo devolvidos e outros quase foram destruídos. Todas as vezes que o nome de Anita Malfatti era mencionado também era associado ao homem que criou o Sítio do Pica-pau Amarelo. Mesmo após as duras palavras do autor e da repercussão negativa, ela ainda ilustrou livros de Lobato – e, anos mais tarde, na década de 40, apresentou o programa “Desafiando os Catedráticos”, na Rádio Cultura, em companhia do próprio Monteiro Lobato e de Menotti Del Picchia.

A ideia de que a artista nunca mais se recuperaria do baque causado pela crítica se fez firme, mas a influência de sua arte moderna visionária deu asas para a “Semana da Arte Moderna de 1922”. Durante o evento, Anita Malfatti apresentou 22 obras para o cotidiano paulistano que também teve reação parecida com a sua mostra em 1917 (um misto de espanto, fascínio e curiosidade). Não de outro modo, a pintora entrara para o grupo composto pelas pessoas que defendiam as ideias da Semana da Arte Moderna (evento que promoveu o movimento modernista no Brasil). Ao lado de Anita Malfatti estavam Tarsila do Amaral, Mário de Andrade, Menotti Del Picchia e Oswald de Andrade. Ficaram conhecidos como Grupo dos Cinco (da Arte Moderna Brasileira) Um século depois da “Exposição de pintura moderna Anita Malfatti”, é hora de reapresenta-la ao mundo com as análises do modernismo sobre uma varredura mais atual e ampliada do que aquela que fora feita no passado. Afinal, é fato que a contribuição de Anita para a história da arte moderna brasileira não parou apenas nas inovações para a época a que foi apresentada (1917). É nesse ponto que o evento “Anita Malfatti: 100 anos de arte moderna” foca. Na sensibilidade do olhar da artista, trazendo pinturas e desenhos que mostram os mais variados momentos da produção de Anita. Pontuando a percepção única da pintora para a arte em seu redor e nas variáveis do cotidiano. A exposição vai além do conjunto expressionista que a consagrou e que serviu como estopim do modernismo no Brasil. A mostra traz paisagens e retratos de períodos que precedem até mesmo a Semana da Arte Moderna, apresentando refinadas pinturas naturalistas das décadas de 1920 e 1930, e até mesmo aquelas mais próximas à cultura popular que é possível visualizar nos trabalhos dos anos 1940 e 1950. A inspiradora da Semana de Arte Moderna de 1922 deverá ser lembrada e celebrada quando o evento que foi o gatilho do movimento modernista brasileiro estiver completando cem anos (2022). Será também uma forma primorosa de rever o legado de Malfatti, que se estende até os dias de hoje como artista pioneira, que além de sobreviver ao conservadorismo radical da década de 1920 soube ser ousada quando entrou e revolucionou a “maneira popular” de fazer arte, nos últimos anos de vida.


