Brasil Observer #40 - BR

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LONDRES

www.brasilobserver.co.uk

ISSN 2055-4826

JULHO/2016

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Conteúdo

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JULHO/2016

LONDON EDITION

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O que o Brexit significa para o Brasil?

Teatro de ocupação: conheça a peça ‘Mephisto Injustiçado’

OBSERVAÇÕES

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COLUNISTAS CONVIDADOS

Cathy McIlwaine explora a visibilidade dos Brasileiros em Londres Paulo Wolf e Giuliano Oliveira discorrem sobre o Brexit

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CONECTANDO

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DICAS CULTURAIS

Arte, cinema, música... tudo com toque brasileiro

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A missão de Cecilia Brunson de promover a arte brasileira

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A luta dos estudantes secundaristas brasileiros

Beth Kress te leva passear em Richmond

REPORTAGEM

Ana Toledo Diretora de Operações ana@brasilobserver.co.uk Guilherme Reis Diretor Editorial guilherme@brasilobserver.co.uk Roberta Schwambach Diretora Financeira roberta@brasilobserver.co.uk

COLUNISTAS

Franko Figueiredo sobre os problemas do financiamento coletivo Heloisa Righetto sobre a escolha entre feminismo e sexismo

ENTREVISTA

É uma publicação mensal da ANAGU UK UN LIMITED fundada por:

Editor em Inglês Shaun Cumming shaun@investwrite.co.uk Design e Diagramação Jean Peixe ultrapeixe@gmail.com

LONDON BY

Colaboradores Aquiles Reis Franko Figueiredo Gabriela Lobianco Heloisa Righetto Rosa Bittencourt Wagner de Alcântara Aragão

Arte da Capa Ananda Nahu www.anahu.com

Artista baiana radicada no Rio de Janeiro e formada pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia, Ananda Nahu mistura estilos, cores, aspectos visuais e técnicas de pintura. Ela também cria murais complexos e coloridos enriquecidos com a figura de poderosas mulheres como peça central. Nos meses de junho e julho deste ano, Ananda esteve no Reino Unido para participar dos festivais Vamos! e Horniman Brazilian Summer, além da segunda edição do LATA Street Culture Festival.

IMPRESSÃO St Clements press (1988 ) Ltd, Stratford, London mohammed.faqir@stclementspress.com 10.000 cópias Distribuição Emblem Group Ltd. Para anunciar comercial@brasilobserver.co.uk 020 3015 5043 Para assinar contato@brasiloberver.co.uk Para sugerir pauta e colaborar editor@brasilobserver.co.uk Online 074 92 65 31 32 brasilobserver.co.uk issuu.com/brasilobserver facebook.com/brasilobserver

David Hemming

twitter.com/brasilobserver

APOIO:

A capa desta edição foi feita por Ananda Nahu para a Mostra BO, projeto desenvolvido pelo Brasil Observer em parceria com a Pigment e com apoio institucional da Embaixada do Brasil em Londres. Cada uma das 11 edições deste jornal em 2016 contará com uma arte em sua capa produzida por artistas brasileiros selecionados através de uma chamada pública. Em dezembro, os trabalhos serão expostos na Sala Brasil.

O Brasil Observer, publicação mensal da ANAGU UK MARKETING E JORNAIS UN LIMITED (company number 08621487), não se responsabiliza pelos conceitos emitidos nos artigos assinados. As pessoas que não constarem do expediente não tem autorização para falar em nome desta publicação. Os conteúdos publicados neste jornal podem ser reproduzidos desde que creditados ao autor e ao Brasil Observer.


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Economize tempo, dinheiro e estresse:

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OBSERVAÇÕES

O que o Brexit significa para o Brasil?

Em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, o doutor pela Universidade de Oxford e professor de relações internacionais na FGV, Matias Spektor, argumentou que a saída do Reino Unido da União Europeia, apesar de ter deixado a sociedade britânica e o projeto europeu menores, mais abre oportunidades do que cria problemas para o Brasil. Escreve o articulista: “O declínio econômico britânico, que será inevitável a curto prazo, não vai contagiar a economia brasileira: exportamos para eles 1,52% do que vendemos mundo afora e compramos deles apenas 1,63% das nossas importações totais. Uma base tão pequena blinda o Brasil, ao passo que abre uma enorme oportunidade, agora que as autoridades britânicas terão de buscar novos acordos comerciais para mitigar sua perda de riqueza e o possível fim do acesso privilegiado ao mercado comum europeu e aos 53 mercados não europeus com os quais a UE tem acordos de livre-comércio”. “As perspectivas de comércio novo entre o Brasil e o Reino Unido existem em boa medida pela atitude relativamente aberta de Londres para tratar de questões agrícolas. Bastaria o governo argentino de Maurício Macri implementar seu projeto para reduzir o peso das ilhas Malvinas sobre sua relação com os britânicos para viabilizar uma eventual negociação comercial entre o Reino Unido e o Mercosul. Além de

factível, algo assim enfrentaria menos interesses obstrucionistas que a famigerada negociação ora em curso entre o Mercosul e toda a União Europeia”. Matias Spektor pondera que “uma crise na praça financeira de Londres seria péssima para o Brasil, pois capitais britânicos respondem por 7,3% do estoque total dos investimentos estrangeiros que chegam por aqui.” Mas, segundo ele, “o Brexit tende a forçar um aumento da liquidez no sistema financeiro internacional, e nada sugere que venhamos a enfrentar uma fuga desses recursos”. Para o Brasil, as implicações geopolíticas estariam longe de ser negativas. “Os Estados Unidos ficam sem seu principal ponto de apoio na Europa e seu aliado mais fiel em negociações multilaterais e organismos internacionais. Isso dificulta, nem que seja na margem, a capacidade de Washington de impor suas decisões mundo afora. Além disso, ganham força a Rússia e, a longo prazo e se jogar bem, a Alemanha (embora o governo em Berlim sinta estar perdendo a curto prazo)”. Matias Spektor termina dizendo que “para quem acredita que a geometria mais benéfica ao Brasil é a multipolaridade — e assim pensa a maioria dos analistas e diplomatas brasileiros —, o Brexit acabou de abrir um futuro potencialmente promissor”.

Fernanda Franco

Arte na Embaixada

Derlon Almeida é um artista brasileiro que mistura xilogravura popular e a street art. Em junho, ele esteve no Reino Unido para participar de dois festivais e foi convidado a deixar sua assinatura em uma sala da Embaixada do Brasil em Londres. O Adido Cultural Hayle Melim Gadelha afirmou ao Brasil Observer que “a Embaixada tem o feliz desafio de promover a riqueza e a diversidade da cultura brasileira nesta cidade insaciável por arte e conhecimento. O trabalho do Derlon que agora enfeita o cinema da Embaixada une as melhores tradições populares do nordeste com o arrojo da arte urbana contemporânea, oferecendo ao público local um belíssimo exemplo de nossa densidade cultural”.


