Brasil Observer #44 - BR

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LONDRES

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ISSN 2055-4826

NOVEMBRO/2016

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) Uma das sete maravilhas mundiais da natureza ) Melhor destino de ecoturismo do Brasil ) Uma das três cidades brasileiras que mais recebem eventos internacionais ) Uma das três cidades brasileiras mais visitadas por turistas estrangeiros ) Um dos principais destinos de compras da América Latina ) Primeiro lugar no ranking de competitividade do turismo nacional entre as cidades não capitais ( ) Um dos maiores polos hoteleiros do País ( X ) Todas as anteriores

FOZ DO IGUAÇU. Bem-vindo ao inesquecível.

Foz do Iguaçu é um dos mais importantes destinos turísticos do Brasil. A cidade, que faz fronteira com Argentina e Paraguai, abriga as Cataratas do Iguaçu, uma das sete maravilhas mundiais da natureza. É um destino que se destaca pela excelente relação custo-benefício. Venha conhecer e se encantar. A escolha é sua. www.destinodomundo.com.br

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Conteúdo LONDON EDITION É uma publicação mensal da ANAGU UK UN LIMITED fundada por:

Ana Toledo Diretora de Operações ana@brasilobserver.co.uk Guilherme Reis Diretor Editorial guilherme@brasilobserver.co.uk Roberta Schwambach Diretora Financeira roberta@brasilobserver.co.uk Editor em Inglês Shaun Cumming shaun@investwrite.co.uk Design e Diagramação Jean Peixe ultrapeixe@gmail.com Colaboradores Fernanda Canofre, Franko Figueiredo, Gabriela Lobianco, Heloisa Righetto, Jan Rocha, Julita Lemgruber, Wagner de Alcântara Aragão IMPRESSÃO St Clements press (1988 ) Ltd, Stratford, London mohammed.faqir@stclementspress.com 10.000 cópias Distribuição Emblem Group Ltd. Para anunciar comercial@brasilobserver.co.uk 020 3015 5043

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Debate no King’s College sobre a crise no Brasil Ana Júlia Ribeiro, símbolo do movimento secundarista

Expansão da energia eólica no Brasil

OBSERVAÇÕES

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COLUNISTA CONVIDADO

Jan Rocha sobre as eleições municipais

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COLUNISTA CONVIDADO

REPORTAGEM

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REPORTAGEM

A vitória eleitoral de uma mulher transgênero

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DICAS CULTURAIS

Cinema e música, do Brasil para Londres

Julita Lemgruber sobre a violência nos presídios

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Heloisa Righetto sobre feminismo

ENTREVISTA

Bate-papo com Zeca Pagodinho

COLUNISTAS

Franko Figueiredo sobre teatro e vida

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BR TRIP

Uma viagem a Foz do Iguaçu

Arte da Capa Rafael Murayama Utilizando a cultura brasileira como referência temática para a produção de seus trabalhos, Rafael Murayama aborda principalmente as relações entre classes sociais e personagens culturais marcantes associados ao imaginário do subconsciente do autor, transformando as obras de descrições cotidianas em fantasias oníricas de caráter provocativo. Para desenvolver seu trabalho, as referências de história da arte surgem num segundo momento. Nomes como Francis Bacon, Baskiat, Pablo Picasso, Jackson Pollock e Rene Magri são suas referências imagéticas. Arquivo pessoal

Para assinar contato@brasiloberver.co.uk Para sugerir pauta e colaborar editor@brasilobserver.co.uk Online 074 92 65 31 32 brasilobserver.co.uk issuu.com/brasilobserver facebook.com/brasilobserver twitter.com/brasilobserver O Brasil Observer, publicação mensal da ANAGU UK MARKETING E JORNAIS UN LIMITED (company number 08621487), não se responsabiliza pelos conceitos emitidos nos artigos assinados. As pessoas que não constarem do expediente não tem autorização para falar em nome desta publicação. Os conteúdos publicados neste jornal podem ser reproduzidos desde que creditados ao autor e ao Brasil Observer.

APOIO:

A capa desta edição foi feita por Rafael Murayama para a Mostra BO, projeto desenvolvido pelo Brasil Observer em parceria com a Pigment e com apoio institucional da Embaixada do Brasil em Londres. Cada uma das 11 edições deste jornal em 2016 contará com uma arte em sua capa produzida por artistas brasileiros selecionados através de uma chamada pública. Em dezembro, os trabalhos serão expostos na Sala Brasil.

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OBSERVAÇÕES ‘A Constituição não entregou o que esperávamos’, afirma pesquisador A Constituição de 1988 não entregou o que a sociedade brasileira esperava dela. Essa é a opinião de Oscar Vilhena Vieira, diretor da escola de direito da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo. O pesquisador participou, outubro passado, de um debate organizado pela School of Law do King’s College London, cujo tema era a crise política do Brasil. Para Oscar Vilhena, um sinal de que a Constituição não funcionou é a persistente desigualdade social do país, agravada por um sistema tributário recessivo que pune aqueles com menor poder aquisitivo. Outro sinal está no fato de o Brasil não ter conseguido controlar a violência. O Brasil ocupa a 141ª colocação no ranking da igualdade feito pelo Banco Mundial, na frente de

apenas 13 países. Em 2014, o país registrou 59.627 homicídios, o maior número já registrado em território nacional, o que coloca o país no primeiro lugar no ranking mundial desse tipo de crime. Oscar Vilhena explicou que a Constituição de 1988 nasceu como uma reação à ditadura civilmilitar (1964-1985) e à própria desigualdade social do país, sendo bastante generosa e ambiciosa no sentido de tentar mudar a realidade da sociedade brasileira. Para Vilhena, é uma Constituição inclusiva e assimétrica, com interesses de diferentes setores da nação. O diretor falou ainda sobre a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, a chamada PEC do Teto, aprovada pela Câmara dos Deputados e agora em análise pelo Senado Federal, que

propõe congelar os gastos do governo por até 20 anos. Para ele, a proposta representa uma grande mudança na Constituição e só não será aprovada se a sociedade reagir. A PEC 241 tem gerado intensos debates no Brasil. Os defensores a consideram uma saída para a contenção do rombo nas contas públicas e a superação da crise econômica. Já os críticos argumentam que a proposta vai afetar investimentos em saúde e educação previstos na Constituição. Oscar Vilhena comentou ainda que não considera o impeachment da presidente Dilma Rousseff um golpe, e que o atual presidente Michel Temer representa o poder corporativo, com poucas chances de encaminhar mudanças que promovam maior justiça social.

MENTE EM CUPAÇÃO Alessandro Dantas

Um discurso de pouco mais de dez minutos na Assembleia Legislativa do Paraná transformou a estudante Ana Júlia Ribeiro, de 16 anos, em símbolo do movimento secundarista no Brasil. A jovem assumiu a tribuna no dia 26 de outubro para defender a ocupação do Colégio Estadual Senador Alencar Guimarães, em Curitiba, um dos mais de 800 colégios ocupados por alunos no Estado, segundo os manifestantes. O vídeo do discurso viralizou nas redes sociais e tem gerado debates acalorados. Dias depois, a estudante fez um pronunciamento na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado (foto). “Não entendi o tamanho da repercussão já que se trata de algo tão básico, ou que pelo menos deveria ser”, disse. Alunos do ensino médio começaram a ocupar escolas públicas no final do ano passado principalmente em São Paulo, quando o governo do Estado tentou encaminhar mudanças no sistema público sem ouvir alunos e professores. Agora, as ocupações ocorrem principalmente no Paraná em decorrência da Medida Provisória que prevê alterações no currículo do Ensino Médio e da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, que delimita um teto para os gastos públicos, inclusive na educação – o texto já foi aprovado pela Câmara dos Deputados e será apreciado no Senado. “Sou estudante de escola pública e percebo a precariedade do ensino público”, disse Ana Júlia no Senado. “Eu e todos os estudantes aprendemos um novo significado de resistência. Aqueles que votarem contra a educação estarão com as mãos sujas por 20 anos”.