18 Março 2017 | brasilobserver.co.uk

DICAS

Literatura

Por Joe Thomas g

São Paulo é a capital da América do Sul. E que cidade! Rica em cultura, regada a dinheiro, minada pela corrupção, marcada por uma desigualdade social que alimenta o desespero e a banalidade do crime. A ideia para o meu romance Paradise City surgiu durante um fim de semana de 2006. Nasceu como a síntese de elementos aparentemente desconexos: o crime organizado, a indústria da construção e Cazuza, o músico e poeta da contracultura. Naquela época, eu já morava em São Paulo há três anos, mas foi a primeira vez que pensei: “ah, OK, entendi. Este é o Brasil”. O PCC, quase todo brasileiro sabe, controla o crime organizado em São Paulo – principalmente o tráfico de drogas. Os homens que dirigem o PCC o fazem da prisão. E esses homens querem assistir à Copa do Mundo de 2006 em TVs grandes, de tela plana. O PCC é como uma corporação. Eles são muito organizados. E geralmente conseguem o que querem. Então os líderes do PCC querem TVs novas de última geração. E direito a mais visitas conjugais. Estes pedidos são negados pelas autoridades. Em resposta, os líderes do PCC avisam que “causarão o caos”. Por três dias, São Paulo experimenta a anarquia promovida pelo PCC. Bandidos atacam a polícia; evacuam ônibus e ateiam fogo nos mesmos, deixando-os no meio da rua. Há rumores de invasões em edifícios públicos, e que escolas e hospitais são os próximos alvos. Mais de 150 pessoas são mortas, entre policiais, bandidos e civis. As balas perdidas se encontram na encruzilhada. A cidade fica travada. As autoridades jogam a toalha. O PCC obtém suas TVs e, provavelmente, suas visitas conjugais. Na segunda-feira seguinte, na escola britânica onde dou aula de história e inglês, converso com o diretor. O filho do chefe da polícia estuda conosco, e seu pai havia acabado de deixá-lo naquela manhã. Os oficiais que haviam sido baleados durante o fim de semana estão recebendo uma recompensa financeira por conta do ocorrido. Estão traumatizados, diz o chefe da polícia ao diretor. Sabendo disso, alguns policiais atiraram em suas próprias delegacias. Os buracos de bala podem ser usados ​​como prova de que foram atacados. Eles também estão reivindicando sua recompensa. São Paulo é uma cidade de grandes contrastes. Naquele fim de semana, a diferença entre pobres e ricos parecia ter se estreitado. A peculiaridade dos ataques, o descaramento dos pedidos feitos pelos prisioneiros e a resposta das autoridades e o comportamento policial me pareciam claramente brasileiros. Paradise City começa com uma bala perdida dentro de uma favela. No romance, a indústria de construção da cidade é o pano de fundo. Eu morava no Morumbi, perto da favela de Paraisópolis. A “Cidade do Paraíso”, como se sabe, situa-se numa espécie de cratera, como um assentamento construído no buraco causado por uma grande explosão, uma aldeia apocalíptica de concreto e tijolos. O Morumbi é um bairro emblemático de São Paulo. Localizado na parte sudoeste da cidade, é predominantemente rico e conta com consideráveis áreas verdes – que serão lentamente substituídas por concreto

ao longo dos próximos dez anos. É um lugar bem diferente das áreas tradicionais ao redor da Avenida Paulista, onde se encontram bares, apartamentos antigos e cantinas. É um lugar para se mudar e ter filhos, ou para quando seus filhos saírem de casa. Fora dos portões do condomínio, não há segurança. Ao atravessarmos a favela de Paraisópolis, observo os rostos apavorados, a desordem causada pelo lixo, as crianças quase nuas e as casas improvisadas. Da minha varanda, posso ver uma impressionante torre com heliponto e jardins. À noite, apenas alguns apartamentos estão iluminados. Meu amigo Mário ri quando eu digo que aqueles apartamentos devem ser muito caros. “Caros?”, diz ele. “Meu amigo, os preços estão despencando”. “Então por que há tantos apartamentos vazios?”. Mário ri novamente. “Dano estrutural”. “Como?”. “Há uma piscina em cada varanda”. Eu levanto as sobrancelhas. Isso é incomum mesmo para o Morumbi. “É o seguinte”, Mário continua, “eles se esqueceram de calcular o peso extra da água. Quando todos encheram suas piscinas, os pilares de sustentação se quebraram”. Ele ri novamente. “Idiotas”. Poucas pessoas vão investir mais de um milhão de reais em uma estrutura comprometida. Mesmo assim, alguns investem. Uma das epígrafes de Paradise City é de uma canção de Cazuza, O Tempo Não Para. Cazuza morreu jovem devido à AIDS, mas continua sendo o poeta dos descontentes. Seu trabalho é discursivo e profano, pregando inclusão e tolerância. É um firme representante do crescente movimento alternativo que rejeita o nepotismo e o capitalismo vulgar da elite do país. Os protestos políticos dos últimos anos recordaram uma de suas canções, Brasil, e uma linha específica: Brasil, mostra tua cara Quero ver quem paga para uma pessoa ficar assim Suas letras descreveram os primeiros anos de democracia no período pós-ditadura, e agora refletem uma profunda insatisfação com o sistema político. Muitos brasileiros já tiveram o suficiente da corrupção endêmica, da crescente desigualdade: a passividade geral diante da injustiça social. Há um slogan recorrente: o gigante acordou. As letras de Cazuza encontram eco em Paradise City: Transformam o país numero inteiro Pois assim se ganha mais dinheiro Joe Thomas é professor visitante de Literatura Inglesa no Royal Holloway, Universidade de Londres. Anteriormente, viveu e deu aula em São Paulo por dez anos. ‘Paradise City’ é seu primeiro romance, publicado em 9 de fevereiro. O segundo livro da série – ‘Gringa’ - será publicado pela Arcadia em 2018.

