Brasil Observer #32 - BR

Page 1

B R A S I L O B S E R V E R LONDON EDITION

WWW.BRASILOBSERVER.CO.UK

ISSN 2055-4826

OCTOBER/2015

# 0 0 3 2


2

brasilobserver.co.uk | October 2015

SUMÁRIO 4 6 8 10 12 14 16 18 20 21 24 26 28 30

EM FOCO Brasil assume metas ambiciosas para combater aquecimento global

LONDON EDITION

COLUNISTA CONVIDADO Claudio Fernandes escreve sobre os desafios da Agenda 2030 É uma publicação mensal da ANAGU UK UN LIMITED fundada por:

PERFIL Ana Toledo entrevista o professor e produtor Paul Heritage BRASIL GLOBAL Adolescentes brasileiras participam de Assembleia Geral da ONU

ANA TOLEDO Diretora de Operações ana@brasilobserver.co.uk

CONEXÃO BR-UK Diálogos de economia criativa aproximam Brasil e Reino Unido

GUILHERME REIS Diretor de Redação guilherme@brasilobserver.co.uk

BRASILIANCE Fim do financiamento empresarial de campanhas testa a República

ROBERTA SCHWAMBACH Diretora Financeira roberta@brasilobserver.co.uk

BRASILIANCE Sistema bancário brasileiro, o senhor do ajuste fiscal Desafios e oportunidades na produção de energia limpa no Brasil

EDITOR EM INGLÊS Shaun Cumming shaun@investwrite.co.uk

CONECTANDO Em Goiânia, festival de música contraria os estereótipos locais NOW Como jovens do Rio e de Londres criam alternativas culturais

DESIGN E DIAGRAMAÇÃO Jean Peixe peixe@brasilobserver.co.uk

GUIA A vida mutante de Os Mutantes, que se apresenta em Londres

COLABORADORES Ana Beatriz Freccia Rosa, Aquiles Rique Reis, Franko Figueiredo, Gabriela Lobianco, Nadia Kerecuk, Ricardo Somera, Wagner de Alcântara Aragão

CONTEÚDO ESPECIAL Zaza Oliva traz seu olhar sobre o que rolou na London Fashion Week DICAS CULTURAIS Exposições, filmes e shows com toque brasileiro em Londres

IMPRESSÃO St Clements press (1988 ) Ltd, Stratford, London mohammed.faqir@stclementspress.com 10.000 cópias

COLUNISTAS Franko Figueiredo escreve sobre o dramaturgo Nelson Rodrigues Aquiles Reis escreve sobre o novo disco de Ná Ozzetti and Zé Miguel VIAGEM Uma incrível jornada para Foz do Iguaçu, o paraíso das águas

DISTRIBUIÇÃO Emblem Group Ltd. PARA ANUNCIAR comercial@brasilobserver.co.uk 020 3015 5043 ARTE DA CAPA

Rimon Guimarães

flickr.com/photos/rimon

A arte de Rimon Guimarães vem à existência por suas experiências com o ambiente urbano em que se encontra. O estresse da cidade e sua insatisfação com a situação atual do mundo o inspiram a fazer uma declaração contra a política de massas e a publicidade capitalista que promove uma política gananciosa que não se preocupa com as pessoas. Com sua arte no espaço público, Rimon quer levar as pessoas para longe de suas monótonas rotinas e provocá-las a ver a rua como um lugar onde se podem trocar experiências. O trabalho de Rimon Guimarães é uma combinação de design, arte performática, vídeo e música. Rimon participou do R.U.A. em 2012 e vários outras exposições no Brasil, Bélgica, Argentina e Alemanha, entre outros.

PARA ASSINAR contato@brasiloberver.co.uk PARA SUGERIR PAUTA E COLABORAR editor@brasilobserver.co.uk ONLINE brasilobserver.co.uk issuu.com/brasilobserver facebook.com/brasilobserver twitter.com/brasilobserver


brasilobserver.co.uk | October 2015

s i g a c e r e j a c o ff e e :

t w i t t e r . c o m / c e r e j a c o ff e e

f a c e b o o k . c o m / c e r e j a c o ff e e

BRASILEIRO DESDE O PÉ ATÉ A XICARA.