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CONVIDADOS

Explorando a visibilidade dos brasileiros em Londres Na esteira do referendo que determinou a saĂ­da do Reino Unido da UniĂŁo Europeia, este debate se torna ainda mais relevante Por Cathy McIlwaine g

London Eye iluminada nas cores do Brasil


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Alionka Saraiva/Embassy of Brazil in London

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Cidades multiculturais como Londres funcionam graças à contribuição de suas comunidades imigrantes. E os brasileiros, especialmente desde os anos 2000, têm emergido como um elemento substancial da população latino-americana na capital inglesa. Na esteira do referendo que determinou a saída do Reino Unido da União Europeia e dos casos de racismo e xenofobia associados ao processo eleitoral, o debate sobre a visibilidade e invisibilidade dos imigrantes se torna ainda mais relevante. Pesquisa recente conduzida pela Escola de Geografia da Queen Mary University of London (em parceria com a Trust for London e o Latin American Women’s Rights Service) destaca a importância dos latino -americanos em Londres com base em dois estudos – “No Longer Invisible”, publicado em 2011, e “Towards Visibility”, de 2016 – que fornecem a primeira estimativa populacional e um perfil compreensivo desta comunidade. Embora o principal objetivo do trabalho tenha sido promover um maior entendimento sobre a população latino-americana em Londres e no Reino Unido, chegou-se à conclusão de que a invisibilidade não é sempre um processo tão claro de marginalização. Por um lado, imigrantes como os brasileiros demandam ser reconhecidos, mas por outro permanecer invisível pode ser do interesse desses cidadãos, especialmente se estão em situação irregular ou são vítimas de discriminação. Visibilidade, portanto, não reflete apenas uma condição particular; é o resultado de um processo ambíguo e dinâmico pelo qual a invisibilidade pode ser reforçada de cima para baixo ou de baixo para cima em caminhos complexos e entrelaçados. Relações de poder sustentam a invisibilidade porque são criadas e mantidas por aqueles que controlam os recursos em uma determinada sociedade. Isso significa que a visibilidade pode ser negada por aqueles com poder (como o Estado) por uma série de razões onde, por exemplo, certas populações podem ser vistas como ameaças ao status quo ou à harmonia racial. Além disso, limitar a visibilidade pode ser uma forma de reduzir as demandas por serviços. Assegurar a visibilidade pode ser um ato político de resistência. Parte de uma das populações imigrantes com crescimento mais rápido, os brasileiros estão demandando visibilidade de diferentes maneiras, embora seja importante lembrar que a invisibilidade às vezes é imposta pelo Estado e às vezes é escolhida pelos próprios indivíduos. Dados do censo mais recente, de 2011, mostram que existem 31.357 brasileiros em Londres (38% da comunidade latino-americana), com concentrações em Brent (11,5%), Lambeth (8,4%) e Southwark (6,5%). A maioria dos brasileiros reside em Londres, sendo que 51.764 vivem na Grã -Bretanha como um todo. De acordo com a amostra (que inclui 5.250 casos na Inglaterra e no País de Gales e 3.287 em Londres), mais da metade (52%) chegou à cidade entre 2006 e 2011, e 84% depois de 2000. Ainda há, porém, muitos brasileiros invisíveis em Londres, principalmente porque o censo não conta os imigrantes irregulares (embora oficialmente se conte, na realidade, é improvável que imigrantes irregulares

preencham formulários do tipo). Embora seja difícil de medir o número de Brasileiros que não têm o direito legal de viver em Londres, o estudo “No Longer Invisible”, a partir de uma amostra de 233 pessoas, descobriu que 38% estavam em situação irregular, sendo que os homens são mais propensos dos que as mulheres a estar nessa condição. No entanto, há outras maneiras de ser um brasileiro invisível. De acordo com o censo, um terço dos brasileiros (32%) possui passaporte de algum país da União Europeia, principalmente da Itália (outros 14% têm passaporte britânico e o resto principalmente brasileiro). De fato, a imigração via Itália é um caminho relevante para a entrada de brasileiros no Reino Unido. Ou seja, muitos brasileiros se tornam estatisticamente invisíveis porque são tratados como cidadãos europeus. Jacinto (em seus 40), por exemplo, observou: “meu passaporte brasileiro não existe pra mim aqui em Londres, só quando eu volto para o Brasil, não há um único carimbo nele, pois se eu uso meu passaporte brasileiro aqui eles acham que sou ilegal”. A ambiguidade da visibilidade dos brasileiros pode também ser observada na maneira como eles mudam a paisagem urbana em muitas regiões de Londres através do surgimento de lojas, restaurantes, cafés e casas de câmbio em regiões como Brent e Stockwell (e anteriormente em Bayswater, que chegou a ser conhecida como Brazilwater). No entanto, muitos imigrantes ilegais escolhem ser invisíveis em relação a seus movimentos pela cidade para não chamar atenção, especialmente das autoridades imigratórias. Esses imigrantes falam da necessidade de permanecer perto de casa, limitar o uso de transporte público e evitar lugares onde as autoridades são vistas com frequência. Aliás, lugares onde brasileiros e latino-americanos costumam se encontrar se tornaram lugares de ambivalência: as pessoas aproveitam para comprar produtos e usar serviços que os lembrem de casa, mas temem que a fofoca se espalhe, assim como a discriminação contra eles por outros grupos. Atitudes similares são notadas em relação ao uso de associações criadas para dar suporte a esses imigrantes. O estudo “No Longer Invisible” concluiu que o uso dessas organizações é baixo, como observou Orlandina: “sim, porque como no Brasil, nós não acreditamos nas instituições, e de qualquer forma não há muitas organizações”. A questão da discriminação é especialmente pertinente após o referendo que determinou a saída do Reino Unido da União Europeia. De acordo com a pesquisa do projeto “No Longer Invisible”, 68% dos brasileiros já sofreram alguma forma de discriminação em Londres, principalmente no trabalho. Isso está associado ao fato de que os brasileiros geralmente se empregam como “trabalhadores invisíveis” em setores como limpeza e serviço de catering, trabalhando invariavelmente bem cedo e tarde da noite, com horários fragmentados e contratos de curto prazo. Segundo o estudo citado acima, 95% dos brasileiros trabalham, sendo que 57% em serviços elementares, com maior prevalência entre os homens (60% em comparação a 43% das mulheres). Considerando o censo, que inclui os imigrantes mais estabelecidos, a taxa de emprego

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permanece alta, em 71% (contra 61% da média de Londres), com um quarto fazendo serviços elementares e 11% em ocupações ligadas ao cuidado de pessoas. As razões que fazem os brasileiros se concentrarem nesses setores estão ligadas ao fato de que suas qualificações são normalmente invisíveis para os empregadores que não reconhecem as habilidades obtidas em outros países. Embora o censo mostre que quase 60% dos brasileiros em Londres tenham alguma formação universitária, um em cada cinco tem dificuldade de falar inglês. Isso significa que a única ocupação possível são nos setores mal remunerados do mercado de trabalho, geralmente exploradores e invisíveis, o que é ainda mais provável entre aqueles em situação irregular. Milena, na faixa etária dos 30 anos, afirmou: “Eu nunca tinha trabalhado com limpeza, e tem muita gente com diploma fazendo isso, as pessoas saem do Brasil sem a menor ideia disso, elas têm qualificação e vem para cá para limpar banheiros”. Visibilidade também está ligada com a noção de identidade. Muitos brasileiros não se enxergam como latino-americanos. De acordo com o estudo “No Longer Invisible”, apenas 44% dos brasileiros se identificam como latino-americanos, em comparação a mais de 70% entre todas as nacionalidades falantes de espanhol. Alguns brasileiros afirmaram que entendem o termo “latino-americano” como depreciativo, como explicitado por Sandra: “é por causa do status da região, quando você fala de latino-americanos a primeira coisa que me vem à cabeça é a Colômbia, eu penso sobre suas roupas, seus chapéus”. Isso é especialmente predominante entre as mulheres brasileiras, que são mais propensas a rejeitar a identidade latino-americana (apenas 19% se identificam como tal), em parte porque elas são mais suscetíveis a estar trabalhando em ocupações profissionais do que os homens, que aceitam sua condição de marginalizado de maneira mais fácil. Essa dissociação também está ligada à tentativa de não sofrer discriminação, e dessa forma se tornar praticamente um “latino-americano invisível”. Todas essas ambiguidades relacionadas à visibilidade servem para evidenciar a natureza dinâmica da comunidade em termos das diferenças entre os próprios brasileiros e entre brasileiros e outros latino-americanos. Às vezes é útil para os brasileiros ser invisível, especialmente quando estão em situação irregular ou quando possuem passaporte europeu e querem evitar discriminação, se sentindo consequentemente mais integrado à sociedade. Mesmo assim, é importante que a população brasileira seja reconhecida pelo seu tamanho e relevância, de modo que sua contribuição garanta o apoio pelo qual ela tem direito. Embora Londres tenha sempre sido uma cidade multicultural e tolerante, é preciso ficar atento para que a necessidade de invisibilidade para evitar discriminação e o sentimento anti-imigrante não cresça. Os brasileiros fazem de Londres um lugar melhor econômico, social e culturalmente. g

Professora da Escola de Geografia da Queen Mary University


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Brexit

um revés civilizatório?