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Divulgação

Brasil mostra sua cara em Paradise City


brasilobserver.co.uk | Março 2017 19

Música FLÁVIA COELHO Uma jovem cantora brasileira que aproveita as tradições do samba, da bossa nova e das melodias brasileiras, com espaço para reggea e hip-hop. Flávia Coelho agora está lançando um novo álbum, seu terceiro: Sonho Real pela gravadora LE LABEL [PIAS]. Quando: 21 de março, 8pm Onde: London Omeara (6 O’Meara Street, London SE1 1TE) Entrada: A partir de £15 Info: www.serious.org.uk

EXPOSIÇÃO Waltercio Caldas, pela 1ª vez em Londres EUMIR DEODATO O tecladista, arranjador e produtor brasileiro Eumir Deodato retorna ao Ronnie’s depois de seus espetáculos em janeiro passado. Deodato é mundialmente conhecido como arranjador de nomes como Antonio Carlos Jobim, Astrud Gilberto, Wes Montgomery e Frank Sinatra, e por sua própria série de álbuns clássicos de bossa nova. Quando: 23 e 25 de março, 10.30pm Onde: Ronnie Scott’s (47 Frith Street, Soho, W1) Entrada: £35 – £55 Info: www.ronniescotts.co.uk

ELIANE ELIAS Um bem-vindo retorno da pianista e vocalista Eliane Elias. Seu estilo musical distinto e imediatamente reconhecível mistura suas raízes brasileiras, sua voz sensual e sedutora com seu impressionante jazz instrumental e suas habilidades compositivas. Quando: 19 e 21 de abril, 10.30pm Onde: Ronnie Scott’s (47 Frith Street, Soho, W1) Entrada: £35 – £55 Info: www.ronniescotts.co.uk

CAETANO VELOSO & TERESA CRISTINA A música de Caetano Veloso irradia calor e paixão. Sua voz sedutora e melódica e seu violão bossa-nova empurram as tradições brasileiras para novos e excitantes reinos. Neste show ele apresenta a estrela brasileira do samba Teresa Cristina, que está lançando seu novo álbum, Canta Cartola, onde homenageia o grande poeta Cartola, da escola de samba da Mangueira. Quando: 21 de abril, 8pm Onde: Barbican (Silk Street, London EC2Y 8DS) Entrada: £25 – £65 Info: www.serious.org.uk

SEU JORGE Seu Jorge é um dos artistas mais talentosos e aclamados do Brasil. Em uma homenagem profundamente pessoal, o cantor e compositor brasileiro coloca sua toca vermelha para levar sua audiência a uma viagem emocional através de suas versões de David Bowie. Quando: 30 de maio Onde: Royal Albert Hall Entrada: A partir de £25 Info: www.royalalberthall.com

Waltercio Caldas (Rio de Janeiro, 1946) poderia ser definido como um minimalista. Mas, mais do que isso, ele é um artista que, com cada peça produzida desde a década de 1970, se aproxima cada vez mais de certo vazio abstrato – um silêncio. Os críticos o descrevem como um artista que não cria objetos, mas sim o espaço entre os objetos. Experimentar uma exposição de Waltercio Caldas é sentir o conteúdo invisível. Uma sensação que pode ser tão corpórea e etérea como pode ser intelectual. Seu trabalho explora essas relações de dentro e de fora. Cada peça pretende capturar todo o potencial espacial que o rodeia. As obras exibidas na exposição, tanto esculturas como desenhos, serão organizadas e selecionadas pelo artista. Para esta exposição, Caldas selecionou trabalhos realizados nos últimos dez anos de produção. Waltercio Caldas é um artista cujo trabalho é conhecido por ser difícil de organizar cronologicamente. Esta exposição é um reflexo disso. Um trabalho produzido nos anos 70 senta-se confortavelmente ao lado de um trabalho produzido no ano passado. Juntos, esses trabalhos negam a noção de progressão linear enquanto se sentam sem interrupção. Quando: 30 de março – 19 de maio Onde: Cecilia Brunson Projects (Royal Oak Yard, SE1 3GD) Entrada: Free Info: www.ceciliabrunsonprojects.com