80% do café no mundo é produzido no Brasil. Quando se ouve dizer que o café é italiano, francês ou até mesmo português ou alemão é porque provavelmente ele é brasileiro. A maior parte da produção nacional de café arábica de qualidade é exportada como matéria-prima, ou seja, os grãos são industrializados nos países de destino. Nosso Cereja porém, além de ter nascido e crescido no Brasil, foi também beneficiado, classificado e torrado na Mogiana Paulista onde a tradição de se produzir excelente café remonta 200 anos. Nesta região persistem ainda hoje pequenos produtores que cultivam em terreno montanhoso onde máquinas não chegam, onde grande parte do trabalho tem que ser feito à mão, da mesma forma que era antigamente. A paixão das gerações passadas por esta cultura continua viva em seus descendentes que nunca deixam de lembrar que aqueles que chegaram lá primeiro, chegaram por causa do café. É movido por esta mesma paixão que agora este café percorre um caminho diferente, e é para valorizar suas raízes brasileiras que ele vai chegar na sua casa e provar que quem entende mesmo de café somos nós. Cereja Coffee está disponível em grãos ou moído na loja do site: cerejacoffee.com

3


4

brasilobserver.co.uk | October 2015

EM FOCO

BRASIL ASSUME METAS PARA REDUZIR EMISSÃO DE GASES DO EFEITO ESTUFA triz energética, incorporação de mais elementos de eliminação do desmatamento ilegal”, afirmou. O presidente da Rede Brasileira do Pacto Global, André Oliveira, considerou a meta como sinal claro de compromisso do Brasil. “Eventualmente possa ter ficado aquém para alguns, mas eu diria que o que importa é o compromisso e a sinalização do Brasil para o mundo de que, de fato, está comprometido com essa agenda”, disse. Apesar dos objetivos impressionantes com relação à energia renovável, analistas têm apontado que as metas de reflorestamento no Brasil poderiam ser aumentadas de 12 milhões de hectares para 20 milhões e que o país deve fazer mais sobre o desmatamento. O plano de ação brasileiro se compromete a zerar o desmatamento ilegal em 2030, mas parece ser um passo atrás de um compromisso anterior para acabar com o desmatamento ilegal em 2015. O plano também não sugere o que será feito com outros tipos de desmatamento (não só ilegal). Como destacado pelo Environmental Defense Fund: “Estes objetivos só podem ser alcançados se o Brasil sustentar a redução de 80% no desmatamento da Amazônia até 2020, como consta na Política Nacional de Mudanças do Clima, aprovada pelo Congresso em 2009”. Uma série de grupos tem apontado que o Brasil deveria se comprometer com o desmatamento zero a partir de todas as fontes (legais e ilegais) em 2030. A promessa também é escassa sobre as emissões do setor agrícola. O Observatório do Clima, um grupo de ONGs no Brasil, sugeriu que o país poderia avançar ainda mais na redução das emissões de

DIVULGAÇÃO

A

As metas brasileiras para reduzir a emissão de gases de efeito estufa são de 37% até 2025 e de 43% até 2030. O anúncio foi feito pela presidenta Dilma Rousseff durante a Conferência das Nações Unidas para a Agenda de Desenvolvimento Pós-2015, em Nova York. O ano-base utilizado para os cálculos, de acordo com ela, é 2005. Dilma destacou que os números serão levados à Conferência do Clima, em Paris, como compromisso assumido pelo governo brasileiro. A presidenta citou ainda o que chamou de objetivos ambiciosos para o setor energético, com destaque para a garantia de 45% de fontes renováveis no total da matriz energética. No mundo, a média é de 13%. Os demais anúncios feitos por Dilma incluem a participação de 66% de fonte hídrica na geração de eletricidade; a participação de 23% de fontes renováveis, eólica, solar e biomassa na geração de energia elétrica; o aumento de 10% na eficiência elétrica; e a participação de 16% de etanol carburante e demais fontes derivadas da cana-de-açúcar no total da matriz energética. “O Brasil é um dos poucos países em desenvolvimento a assumir uma meta absoluta de redução de emissões. Temos uma das maiores populações e PIB do mundo e nossas metas são tão ou mais ambiciosas que aquelas dos países desenvolvidos”, disse Dilma. Para Jorge Chediek, coordenador do Sistema Nações Unidas no Brasil e representante do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, a proposta brasileira superou as expectativas. “Ficamos impressionados não só pelo ambicioso objetivo, mas pela abrangência que o Brasil está propondo em termos de introdução de mais energia sustentável na ma-

Brasil promete reduzir emissão combatendo o desmatamento e aumentando participação de fontes renováveis

gases de efeito estufa para manter aumento da temperatura global abaixo de 2 graus Celsius. Para eles, as emissões poderiam ser reduzidas em 57% em relação aos níveis de 2005 com a eliminação do desmatamento e a expansão significativa das energias eólica e solar.