Saída do Reino Unido deverá levar à maior reforma da União Europeia desde sua fundação Por Paulo José Whitaker Wolf e Giuliano Contento de Oliveira g

Paulo José Whitaker Wolf é Doutorando em Economia no IE/Unicamp e Professor do Curso de Especialização em Relações Internacionais da Extecamp. Giuliano Contento de Oliveira é Professor do IE/Unicamp e Coordenador de Curso de Especialização em Relações Internacionais da Extecamp. Artigo publicado originalmente no blog do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais (www.brasilnomundo.org.br) na Carta Capital. g

A comunidade internacional assistiu com grande surpresa à decisão dos britânicos de deixar a União Europeia (UE) no referendo de 23 de junho, encerrando a relação iniciada em 1973 após longas e difíceis negociações. De fato, os britânicos sempre se mostraram desconfortáveis com um projeto de integração regional em que os países concordam em transferir poderes soberanos das instituições nacionais para um conjunto de instituições supranacionais, mesmo obtendo importantes concessões. Ainda que as autoridades peçam pressa, o processo de saída de um paísmembro da UE é bastante longo, como especificado pelo Art. 50 do Tratado de Lisboa, que rege o funcionamento do bloco desde 2010. Isso não deve acontecer, integralmente, antes de 2018, ao que tudo indica. A decisão das urnas produzirá efeitos negativos imediatos não apenas sobre o Reino Unido. O aumento da incerteza tende a provocar uma redução dos fluxos internacionais de comércio e de investimento. Não deixou de ser bastante sintomático o fato de, logo após o anúncio do resultado, a libra esterlina ter sofrido a sua maior desvalorização em relação ao dólar desde 1985, refletindo a inquieta-

ção dos mercados em relação ao futuro da economia europeia e britânica depois da saída. Completado o processo, a UE terá perdido um de seus mais influentes membros, a começar pelo fato de que o Reino Unido responde por mais de 14% do PIB comunitário – o terceiro maior, depois da Alemanha e da França. Com a saída do Reino Unido, a UE estará inegavelmente mais pobre, o que tende a enfraquecer não apenas o seu dinamismo interno, mas também a sua influência nas relações internacionais. A saída do Reino Unido deverá levar à maior reforma da UE desde sua fundação. É evidente que há uma insatisfação ampla em relação aos rumos do projeto de integração regional europeu, que se distanciou dos princípios fundamentais que o orientou no contexto pós-guerra, sobretudo depois da crise na zona do euro, mas com reflexos em todo o bloco. Para evitar que a saída do Reino Unido leve a movimentos semelhantes em outros países do bloco, é necessário que a UE se aproxime dos cidadãos europeus e seja mais responsiva aos seus anseios, condição que exige o fortalecimento das políticas supranacionais e sua maior articulação com as políticas nacionais orientadas para o desenvolvimento e a

redução das desigualdades entre os países-membros do bloco. Afinal, a pura e simples eliminação das fronteiras aos fluxos de comércio e investimento entre esses países não é capaz de viabilizar isso. Entretanto, o fortalecimento das políticas supranacionais pressupõe, necessariamente, o fortalecimento das instituições da UE. Isso implica o aumento da legitimidade dessas instituições e, portanto, a redução do déficit democrático, isto é, o sentimento, amplamente compartilhado entre os cidadãos europeus, de que as decisões que afetam a suas vidas são tomadas por uma burocracia que não leva em conta a sua voz. Assim, as instituições da UE devem permitir uma maior participação dos cidadãos, a despeito dos avanços realizados pelo Tratado de Lisboa. Além disso, o orçamento comunitário que financia essas instituições e cujos recursos provêm de taxas sobre a importação e sobre o valor adicionado, além de uma contribuição proporcional à economia de cada país-membro, é ainda muito reduzido, apenas 1% do PIB comunitário. Ademais, ele deve estar sempre em equilíbrio, pois não é permitido à UE captar recursos mediante a emissão de títulos. Dessa maneira, para que as ins-

tituições da UE possam fazer frente aos desafios de um espaço tão heterogêneo, o orçamento comunitário deve ser ainda maior. Por sua vez, o Reino Unido perde seu principal parceiro de comércio e de investimento e o seu auxílio por meio das políticas supranacionais, como é o caso da Política Regional ou de Coesão. Segundo estudos do Tesouro britânico, o PIB do país apresentaria um crescimento de 3% a 6% menor com a saída do bloco. Para o FMI, esse impacto seria entre 1,5% e 9,5%. A situação é ainda mais grave porque os britânicos não devem esperar concessões generosas de seus vizinhos nos moldes das obtidas pela Noruega e pela Suíça, por exemplo, ao menos não nesse momento. O Reino Unido ainda passa a enfrentar o risco concreto de uma fragmentação interna. Do ponto de vista social, o referendo mostrou uma sociedade muito heterogênea, sendo que os mais ricos, os de maior escolaridade, os mais jovens e os que moram nos centros urbanos optaram pela permanência na UE, ao passo que os mais pobres, de menor escolaridade, os mais velhos e os que moram em regiões rurais optaram pela saída. É provável que as tensões entre esses diferen-


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Reprodução

tes grupos sociais aumentem consideravelmente depois do referendo. Do ponto de vista político, vale lembrar que o Reino Unido é uma união entre quatro países. O referendo mostrou que há uma divisão clara. Enquanto 53,4% dos ingleses e 52,5% dos galeses optaram por sair do bloco, 38,0% dos escoceses e 44,2% dos norte-irlandeses optaram isso. Isso demonstra que Edimburgo e, em menor medida, Belfast, já não se sentem mais representadas por Londres, aumentando a probabilidade de que elas escolham deixar a união e seguir, também, seu próprio caminho. A Escócia demonstra a sua insatisfação com as diretrizes de Londres há tempos. Possuindo uma economia dinâmica, que, inclusive, conta com grandes reservas de petróleo no Mar do Norte, os escoceses teriam pouco a temer em deixar o Reino Unido e, em seguida, ingressar na UE. Um novo referendo sobre a questão tende, portanto, a ocorrer. A Irlanda do Norte, por seu turno, embora menos rica que a Escócia, pode optar por deixar o controle britânico, o que pode favorecer a aproximação e, depois, a reunificação à Irlanda, que já é membro da UE. As relações entre ambos os países, separados desde 1922 por di-

vergências religiosas, melhorou consideravelmente nas últimas décadas. Do ponto de vista da UE, a saída do Reino Unido abre dois possíveis caminhos: 1) ensejar a saída de países do bloco, especialmente daqueles que têm enfrentado imensas dificuldades para superar a crise iniciada em 2009; 2) tornar as relações entre os países integrantes da UE um pouco mais reforçadas, diante das históricas resistências que os britânicos assumiram para participar do processo de integração regional. Do ponto de vista do Reino Unido, por seu turno, há a possibilidade de fragmentação da histórica região, com efeitos imprevisíveis sobre cada uma delas, do ponto de vista econômico e das relações internacionais. Diante disso, pode-se afirmar que a saída do Reino Unido da UE é um verdadeiro revés civilizatório. Uma grande perda para os britânicos, para os europeus e para todos aqueles que acreditam na superação de divergências por meio da cooperação. Lições importantes devem ser retiradas desse fato histórico e convertidas em ações concretas que viabilizem a construção de uma nova Europa baseada no princípio da união entre os povos e para a qual a velha Albion possa, um dia, retornar.