20 Março 2017 | brasilobserver.co.uk

COLUNISTAS FRANKO FIGUEIREDO

Mantendo acesa a chama da dramaturgia brasileira

V

Veremos neste mês de março o lançamento de ‘Brazilian Contemporary Theatre’, um novo livro da editora Oberon Books, na Embaixada do Brasil em Londres. Com ele vem a leitura de palco da peça ‘For Elise’, de Grace Passô, dirigida por Ramiro Silveira, na Sala Brasil, além da produção de ‘The End Of All Miracles’, de Paulo Santoro, no Albany Theatre. A publicação faz parte de uma iniciativa conjunta entre os ministérios da Cultura e das Relações Exteriores brasileiros e a Oberon Books, com o intuito de promover a imagem de um Brasil que vê a cultura como um importante instrumento de reflexão, cooperação e diálogo internacional. O teatro brasileiro é pouco conhecido em Londres, menos ainda levando em conta todo o Reino Unido. Mas há um punhado de produtores brasileiros, eu próprio incluído, bem como produtores britânicos, trabalhando duro para dar ao público no Reino Unido um gostinho da dramaturgia brasileira. Infelizmente, sem patrocínio ou financiamento público, artistas e produtores não podem ir muito além da superfície. A última década tem sido importante para o teatro brasileiro em solo britânico, com artistas desempenhado um papel vital na semeadura de muitos projetos que promovem nossa dramaturgia contemporânea. Olhando para os últimos anos, vemos o Coletivo Dendê, de Andre Pink, produzindo ‘Two Lost Souls on a Dirty Night’, de Plínio Marcos (Theatre 503, 2000). Em 2004, o Royal Court Theatre produziu ‘Almost Nothing’, de Marcos Barbosa, que ganhou uma review do conceituado crítico Michael Billington: “atenção com o Brasil. O país não produz só grandes jogadores de futebol, mas também dramaturgos altamente promissores”. O StoneCrabs Theatre entrou em cena em 2002 e, depois de uma adaptação bem sucedida de ‘Água Viva’, a companhia produziu cinco peças de Nelson Rodrigues, incluindo ‘Waltz #6’ (Greenwich Playhouse, 2005), ‘Our Lady of The Drowned’ (Southwark Playhouse, 2006) e ‘All Nudity Shall Be Punished’ (Union Theatre, 2008), todas aclamadas pela crítica, incluindo indicações da Time Out e do Metro. Também produziram ‘Origins/Origens’, um festival anual destinado a promover a dramaturgia brasileira no Reino Unido. O projeto funcionou por cinco anos, apoiado pela Embaixada do Brasil, pela Canning House e pelo Arts Council of England, e terminou em 2010 devido à falta de apoio financeiro. Entre 2005 e 2008, o produtor Paul Heritage e o People’s Palace Project trouxeram para Londres trabalhos de Grupo Galpão, Grupo Piolin, AfroReggae e Nós do Morro. Em 2007, o Dendê Collective produziu ‘Drylands’, de Newton Moreno, no Lyric Thea-

tre. A produção contou com elenco internacional que incluiu a atriz brasileira Tereza Araujo. ‘Drylands’ é uma das peças publicadas na compilação do livro da Oberon, mas a produção no Lyric Hammersmith estranhamente não recebe nenhuma menção. Em 2009, Victor Esses, outro diretor brasileiro residente no Reino Unido, e sua companhia Alter Ego produziram ‘The Assault’, de José Vicente, e ‘Last Days of Gilda’, de Rodrigo de Roure. Este última peça foi levada ao Festival de Edimburgo e atriz Gael Le Cornec ganhou muitos prêmios e elogios por seu desempenho como Gilda. Em 2010, a companhia de Mariana Pereira, One Leg Still Standing, produziu ‘The Deceased Woman’, de Nelson Rodrigues. As últimas produções do StoneCrabs de trabalhos de autores brasileiros foram ‘The Asphalt Kiss’, de Nelson Rodrigues, em 2012, e ‘Kitchen’, uma peça escrito por Gael Le Cornec. Após um hiato de quase três anos, Rogério Correia, em parceria com o Theatre 503, criou o ‘Red Like Embers’, um festival de novos dramaturgos brasileiros: um fantástico empreendimento produzido por um coletivo de artistas que dedicaram tempo e recursos ao projeto. ‘Red Like Embers’ seguiu em frente sem financiamento público, mas manteve acesa a chama da dramaturgia brasileira. Do festival surgiu ‘Fluxorama’, produzido e dirigido por André Pink, que também trouxe ‘Turmoil’, de Jô Bilac, para Londres em janeiro passado. Em 2015, dirigi uma adaptação ao teatro da obra ‘Tieta’, de Jorge Amado, no Manchester Festival, que percorreu o nordeste da Inglaterra, mas, novamente, devido à falta de financiamento, nunca chegou a Londres. No mesmo ano, o CASA Festival de Daniel Goldman trouxe ‘Neverwhere Beckett’, da Companhia Café Cachorro, para o Richmix. A dramaturgia brasileira no Reino Unido realmente se parece com brasas, quentes e ardentes. Mas, se não forem alimentadas, logo se apagarão. Os artistas não podem continuar à frente de todo o trabalho e assumir os riscos sozinhos. Mais recentemente, Ramiro Silveira e Fernanda Mandagará têm trabalhado arduamente para manter viva a cena brasileira de teatro no Reino Unido. No ano passado, Ramiro e Fernanda produziram uma leitura encenada de ‘Forgive me for not betraying me’, de Nelson Rodrigues, na Embaixada do Brasil em Londres, evento que deu o pontapé inicial do que será a ressurreição da obra de Nelson Rodrigues em Londres. A iniciativa é liderada e apoiada pelo neto de Nelson, Sacha Rodrigues, e pela Embaixada do Brasil em Londres. O objetivo é traduzir seis trabalhos de Nelson Rodrigues e produzi-los no Reino Unido nos próximos dois anos.