Com a expectativa de se alcançar um acordo global na Conferência do Clima em Paris, que acontece em dezembro, o comprometimento do Brasil com a agenda do desenvolvimento sustentável é um bom ponto de partida para que ações mais ambiciosas sejam alcançadas. MARCOS BESSA/EMBASSY OF BRAZIL

AGENDA g

INNOVATE IN BRASIL 29 de Outubro O Telegraph Business Events realiza em Londres o seminário Innovate in Brazil, em parceria com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e a Apex -Brasil, a Agência Brasileira de Promoção de Investimentos. O evento reunirá executivos de uma ampla gama de indústrias: ICT, petróleo e gás, energia renovável e saúde. Armando Monteiro, ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, estará na conferência, assim como David Barioni Neto, presidente da Apex-Brasil. Entrada apenas com convite. Mais informações no site www.telegraph.co.uk/innovateinbrasil

g

INTERNATIONAL ASPECTS OF DEFENCE POLICY IN BRAZIL 12 e 13 de Novembro O objetivo desta conferência organizada pelo Brazil Institute do King’s College é abordar de forma multidisciplinar os dois pontos-chave da Estratégia Nacional de Defesa brasileira, reunindo políticos, acadêmicos e militares para discutir o desenvolvimento da ciência, tecnologia e defesa no Brasil e o futuro da participação brasileira em operações de paz da ONU. Entre os participantes da conferência estará o ex-ministro da Defesa e das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim. Os interessados precisam se registrar, mediante ao pagamento de 20 libras, através do link https://goo.gl/mGcL1K

Eduardo dos Santos é o novo Embaixador do Brasil para o Reino Unido – é seu terceiro posto em Londres em uma carreira diplomática de mais de 40 anos. Sua posição anterior era em Brasília como secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores. Ele já serviu como embaixador na Suíça, no Uruguai e no Paraguai. No dia 7 de setembro, o embaixador Eduardo dos Santos (à direita na foto) recebeu convidados na embaixada para a celebração do Dia da Independência.


brasilobserver.co.uk | October 2015

Are you considering doing business in Brazil? The world has finally discovered the potential of this great country and how it plays a leading role in Latin America. However, what does it take to succeed in this complex market? How to deal with local challenges which can constitute real obstacles to companies? That is where we come in: developing and implementing strategic plans for the international expansion of our clients. Learn more about our company at www.suriana.com.br

www.suriana.com.br

5


6

brasilobserver.co.uk | October 2015

COLUNISTA CONVIDADO

COMO O BRASIL VAI IMPLANTAR OS OBJETIVOS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL? O desafio maior é inserir a Agenda 2030 nas prioridades das instituições privadas e públicas Por Claudio Fernandes

Claudio Fernandes é economista, assessor da Gestos, Soropositividade, Comunicação e Gênero, cocoordenador da campanha TTF Brasil e membro do GT da SC para o Pós 2015. Artigo publicado originalmente em www. brasilnomundo. org.br g

N

No final do mês de setembro, na sede da Organização das Nações Unidas em Nova York, presidentes e autoridades de alto nível de 193 países, incluindo a inédita presença de um papa, discursaram sobre a nova Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e lembraram o que representaram os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio na mitigação de graves problemas mundiais. Na septuagésima sessão da Assembleia Geral da ONU, os Estados membros adotaram a resolução que representa o consenso político possível para, nos próximos 15 anos, tratar graves problemas que afetam o mundo. Erradicar a pobreza, reduzir a desigualdade entre e intra países, atingir equidade de gênero, regular o crescimento desordenado das cidades, acabar com a epidemia de Aids, garantir educação básica para todas as crianças e estancar completamente o desmatamento fazem parte da lista de compromissos sociais, econômicos e ambientais assumidos nos dezessete Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) e suas 169 metas. Mesmo considerando as dificuldades do processo de negociação do acordo, o maior desafio começa agora, que é o de inserir a agenda de desenvolvimento sustentável nas prioridades das instituições privadas e públicas para que, de fato, seja possível articular políticas nacionais, estaduais e municipais orientadas pelos ODS, ou como será também conhecida, pela Agenda 2030. Está claro que, neste processo de implementação, a adequação dos orçamentos públicos dos países e a forma como trabalham com a sociedade civil serão dois aspectos fundamentais para o sucesso desta empreitada. No caso do Brasil, para alocar recursos a partir de 2016 já é necessário agir agora, alinhando o Plano Plurianual, por exemplo, e começando a preparar as estruturas de acompanhamento dos ODS. Este será o principal indicador sobre o interesse sincero do governo em honrar os compromissos assumidos na Assembleia Geral, pois, para além dos tradicionais discursos na ONU, é preciso compromisso generalizado do governo no sentido de levar esse debate para todas as comunidades e populações afetadas pelas desigualdades. Para isso será fundamental mudar a lógica de financiamento e incentivos que fomentam os parâmetros de sustentabilidade. Neste sentido, uma das expectativas do Grupo de Trabalho da Sociedade Civil, um coletivo com cerca de 60 organizações que acompanha a agenda do pós-2015, é a criação de uma Comissão Nacional para tratar dos ODS. Esta demanda é fruto de um maduro processo de diálogo e foi apresentada inúmeras vezes por este GT ao governo brasileiro ao longo das negociações da agenda pós-2015. Esperamos que esta comissão contemple espaços múltiplos para participação qualificada da sociedade civil, tenha representações multissetoriais dos governos federal, estaduais e municipais e que, principalmente, tenha eficiência deliberativa.