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CONVIDADO

Reflexão pós-eleições municipais O PT saiu-se muito mal e é improvável que se recupere antes de 2018; o sistema político está entrando em uma nova era, mas ninguém sabe exatamente para onde vai Por Jan Rocha g Publicado originalmente em Latin American Bureau www.lab.org.uk

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Baixada a poeira das eleições municipais, o que se vê é um PT nas cordas e a direita empoderada, triunfante. Os resultados das urnas indicam o fim de um ciclo para o partido que ficou quase 14 anos no poder. O desastroso governo de Dilma Rousseff, a campanha anti-PT na mídia e as ações seletivas da Polícia Federal e de parte do judiciário nas investigações contra corrupção contribuíram para o desastre eleitoral. O PT, porém, também contribuiu para sua própria desgraça, abandonando seus padrões éticos e fazendo alianças com os mesmos políticos corruptos que antes criticava. O partido perdeu sua identidade e se transformou para os eleitores em mais uma agremiação corrupta em busca de poder. Das 26 capitais brasileiras, o PT ganhou em apenas uma – Rio Branco, no Acre. O partido, que em 2012 havia conquistado 638 prefeituras, conquistou 254 neste ano. No Estado de São Paulo, o número de prefeituras do PT caiu de 72 para apenas oito. Na região do ABCD paulista, antes fiel ao partido, o PT não conquistou uma prefeitura sequer. O sentimento anti-PT ajudou a fortalecer a direita, tanto os fundamentalistas religiosos, baseados nas igrejas evangélicas, quanto os setores radicais liderados pela família Bolsonaro, apoiadora da ditadura.

A direita capturou não apenas o sentimento anti-PT, mas também a ampla rejeição à política e aos políticos que surgiu durante os protestos de junho de 2013, canalizando isso exclusivamente ao PT. Tal conjuntura possibilitou ao PSDB, um partido de centro-direita, eleger um candidato desconhecido em São Paulo com o slogan “não sou político, sou gestor”. Essa rejeição ao sistema político também ficou demonstrada pelo enorme número de abstenções e votos brancos e nulos, que em algumas cidades superaram o total de votos válidos. Em São Paulo, o atual prefeito, Fernando Haddad (PT), introduziu inovações populares, como corredores de ônibus, ciclovias e redução da velocidade de automóveis nas vias da cidade, mas falhou em realizar melhorias visíveis nas regiões periféricas. Sua honestidade, porém, nunca foi questionada. Ele poderia ter vencido, mas a campanha de João Doria (PSDB) foi extremamente eficiente, transformando um empresário rico em um trabalhador. “João trabalhador” era o slogan, acompanhado por um jingle pegajoso. Além de São Paulo, o PSDB venceu em muitas outras capitais e cidades importantes. Mas a vitória de Doria foi um triunfo em particular para seu principal padrinho político, o governador Geraldo

Alckmin, que está de olho nas eleições presidenciais de 2018. Enquanto Doria não fizer nenhuma bobagem, Alckmin terá uma grande vantagem sobre seus rivais no partido, Aécio Neves e José Serra. Com a aproximação das eleições de 2018, o PSDB deve abandonar o governo de Michel Temer e tomar uma posição independente. O partido do presidente, o PMDB, manteve mais ou menos o mesmo número de prefeituras, embora a maioria em cidades pequenas. Muitos candidatos do PMDB, aliás, esconderam qualquer conexão com Temer, cujo suporte popular é menor que o de Dilma Rousseff. O presidente Michel Termer tem estado muito ocupado culpando o PT pelos problemas econômicos do país, inclusive com anúncios nos principais jornais brasileiros sob o título “Vamos tirar o Brasil do vermelho”. O fato de que ele era o vice-presidente de Dilma, de que muitos dos ministros da ex-presidenta eram do PMDB e de que muitos congressistas do partido votaram contra o pacote de austeridade da petista é convenientemente ignorado. Enquanto o PT se tornou uma marca tóxica, o partido formado por seus dissidentes, o PSOL, que sempre recusou fazer alianças com forças de direita, saiuse surpreendentemente bem nas urnas – diante das dificuldades conjunturais.


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Sumaia Villela/Agência Brasil

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No Rio de Janeiro, o candidato Marcelo Freixo, um respeitado advogado que luta pelos direitos humanos, alcançou o segundo turno, assim como o candidato Edmilson Rodrigues em Belém. Embora ambos tenham perdido no segundo turno, para muitos eleitores desencantados do PT, o PSOL oferece a única opção coerente. Já a Rede Sustentabilidade de Marina Silva, presa às suas próprias ambiguidades, saiu-se mal, com diversos membros deixando o partido. O desastre eleitoral deixou o PT preso em um longo e escuro túnel sem luz aparente em seu final. Como o partido deve reagir? Deve seguir caminhando sozinho ou deve juntar forças com outros partidos progressistas, deixando para trás a ideia de hegemonia? Muitos acham que o período de autocrítica já passou. Outros dizem que é hora de apresentar um novo projeto para o Brasil, um caminho para reformar o sistema político, que com seus 35 partidos torna quase impossível governar com qualidade. Independentemente do que o partido decidir, no momento parece muito improvável que o PT consiga se recuperar a tempo de apresentar uma candidatura forte em 2018. Não apenas o nome do PT se tornou tóxico, mas Lula, o candidato óbvio, está sendo caçado pelo judiciário. Acusado de uma dezena de crimes pela operação Lava Jato, Lula pode ser

Jan Rocha mora no Brasil e é jornalista freelancer, com matérias assinadas na BBC e no The Guardian

preso a qualquer momento pelo juiz Sérgio Moro. Seu ex-ministro Antônio Palocci foi preso pouco antes das eleições municipais. Uma das mais dedicadas defensoras de Dilma no Congresso, a senadora Gleizi Hoffman, foi indiciada. Dezenas de políticos de outros partidos, e de governos anteriores aos do PT, incluindo líderes proeminentes, também foram denunciados de corrupção pela Lava Jato, mas, até agora, sem contar Eduardo Cunha, apenas membros do PT foram presos e expostos na mídia. Diante desta realidade, poucos momentos puderam ser celebrados. O vereador mais votado em São Paulo, com mais de 300 mil votos, foi o petista veterano Eduardo Suplicy. Foi, porém, um triunfo bastante pessoal. Os eleitores parecem gostar do estilo bonachão de Suplicy, mas também respeitam sua integridade, as causas que ele apoia. Enquanto Suplicy, aos 76 anos, é o vereador mais velho, o mais novo, Fernando Holiday, de 20, surgiu das manifestações de rua, como muitos outros vereadores eleitos este ano no Brasil. Apesar de ser negro e assumidamente homossexual, Fernando Holiday se elegeu pelo DEM, um partido de direita conhecido por sua intolerância perante as minorias. Talvez seja apenas mais um sinal de mudança no Brasil.

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Como a guerra às drogas gera rebeliões nos presídios do Brasil

Rebelião em prisão de Cascavel, no Paraná, em 2014

Encarceramento em massa afeta de maneira desproporcional homens e mulheres pobres, negros e jovens

O Brasil tem um problema carcerário. Crises recentes renovaram as preocupações em relação ao encarceramento em massa, à superlotação, ilegalidade e desumanidade dos presídios brasileiros – questões geralmente ignoradas que não são novidade para ninguém. Duas rebeliões em dois presídios diferentes no dia 15 de outubro levaram ao menos 18 internos à morte. No dia seguinte, em um incidente aparentemente não relacionado, mais de 30 escaparam de uma prisão em São Paulo após um incêndio causado por uma rebelião. Esses fatos são chocantes, mas não são inéditos no Brasil. Em maio de 2006, quase 200 pessoas morreram em decorrência de motins e atos violentos relacionados dentro e fora dos presídios.