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ENTREVISTA

A missão de

Curadora chilena está empenhada em difundir a arte moderna e contemporânea brasileira entre o público britânico

Cecilia C Brunson

Alfredo Volpi: At the Crossroads of Brazilian Modern Art Quando Até 29 de julho (terça a sexta, 2pm às 6pm) Onde Cecilia Brunson Projects (Royal Oak Yard, Bermondsey Street, SE1 3GD) Info www.ceciliabrunsonprojects.com

Obras de Alfredo Volpi

Divulgação

Cecilia Brunson

Por Ana Toledo

Curadora independente e especialista em arte latino-americana, Cecilia Brunson nasceu no Chile e trabalhou a maior parte da sua vida em Nova York. Há sete anos em Londres, hoje Cecilia está empenhada na missão de estreitar as conexões entre a arte moderna e contemporânea brasileira e o Reino Unido. Para cumprir seu objetivo, está colaborando com a Galeria de Arte Almeida e Dale, de São Paulo, através de uma série de exibições individuais de três artistas brasileiros no Cecilia Brunson Projects, espaço aberto em 2013. O primeiro brasileiro da série foi o artista pop Claudio Tozzi – cujos trabalhos também foram incluídos na mostra “The World Goes Pop”, da Tate Modern. Agora, o Cecilia Brunson Projects apresenta ao público londrino o artista ítalo-brasileiro Alfredo Volpi, até o dia 29 de julho. Para encerrar a série, a galeria vai receber no segundo semestre deste ano obras de Willys de Castro. Mas os projetos não param por aí. Além das mostras individuais, Cecilia Brunson trabalha para levar as obras desses artistas para outros países da Europa. “É muito importante para nós, pois há uma espécie de longevidade no trabalho que produzimos”, destacou Cecilia em entrevista ao Brasil Observer.

sil. É uma figura muito importante para ser explorada e por isso chamei o curador Michael Asbury para criar a atual exibição. É uma exibição incrível porque é para apresentá-lo no exterior.

Seu foco sempre foi a América Latina e agora você tem uma missão especial no Reino Unido. Como se dá sua relação com o Brasil? O Brasil é uma importante referência para toda América Latina. Tem uma história forte e única, de como foi construída sua estética na história da arte moderna. Eu sempre quis trabalhar com o Brasil, mas nunca tinha acontecido até surgir essa oportunidade com a Galeria de Arte Almeida e Dale.

Eu acho que o público tem ficado bem surpreso com o que estamos fazendo aqui, pois a qualidade desses trabalhos está mais para a qualidade de trabalhos expostos em museus. Encontrar esse tipo de material com peso histórico num lugar tão pequeno e escondido de Londres, ainda mais numa galeria que está funcionando há apenas dois anos e meio, surpreende. E a recepção tem sido incrivelmente boa, pois o público é consciente de que para ver este tipo de trabalho só mesmo indo para o Brasil.

Qual foi a inspiração para a exibição desses três artistas brasileiros? São dois lados. Um é a possibilidade de ter a colaboração de alguém do Brasil, uma espécie de suporte. O outro é que quando mudei para Londres percebi que existiam muitos artistas brasileiros representados em galerias britânicas, inclusive na Tate Modern. Da mesma forma, nos anos 1960, Guy Brett fez a curadoria de uma exposição na Signals Gallery dando visibilidade para Helio Oiticica, Lygia Clark, Mira Schendel e Sergio Camargo. Eles tiveram a oportunidade de expor seus trabalhos aqui. Portanto, há uma relação com Londres. No meu caso, por exemplo, a exposição do Volpi, que é um artista bem conhecido no Brasil, mas muito pouco conhecido no resto do mundo; um importante artista para o movimento modernista e, também, para o neoconcretista no Bra-

Como funciona a parceria com a Galeria de Arte Almeida e Dale? Eles têm uma coleção privada muito boa. Olho para a coleção e vejo o que eles têm, e a partir do que estou vendo, através do inventário, eu posso pensar na próxima exibição. Isso é maravilhoso, é um trabalho de curadoria dos sonhos poder selecionar incríveis peças para apresentá-las juntas, seja pela visão de curadoria ou pela proposição histórica. Para mim, na verdade, é uma ideia de colaboração, porque estamos nisso para trazer este tipo de patrimônio para o Reino Unido. E isso se encaixa com o nosso interesse na América Latina. Qual é a conexão entre os três artistas da série? O fio condutor é a visibilidade de artistas que nunca estiveram no Reino Unido. Então o público não está vendo o que está habituado, mas o que nunca viu antes. O que para mim é ótimo e um desafio torná-los interessantes. Como o público está reagindo?

Como você vê recepção da arte latinoamericana em Londres? A recepção é incrivelmente positiva. Acho que a recepção mais forte em Londres é com os artistas brasileiros, colombianos e mexicanos, que têm muita visibilidade porque esses países têm as economias mais fortes. Existem muitas galerias para representar essas figuras principais. Nessa montanha russa de quem é quem e quem vai realizar uma apresentação, sempre existe o interesse na América Latina. Acho isso uma realização, mas não podemos ver apenas os louros, mas sim como um trabalho que precisa ser continuado. Muitos curadores têm gerado impacto massivo com exposições em museus. Como galeria, nós também estamos lutando nesta batalha de representações.


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IMIGRAÇÃO Brexit para brasileiros?

O Reino Unido votou para sair da União Européia. Como esta decisão afetará os 100 mil brasileiros/europeus morando na Inglaterra? Na quinta-feira, 22 de Junho, a população do Reino Unido votou para sair da União Européia, após 43 anos de união. Esta decisão implicará em grandes mudanças para as próximas gerações. A decisão criou incertezas em relação ao futuro das leis imigratórias, principalmente para os mais de 100,000 brasileiros/europeus morando atualmente no Reino Unido. Em resumo, mesmo que a Inglaterra tenha saído da União Européia, nada mudará de forma instantânea. A LondonHelp4U acredita que é muito cedo para ter respostas definitivas sobre os efeitos deste acontecimento para os brasileiros/europeus, que atualmente representam 100,000 habitantes na Inglaterra, porém é certo de que a GrãBretanha não expulsará nenhum residente, seja ele imigrante europeu ou de outras nacionalidades, porém é preciso que europeus/brasileiros apliquem para a residência no país. Europeus pertencentes a União Européia, que desejam continuar vivendo na Inglaterra, precisam regularizar, agora, seu tipo de visto. Seja o certificado de residência, a residência permanente ou até a cidadania britânica é recomendável que o europeu já tenha em mãos o seu visto antes da Inglaterra firmar os novos acordos com o restante dos países pertencentes a UE.

Veja se você é elegível para os seguintes vistos: Certificado de residência - comprova que você tem o direito de morar no Reino Unido. Europeus podem tirar este certificado assim que mudarem para o Reino Unido.

Francine Mendonça Immigration Adviser

Residência permanente - indivíduos que tenham morado no Reino Unido por, pelo menos, 5 anos como europeu ou familiar de um europeu. Crianças nascidas no Reino Unido: após morarem por 10 anos consecutivos a criança já pode aplicar para a cidadania britânica. Indivíduos (europeus, não europeus, e/ou familiares de europeus) que já tiverem a residência permanente, ou ILR para não europeus, podem, após 12 meses, aplicar para a naturalização britânica.

Regulamentado pela Office of the Immigration Services Commissioner (OISC)

Familiares de britânicos precisam ter a residência permanente (ILR) antes de aplicar para a cidadania britânica

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12 brasilobserver.co.uk | Julho 2016

REPORTAGEM

A luta dos estudantes secundaristas

Estudantes secundaristas protestam no Rio de Janeiro

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OCUPAÇÕES PELO BRASIL Há registros de mobilizações em todas as cinco regiões brasileiras (Norte, Nordeste, Sudeste, Centro-Oeste e Sul). Confira o levantamento feito pelo Brasil Observer:

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PARÁ: Do final de maio para meados de junho, pelo menos duas escolas estaduais – uma no município de Marapanim e outra em Marabá – foram ocupadas por secundaristas, em protesto pela falta de professores, merenda, transporte e infraestrutura dos estabelecimentos de ensino. CEARÁ: No final de abril deste ano, estudantes secundaristas começaram a ocupar escolas estaduais em apoio à greve dos professores (que reivindicam reajuste salarial prometido para janeiro último) e pleiteando reformas das unidades de ensino. Até o fechamento desta edição, o movimento continuava em pelo menos 59 estabelecimentos. ESPÍRITO SANTO: Entre dezembro e fevereiro, escolas estaduais foram ocupadas contra o fechamento de turmas, turnos e mesmo de unidades de ensino, processo que vinha em andamento desde 2015. Em fevereiro último, por decisão do Tribunal de Justiça, o Governo do Estado teve de reabrir as turmas. MINAS GERAIS: Em janeiro, estudantes ocuparam a Escola Estadual Ricardo de