Outra questão importante é que a disputa com os defensores do utilitarismo neoliberal, que tanto tencionou o processo de negociação, continuará a ser um empecilho, agora na implementação, pois formalmente a Agenda 2030 insiste que o crescimento econômico deve vir acompanhado de distribuição de renda e respeito ao meio ambiente e às populações vulneráveis – abordagem visivelmente distante do contexto brasileiro. Mas esta é a solução exigida não apenas para o Brasil, mas para todos os países frente ao diagnóstico de que as políticas alinhadas à desregulação financeira, ao endividamento público, ao aumento da poluição causada por emissão de gases orgânicos, à expansão da desigualdade social, ao aumento da pobreza, às guerras, à fome, entre tantos outros desequilíbrios contemporâneos, não estão funcionando. De fato, os dados produzidos pelas agências da ONU, por organizações da sociedade civil e pela academia apontam que, se não houver uma mudança global urgente de paradigmas nas gerações atuais, o futuro das próximas gerações estará comprometido de forma irremediável. O mantra atual nos corredores e salas de reunião da ONU é de que, por exemplo, “esta é a última geração que pode fazer alguma coisa para reverter as causas das mudanças climáticas”, um problema que, finalmente admitiu-se, é efeito colateral do modelo de produção e consumo dominante do mundo. Para entender a crítica sobre o “modelo”, basta observar como os padrões de desejo foram se tornando hegemônicos, condicionando o significado social do indivíduo, capturando as subjetividades frente a simbologias repetidas em cada espaço social, reproduzidas em uma imensa rede de canais em que mensagens subliminares – comprar, adquirir, acumular para depois descartar e repor – é na prática o coração do crescimento econômico a-qualquer-custo para se alcançar esse tipo de “prosperidade”. Em nome de cifras macroeconômicas e prazeres individuais, vidas e territórios são atropelados pela cadeia de fornecimento global (Global Supply Chain) – pouco regulada e nada transparente – para a dinamização dos centros de consumo do mundo. A importância dessa resolução aprovada pela ONU é que ela dialoga diretamente com a realidade atual do planeta, dos países e das pessoas, caracterizada por desarranjos sociais, econômicos e ecológicos, algo sem precedentes na história recente. E propõe soluções possíveis frente à percepção de que todas as crises se acumulam e se sobrepõem, impulsionadas por uma multiplicidade dos interesses de países, grupos e pessoas poderosas para a manutenção de suas posições hegemônicas. Um dos exemplos dessa queda de braço entre países desenvolvidos e os países em desenvolvimento, no contexto da Agenda 2030, foi o processo de negociação da terceira Conferência Internacional de Financiamento para o Desenvolvimento, realizada em julho, em Addis Ababa, Etiópia.

A Conferência, parte do processo pós-2015, deveria ter resultado na identificação das fontes de recursos e meios de implementação dos ODS, estimada atualmente entre 3 e 6 trilhões de dólares por ano. Mas, apesar de a conferência ter pautado a criação de um mecanismo de facilitação tecnológica e de um sistema para seguimento de sua implementação, ela não indicou as fontes de financiamento adicionais para o desenvolvimento sustentável. Sem clareza sobre de onde sairão os recursos financeiros além dos mecanismos atuais de cooperação e investimentos diretos, claramente insuficientes, abriu-se a porta para que a iniciativa privada seja protagonista em serviços e infraestrutura, que antes eram responsabilidades do Estado. A questão aqui é que já temos exemplos de como parcerias público-privadas funcionam no Brasil. Por isso, implementar a Agenda 2030 vai demandar um monitoramento rigoroso dessas parcerias para realmente colocar a sustentabilidade no cerne desse formato de contratualismo político e econômico. A agenda para o desenvolvimento sustentável também, ao contrário do que se anuncia e se pratica no Brasil, clama aos países adotarem políticas tributárias progressivas, buscando desonerar a população com redução de impostos regressivos sobre o trabalho e a produção. Mesmo a Agenda de Ação resultante de Addis Ababa sugere buscar mecanismos inovadores de financiamento, ainda que não explicite que os tributos sobre transações financeiras no mercado de capitais é uma das medidas mais indicadas. Assim, implementar os compromissos acordados nos próximos 15 anos vai exigir coragem de todos os países porque o modelo da economia mundial há muito vem se consolidando como uma ditadura financeira. Os orçamentos públicos dedicam a maior fatia dos recursos para cobrir juros de dívidas crescentes, enquanto políticas de austeridade e redução de investimentos diretos esfriam as atividades econômicas, colocando em risco a estabilidade dos países e comprometendo a empregabilidade de gerações futuras. No Brasil, frente à atual crise econômica, o governo federal precisa trabalhar com a ideia de justiça fiscal e progressividade tributária como a célula nevrálgica tanto para a mobilização de novos recursos, como para dar continuidade à redução de desigualdades sociais e econômicas, inclusive com diminuição de riquezas extremas. Isto seria o início de uma possível democracia econômica promovida pelo poder soberano do Estado em coletar e alocar recursos públicos de forma justa, eficiente e responsável. O compromisso da Agenda 2030 está pactuado na ONU, mas seu resultado só o tempo e os indicadores dirão. E neste caso dirão mesmo, pois a Agenda tem um processo de monitoramento que inclui a sociedade civil. O desafio não é pequeno, o trabalho enorme e, somente em conjunto, será alcançado a contento.