Quando perguntei a Ramiro como ele se envolveu com a coordenação do lançamento do livro, ele disse: “Eu conheci George Spender e a Oberon Book através de Sacha. Na primeira reunião, George me contou o crescente interesse do público britânico pela dramaturgia brasileira. Foi então que eu descobri que eles estavam editando o livro ‘Contemporary Brazilian Theatre’. Depois de um tempo, Hayle Gadelha, adido cultural do Brasil em Londres, me convidou para coordenar o lançamento do livro e dirigir uma das peças do livro. O livro apresenta seis peças muito atuais, passando por este momento de grande efervescência criativa da nova dramaturgia brasileira. Estou dirigindo ‘For Elise’, de Grace Passô”. ‘For Elise’ é uma peça sobre uma dona de casa brasileira que conta histórias sobre seus vizinhos: um cão que late palavras; um lixeiro que procura por seu pai, que ele não vê há anos; uma mulher que está perdida; outro trabalha resgatando cães doentes, vestindo um uniforme que não o faz sentir nada, nem quando ele é espancado nem quando é amado. ‘For Elise’ foi a primeira produção do Grupo Espanca! (em Curitiba) e a peça fez de Grace Passô uma das mais conhecidas dramaturgas contemporâneos do Brasil. Ramiro promete transformar o salão principal da Embaixada do Brasil em Londres (Sala Brasil) em um bairro surreal, onde os personagens de Passô vivem suas histórias. ‘The End of All Miracles’, de Paulo Santoro, que você também pode encontrar na mesma publicação, terá sua estreia no Reino Unido no StoneCrabs Young Directors Festival no Albany Theatre, em Deptford. A peça está sendo dirigida pela diretora Fernanda Mandagará. ‘The End of All Miracles’ segue as tentativas de um casal de idosos em recordar o momento mais bonito de suas vidas. Fernanda Mandagará promete entregar uma produção visualmente atraente que aborda os temas da demência com poesia, carnaval e entusiasmo. Produzir teatro não é uma tarefa fácil, existem muitos elementos intrincados que vão desde a garantia de um local, reunir uma boa equipe de produção, obter direitos autorais e, principalmente, garantir o financiamento. Há um grande número de artistas brasileiros no Reino Unido com fome de trazer a dramaturgia brasileira para o palco britânico, mas eles precisam de apoio financeiro para fazer isso acontecer. Esperamos que a Embaixada do Brasil em Londres, juntamente com o atual Ministério da Cultura e Relações Exteriores, continue a apoiar não apenas a publicação de peças traduzidas, mas também suas produções. As peças são escritas para serem ouvidas e são um importante instrumento de reflexão, cooperação e diálogo internacional.