Souza Cruz, em Belo Horizonte, contra a militarização de parte da unidade de ensino. A Secretaria de Estado da Educação revogou a decisão. g

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GOIÁS: De dezembro a fevereiro, 28 escolas estaduais foram ocupadas contra o projeto do Governo do Estado que transfere para as chamadas Organizações Sociais a gestão das unidades de ensino – uma espécie de privatização branda. O projeto de terceirização foi adiado, porém está mantido – e novas ocupações podem voltar a ocorrer. MATO GROSSO: Desde 23 de maio, secundaristas ocupam pelo menos 20 escolas contra o projeto do Governo do Estado de implantação de Parcerias Público-Privadas na administração das unidades de ensino. Até o fechamento desta edição, as ocupações estavam em andamento. SÃO PAULO: Depois das ocupações no final de 2015, o ano letivo de 2016 começou com mobilizações dos estudantes das escolas técnicas da rede estadual de ensino (as Etecs). A má

qualidade e, em muitos casos, a falta de merenda, assim como a reivindicação de CPI na Assembleia Legislativa para investigar denúncias de corrupção na aquisição de alimentos para as escolas, motivaram a ação dos secundaristas. Em maio, o prédio da Assembleia Legislativa de São Paulo foi ocupado por estudantes. g

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PARANÁ: Uma escola estadual na cidade de Maringá foi ocupada por duas semanas, no final de maio, contra a má qualidade da merenda e reivindicando apuração das denúncias de corrupção na educação pública do Estado. Na página dos secundaristas no Facebook, os estudantes dizem que o movimento está sendo reorganizado e poderá ser retomado. RIO GRANDE DO SUL: As ocupações começaram em maio e avançaram em junho em 180 escolas estaduais. Além de exigir repasse às escolas de verbas que estavam atrasadas, os secundaristas ocuparam a Assembleia Legislativa do Estado contra projetos de lei que restringem discussões como questões de gênero, sexualidade e política nas escolas.


brasilobserver.co.uk | Julho 2016 13

De norte a sul do Brasil, alunos mobilizados defendem a escola pública, e agregam outras demandas sociais Por Wagner de Alcântara Aragão

V Tânia Rêgo/Agência Brasil

Violeta Parra e Mercedes Sosa, que eternizaram a canção “Me gustan los estudiantes” em uma homenagem e reverência ao ímpeto revolucionário da juventude, devem estar orgulhosas dos estudantes secundaristas brasileiros. Desde o final do ano passado, quando alunos da rede pública de São Paulo ocuparam diversas escolas para impedir o fechamento de parte delas, mobilizações semelhantes têm ocorrido em várias regiões do Brasil. A defesa da educação pública é a bandeira principal, mas a ela se soma a batalha por direitos dos grupos historicamente oprimidos – negros, índios, mulheres e comunidade LGBT, por exemplo. Adolescentes e jovens têm conseguido envolver seus colegas, familiares, movimentos sociais, artistas e intelectuais, entre outros simpatizantes. Nas ocupações, providenciam reparos e limpeza nas instalações de ensino, redistribuem materiais didáticos subutilizados, realizam discussões sobre as reivindicações em pauta e promovem manifestações culturais. Numa escola do Rio de Janeiro, o Colégio Estadual André Maurois, por exemplo, os secundaristas foram surpreendidos em maio último pela visita e um show gratuito de Marisa Monte e Leoni. Em São Paulo, na Escola Estadual Gavião Peixoto, os eventos culturais tiveram a participação dos cantores Pitty e Paulo Miklos, ainda no ano passado. O apego com o espaço da escola chamou a atenção de Marisa Monte. “São jovens estudantes batalhando pela educação e cuidando com amor do que é público. De forma organizada, cada um fazendo a sua parte e dando um exemplo para esse país”, escreveu a cantora em sua página no Facebook. Pitty, por sua vez, encantou-se com o protagonismo feminino nas manifestações. “Fiquei muito feliz em ver as meninas na linha de frente, lado a lado com os meninos, enfrentando a truculência do Estado. Fiquei esperançosa de ver que essa geração vem diferente”, declarou.

FENÔMENO Para o professor e mestre em Sociologia Douglas Oliveira, de Araraquara (SP), “o levante estudantil secundarista está entre os fenômenos mais interessantes

da atual cena política brasileira”, escreveu em artigo publicado no site Outras Palavras. “Além de suscitar uma causa de forte apelo social – a defesa apaixonada da escola pública – e inovar nas táticas e estratégias de luta, ele se destaca por ter um caráter organizativo marcado pela horizontalidade e ausência de lideranças individuais”. Para o professor, o movimento conseguiu se desvencilhar da polarização partidária que tem dominado a cena política brasileira. A força demonstrada pelos secundaristas começa, porém, a gerar reações pesadas dos segmentos políticos mais conservadores – reações essas que tentam trazer o movimento para a polarização partidária. As fontes governamentais dos estados onde as ocupações têm ocorrido não raro dão declarações que buscam rotular os secundaristas de marionetes de centrais sindicais, movimentos sociais e partidos políticos de esquerda. Isso sem falar da repressão policial – em São Paulo, a truculência da Polícia Militar, com a anuência das autoridades estaduais, foi espantosa. A repressão, todavia, não é apenas policial. Há episódios que evidenciam o que Douglas Oliveira chama de “terceirizações das desocupações”. Em síntese, são grupos que chegam a se infiltrar nas mobilizações com o intuito de promover ações que desmoralizem o movimento. Também com frequência as autoridades vão à imprensa apresentar imagens de pichações e depredações do patrimônio em escolas ocupadas pelos estudantes, com o objetivo de fazer colar a imagem de “baderneiros”.

AMADURECIMENTO O professor Douglas Oliveira nota algumas mudanças entre o movimento dos secundaristas de São Paulo do final de 2015 e os mais recentes, igualmente em São Paulo e em outros estados. “As mobilizações de agora aparentam ser mais maduras e representar muito mais uma ofensiva por parte dos adolescentes: não apenas negam a escola do presente, também debatem a do futuro. A preocupação não se reduz a apenas ocupar e resistir, mas fundamentalmente em fortalecer o trabalho de base e enraizar as lutas no cotidiano das escolas”, escreveu o professor.

A União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) chama a mobilização que se espalha pelo país de “Primavera Secundarista”. Na avaliação da entidade, as ocupações e outras manifestações que se intensificaram de 2015 para cá guardam semelhanças com o movimento dos estudantes chilenos de dez anos atrás. Em 2006, o Chile experimentou a maior onda de protestos desde o fim da ditadura de Augusto Pinochet, protagonizados pelos secundaristas locais. Diz a Ubes em nota: “Métodos de protesto [do Chile] – como a ocupação de escolas por parte dos próprios estudantes, organizados em comitês de limpeza, educação, segurança e alimentação, por exemplo – foram reproduzidos no Brasil, ao seu próprio modo, a partir de 2015 (...) No Brasil, o movimento reivindica características de maior horizontalidade, sem indicar porta-vozes e representantes, evitando a ligação com partidos políticos e organizações estudantis tradicionais.”

NO CONGRESSO Uma mostra de que os estudantes secundaristas se inserem cada vez mais como atores importantes no cenário político nacional ocorreu em meados de junho, quando um grupo de estudantes que participavam de ocupações de escolas no Ceará, Espírito Santo, Goiás, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo estiveram em Brasília, a convite da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, para levar seus pleitos ao Congresso. A declaração à imprensa de um desses jovens, Luiz Felipe Costa, de 19 anos, sintetiza a insatisfação dos estudantes com o modelo de escola atual – e, mais do que isso, a disposição em mudar essa realidade. “Se formos fazer uma média, vamos achar que 90% das escolas públicas são modelos de prisão grande, com dois, três portões para chegar à sala de aula. Esse ambiente não nos comporta. A escola hoje, infelizmente, não contempla os estudantes. As ocupações deixaram claro que o que a gente quer é uma escola que debata gênero, uma escola mais plural. E onde seja importante o cuidado com o ambiente escolar.”