brasilobserver.co.uk | October 2015

Entenda como universidades britânicas selecionam estudantes para cursos de graduação Veridiana Ribeiro | Consultora de educação superior na SI-UK Education Council

Desde o dia 22 de setembro, foi aberta no Reino Unido a temporada de seleção de estudantes para universidades britânicas. E como não existem no país provas de seleção como as do vestibular no Brasil, o mais comum é que candidatos brasileiros fiquem um pouco confusos e não saibam por onde começar. Muitas vezes, o prazo de candidaturas termina e, por não saberem como proceder, potenciais estudantes internacionais acabam passando mais um ano fora da universidade. Em tempo: o ano letivo britânico se inicia em setembro e termina no final de junho, início de julho. O prazo de candidaturas, aberto em setembro, terminará em 15 de janeiro de 2016. Depois disso, ainda é possível disputar vagas oferecidas por universidades britânicas, mas as melhores instituições tendem a escolher seus futuros alunos dentre os candidatos que compriram com o prazo de 15 de janeiro.

Como é o processo?

Quanto antes, melhor

Em todo o Reino Unido, o processo de candidaturas para cursos de graduação passa por um sistema eletrônico integrado chamado UCAS, que pode ser acessado pela internet. Como não há no país exames de seleção como o vestibular, as universidades levarão em conta as notas que o estudante obteve durante o Ensino Médio, no caso do Brasil, além de outros fatores. Para iniciar o processo, o candidato deve abrir uma conta junto ao UCAS e preencher uma série de informações relacionadas à escolaridade, experiências de trabalho, notas obtidas no Ensino Médio, dentre outras. O UCAS permite que cada pessoa se candidate a até cinco universidades diferentes. Ao contrário do vestibular brasileiro, o UCAS não exige que o estudante indique, ao fazer a aplicação, qual é a sua opção de universidade preferida. Além disso, é muito importante que o futuro estudante escolha o mesmo curso em todas as cinco universidades selecionadas em sua conta do UCAS. Ou seja, não é recomendável, por exemplo, que o candidato opte por Direito, como uma de suas opções de escolha, e ao mesmo tempo se candidate a graduções na área de Negócios nas demais universidades. Para quem deixou a escola ao terminar o Ensino Médio no Brasil, o mais provável é que as universidades exijam também que o candidato estude um ano de curso pré-universitário conhecido como Foundation. Para quem planeja começar a estudar em setembro de 2016, a preparação e a escolha dos cursos e instituições de ensino devem ser feitas agora. É super importante que o futuro aluno pesquise a fundo sobre a grade curricular oferecidas por cada universidade, entenda o perfil de cada instituição. Uma ótima maneira de iniciar a pesquisa é participar da Feira de Universidades Britânicas organizada em Londres pela SI-Uk Education Council. Mais de 90 universidades estarão presentes e a entrada é gratuita para quem se registra pelo site do evento (http:// www.ukunifair.co.uk/). Consultores de diversas nacionalidades estarão presentes e é possível receber aconselhamento em até 15 idiomas diferentes, incluindo português. A SI-UK Education Council é uma instituição de auxílio a estudantes internacionais que oferece aconselhamento gratuito e neutro a candidatos. Além de organizar a maior Feira Universitária em Londres, a empresa é também um centro oficial do UCAS e está autorizada a submeter aplicações em nome de estudantes internacionais. Para saber mais, acesse o site da SI-UK Education Council (http://www.studyin-uk.com/) e marque uma sessão de aconselhamento gratuita.

Feira de Universidades Britânicas 2015 Para Estudantes Internacionais Registre-se agora para participar de forma gratuita. Conheça 90 universidades do Reino Unido todas reunidas em um só lugar.

Sábado, 7 de Novembro De 12:00h às 17:00h

Lancaster London Hotel Lancaster Gate

Universidades presentes: Bath Spa University Birmingham City University University of Bristol University of Leeds Durham University

www.ukunifair.co.uk

UCL (University College London) University of Exeter Queen Mary University of London Kingston University London Metropolitan University University of Surrey Foundation Courses University of Warwick University of Westminster + Entre outras...