DESASTRE HUMANITÁRIO O Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo. Mais de 600 mil homens e mulheres vivem em prisões superlotadas onde seus direitos mais básicos não são respeitados. As celas das prisões brasileiras são mofadas e não têm janelas, cheiram urina e fezes; dezenas de homens competem por um espaço no chão para dormir. Em alguns presídios de São Paulo – o estado mais rico do país –, mulheres encarceradas usam migalhas de pão como absorventes porque os produtos necessários são insuficientes. Dizer que as condições das prisões brasileiras são cruéis e desumanas é dizer o mínimo – trata-se de um “desastre de direitos humanos”, como declarou a organização Human Rights Watch. Acredite ou não, o Brasil tem uma excelente legislação para proteger os internos. A Lei de Execução Penal de 1984 descreve em detalhes os direitos dos condenados no país, o que inclui educação,

pagamento por trabalho, serviço de saúde, segurança física, atividades artísticas e recreativas, visita conjugal e acesso a encontros pessoais com o diretor do presídio, se desejado. Quase todos esses direitos são inteiramente ignorados. Em 2002, a Associação pela Reforma Prisional, um braço do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), do qual eu sou cofundadora e diretora, decidiu desafiar legalmente as condições deploráveis dos presídios do Estado do Rio de Janeiro. Para ajudar a preparar o caso, trouxemos Alvin Bronstein, agora falecido, como consultor. Bronstein havia dirigido o National Prison Project da American Civil Liberties Union por mais de 20 anos e tinha larga experiência na luta pelos direitos dos prisioneiros. Quando Bronstein descobriu que a Lei de Execução Penal descrevia, em detalhes, os direitos dos prisioneiros no Brasil, ele me disse que a ação judicial seria fácil. Ele notou que, nos Estados Unidos, havia ganhado a maioria dos casos difíceis apenas se referindo à oitava emenda, que proíbe punições cruéis e incomuns. O que Bronstein não sabia é que no Brasil algumas leis pegam e outras, não. Após quase três anos de litígio, um juiz local decidiu que a lei era um programa, e que o estado deveria respeitá-la apenas quando viável financeiramente. Quando uma legislação federal é interpretada como algo que pode ou não ser implementada com base na existência de fundos, o Estado de Direito não existe.

AMEAÇA DE CORRUPÇÃO Presídios superlotados, sem guardas suficientes e sem o financiamento necessário trazem outro risco: corrupção. g

Reprodução

Por Julita Lemgruber g Publicado originalmente em The Conversation theconversation.com

A ausência do governo abre a porta para diferentes gangues tomarem o poder com o fornecimento de “serviços” que não são oferecidos pelo estado, impondo seus desejos pela força. Há evidências de que as rebeliões do dia 15 de outubro foram iniciadas pelo Primeiro Comando da Capital, uma poderosa organização criminosa de São Paulo. O grupo, conhecido como PCC, fornece muito do que falta nas prisões do estado, de produtos higiênicos básicos ao transporte de familiares que visitam parentes presos. Quando organizações como o PCC e o Comando Vermelho (nascido nas prisões do Rio de Janeiro) acabam tendo que dividir o mesmo espaço e o poder, rebeliões acontecem facilmente. Com a superlotação e a falta de oficiais de segurança, a perda de vidas é quase inevitável. Os relatos mais recentes indicam que o pacto entre esses dois grupos, que há anos trabalhavam juntos, foi quebrado, fazendo com que o aumento da violência nas prisões seja mais provável.

FRACASSO DA GUERRA ÀS DROGAS A causa dessa situação calamitosa nas prisões é a aderência do Brasil a algumas das piores políticas dos Estados Unidos: encarceramento em massa como resultado de uma viciosa guerra às drogas que afeta desproporcionalmente homens e mulheres pobres, negros e jovens. Nos últimos 15 anos, a população carcerária brasileira mais que dobrou; o número de pessoas presas por conta de crimes relacionados às drogas triplicou de 2005 a 2012. Hoje, 620 mil internos ocupam prisões construídas para abrigar 370 mil pessoas.

Legislações equivocadas aprovadas nesse período, em particular a mal analisada Lei de Drogas de 2006, tem exercido forte impacto sobre a população carcerária. Em longo prazo, essas políticas fizeram as condições dos presídios, que já eram desumanas, ainda mais degradantes. O Brasil é o líder latino-americano em encarceramento em massa por conta de crimes relacionados às drogas, mas não está sozinho. Um estudo de 2015 feito pelo Collective for the Study of Drugs and Rights descobriu que, na maioria dos países latino-americanos examinados, pelo menos um em cinco prisioneiros foi encarcerado por conta de crimes relacionados às drogas. Em muitos países, incluindo Brasil, Argentina, Uruguai, México e Colômbia, essa população cresceu de forma mais acelerada do que a população carcerária em geral. Como escreveu a pesquisadora Catalina Perez Correa em 2015: “O apoio a leis antidrogas extremamente duras deriva de preocupações muito reais na América Latina – região com a maior taxa de homicídios no mundo –, onde o mercado das drogas gera instabilidade e violência. No entanto, os dados mostram que os prisioneiros são principalmente traficantes menores, cujas prisões têm pouco ou nenhum impacto no comércio de drogas, pois eles são os mais fáceis de substituir”. Junto com as eleições presidenciais nos Estados Unidos, cidadãos de diversos estados americanos vão votar sobre a legalização da maconha para fins medicinais e recreativos. O país que levou o mundo, e o Brasil, para uma trágica guerra às drogas, que produziu muito mais violência do que o próprio uso causou ou poderia causar, está revertendo sua política. O Brasil talvez uma hora siga o mesmo caminho.

Julita Lemgruber é coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) da Universidade Candido Mendes


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ENTREVISTA Divulgação

Zeca Pagodinho:

Isso aqui é samba Cantor vem a Londres este mês e diz ao Brasil Observer que quer matar a saudade que os brasileiros têm de casa

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Um dos sambistas mais populares do Brasil, Zeca Pagodinho vem a Londres neste mês de novembro para uma apresentação única na casa de shows Eventim Apollo em Hammersmith, dia 29, uma terça-feira. Será mais uma oportunidade para os brasileiros na capital britânica matarem um pouco a saudade de casa, com músicas que marcaram a carreira do cantor nascido e criado no Irajá, subúrbio do Rio de Janeiro. Em entrevista ao Brasil Observer concedida por e-mail, Zeca falou um pouco do seu mais recente trabalho e o que espera do show em Londres. Zeca, fale um pouco sobre seu novo disco, ‘Quintal do Pagodinho 3’. Qual foi a intenção e o que você acha que o disco traz de mais rico para o público?

ZECA PAGODINHO Quando 29 de novembro, 7.30pm Onde Eventim Apollo (45 Queen Caroline Street, London, W6 9QH) Entrada a partir de £25,75 Info www.eventim.co.uk

Esta terceira edição reforça a ideia do projeto que é apresentar os compositores responsáveis por vários dos meus sucessos, mas que não tem a imagem conhecida pelo grande público, e convidar para esse encontro artistas de vários segmentos em torno do samba. A maior riqueza do disco é a música apresentada com alegria e, principalmente, com qualidade. O que você está preparando para o show em Londres? Vou cantar meus sucessos, tem sempre muito brasileiro na plateia desses shows internacionais.