14 brasilobserver.co.uk | Julho 2016

CONECTANDO

O espetáculo que ocupa

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‘Mephisto Injustiçado’ convida espectadores a conhecer um antigo teatro abandonado em São Paulo Por Karol Coelho – de São Paulo

Divulgação

“Venham todos! Venham!”, brada Mephisto pelo megafone para quem estiver passando na rua. O convite é para os transeuntes assistirem a uma atração inesperada em um antigo teatro abandonado. Assim começa o espetáculo ‘Mephisto Injustiçado’, do Bando Trapos, coletivo teatral formado por atores, dançarinos e músicos do Campo Limpo, bairro da zona sul da cidade de São Paulo. Fruto de uma pesquisa que durou um ano e meio, a peça foi inspirada em diversas versões do mito de Fausto e expõe a história e a experiência da formação dos artistas do Bando Trapos no bairro do Campo Limpo, sobretudo com a ocupação e gestão do Espaço CITA. O Bando Trapos se formou a partir de projetos da Trupe Artemanha de Investigação Teatral, grupo que deu início às atividades do espaço que é público, mas que ficou anos abandonado, cheio de lixo, sem vida e sem movimento. O Bando Trapo é formado pelos artistas Deco Morais, Cléia Varges, Ton Moura, Dêssa Souza, Welton Silva, Joka Andrade e Daniel Trevo. O grupo baseia suas pesquisas em torno do universo da máscara com os frequentes trabalhos de arte-educação que realizam, com a linguagem do teatro de rua, do bufão e da cultura popular, em especial as manifestações e a musicalidade afro-brasileira. Justamente para acontecer no Espaço CITA é que o espetáculo foi pensado pelos atores durante sua criação e, após uma temporada nele, outros dez espaços culturais e artísticos da cidade abriram as portas para o Bando Trapos apresentar as intenções de Mephisto. Sua verdadeira intenção é selecionar entre os espectadores anônimos um elenco formado por alguns miseráveis, que são o resultado da lógica de Deus. Os personagens que entram em cena, a partir de então, também foram inspirados no Campo Limpo, em pessoas que transitam no bairro. Quatro figuras “bufonescas” – Gero (Deco Morais), Flor (Cléia Varges), Mudo (Joka Andrade) e Mary Star (Ton Moura) – são selecionadas como protagonistas do Mephisto. “As figuras Bufônicas [no espetáculo] são figuras excluídas da sociedade, elas brincam e deixam a peça com uma crítica cômica, apesar de a peça ter sido baseada no denso mito de Fausto”, explica Joka Andrade. “Gosto de ‘Mephisto Injustiçado’ porque ele é itinerante, questionador, cheio de movimento. Gosto porque no decorrer desta montagem o Bando Trapos se formou como coletivo”, afirma Dêssa Souza, produtora do Bando Trapos. É possível enxergar o movimento do espetáculo e a força do grupo aos poucos no desenrolar da peça, em que atores e espectadores vão sendo conduzidos por Mephisto a encenar e viver momentos criados por sua obsessão em exigir que Deus se apresente pessoalmente e escute a acusação que inocentaria Mephisto de sua injusta condenação. Como Deus o ignora, Mephisto procura encontrar um modo inevitável para chamar sua atenção. “Não é fácil, mas escolhas são feitas, e a escolha foi feita. Mephisto é o projeto que mais me identifico em participar, o texto é de nossa linguagem, os bufões são gente da gente e sabemos de qual lado temos que lutar para sobreviver, e os pactos que fazemos no dia a dia para poder ter e ser o que queremos”, diz Ton Moura, que interpreta a personagem Mary Star. No caminho ilógico de um Mephisto que questiona a lógica de Deus, é possível perguntar diversas vezes o que é real, o que é teatro, o que é demoníaco e o que é divino durante toda a apresentação. É o Bando Trapos questionando a si mesmo e seus espectadores.

CONECTANDO é um projeto criado pelo Brasil Observer que busca fomentar experiências de comunicação ‘glocal’. Em parceria com universidades e movimentos sociais, nosso objetivo é fazer com que pautas locais atinjam uma audiência global. Para participar e/ou obter mais informações, escreva para contato@brasilobserver.co.uk


brasilobserver.co.uk | Julho 2016 15


16 brasilobserver.co.uk | Julho 2016

DICAS

Festival Horniman Museum celebra a arte e a cultura brasileira Sinta os ares do Brasil no sul de Londres neste verão no Horniman Museum and Gardens. O ‘Festival of Brasil’ traz uma série de eventos especialmente criados e acontece de 3 julho a 4 setembro de 2016. Colaborações, instalações, arte de rua, apresentações de dança inspiradas nas coleções do Horniman, exposições fotográficas, concertos ao ar livre... tudo a cor e o sabor da arte e da cultura brasileira contemporânea. Tim Corum, diretor do Horniman Museum, diz: “Através de colaborações com artistas brasileiros e comunidades, inspiradas em suas vidas cotidianas e em seus bairros, o ‘Festival of Brasil’ proporciona um insight sobre a natureza participativa da arte brasileira. Nosso programa tem conteúdo rico e convida os visitantes de todas as idades para participar no processo criativo, seja através da dança, da arte ou da música, fazendo parte de uma conversa digital ou simplesmente experimentando e refletindo sobre as performances e obras de arte à disposição”. Entre os destaques do festival estão: g

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Labirinto, uma noite de dança contemporânea, música e instalações surpreendentes com curadoria do premiado coreógrafo brasileiro Jean Abreu, parte da série Horniman Lates de eventos (28 de julho). Uma nova instalação do artista brasileiro Robson Rozza e dos especialistas em carnaval Mandinga Arts (a partir de 3 de julho). Brazilian Street Art nos jardins do Horniman e pela região de Forest Hill, por alguns dos artistas mais destacados do Brasil (a partir de 3 de julho). Uma maquete representando as favelas do Rio de Janeiro, criada pelos artistas do coletivo Projeto Morrinho (a partir de 3 de julho). Concertos ao ar livre e Jazz Picnics, assim como performances mostrando as muitas influências musicais do Brasil (julho e agosto). Exposições de fotografia Favela: Joy and Pain in the City, capturando as complexidades da vida no Rio, e Fauna Brazil, apresentando incrível vida selvagem brasileira (a partir de 3 de julho). Big Wednesdays com performances, oficinas, histórias e muito mais por artistas especialmente selecionados para compartilhar a cultura brasileira (10, 17, 24, 31 de agosto). Um colorido Brazilian Food Garden. Sessões de cinema, ‘Que Horas Ela Volta?’ e ‘Cidade de Deus’ (julho e agosto). Desfiles, performances, música e oficinas no Horniman Carnival para fechar a temporada (4 de setembro).