For Elise by Grace Passô Directed by Ramiro Silveira 2 Mar, 2017 - 7.30pm Sala Brasil - Embassy of Brazil 14 - 16 Cockspur Street, London, SW1Y 5BL (near Trafalgar Square) Free entry - RSVP essential: culturalbrazil. rsvp@gmail.com

The End of All Miracles by Paulo Santoro Directed by Fernanda Mandagará Wed, 16 Mar - 8pm The Albany Theatre, Douglas Way, SE8 4AG Tickets £6 / 020 8692 4446 / www.albany.org.uk

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Franko Figueiredo é diretor artístico e produtor associado da Companhia de Teatro StoneCrabs


brasilobserver.co.uk | Março 2017 21

AQUILES REIS

HELOISA RIGHETTO

Divulgação

Uma grande Um mamilo banda com alma feminino incomoda muito mais

Nailor Proveta Azevedo (direção musical, arranjos, sax alto e clarinete), Ubaldo Versolato (sax barítono, flauta e piccolo), Josué dos Santos (sax tenor e flauta), Cássio Ferreira (sax tenor, soprano e flauta), François Lima (trombone de válvulas), Waldir Ferreira (trombone de vara), Nahor Gomes (trompete e flugelhorn), Walmir Gil (trompete e flugelhorn), Odésio Jericó (trompete e flugelhorn), Jarbas Barbosa (guitarra elétrica), Edson Alves (contrabaixo elétrico e violão), Celso de Almeida (bateria), Fred Prince (percussão), Cleber Almeida (percussão) – a Banda Mantiqueira, sem gravar há 12 anos e comemorando 25 anos de carreira, está de volta em Com Alma (selo Sesc-SP). Um arranjo glorioso de Nailor Proveta para “Segura Ele” (Pixinguinha e Benedito Lacerda) abre o CD. Uma virada da bateria antecede a primeira paulada do naipe de sopros, naipe este que embute o DNA dessa grande banda. O flugelhorn do norte-americano Wynton Marsalis tem participação especial. Em meio ao naipe, ouve-se o picollo. Entre “perguntas” e “respostas”, distribuídas com mestria pelo arranjo, a quebradeira cresce. Logo é a vez do solo do clarinete. Nova e arrepiante paulada dos sopros. Sobre a cama criada pelo violão e pela bateria, o improviso volta com o flugel. Com toda a dignidade que bem merece, ao pandeiro é dada a vez de improvisar, o flugel traz o solo para si e, com rara sonoridade, o duo brilha. Esfuziante é a volta do tutti da Mantiqueira. Num encadeamento de acordes, o arranjo deságua numa escala ascendente que finda o choro. A seguir, “Desafinado” (Tom Jobim

e Newton Mendonça). Enquanto os sopros vão nas notas graves do arranjo de Edson Alves (das sete faixas do CD, esta é a única cujo arranjo não é de Nailor Proveta), a introdução tem a notável participação do violão de Romero Lubambo. A melodia está em suas mãos, assim como também estão nas de Proveta. Os sopros seguem “beliscando” os acordes, cujo suingue é regiamente aproveitado pelo violão e pelo sax. Após um criativo improviso de Lubambo, um solo do sax surge por sobre os sopros. Admiráveis, violão e sax concluem o arranjo. “Chorinho Pro Calazans”, de Cacá Malaquias, tem arranjo de Nailor Proveta e participação especial do autor, com seu sax tenor. Tocada pelos sopros, a introdução anuncia a singeleza da melodia. A bateria ressoa pelas vassourinhas. O tenor improvisa, e para ele os sopros formam o clima. O solo agora é do clarinete. O trompete com surdina brilha. O violão improvisa. O tenor retoma o solo e leva ao clímax. “De Frente Pro Crime” (João Bosco e Aldir Blanc) fecha a tampa. A melodia cabe aos sopros e agradece aos solos de Romero Lubambo (violão), Proveta (clarinete) e François de Lima (trombone de válvulas). Somados à bateria, o tamborim e o baixo agregam cadência à levada... Não direi mais nada. Ou melhor, direi apenas: leitores, não deixem de ouvir Com Alma, da Banda Mantiqueira. A mais brasileira das grandes bandas nascidas nesta terra de meu Deus. Aquiles Reis é músico, vocalista da icônica banda MPB4 g