Pretendo, através do samba, matar um pouco da saudade que eles têm do Brasil. Qual é o prazer de fazer um show no exterior? Como você explicaria sua música a um inglês desavisado? Exatamente essa que falei: poder alegrar os corações dos brasileiros que estão aí fora e dos estrangeiros também. Como eu explicaria? Diria: isso aqui é samba, um dos ritmos mais populares da nossa terra. Pensando em quem está começando a aprender sobre samba, o que você sugere escutar? Ah, tem muita coisa boa pra escutar, começando pelos antigos, Cartola, Nelson Cavaquinho, Noel Rosa, passando para os mais atuais, como meu compadre Arlindo Cruz, Jorge Aragão, Fundo de Quintal e por aí vai... Falando da nova geração do samba, quem tem te agradado? Tem uma galera boa fazendo samba, meus sobrinhos Juninho Tybal e Renato Milagres são alguns desses nomes. Tem também o Gabrielzinho do Irajá e muitos outros. Se você fosse fazer um verso de partido alto para o brasileiro que mora em Londres, como seria? Isso só na hora dá pra saber.


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REPORTAGEM Aluísio Moreira/SEI

O fato, aliás, foi bastante comemorado por especialistas e por representantes do setor. A Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), que reúne as empresas que integram a cadeia produtiva de energia eólica no país, considera “emblemática” a marca de 10 mil megawatts de capacidade instalada atingida pelo Brasil. “Para ter uma ideia, a usina de Belo Monte tem capacidade de pouco mais de 11 mil megawatts. No ano passado, a energia eólica abasteceu mensalmente uma população equivalente a todo o sul do país”, compara, em nota, a associação. A entidade de classe salienta ainda o índice de nacionalização da cadeia produtiva do setor e os investimentos da ordem de R$ 48 bilhões realizados nos últimos seis anos. “É importante mencionar que o uso de energia eólica tem crescido consistentemente porque nos últimos anos desenvolveu-se no país uma cadeia de energia eólica 80% nacionalizada, que levou a energia eólica a ser a segunda fonte mais competitiva do país”, sublinha, em entrevista ao Brasil Observer, a presidenta executiva da Abeeólica, Elbia Gannoum. Os investimentos apenas nos últimos seis anos representam, por sinal, 80% dos R$ 60 bilhões investidos desde 1998, o que mostra como é recente o caminho adotado pelo Brasil de ampliar o aproveitamento dessa fonte renovável (e sustentável) que é a energia eólica. Só no ano passado, foram inauguradas 100 dos 407 parques eólicos de que o Brasil dispõe hoje, conforme dados do Ministério das Minas e Energia. “Em 2015, a energia eólica foi a fonte que mais cresceu na matriz elétrica brasileira, responsável pela participação de 39,3% na expansão, seguida pela energia hidrelétrica (35,1%) e energia termelétrica (25,6%)”, acrescenta a Abeeólica.

HORIZONTE Investimentos dos últimos dez anos colocaram o país entre os principais do mundo em geração de energia eólica Por Wagner de Alcântara Aragão

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Turbulência ou maremoto, qualquer um desses fenômenos naturais pode servir de analogia para ilustrar a conjuntura política e econômica do Brasil hoje. Outro fenômeno, porém, está marcando o momento atual, literalmente: os bons ventos que sopram sobre os mais de oito milhões e meio de quilômetros quadrados do território nacional. O país tem, cada vez mais, sabido aproveitar esse potencial. Esses ventos movem os aerogeradores dos parques eólicos instalados no Brasil. De dez anos para cá (mais intensamente desde 2010), o país passou a investir fortemente na geração e produção de energia a partir da força dos ventos. A capacidade instalada de energia eólica pulou de 27 megawatts em 2005 para 10,6 mil megawatts em 2016. Ou seja, a capacidade instalada ampliou-se 400 vezes no último decênio.

De acordo com o mais recente relatório anual da Global World Energy Council (GWEC), o Brasil foi em 2015 o quarto país em crescimento de energia eólica em todo o planeta, atrás apenas de China, Estados Unidos e Alemanha. O relatório frisa que o Brasil “tem alguns dos melhores ventos do mundo, três vezes superior à necessidade de eletricidade do país”. A entidade internacional aposta na manutenção da expansão do parque eólico brasileiro. “O sólido crescimento deverá continuar; o Brasil segue como o mercado mais promissor da América Latina”, assinala o relatório. Em capacidade instalada, o Brasil aparecia no ranking da GWEC como o 10º colocado, com 8,7 mil megawatts, ou 2% da capacidade instalada de todo o mundo, pouco abai-

xo da Itália (nono colocado, com 8,9 mil megawatts) e da França (10,3 mil megawatts).

MARCA ULTRAPASSADA Se o ritmo dos investimentos não for drasticamente afetado pela grave crise política e econômica enfrentada pelo país desde o início de 2015, a tendência é a de que o Brasil suba no ranking mundial de capacidade instalada de energia eólica. Até porque, em agosto último, a capacidade instalada do parque eólico brasileiro ultrapassou os 10 mil megawatts (até o fechamento desta edição, estava em 10,6 mil, segundo dados oficiais). Ou seja, do final de 2015 para o segundo semestre de 2016, o crescimento dessa capacidade foi de 21%.

Projeções anunciadas em janeiro pela Abeeólica – ainda durante o governo de Dilma Rousseff – indicavam uma perspectiva de o Brasil alcançar nos próximos anos 24 mil megawatts de capacidade instalada de energia a partir dos ventos. Até o final deste ano, a estimativa é chegar aos 11 mil megawatts. A perspectiva de um horizonte promissor segue mantida, conforme denotam as palavras da presidenta de Elbia Gannoum (ver entrevista à parte), em que pese a crise política e econômica que tem praticamente paralisado o país desde o início de 2015. Entre parques em construção e aqueles com construção já contratada, são, atualmente, 333 unidades em andamento. A maior parte delas (159) na Bahia. Com exceção do Rio Grande do Sul (17 parques), todos os outros Estados com unidades em construção ou contratadas também são da Região Nordeste: Rio Grande do Norte (59), Piauí (37), Ceará (41), Pernambuco (dez), Maranhão (oito) e Paraíba (três).


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EVOLUÇÃO HISTÓRICA

FONTE: Abeeólica

Crescimento da capacidade instalada de energia eólica no Brasil (em megawatts):

10.000,6*

8.736,6

5.982,9

3.476,6 2.524,5 1.429,9

27,1

2005

235,4

245,6

323,4

2006

2007

2008

600,8

2009

931,2

2010

2011

2012

2013

2014

EXPANSÃO À VISTA

2015

2016

*Até outubro

FONTE: Abeeólica

‘QUESTÕES POLÍTICAS NÃO VÃO ATRAPALHAR O SETOR’

Para os próximos quatro anos, estimativa é de aumento de quase 80% na capacidade instalada (em megawatts):

11.049,6

13.477,3

16.789,8

17.827,1

18.147,5

2016

2017

2018

2019

2020

ONDE ESTÃO OS PARQUES A distribuição das unidades já instaladas, por unidade da federação:

FONTE: Abeeólica

Se: 1 Pe: 27 PB: 13 RN: 116 CE: 65

RJ: 1 BA: 73 Pi: 30 PR: 1 SC: 14 RS: 66

Em entrevista ao Brasil Observer, a presidenta executiva da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), Elbia Gannoum, assegura que projeções do setor estão mantidas. BRASIL OBSERVER | Na avaliação da Abeeólica, em que intensidade se deu a expansão do parque eólico brasileiro da década passada para cá? ELBIA GANNOUM | O setor elétrico brasileiro passou por grandes mudanças após o racionamento de 2001, implementando um novo modelo entre 2003 e 2004. Uma das principais mudanças foi a criação dos leilões de geração de energia. Principalmente a partir de 2005, os leilões começaram a contratar novos projetos de geração. Nessa época já estava em andamento o Programa de Incentivo de Fontes Alternativas, o Proinfa, que contratou cerca de 1,3 GW [ou 1,3 mil megawatts] em parques eólicos porque os projetos ainda não eram competitivos para participar dos leilões. O Proinfa foi muito importante porque proporcionou a primeira entrada de grandes projetos eólicos no Brasil, que posteriormente foram contemplados com leilões de energia, a partir de 2009. A energia eólica começou no Brasil em um momento adequado, em que foi possível comercializar a energia com preços competitivos. BRASIL OBSERVER | A que fatores se deve tal expansão?