020-7287-7040

7


8

brasilobserver.co.uk | October 2015

PERFIL ARQUIVO PESSOAL

PAUL HERITAGE TEMOS MUITO A APRENDER COM OS TERRITÓRIOS PERIFÉRICOS DO BRASIL

P

Por Ana Toledo

Professor da Queen Mary University; associado internacional no Young Vic; produtor associado no Barbican; assessor internacional do Ministério da Cultura do Brasil para a iniciativa do Cultura Viva; diretor artístico do People’s Palace Project; e honrado com o título de Cavaleiro da Ordem Rio Branco pelo governo brasileiro. O britânico Paul Heritage desenvolve projetos culturais e sociais há mais de 20 anos, fortalecendo o intercâmbio entre o Brasil e o Reino Unido. Em entrevista ao Brasil Observer, Paul, hoje no Brasil, fala da história de seu relacionamento com o país, dos projetos que estão em andamento, do que prepara para 2016 e das suas percepções sobre as redes que se formaram e ainda se formam nesta relação.


brasilobserver.co.uk | October 2015

Quais são seus projetos em andamento neste momento? Tivemos grande prazer em lançar a Casa Rio no início de outubro. A casa pertence ao estado do Rio e está onde antes era o Museu dos Teatros; fica em Botafogo. Temos cinco quartos grandes para residências artísticas e três espaços coletivos para co-working. Este ano já temos atividades programadas. O Sesi (Serviço Social da Indústria) está com uma oficina de dramaturgia toda terça. Já recebemos duas artistas da Inglaterra, do Battersea Arts Centre e do Contact Theatre em Manchester, que participaram do evento NOW!, promovido pela Agência de Redes para Juventude. Além disso, temos o Festival Novas Frequências, que usa uma sala como escritório até dezembro, quando o festival vai acontecer na casa. Na abertura da Casa Rio lançamos uma convocatória para 2016. Propostas de ocupação do espaço – entre uma semana a até três meses – podem ser feitas através do site www.casario.rj.gov.br. Espero que a Casa Rio seja sempre uma casa, não um centro cultural, pois casa tem um espírito especial: a relação com a vizinhança é sempre importante na arte em geral, a teia comunitária. É um espaço público que pertence ao estado do Rio. É importante que a gente não feche nossas instituições culturais, é importante que seja aberto. Como foi o início de sua relação com o Brasil? Interessante, pois a primeira pessoa que chegou para a abertura da Casa Rio foi um ex-presidiário chamado Edson. Quando me encontrou, perguntou: Paul, você se lembra de mim? Respondi que não. Ele me explicou que tínhamos trabalhado juntos num projeto em 1995, há 20 anos, na Penitenciária Lemos de Brito, no Rio de Janeiro. Ele era um preso que participou do meu primeiro projeto de teatro no Rio. Agora ele tem a própria companhia de teatro, criada por ele. A história começou quando fui convidado pelo British Council para dar palestras sobre Shakespeare no Brasil, em 1991. Nessa época já trabalhava com penitenciárias no Reino Unido. Então, por todas as cidades que passei, visitei uma penitenciária. Em Brasília, na famosa Papuda, fui convidado para fazer o mesmo projeto que já realizava no Reino Unido. Voltei em 1992 para começar um projeto de artes nas prisões. Isso deu certo em Brasília e depois fui para o Rio. Tudo foi crescendo, mas até 2005 tinha o grande foco no teatro nas prisões. Durante este período, comecei a desenvolver projetos com grupos que já trabalhavam nas periferias, como o Nós do Morro, Afroreggae, Agência de Redes para Juventude, Crescer e Viver, que fazem uma diferença enorme na cena cultural e social, especialmente no Rio. E foi um prazer que a minha entrada no país foi um encontro com vários ‘Brasis’. O Brasil na pluralidade, na diversidade do país. Com certeza eu não fiquei somente na zona sul do Rio de Janeiro. Quais são as semelhanças e diferenças da população jovem de periferia do Brasil e do Reino Unido? Que tipo de intercâmbio pode ser estabelecido entre essas duas realidades?