Quando: 3 de julho a 4 de setembro Onde: Horniman Museum and Gardens (100 London Road, Forest Hill, London SE23 3PQ) Entrada: Depende do evento Info: www.horniman.ac.uk

PERFORMANCE Contracorrente/Upstream, a primeira telenovela anglo-brasileira Celebrando os Jogos Olímpicos deste ano no Rio de Janeiro, a internet vai se tornar o lugar para o público apreciar a primeira telenovela anglo-brasileira. Atores e público serão reunidos através de performances sobrepostas em uma paisagem online fictícia para descobrir ‘Contracorrente’. Filmado durante um dia e conectando performances ao vivo em Londres e no Brasil, as duas metades da tela vão transmitir simultaneamente as ações na Casa 24, no Rio de Janeiro, e no The Floating Cinema, atracado no Queen Elizabeth Olympic Park, em Londres. Contracorrente/Upstream é uma nova obra inspirada no romance de Herbert Read, The Green Child (1935), criada pela artista Leah Lovett em colaboração com Maria Lombardini e o coletivo UP Projects. O projeto está sendo realizado em parceria com a Foundation for Future London e tem como pano de fundo o Queen Elizabeth Olympic Park como palco da construção de uma nação no contexto social vigente no Brasil. Assista a transmissão ao vivo a partir de 6pm, 7pm ou 8pm no dia 30 de julho de 2016, pelo site www.upprojects.com, ou se você estiver interessado em visitar o barco para as performances em Londres entre em contato com os organizadores. Quando: 30 de julho Onde: Online ou no The Floating Cinema Entrada: Gratuita Info: www.upprojects.com


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MÚSICA Hermeto Pascoal O compositor multi-instrumentista Hermeto Pascoal é uma figura gigante da música brasileira. Ele se apresenta com seu conjunto britânico conduzido por Jovino Santos Neto em celebração aos 80 anos de vida. Quando: 9 de julho Onde: Barbican Hall (Silk Street, London EC2Y 8DS) Entrada: £15-35 plus booking fee Info: www.barbican.org.uk

João Donato + Janis Siegel + Diego Figueiredo Três gerações de músicos buscam um ponto de encontro entre o jazz americano e a música brasileira, tocando um repertório de músicas do pianista João Donato e algumas menos conhecidas da Bossa Nova. Quando: 10 de julho Onde: Barbican Hall (Silk Street, London EC2Y 8DS) Entrada: £15-30 plus booking fee Info: www.barbican.org.uk

Emicida Ele ganhou destaque através das rinhas de MCs. Hoje, Emicida é um dos maiores rappers do Brasil. Oportunidade rara de curtir esse som potente na Walthamstow Garden Party deste ano (16-17 de Julho). Quando: 17 de julho (1pm) Onde: Walthamstow Lloyd Park Entrada: Gratuita Info: www.walthamstowgardenparty.com

Dom La Nena A cantora e compositora brasileira Dom La Nena tem ganhado a cena internacional com seu álbum Soyo, lançado no Reino Unido em 2015. Seu próximo show por aqui acontece no Womad Festival (28 a 31 de julho). Quando: A ser confirmado Onde: Womad Festival, Charlton Park Entrada: £175 para o fim de semana Info: www.womad.co.uk

O Rappa Depois do enorme sucesso do show do ano passado na capital inglesa, a O Rappa volta a Londres. A banda vai tocar músicas de seu mais recente álbum, Nunca Tem Fim, além de outros hits como ‘Me Deixa’. Quando: 13 de agosto Onde: Electric Brixton (Town Hall Parade, London SW2 1RJ) Entrada: £25 Info: www.electricbrixton.uk.com

Orquestra Jazz Sinfônica A Orquestra Jazz Sinfônica de São Paulo se junta à Marin Alsop e à Orquestra Sinfônica de São Paulo para uma noite de música brasileira. Quando: 24 de agosto Onde: Royal Albert Hall Entrada: £7.50 a £25 Info: www.royalalberthall.com


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COLUNISTAS FRANKO FIGUEIREDO

Os problemas do

financiamento coletivo

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Franko Figueiredo é diretor artístico e produtor associado da Companhia de Teatro StoneCrabs

Estamos nos tornando dependentes demais das campanhas de crowdfunding para financiar nossos projetos artísticos?

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Em 2005, produzi e dirigi uma versão do conto Josefina, a cantora, de Franz Kafka, para a qual transformamos o palco em um café de Praga. Fizemos tudo no aperto, pois não havia financiamento público para a peça. Para ajudar a pagar os custos básicos de produção, decidimos vender bebidas alcoólicas. Os espectadores podiam comprar fichas para gastar em bebidas no café. Muitos deles preferiam pagar £15 por uma garrafa de vinho (custo real de £3) do que pagar pelo ingresso da peça, vendido a £8 (custo real £35). Aprendemos duas coisas com a experiência: as pessoas têm dificuldade de valorar o trabalho por trás de uma peça de teatro, mas se dispõem a pagar por ela se os ganhos se associam a uma recompensa tangível, consumível. Não importa o quanto as pessoas gostem de um trabalho, muitas acham difícil colocar um preço. Elas gostam de consumir, mas não querem pagar. Os governantes seguem a mesma lógica em relação à arte. A partir da crise econômica de 2008, e principalmente depois da eleição de um governo conversador, em 2010, o setor de teatro e artes sofreu tantos cortes que muitas companhias tiveram que fechar as portas. Os artistas passaram a ter que ser criativos em relação ao financiamento de seus trabalhos para conseguir sobreviver deles. Ao passo que o governo dizia não haver dinheiro suficiente para as necessidades sociais, de saúde e de educação, o orçamento do setor de defesa era mantido. Parece que todo país acha normal gastar dinheiro com armas. Pagar por arte, porém, é uma questão totalmente diferente. Com a crise de 2008 surgiram as plataformas Indiegogo e Kickstarter (2009), que hospedam campanhas de financiamento coletivo. Hoje em dia qualquer pessoa pode arrecadar dinheiro coletivamente para causas sociais, educação, meio ambiente, saúde, política e pequenos negócios (comida, esporte, tecnologia etc.). É o tal do crowdfunding. Crowdfunding é basicamente um método para se coletar muitas pequenas contribuições, através de uma plataforma online, visando financiar ou capitalizar um empreendimento de forma coletiva. Muitos projetos artísticos dependem de crowdfunding atualmente. Em princípio, parece uma ferramenta fantástica. Mas, na realidade, existem problemas. Em primeiro lugar, não se trata de uma ideia exatamente nova. Arrecadar fundos a partir de um grande número de pessoas é precisamente o que instituições sem fins lucrativos e campanhas políticas têm feito por mais de um século. No Reino Unido, doadores tem se beneficiado com isenção de impostos quando contribuem financeiramente através do programa Gift Aid. A iniciativa governamental, porém, não tem uma plataforma online como a maioria dos sites de crowdfunding.

Algumas empresas de crowdfunding cobram 15% do valor do projeto para exibi-lo na plataforma. Em troca, oferecem um site passivo com uma simples estrutura de processamento das contribuições. Tudo que eles fazem é abrigar sua campanha e coletar as doações. Você é que precisa ir atrás dos doadores, contatar os amigos, postar milhares de mensagens implorando nas redes sociais, prospectar empresas e fundações. Mesmo assim, você é cobrado pelo seu sucesso. E no caso de pequenas instituições sem fins lucrativos, as doações não se qualificam no Gift Aid. Recentemente eu estava fazendo uma campanha e o Crowdfunder, vendo que eu não atingiria a meta final, continuou me contatando com ideias de como eu poderia encontrar mais doadores. Era tudo por minha conta, sem mais ajuda. Pensei que eles estavam tentando ajudar, mas na verdade só queriam garantir a taxa deles. Muito frustrante. Ainda estou para ver uma campanha de crowdfunding para uma peça de teatro apoiada por estranhos. Todas que eu conheço foram viabilizadas através de familiares e amigos, além daqueles em círculos mais próximos. No Kickstarter, 56% dos projetos não atingem a meta e acabam com zero. Isso significa que o projeto não era bom, ou que seu alcance social não foi suficiente para assegurar seu financiamento? Já contribui com muitas campanhas no passado e continuarei a contribuir, mas toda vez que vejo uma meu coração se aperta, principalmente porque sei que aquele projeto não conseguiu financiamento do Arts Council – se conseguiu, provavelmente para cobrir metade dos custos. O Arts Council espera que você tenha ao menos 10% da receita garantida antes de considerar dar apoio ao seu projeto. A pergunta que não me sai da cabeça é: por que nossos impostos não estão sendo gastos em projetos que queremos, especialmente aqueles ligados à saúde, educação e arte? Os governantes continuam a dizer que estamos vivendo em tempos de austeridade e que temos que segurar os gastos, mas eu não vejo nenhum político fazer isso. A mais nova plataforma online chama-se SpaceHive, que pretende ser a primeira do mundo a financiar “projetos cívicos”. Sério? Isso não deveria ser responsabilidade das autoridades públicas? Passamos a navegar águas perigosas quando precisamos pagar para manter um parque, uma rua, uma biblioteca. Sim, precisamos nos unir enquanto comunidade, mas não ao lucro dos outros. Temos que cobrar nossos direitos em relação à forma como nossos impostos são gastos.


brasilobserver.co.uk | Julho 2016 19

HELOISA RIGHETTO

Feminista ou sexista: qual a sua escolha?