ELBIA GANNOUM | A energia eólica tem se desenvolvido com grande intensidade e conta com algumas desonerações tributárias que outras fontes de geração também possuem. As principais desonerações são a isenção de PIS/Pasep e da Cofins, por meio do Regime de Incentivo a Projetos de Infraestrutura, o Reidi, e ICMS. Isso significa que houve um incentivo para a criação da cadeia produtiva, que foi uma política industrial de muito sucesso. Além de tudo isso, há um ponto crucial: o Brasil tem um dos melhores ventos do mundo, e isso é, sem dúvida, um dos grandes motivos do crescimento da energia eólica nos últimos anos. BRASIL OBSERVER | O conturbado cenário político e econômico pode representar um risco aos investimentos em energia eólica no país? ELBIA GANNOUM | Não, esse não é um risco porque há uma necessidade real de contratação devido à inevitável retomada do crescimento que virá em breve. A fonte eólica vem se desenvolvendo no Brasil com sucesso e não é fruto de um programa deste ou daquele partido. É um projeto de país e a fonte já alcançou uma solidez importante. Vários outros dados dão uma dimensão da importância que tem hoje a indústria eólica. Só no ano passado, foram gerados 41 mil empregos [pelo setor]. Para este ano, a estimativa é fechar com número parecido. Cada megawatt instalado gera 15 postos de trabalho em toda a cadeia produtiva. Não há qualquer risco por questões políticas.


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A modesta vitória eleitoral de uma mulher transgênero Indianara Siqueira recebeu 6.166 votos e foi eleita vereadora suplente no Rio de Janeiro Por Fernanda Canofre Publicado originalmente em Global Voices www.globalvoices.org

Há alguns anos o Brasil lidera o ranking mundial de assassinatos de pessoas transgêneros. De acordo com um estudo do grupo Transgender Europe, quatro vezes mais transgêneros são mortos no Brasil do que no segundo país da lista (México) e quase oito vezes mais do que no terceiro (Estados Unidos). Um estudo independente, organizado anualmente pelo Grupo Gay da Bahia, contabilizou ao menos 318 assassinatos de pessoas da comunidade LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros) no Brasil em 2015, dos quais 37% – ou 117 pessoas – eram transgêneros. A expectativa de vida de uma pessoa transgênero hoje no Brasil é de 30 anos. Comparativamente, a expectativa de vida dos brasileiros em geral atualmente é de 75 anos. O Brasil não possui nenhuma lei que proteja pessoas LGBT da discriminação. Nem orientação sexual nem identidade de gênero estão incluídas na definição de crime de ódio, tornando difícil a coleta de dados a respeito dessa questão. A vida é particularmente difícil para pessoas transgênero que trabalham como profissionais do sexo.

Diante desta problemática realidade, uma mulher transgênero de 45 anos ofereceu ao mundo uma amostra de como é a vida das pessoas trans no Brasil. Indianara Siqueira se candidatou a vereadora na cidade do Rio de Janeiro nas eleições municipais do dia 2 de outubro pelo Psol (Partido Socialismo e Liberdade). Ela recebeu 6.166 votos e foi eleita vereadora suplente. Para celebrar, além de convidar seus eleitores para a cerimônia de inauguração do mandato em janeiro, Indianara decidiu compartilhar sua história de vida no Facebook. Até agora, seu post recebeu 3.100 curtidas e 700 compartilhamentos. Indianara nasceu em Paranaguá, uma cidade de médio porte no Paraná, durante a ditadura civil-militar (19641985). Ela começou a tomar hormônios aos 12 anos. Aos 16, ela saiu da casa da avó. Antes de completar 20 anos, ela já havia sido estuprada – crime cometido por policiais na pequena pensão onde morava em São Paulo. Indianara detalhou as condições brutais que ela e outras como ela viviam: “Fui pra Santos, afinal, como diz a canção: La miseré est plus légere au soleil (A miséria é mais leve no sol). Lá, dormindo na rua, conheci as travestis putas que me

acolheram e me deram um poste onde trabalhar na esquina. De masseira e pizzaiola, me tornei puta”. “Quase todos os dias éramos levadas pelo Francês (Polícia Civil) ou pelo Abreu (PM), entre outros PMs, pra delegacia. Apanhávamos por existir. Éramos jogadas no camburão e em viaturas como lixo que não pode nem ser reciclado. Éramos colocadas no muro do coliseu de Santos e tínhamos amoníaco espirrado na cara. Aquilo queimava olho, mucosa da boca. Só que quando eles iam puxar o amoníaco, puxavam também o revólver e se você corresse eles atiravam. Você suportava o amoníaco te queimar enquanto eles riam. Às vezes faziam você achar que iam fuzilar todas. Você aprende o dia de plantão dos teus algozes, mas não pra fugir deles e sim para se preparar psicologicamente pra ser torturada por eles. Você tinha que sobreviver. Mas você saia pronta pra morrer.” Indianara se identifica como mulher transgênero e travesti. A palavra travesti, embora depreciativa em sua origem, foi regenerada pela comunidade transgênero no Brasil, e muitas mulheres trans hoje se identificam como tal. Ela viveu em Santos durante a década de 1990,


brasilobserver.co.uk | Novembro 2016 17

Tomaz Silva/Agência Brasil

Indianara Siqueira durante protesto no Rio

quando a epidemia de AIDS se espalhava pelo Brasil. Ela escreveu que, na época, “a expectativa de vida para transvestigeneres (mistura das palavras travesti e transgênero) era 25 anos”. “A AIDS chegou. Santos era conhecida como a capital da AIDS. Disseram que eu morreria de AIDS. Minha irmã cishétero casada com um PM morreu de AIDS. Várias amigas morreram de AIDS. Vários amigos morreram de AIDS. Nos chamavam de aidéticos. Nos expulsavam dos bares, restaurantes e não nos deixavam comer com medo que contaminássemos os talheres. Nos matavam socialmente aos poucos. Eles tinham prazer nisso. E não tínhamos a quem recorrer. Às vezes nos revoltávamos. A líder da revolta era assassinada. Ninguém chorava por nós. Ao contrário. Para muitas famílias é um alívio quando nos matam ou morremos.” Através de suas lutas, Indianara se tornou ativista. Em 1996, ela fazia parte do grupo LGBT que lutava pelo direito das pessoas transgêneros usarem seus nomes sociais – o que se tornou lei este ano –, assim como pelo direito de um membro de um casal do mesmo sexo adotar o sobrenome do parceiro.