Não há diferença, jovens são jovens. A juventude é aquele estado de ser que tem alguma coisa em jovens do mundo inteiro. Trouxemos um jovem de Londres e outro de Manchester. Apesar da língua, você não enxerga nenhuma diferença quando estão todos juntos. Mesmo os jovens da Inglaterra vindos de comunidades populares, com alguma vulnerabilidade, ficaram chocados de ver o nível de injustiça social no Brasil. Então, é importante trazer pessoas de fora, por exemplo, para chocar. Para não ficar familiarizado demais com essas situações. Eu não vejo nenhuma diferença, mas o contexto onde eles trabalham é bem diferente. Apesar disso, a energia, a criatividade e a esperança que eles têm, o desejo deles pela transformação é enorme. Dá aquele sentimento de querer engarrafar essa energia e a criatividade que eles têm nesses territórios! No Brasil, existem iniciativas que tratam esses territórios como lugares produtivos, que tem uma cultura, que tem soluções e uma contribuição. Isso, muitas vezes, é mais avançado no Brasil do que na Inglaterra. Não temos essa mesma pegada pelo território que vocês têm aqui no Brasil. Que é a ideia de que o território tem uma identidade que produz uma cultura e faz parte da cultura brasileira. A cultura, no melhor sentido do Brasil, é uma coisa cotidiana, que está introduzido na relação de algumas identidades e territórios. E isso faz o dinamismo da cultura brasileira, no melhor sentido que tem. Uma das coisas que acho que tem nesses encontros é um debate/diálogo entre Brasil e Reino Unido sobre esse fato de cultura ser direito, uma produção, criatividade, e não simplesmente um produto de arte. Com todas as nossas estruturas, artistas culturais bem fortes na Inglaterra, eu não tenho dúvidas que temos muita coisa para aprender com os territórios periféricos do Brasil. Quais são seus projetos futuros? Estamos fazendo um grande projeto sobre moradores de rua. Em abril, levamos uma delegação de brasileiros para visitar projetos no Reino Unido. Em novembro, um grupo de britânicos vai para o Brasil. Isso é parte de um evento para as Olimpíadas no ano que vem, com moradores de rua daqui, celebrando a cultura dessas pessoas em vez de pensar nelas como ameaças ao espaço público. Em maio, vamos celebrar os 500 anos de publicação do livro Utopia, do inglês Thomas More, uma parceria com o Sesc e o British Council. Utopia é um dos textos mais influentes do pensamento europeu. Ano que vem completa 450 anos da morte de Shakespeare e junto com o Centro Cultural Banco do Brasil, teremos aproximadamente três meses de atividades com essa relação. Desde 1995 fazemos esta celebração um ano sim, outro não. Neste ano uma diretora da Índia e outra Malásia vão participar, além da fotografa brasileira Ellie Kurttz. O mapeamento cultural entre Brasil e Reino Unido, elaborado pelo The Art of Cultural Exchange, um projeto de dois anos que termina em novembro de 2016, com um grande seminário no Rio de Janeiro. E o Someone to Watch Over Me, um projeto sobre segurança pública nas favelas, a percepção da comunidade sobre a polícia e a percepção da polícia sobre a comunidade. É uma coisa que temos que melhorar; projetos culturais podem entrar e colaborar para essa percepção.

9


10

brasilobserver.co.uk | October 2015

BRASIL GLOBAL

IGUALDADE DE GÊNERO EM QUESTÃO Luiza e Irlane, ambas de 16 anos, entregam Declaração das Meninas à presidente Dilma Rousseff e representam o Brasil na Assembleia Geral da ONU Por Karol Coelho

E

Ele é preparado para trabalhar fora, ela é ensinada a realizar afazeres domésticos; ele é encorajado a pegar todas, ela é aconselhada a não usar roupas curtas; ele tem um bom salário, ela ganha menos que seu colega homem; ele pode voltar o horário que quiser, ela não pode sair sozinha. Estas são situações recorrentes no mundo inteiro, independente da cultura, que mostram o quanto meninos e meninas são ensinados de formas diferentes a manterem um padrão desigual quando se tornam homens e mulheres. Até 2030, porém, o mundo todo terá que trabalhar para que tais situações deixem de existir. Um novo acordo global, firmado entre 25 e 27 de setembro, foi assinado pelos estados membros das Nações Unidas, definindo os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que substituirão os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), pós-2015. A nova agenda busca estruturar, de forma simultânea, os esforços globais em prol da erradicação da pobreza e da integração das dimensões econômica, social e ambiental do desenvolvimento. Ao todo, 17 objetivos foram estabelecidos, entre eles o quinto, que visa igualdade de gênero e empoderamento de todas as mulheres e meninas. Visando maior envolvimento e visibilidade do papel das meninas nessas negociações, levando em conta os diversos desafios que elas enfrentam em todo o mundo, a ONG inglesa Plan International idealizou o projeto “Essa é a minha vez!”. Desde o início do ano, garotas do Brasil, Paquistão, Quênia e Filipinas, entre 14 e 18 anos, participaram de encontros para debater sobre seus direitos. O projeto tem por finalidade apoiar o processo de desenvolvimento de habilidades de liderança de um grupo de meninas. Em cada país, foram eleitas representantes para participarem da Assembleia Geral da ONU. No Brasil, Luiza e Irlane fizeram parte desses encontros e foram escolhidas para representar as brasileiras em Nova York. Luiza mora na região norte do Rio de Janeiro com a mãe. Irlane mora com a mãe e os avós em Codó, no interior do Maranhão. Luiza estuda o 1º ano do Ensino Médio. Irlane faz o 3º. Luiza é vocalista de uma banda de rock e toca guitarra, gosta de ler sobre filosofia, psicanálise e espiritismo, além de ouvir música e mudar a cor dos cabelos. Irlane participa de projetos desenvolvidos pela Plan International Brasil, gosta de assistir filmes, ouvir música e ler. As duas têm 16 anos. “Esta é uma chance das meninas falarem por si e de galgarem espaços de incidência mais incisivos e experiências novas a partir um olhar local e possível para sua própria realidade”, explica Ana Nery Lima, Assistente Técnica de Programas da Plan International Brasil. Ana acredita que esta é uma oportunidade ímpar na vida de Luiza e Irlane. “O mais relevante é proporcionar a oportunidade para que elas acionem capacidades desenvolvidas no projeto, e desenvolvam outras formas de ver o mundo a partir de outros olhares”. Por meio de uma série de ações, a iniciativa busca fortalecer o conhecimento e capacidade das adolescentes para que se sintam confortáveis para expressar suas opiniões de uma forma eficaz e sem barreiras. Opiniões estas que foram registradas em um documento que foi chamado Declaração das Meninas, que, no Brasil, foi entregue à Presidente Dilma Rousseff semanas antes do encontro em Nova