Um mamilo incomoda muita gente. Ou melhor, um mamilo feminino incomoda muita gente. E incomoda também os algoritmos do Facebook, que reconhecem imagens de mamilos e as classificam como “impróprias” (ainda que os mesmos algoritmos tolerem postagens que incitam e espalham ódio em todas as suas formas), mesmo que as tais imagens sejam de mulheres amamentando seus filhos ou usadas de forma política, como protesto, sem qualquer ligação com pornografia ou exploração indevida de imagem. São fotos postadas na rede para levantar questões de igualdade de gênero e direitos das mulheres, fotos autorizadas pelas donas dos mamilos, fotos de uma parte do corpo que é comum a todos os humanos. Mas que, quando associadas ao feminismo, são censuradas. Eu aderi à campanha #MamiloLivre (mamilolivre.com), idealizada pela Revista Azmina, a qual consiste em baixar um mosaico com quatro imagens que juntas formam um mamilo, e então publicar em uma página no Facebook. Assim, os algoritmos da rede social não reconheceriam a imagem formada pelas quatro partes do mosaico, mas os usuários podem claramente identificar o mamilo. Uma forma inteligente de protesto, com o objetivo de questionar não apenas a censura a essa parte do nosso corpo, mas a objetificação da mulher como um todo. Horas depois de subir o mosaico na página do Conexão Feminista no Facebook, porém, recebi uma notificação avisando que minha conta estava inacessível. Eu havia sido bloqueada. Posso ter enganado o algoritmo, mas enfureci alguém, que usou de seu precioso tempo para denunciar as imagens. Ao tentar acessar minha conta, fui confrontada com a seguinte opção: apagar as imagens ou perder minha página. Segundo a notificação, a postagem não condizia com as diretrizes do Facebook (as mesma diretrizes que nada fazem para evitar imagens de estupro, pedofilia e nazismo, por exemplo). Tudo por causa de um mamilo. Um mamilo feminino.

Por que não conseguimos desvencilhar o mamilo feminino da conotação sexual? Como diz o manifesto do #MamiloLivre, “um mamilo a mostra não significa um mamilo a disposição. Esconder ou mostrar os mamilos deveria ser uma escolha (o que já é para os homens). A vergonha e a lascívia alheia não podem se sobrepor ao usufruto do próprio corpo”. Mas como sabemos (se você ainda não sabe, recomendo a leitura da coluna publicada na edição de outubro de 2016: “Meu corpo, minha regras”), as mulheres não tem domínio sobre seus corpos. O que podemos ou não mostrar, ou como e quando mostramos, não é uma decisão nossa: é resultado da soberania patriarcal. O mamilo é censurado até mesmo quando aparece em fotos de amamentação. Mas infelizmente não é preciso estar no mundo virtual para testemunhar essa censura, já que mães no mundo inteiro recebem olhares reprovadores quando alimentam seus filhos em lugares públicos. Ou seja, o mamilo não é apropriado nem mesmo para sua função primordial. Há quem veja a amamentação em público como polêmica. Pra mim, e para muitas feministas, isso é apenas um exemplo de como a ocupação de espaços públicos por mulheres ainda está engatinhando. Mulher fora da esfera privada e ainda por cima expondo seu corpo? Quem deixou? “E vale a pena tanto estardalhaço por causa de um mamilo?”, perguntam os questionadores do feminismo (os mesmos que são rápidos em condenar o machismo, mas que acham que as feministas são muito bravas). E a minha resposta é: tudo que gera diálogo pode vir a gerar mudança. As agressões que as mulheres sofrem diariamente (e que muitas sequer reconhecem como tal, tamanho o costume) deveriam gerar muito mais estardalhaço do que um mamilo a mostra. Enquanto o machismo continuar normalizado, nós vamos continuar lutando pelo #MamiloLivre. Heloisa Righetto é jornalista e escreve sobre feminismo (@helorighetto – facebook.com/ conexãofeminista) g


22 Março 2017 | brasilobserver.co.uk

LONDON BY Liliana Carneiro

Crystal Palace, um bairro cheio de personalidade e história

Crystal Palace é um bairro no sul de Londres cheio de restaurantes bacanas, um parque lindo, ótimos bares, lojas de antiguidade e decoração, feiras e até um museu para chamar de seu. É um local cheio de vida, principalmente nos finais de semana, quando o pessoal que mora nos arredores corre para curtir um pouco desse bairro tão legal. É uma pena que os turistas e os moradores de outras regiões não venham tanto para cá. Portanto, vamos tentar mudar isso mostrando um pouco do que Crystal Palace tem e o que você pode fazer por aqui! Por Liliana Carneiro, do blog Catálogo de Viagens (catalogodeviagens.net)

PARQUE O parque de Crystal Palace fica bem próximo à estação de trem e oferece várias opções de entretenimento. Uma delas é o parque dos dinossauros, uma seção com várias esculturas desses animais e uma trilha chamada “Trilha de Darwin”, com explicações sobre cada espécie. Também há uma fazendinha com vários animais que fica aberta à visitação e tem entrada gratuita. Outra opção dentro do parque é o Leisure Centre de Crystal Palace, que além de ter espaço para esportes mais tradicionais monta algumas quadras de vôlei de “praia” durante o verão. É também no parque que está a torre de TV que é uma das estruturas mais altas da cidade e principal transmissor de televisão de Londres.