Ela também lutou para que mulheres trans fossem colocadas em alas femininas de hospitais, ou que ao menos fossem separadas dos homens nas alas masculinas. Quando combateu o abuso policial contra pessoas LGBT trabalhando na rua, ela se tornou um alvo. “Então um dia fui algemada em um poste em Santos enquanto o policial fazia roleta russa na minha cabeça. Eu aterrorizada tremia tanto e chorava. Pensei nos meus irmãos pequenos que dependiam de eu sobreviver nessa porra de vida, pensei nas travestis doentes que dependiam que eu sobrevivesse. [...] Sim, o barulho do tambor do revólver girando me fazia lembrar quem dependia de mim pra viver um pouco mais, mesmo eu não sabendo se teria essa chance. Mas o barulho aterrorizante do revólver me fazia lembrar que eu estava viva ainda. Ou morta, mas ainda sem saber.” Sob ameaça, Indianara dividiu seu tempo entre Rio e São Paulo por um tempo, trabalhando com grupos de apoio para pessoas transgênero e organizando marchas LGBT. Mas, na medida em que ganhava destaque na comunidade, o abuso policial crescia. “Em São Paulo, a polícia colocava cocaína no carro das travestis e nas bolsas exigindo cinco mil reais pra não levá-las presas como traficantes. Muitas foram. Tinham a vida destruída na prisão. Livres, viravam ladras revoltadas que agrediam inclusive a nós, as amigas, como se nos culpassem por não termos passado pelo mesmo. Muitas foram presas injustamente. Algumas morreram nas prisões. Nossa tortura tem que ser contada nas audiências públicas sobre tortura sim”. Os abusos motivaram muitas brasileiras transgêneros a se organizarem melhor. Uma conferência nacional transgênero foi criada e se tornou um evento nacional importante. Indianara teve que deixar o Brasil, mas continuou a denunciar a polícia. Como ela explicou: “as vidas de transvestigeneres futuras dependiam de nós”. Um de seus projetos recentes inclui aulas preparatórias para exames em universidades desenhadas especificamente para estudantes trans. Em 1992, uma amiga de Indianara, Kátia Tapety, foi eleita vereadora na pequena cidade de Colônia do Piauí – tornando-se a primeira pessoa transgênero a ser eleita para um cargo político. Nas eleições seguintes, Kátia se tornou a vereadora mais bem votada naquela cidade. Quatro anos mais tarde, ela se tornou vice-prefeita. Vinte e quarto anos depois, a representação de pessoas trans continua baixa, mas as eleições deste ano tiveram um recorde de candidatos transgêneros. Ao menos 80 se identificaram como tal; seis foram eleitos. Para Indianara, foi uma vitória. “Passamos um recado: estamos e ficaremos em todos os espaços que nos foram negados. Essa minha suplência é uma vitória de todos os corpos de transvestigeneres que tombaram por mim. Que sobreviveram por mim. Que tombaram ao meu lado. Pelos corpos que poderão dizer: sim, podemos porque elas e eles puderam. Sou resistência. Sou resiliência”.


18 brasilobserver.co.uk | Novembro 2016

DICAS

Música Divulgação

Elza Soares A rainha da música brasileira apresenta seu novo álbum, A Mulher do Fim do Mundo. Dando início a uma nova fase musical sem esquecer sua história, Elza Soares tem sido uma presença marcante na música brasileira desde os anos 1950. Em seu mais recente disco, Elza fez uma parceria com a nata dos músicos de vanguarda de São Paulo, cantando histórias de um país que é tudo menos um paraíso tropical.

Quando: 13 de novembro Onde: Barbican Hall, Silk Street, London EC2Y 8DS Entrada: £17,50-25 Info: www.barbican.org.uk

Gabriella Di Laccio A soprano brasileira lança neste mês seu primeiro álbum, ‘Bravura’, com árias barrocas de Handel e Vivaldi. Di Laccio é acompanhada pelo conjunto Musica Antiqua Clio e o diretor Fernando Cordella. Gabriela foi a primeira cantora brasileira a ser aceita para estudar na Royal College of Music, em Londres, onde ela reside desde 2001. O CD está disponível via iTunes e Amazon desde 11 de novembro. Quando: 17 de novembro, 6.30pm Onde: Embaixada do Brasil, 14-16 Cockspur Street, SW1Y 5BL Entrada: Gratuita Info: Reservas via culturalbrazil.rsvp@gmail.com

Azymuth Os pioneiros do jazz-funk brasileiro por trás do hit ‘Jazz Carnival’ estão lançando o primeiro álbum de estúdio em quatro anos com duas apresentações na casa Hideaway. Alex Malheiros no baixo e Ivan ‘Mamão’ Conti na bateria e percussão, que faziam parte da formação original da banda criada em 1968, se juntam a Kiko Continentino, pianista, compositor e arranjador que já trabalhou com lendas brasileiras como Milton Nascimento e Gilberto Gil. Quando: 18 e 19 de novembro, 9pm Onde: Hideaway, 2 Empire Mews, London SW16 2BF Entrada: £22.50 Info: www.efglondonjazzfestival.org.uk

Miriam Aida A cantora e compositora Emilia Martensson apresenta duas excepcionais novidades. Water Boogie System traz sua improvisação e harmonia coral. E a cantora Miriam Ainda traz sua interpretação efervescente de músicas brasileiras. Quando: 19 de novembro, 4.30pm Onde: Barbican Free Stage, Silk Street, London EC2Y 8DS Entrada: Gratuita Info: www.efglondonjazzfestival.org.uk

Bamba Social

O grupo vocal Nossa Voz apresenta uma noite de música brasileira dos anos 1970 e 1980. Sinta todo o gingado de músicas de Djavan, Tim Maia, Marcos Valle, Jorge Benjor entre outros.

A paixão pelo Samba e Chorinho juntou este coletivo de músicos luso-brasileiros que revisitam os variados clássicos da musica brasileira desde os anos 1930 até aos dias de hoje, recriando-os e acrescentando novas sonoridades. Bamba Social, como o nome indica, é um conceito que revive os anos dourados da boemia carioca, em que a música, a dança e o convívio se fundiam em alegres bailes.

Quando: 26 de novembro, 8pm Onde: Sala K1.28, Strand Campus, King’s College London Entrada: £11.99 Info: www.nossavoz.org

Quando: 30 de novembro, 7pm Onde: Tia Maria, 126 South Lambeth Road, SW8 1RB Entrada: £8 (online) Info: https://goo.gl/wO2sx6

Nossa Voz: Ginga Brasileira


brasilobserver.co.uk | Novembro 2016 19

CINEMA KCL Brazilian Society: ‘Trash’ O grupo Brazilian Society do King’s College vai realizar uma sessão de cinema neste mês. ‘Trash – A Esperança Vem do Lixo’ é um filme de suspense e drama britânico e brasileiro, dirigido por Stephen Daldry e escrito por Richard Curtis, baseado em um romance homônimo de 2010 escrito por Andy Mulligan. O longa é estrelado por Rooney Mara, Wagner Moura, Martin Sheen e Selton Mello, e conta a história de Gabriel, Rafael e Gardo, três meninos que vivem rodeados pela pobreza e miséria em um lixão do Rio de Janeiro. Quando: 7 de novembro, 6.30pm Onde: Sala S.013, Strand Campus, King’s College London Entrada: Gratuita Info: www.facebook.com/BRASAKCL

Circular: Festival Brasileiro de Filmes Infanto-Juvenis de Londres O Festival Circular é um projeto colaborativo sem fins lucrativos que tem como objetivo promover a cultura brasileira para o público infanto-juvenil que vive no Reino Unido. A edição deste ano traz dois longas-metragens e uma seleção de curtas. Um deles é ‘Território do Brincar’, um passeio pela geografia de gestos infantis que habitam brincadeiras de diversas regiões brasileiras. Outro é ‘Família Dionti’, que conta a história de um pai e seus dois filhos, Kelton, 13, e Serino, 15, que vivem em um sítio no interior de Minas Gerais. Quando: 12 de novembro, 1pm às 7pm Onde: Sala B34, University of London, WC1E 7HX Entrada: £2.50 por sessão Info: www.circularfestival.org

Cineclub Brazil: ‘O Caminho das Nuvens’ ‘O Caminho das Nuvens’ é um filme brasileiro de 2003, do gênero drama, dirigido por Vicente Amorim. Foi produzido por Bruno Barreto e Ângelo Gastal; a trilha sonora é de André Abujamra. O filme é baseado em um fato real, na história de Cícero Ferreira Dias, um caminhoneiro desempregado que, junto com sua mulher e seus cinco filhos, pedalou desde Santa Rita, na Paraíba, até o Bangu, no Rio de Janeiro. O elenco conta com os atores Wagner Moura e Cláudia Abreu. Quando: 16 de novembro, 7pm Onde: Embaixada do Brasil, 14-16 Cockspur Street, SW1Y 5BL Entrada: Gratuita Info: Reservas via culturalbrazil.rsvp@gmail.com