Nunca é apenas uma piada. Pequenos atos fazem com que a sociedade não respeite os direitos das mulheres

Mídia NINJA

‘Por Todas Elas’ em São Paulo

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Não ande na rua sozinha. Não fique bêbada. Vista uma roupa mais discreta. Não abra as pernas quando sentar. Não chame atenção. Não viaje sozinha. Não transe no primeiro encontro. Melhor, não goste de sexo. Nós (e sim, eu falo aqui por todas as mulheres. Fique tranquilo, eu falei com todas elas) somos ensinadas desde pequenas a não sermos estupradas. E, se falhamos nessa missão, a culpa é nossa. Saiu sozinha, queria o quê? Bebeu muito, né? Mas também, essa saia curta, tava pedindo! Fica se oferecendo, sentando de perna aberta! Tava na cara que queria, falando alto, chamando atenção, dançando em cima da mesa! Poxa, mas acampar sozinha no meio do nada é pedir pra dar algo errado! Transa com todos os caras que conhece, dá nisso! Estupro (ou qualquer outro tipo de violência contra a mulher) não deve ser relativizado. Nunca é culpa da vítima, e não tem a ver com libido. Como eu li em um dos muitos cartazes mostrados nas

passeatas “Por Todas Elas” no Brasil, o estuprador é o filho saudável do machismo. E o machismo não se revela apenas em casos de violência que parecem acontecer bem longe de nossa realidade: ele está entranhado na nossa rotina, em atos que parecem pequenos, mas que somados resultam na continuidade de uma sociedade que vê a mulher não como cidadã, mas como algo que deve ser dominado, possuído e, consequentemente, descartado. Resolver esse problema é fácil: seja feminista. Caso haja dúvida sobre como uma pessoa feminista deve agir, darei alguns exemplos. Uma pessoa feminista não apenas utiliza suas redes sociais para compartilhar textos indignados e educacionais ou para se unir a grupos e comunidades que lutam para o fim da violência contra a mulher, mas também rejeita – e condena – mensagens privadas com fotos de mulheres que claramente não sabiam

Heloisa Righetto é jornalista e escreve sobre feminismo (@helorighetto – facebook.com/conexãofeminista)

que estavam sendo fotografadas. Uma pessoa feminista não apenas concorda que brinquedos infantis não devem ser definidos por gênero, mas também não ensina o filho a ser um predador de mulheres, falando que ele “vai pegar todas as menininhas”. Uma pessoa feminista não apenas fica horrorizada com os casos de pedofilia noticiados na televisão, mas também se escandaliza quando um amigo aponta uma adolescente na rua e diz que “essa novinha tá no grau”. Uma pessoa feminista não apenas encoraja as mulheres a seguirem a carreira que quiserem, mas também não questiona a competência de uma mulher falando que “ela deu pro chefe” pra ganhar uma promoção. Uma pessoa feminista tem muito orgulho de ter a Marta como símbolo do esporte brasileiro, e acha que os canais de televisão deveriam cobrir os jogos de futebol feminino com a mesma infraestrutura que cobrem os jogos masculinos.

Não existem exceções. Ou você é feminista ou você é sexista. Nunca é apenas uma piada, ou só um filme ou então uma campanha de publicidade divertida. São essas as pequenas coisas rotineiras que mencionei anteriormente. Pense nelas como blocos que aos poucos são empilhados e sustentam uma estrutura totalmente machista. Não fazer nada é um desses blocos. Trabalhar para alcançarmos, juntos, uma sociedade que não vê gênero como fraqueza ou vantagem (ainda que o resultado não seja alcançado na nossa geração) não deve ser algo opcional. Se nós estamos nadando nessa maré sem fazer nenhum esforço para ir para o outro lado, mostramos para as próximas gerações que não há problema algum em ficar parado. Então, da próxima vez que você for acusado de machista, pare e pense antes de retrucar. Será que você não é mesmo? Ser feminista com exceções é ser machista. Seja ‘apenas’ feminista.


20 brasilobserver.co.uk | Julho 2016

LONDON BY

Vida sem pressa em

Richmond Bridge

Richmond

Por Beth Kress g

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Beth Kress é mineira e mora em Londres desde 1990. É formada em filosofia, mas é apaixonada por fotografia. Em 2014, Beth ganhou o prêmio Focus Brazilian International Press Award na categoria Fotografia. Mais em facebook.com/BethKressPhotography

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A região de Richmond Upon Thames é considerada uma pedra preciosa na coroa britânica. Com ares nobres e visual atraente, é uma das áreas mais bonitas e verdejantes de Londres, distante da agitação do centro da cidade. Um lugar para usufruir da paz. Particularmente, é onde encontro inspiração para fotografar sem me cansar. Sinto-me privilegiada em morar nesta região margeada pelo Rio Tâmisa, cercada de parques e belos jardins. O centro comercial é excelente e conta com várias boutiques finas e lojas de departamentos, onde fazer compras sem stress é um prazer. Há um museu com a história local, o History Museum of Richmond, salas de exposições de artes em geral, salas de estudos e uma biblioteca. Há também o Normansfield Theatre, de estilo vitoriano, onde sempre são encenadas peças famosas. O centro é vibrante, com uma grande variedade de cafés e restaurantes para todos os gostos e bolsos. O cenário à margem do Rio Tâmisa, como não poderia deixar de ser, é lindíssimo, poético e aconchegante. Sentar-se em um dos bancos e observar o rio correndo mansamente, os pequenos barcos ancorados, as diferentes espécies de aves voando em harmonia com a natureza é simplesmente ver a vida acontecer sem pressa. Faz bem para a alma! Outra atração é a Richmond Bridge, uma ponte de pedra com uma bela arquitetura do século 18, com arcos que dão um toque aristocrático ao cenário. Já a fotografei dos mais variados ângulos e, mesmo assim, sempre a vejo com um olhar diferente. Caminhar ao longo do rio também é muito prazeroso. Lá se encontram os mais variados bares, cafés, restaurantes e os tradicionais pubs britânicos cheios de charme e história. Para quem quer variar, uma dica

Beth Kress

É como estar numa área rural dentro de uma grande cidade

é a cervejaria Stein’s, que serve comidas típicas da região da Bavária e cervejas alemãs. Para quem busca um ambiente mais sofisticado, uma opção é o restaurante argentino Gaucho. Caminhando em direção ao Terrace Gardens, vale a pena subir ao topo do Richmond Hill, de onde se tem uma vista deslumbrante – em um dia claro, dá para ver o Castelo de Windsor. Seguindo em frente encontra-se o famoso Richmond Park, um dos maiores de Londres, com uma reserva natural criada pelo Rei Carlos I no século 17. Um lugar para se perder sem temer, pois há sempre algo diferente. Os veadinhos passeiam livremente pelo parque tornando o cenário ainda mais atraente. É uma sensação incrível, estar numa área rural dentro de uma grande cidade. Dentro do parque há um jardim ornamental imperdível, o Isabella Plantation, com plantações variadas de árvores e flores, principalmente azaleias e camélias. Belas lagoas compõem a magia do lugar. Depois de caminhar pelo parque, nada mais gratificante do que um descanso no terraço do Pembroke Lodge, uma mansão Georgiana que foi restaurada e hoje conta com tearooms abertos ao público. Além da beleza da arquitetura, conta com uma vista deslumbrante, um descanso para corpo e alma regado ao tradicional chá com scones, o bolinho inglês. E ainda há muito para ver e surpreender. Após o descanso, não deixe de visitar a Petersham Nurseries, um belo recanto escondido com floricultura, lojas de decorações rústicas e sofisticadas, café e um elegante restaurante dentro de uma estufa envolta em plantas e flores. Para chegar a Richmond, basta pegar um trem saindo de Waterloo ou metrô pela linha verde, a District Line. Aguardo sua visita!


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Richmond

Riverside

Richmond Hill

Isabella Plantation

Petersham Nurseries

Pembroke


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