FEIRAS O mercado local de Haynes Lane é aquele típico mercadinho de cacarecos e usados. Mas eu garanto que é difícil sair ileso de lá. Você vai ver muita roupa usada, vinil, artigos para casa e tudo mais vintage que puder imaginar. Eles funcionam toda terça e nos finais de semana. Coladinho nesse mercado está a feira de Carberry Road, que funciona todo sábado. A feira é pequena e as barracas são de pessoas da região. A maioria delas é de comida, coisas orgânicas, mas também há algumas de artesanato.


brasilobserver.co.uk | Março 2017 23

RESTAURANTES E CAFÉS

RUÍNAS DO PALÁCIO

O bairro conta com muitos restaurantes bacanas e fica até difícil escolher um. A maioria deles está no famoso triângulo de Crystal Palace, formado por três ruas: Westow Street, Westow Hill e Church Road. O meu restaurante preferido é o vietnamita Urban Orient, mas o restaurante tradicional de lá é o Joanna’s, que serve comida britânica e está ali desde 1978. Mas não pense que as opções terminam aí: você pode comer desde comida tailandesa até venezuelana em Crystal Palace. Para quem gosta de um café ou brunch recomendo bastante o café que fica dentro da loja Bambin; além de servir uma comida gostosa você come em meio a antiguidades. O Brown and Green é outra opção deliciosa para um café da manhã caprichado. Eles têm duas opções no bairro: dentro da estação e no triângulo. Além desses, você pode se acabar nos doces e pães da Blackbird Bakery, ou comprar uma granola caseira para levar para casa.

A estrutura principal do Crystal Palace foi totalmente destruída, mas restaram estátuas e partes do terraço italiano. Tudo isso fica no parque do bairro. Algumas estátuas, mais precisamente as esfinges, foram renovadas recentemente e estão hoje como eram originalmente.

CRYSTAL PALACE SUBWAY Uma das partes mais bonitas e intocadas do que restou da estrutura original do Crystal Palace é a entrada da antiga estação de trem. A construção vitoriana escapou do fogo e pode ser visitada pelo menos uma vez ao ano, durante o Open House de Londres, um final de semana que celebra a arquitetura abrindo à visitação vários prédios da cidade.

PUBS Assim como existem várias opções de restaurantes, há muitas opções de pubs nesse bairro do sul de Londres. Quem quiser música ao vivo com badalação, vá ao Westow House. O pub tem música ao vivo toda sexta à noite e em alguns domingos durante o dia. O Westow House tem boas opções para quem curte cerveja artesanal. No pub Grape and Grain também tem música ao vivo alguns dias da semana, e é uma boa pedida para quem quer menos confusão, mas quer ouvir um jazz ou blues. O White Hart é outro pub com música ao vivo alguns dias da semana e tem um ótimo hambúrguer. O The Alma já é um pub um pouco mais adulto e sofisticado, enquanto o The Sparrowhawk é uma opção pouco mais familiar, com um cardápio que tem uma pegada de gastropub.

MUSEU DE CRYSTAL PALACE O museu conta a história do bairro e do famoso Palácio de Cristal que existiu ali. A primeira versão do local foi criada para a exposição de 1851, que seria a primeira exposição de muitas. A estrutura onde aconteceu a primeira exposição ficou no Hyde Park, mas deu tão certo que foi recriada e montada em Crystal Palace tempos depois. Ali ficou até 1936, quando um incêndio destruiu o local. Toda a história do local é contada no museu, que abre todo domingo até às 4pm e tem entrada gratuita.

COMPRAS Crystal Palace é um local excelente para comprar móveis e artigos para casa em geral. Além dos usados, você encontra lojas que fazem seus móveis, inclusive por encomenda. A maioria das lojas deste estilo está na Church Road. Além disso, você encontra muitas lojas independentes por ali, com bastante coisa de produtores locais, artigos feitos à mão e produtos artesanais em geral. Por fim, quem gostar de vinho, queijo e cervejas artesanais deve dar um pulo no Good Taste.

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24 Marรงo 2017 | brasilobserver.co.uk

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