Cineclub Brazil: ‘Um Passaporte Húngaro’ O documentário relata a busca da diretora Sandra Kogut por um passaporte húngaro e a sua luta para conquistar essa cidadania, já que seus avós são imigrantes da Hungria. Revela aspectos de uma família que, como muitas, foi dividida entre dois mundos e dois exílios: aquele dos que se foram e aquele dos que ficaram, guiando o telespectador a uma viagem às origens húngaras. Quando: 25 de novembro, 6.30pm Onde: Embaixada do Brasil, 14-16 Cockspur Street, SW1Y 5BL Entrada: Gratuita Info: Reservas via culturalbrazil.rsvp@gmail.com


20 brasilobserver.co.uk | Novembro 2016

COLUNISTAS FRANKO FIGUEIREDO

A grande tarefa

Franko Figueiredo é diretor artístico e produtor associado da Companhia de Teatro StoneCrabs g

N

“Nos homens não há fé, não há confiança, nenhuma honestidade. Todos eles são mentirosos, falsos e perjuros. Não valem nada. Onde está meu criado? Deem-me aqua vitae. Todas estas dores, estas tristezas me deixaram velha”. O trecho acima faz parte da fala da enfermeira em “Romeu e Julieta”, de William Shakespeare. Este é o momento no qual ela conta para Julieta sobre a morte de Tybalt. O drama de Shakespeare tem muito mais relevância nos dias de hoje do que se pode imaginar. “Romeu e Julieta” não é apenas a história de dois jovens amantes cujas mortes reconciliam suas famílias. É também a história de uma longa disputa entre as famílias Montague e Capulet na cidade de Verona. Agora, imagine que Montague é uma comunidade ou até um país, que Capulet é outro país e que Verona é um continente ou até um planeta. Dessa forma dá para entender a poderosa mensagem de Shakespeare. O amor deve ser a força para superar todos os tipos de violência, preconceitos e intolerâncias. Não é a toa que “Romeu e Julieta” foi a peça mais popular e mais frequentemente encenada durante a vida de Shakespeare. Infelizmente, o mundo parece consumido por animosidade. A imprensa marrom semeando o ódio e políticos de direita defendendo agendas perigosamente polarizadas promovem nada mais que ideologias odiosas. Nunca pensei que fosse ver um comportamento público tão deplorável: a linguagem abusiva, as mentiras das pessoas no poder. Aqueles que deveriam ser exemplos de respeito, justiça e sobriedade estão dando discursos insensatos e nocivos para a sociedade. Pregadores do ódio abastecidos e validados por políticos como Donald Trump nos Estados Unidos, Michel Temer no Brasil e Theresa May no Reino Unido, além de vários outros políticos ao redor do mundo, estão por toda a parte, nos programas de rádio, nos debates na televisão e nas redes sociais. A interminável busca para se posicionar acima dos demais se tornou sórdida; as pessoas fazem qualquer coisa para escalar suas torres e agarrar qualquer chance de poder. E o poder, como sabemos, corrompe. Em “Romeu e Julieta”, amor e ódio são apenas dois lados da mesma moeda – sentimentos intensos que fazem o sangue ferver. Quando o ódio entre os Montagues e os Capulets finalmente leva às suas trágicas mortes, parece que o amor pode então prevalecer – mas se são apenas dois lados da moeda, pode o amor existir sem o ódio?

Pintura a óleo feita por Ford Madox Brown em 1870 retratando famosa cena de Romeu e Julieta

Podemos escapar da rotina subconsciente na qual muitas vezes nossas vidas caem? Podemos combater as atitudes e linguagens repugnantes que infestam nossos ambientes? Devemos esperar, como os Capulets e os Montagues, que uma tragédia ocorra para encontrar uma solução? Shakespeare não diz por que existe uma disputa entre as famílias, o que deixa uma pergunta sem resposta para o público refletir, adicionando drama à peça. Isso é revelador porque se analisarmos bem o ódio que parece se espalhar ao nosso redor não tem causa, apenas um coração escuro. Um coração que é pequeno, intolerante e medroso. E é isso que políticos de direita estão explorando: o medo das pessoas. Como em “Romeu e Julieta”, ter medo é estar ansioso ou nervoso sobre sua segurança. Este medo é refletido na peça porque há muitas brigas nas quais a vida está em perigo. É luta ou luta. Toda vez que o amor emerge em “Romeu e Julieta”, é afogado por ódio e tragédia. O motivo é que entre as famílias não há diálogo, não há espaço para experiências compartilhadas. Os membros das famílias fazem o que dizem que devem fazer, até que o amor confronta a realidade. Não me venha dizer que não há espaço para todos no mundo, porque existe!

Reprodução

Podemos escapar da rotina subconsciente na qual muitas vezes nossas vidas caem?

Bastaria compartilhá-lo de forma mais generosa. Precisamos nos engajar em diálogos verdadeiros e confrontar nossa ganância. Amor, compaixão e entendimento são as únicas forças que podem nos tirar da lama da injustiça e da desigualdade. Gem Novis, fundador do empreendimento social Four Corners of the Land, coloca de maneira simples e poderosa: “É importante se engajar em diálogos para levantar preocupações, explorar novas opções, compartilhar perspectivas e experiências e se comprometer a ir além do mínimo no cuidado ao próximo. Isso funciona nas amizades e nas relações familiares, mas também nas relações entre comunidades e na sociedade. Como diz Daisaku Ikeda: ‘permanecer em silêncio diante da injustiça é o mesmo que apoiá-la’”. A aproximação das duas famílias nos momentos finais de “Romeu e Julieta” oferece esperança. E eu ainda estou esperançoso. “Romeu e Julieta” é uma história sobre o impulso humano ao ódio, assim como a necessidade de amor. Prefiro esperança ao ódio. Nossa grande tarefa não é ficar rico nem ganhar poder. Como escreveu José Saramago, “a nossa grande tarefa está em conseguirmo-nos tornar mais humanos”.


brasilobserver.co.uk | Novembro 2016 21

HELOISA RIGHETTO

Dois pesos, duas medidas Desconstruir estereótipos e desenvolver uma percepção mais apurada para identificar o machismo não acontece de uma hora para outra “Acho feio”, disse meu marido quando comentei que estava pensando em deixar crescer meus cabelos brancos. Em todos os anos que estamos juntos, ele nunca havia sido enfático em relação a qualquer outra mudança no meu visual. Quando ouvi a resposta, imediatamente me arrependi de ter feito a pergunta. Ele nunca se importou com seus próprios cabelos brancos (e sequer perguntou a minha opinião quando eles começaram a aparecer), então por que ele se importa com os meus? Dois pesos, duas medidas. Esse foi mais um momento “caiu a ficha” da minha coleção de aprendizados feministas. Eu, que cresci em uma família de classe média e tirei a opção heterossexual e cisgênero na loteria do DNA, tenho privilégios que milhões de mulheres no mundo todo sonham em ter um dia. Posso estudar, trabalhar, dirigir, votar, comprar um imóvel, casar com quem eu quiser (e me divorciar), andar sozinha na rua e assistir a um jogo de futebol no estádio. Mas, aparentemente, não posso ter cabelos brancos. Ou melhor, não posso permitir que as pessoas vejam meus cabelos brancos. Ao mesmo tempo em que este é um problema banal, é também uma amostra tangível do machismo dentro da bolha dos privilegiados que habitam o topo da pirâmide socioeconômica. Algumas das minhas primeiras memórias são de momentos machistas, como depois dos almoços de família, quando as mulheres iam para a cozinha lavar a louça e os homens continuavam à mesa, tomando cerveja. Hoje, tantos anos depois, eu frequentemente preciso responder à pergunta “mas você não gosta ou não sabe cozinhar?” quando as pessoas descobrem que é o meu marido o responsável pelas nossas refeições. Curiosamente, ninguém questiona a falta de habilidade e de vontade dele em esfregar o chão do banheiro ou trocar a roupa de cama. Dois pesos, duas medidas. Somos rápidos em apontar a misoginia em outras culturas e países – e ficamos chocados com casos de assédio e abuso

sexual –, mas continuamos a culpar a vítima. Não aceitamos a legalização do aborto, mas aceitamos que milhões de crianças não tenham o nome do pai na certidão de nascimento. Criticamos mulheres que optam por alimentar seus bebês com mamadeiras, mas nos incomoda ver mulheres amamentando em espaços públicos. Achamos um absurdo que mulheres ganhem um salário mais baixo do que de homens em funções exatamente iguais, mas não compreendemos qual é o problema de apenas homens terem sido premiados com um Nobel em pleno ano de 2016. Mulheres em cargos de liderança são duramente criticadas se não sorriem ou não são carismáticas. A sensação é de que é preciso compensar a audácia de estar no poder com simpatia e delicadeza nas expressões faciais e corporais. Não se espera o mesmo de homens em posições ou situações similares. Eles, aliás, são temidos se perdem o controle. Elas viram motivo de piada. Dois pesos, duas medidas. Desconstruir estereótipos e desenvolver uma percepção mais apurada para identificar o machismo não acontece de uma hora para outra. Nem mesmo mulheres feministas estão livres de perpetuar comportamentos sexistas. Precisamos estar dispostos a identificar essas situações em vez de ignorá-las e aceitá-las como parte da vida. Chega de aplicar dois pesos para duas medidas apenas quando é conveniente. Vai ter cabelo branco, vai ter marido na cozinha, vai ter resposta atravessada, vai ter textão no Facebook e hashtag no Twitter, vai ter feminista criando climão e querendo mudar o mundo. Uma mulher empoderada por vez. g

Heloisa Righetto é jornalista e escreve sobre feminismo (@helorighetto – facebook.com/conexãofeminista)


22 brasilobserver.co.uk | Novembro 2016

BR TRIP

onde a natureza fez sua obra-prima Conteúdo patrocinado por Itaipu Binacional

V

Você já conhece Foz do Iguaçu? Cidade brasileira localizada na fronteira com a Argentina e o Paraguai, Foz do Iguaçu recebe visitantes do mundo inteiro, atraídos principalmente por um capricho da natureza que ali criou sua obra-prima: as Cataratas do Iguaçu. A magia da biodiversidade está por todos os lados. E, para quem aprecia os grandes feitos humanos, a cidade também sedia a hidrelétrica binacional Itaipu, maior produtora de energia elétrica do mundo. Foz do Iguaçu é um destino turístico que desperta todos os sentidos e traz à tona as mais fortes emoções. Visto do alto, na chegada a Foz do Iguaçu, o verde do Parque Nacional do Iguaçu se perde no horizonte. No lado brasileiro, o parque conta com 185.262,2 hectares. Separada apenas pelo Rio Iguaçu, a área verde inclui ainda mais 67.620 hectares no lado argentino. Além de estar assentado sobre o Aquífero Guarani, uma das maiores reservas mundiais de água subterrânea, o parque é uma das últimas reservas florestais da Mata Atlântica e a maior reserva de floresta pluvial subtropical do mundo. Esta área imensa tem uma biodiversidade tão rica que foi declarada Patrimônio Natural da Humanidade, pela Unes-

co, na década de 1980. Nos dois parques, estão resguardadas mais de duas mil espécies distintas de plantas, mais de 400 espécies de aves e cerca de 80 espécies de mamíferos. Entre os invertebrados, há nada menos que 257 espécies de borboletas. A fauna inclui animais ameaçados de extinção, como a onça-pintada e o jacaré-de-papo amarelo, e outras bastante raras, como a jacutinga, o gavião-real e o papagaio de-peito-roxo. Para o visitante, os parques reservam um atrativo de tirar o fôlego: as Cataratas do Iguaçu, um conjunto de quedas d’água que se estende por 2,7 quilômetros, entre o Brasil e a Argentina. As águas despencam de uma altura que varia entre 40 e 80 metros, provocando um estrondo ouvido de longe. Esse espetáculo natural pode ser apreciado em trilhas que levam até pertinho das Cataratas; em passeio de barco, onde o ponto mais excitante é passar debaixo das quedas e tomar um “banho” inesquecível; em voo de helicóptero, com uma vista privilegiada; ou caminhar no meio da mata, a pé, de bicicleta ou de carro elétrico, sempre acompanhado de guias que fornecem explicações em português, espanhol e inglês. Pertinho do Parque Nacional do Iguaçu, está o Parque das Aves, que abriga

também répteis da fauna brasileira, como jiboias, iguanas, jacarés e a temida sucuri. Numa área de quase 2 quilômetros quadrados, o visitante entra em contato direto com mais de 1.320 aves, de 143 espécies, muitas consideradas em risco de extinção, que ali encontram condições para se reproduzir. Metade das aves foi resgatada pela fiscalização ambiental. Muitas provieram de ambientes onde não havia condições de sobrevivência. Outras são resultado de apreensões na ação contra traficantes de animais. Há, ainda, aves que eram mantidas ilegalmente em cativeiro. Muitas chegam ao Parque das Aves debilitadas, com asas cortadas, bicos e membros parcialmente amputados, cegas e sem condições de voo. Elas recebem o tratamento necessário, abrigo e cuidados especiais. Foz do Iguaçu é cortada por dois grandes rios, o Iguaçu (onde estão as Cataratas e que faz a fronteira com a Argentina) e o Rio Paraná, onde fica a usina de Itaipu, na fronteira com o Paraguai. A usina binacional, brasileira e paraguaia, é a maior do mundo em produção de energia. É, por si só, um atrativo, mas no lado brasileiro o Complexo Turístico Itaipu oferece ao visitante uma série de passeios. A Visita Panorâmica, feita em ônibus


brasilobserver.co.uk | Novembro 2016 23

Divulgação

double deck, oferece uma visão da grandiosidade da usina, que também pode ser conhecida por dentro, na Visita Especial. Os atrativos incluem ainda um passeio de barco no reservatório e a Iluminação da Barragem, nas noites de sexta-feira e sábado. Mas, quem quer mesmo ter contato com a natureza, não pode deixar de conhecer o Refúgio Biológico Bela Vista. Criado nos anos 1970, para receber milhares de animais “desalojados” pela formação do reservatório da usina, o Refúgio tornou-se um centro de pesquisa sobre a fauna e a flora. Ali são produzidas mudas florestais, para recompor áreas degradadas, e é desenvolvido o trabalho de reprodução de animais silvestres em cativeiro. O visitante percorre trilhas em meio à mata, para ver de perto, em viveiros que imitam habitats naturais, animais como a onça-pintada e o macaco prego. Para receber os turistas, que vêm de todas as partes do mundo, Foz do Iguaçu conta com uma rede hoteleira que oferece quase 30 mil leitos. Há desde hotéis de luxo, incluindo o Belmond Hotel das Cataratas, o único dentro do Parque Nacional do Iguaçu, até hostels e pousadas a preços bem convenientes. Foz do Iguaçu é considerado um dos destinos brasileiros com a melhor relação custo-benefício, segundo o TripAdvisor.


24 brasilobserver.co.uk | Novembro 2016

MOSTRA 2016 B R A Z I L I A N D ES I G N E R S T R A N S L AT I N G N E WS I N TO P OW E R F U L I M AG ES

16

30

DECE


brasilobserver.co.uk | Novembro 2016 25

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