Meninas apoiadas pela Plan International em NY

York, com o intuito de influenciar o governo a viabilizar suas demandas nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e nas políticas globais e nacionais, assim como planejar o monitoramento dos compromissos assumidos em seus respectivos países. A participação de jovens em negociações internacionais sempre despertou a atenção do mundo. Em 1992, uma menina canadense de 12 anos, Severn Suzuki, silenciou a cúpula climática da ONU ao destacar a falta de soluções encontradas pelos chefes de estados. Mais recentemente, a menina paquistanesa Malala Yousafzai, que tinha acabado de se recuperar de um atentado do Taliban, discursou durante a reunião dos jovens líderes na Assembleia Geral da ONU. Luíza e Irlane conheceram Malala durante a última assembleia e contam como foi todo o processo, desde o início do projeto até a participação na cúpula dos líderes mundiais e o que elas esperam daqui para frente sobre suas vidas e os direitos das meninas. BO: Antes do Projeto “Essa é a Minha Vez”, como você enxergava a questão dos direitos das meninas e como você enxerga agora? Luíza: Sempre fui um pouco feminista, eu só não sabia. Não tinha conhecimento sobre o que faltava para que as meninas tivessem de fato igualdade sobre os homens. Já passei por muitos perrengues na vida, por não me esconder, por sempre gostar de advogar por alguma causa. Se eu sentia que estava com a razão, eu falava. Milhares de vezes enfrentei diretores da minha escola porque meninos invadiam o banheiro feminino e nada era feito, ou porque só os


brasilobserver.co.uk | October 2015

DIVULGAÇÃO

Para alcançar a igualdade de gênero, os líderes mundiais devem criar medidas que alcancem as seguintes metas: g

g

g

g

Luiza (acima) e Irlane

meninos podem jogar futebol nas aulas de educação física. Eu sempre criava problemas com isso, porque é feio uma “moça tão bonita ser indignada com a vida”, como eles diziam. Agora eu sei que essas coisas acontecem porque sou menina. Antes da viajem para Nova York, eu achava que o maior problema a ser enfrentado no Brasil era a educação, e agora aprendi que é um problema mundial. Irlane: Antes do projeto, já tinha conhecimento sobre a importância da igualdade e equidade de gênero. Ter participado do projeto e da assembleia e ter feito parte da elaboração da Declaração Das Meninas só me fez ter mais noção ainda do quanto a igualdade de gênero é importante. Estar engajada com isto me deixa feliz, porque eu sei da sua importância, e sei o quanto isso pode mudar o mundo. BO: Em todo este processo, o que mais marcou você? Luíza: Aqui no Brasil, o que mais me marcou foi o encontro com as meninas das cinco regiões do país em Brasília. São fantásticas! Não falei uma palavra sem pensar em toda a experiência e o conhecimento que elas me passaram. E em Nova York, o que mais me marcou foi o discurso da Malala. Me apaixonei por ela desde as primeiras páginas do livro “Eu sou Malala”. Eu tive a honra de participar de um momento histórico. Nós, jovens do mundo todo que estavam reunidos na Assembleia, ganhamos uma lanterna cada um, uma lanterna que pouquíssimos têm no mundo, pois ela é recarregável com raios solares. E quando Malala se levantou

para discursar, todos nós levantamos juntos, e no meio do discurso a iluminação da ONU diminuiu e acendemos as lanternas. Foi a primeira vez que as portas de uma reunião como esta foram abertas para os jovens, todas as autoridades se viraram e olharam para as meninas. Irlane: Com certeza ter visto a Malala e ter estado junto com as meninas dos outros 3 países (Filipinas, Paquistão e Quênia) e ter visto que mesmo em meio a tantas diferenças em cultura e costumes, temos em comum os mesmos problemas (saúde, proteção, educação e profissionalização), a mesma força de vontade de mudar essa situação. Me sinto honrada por participar de toda a mobilização e Assembleia Geral da ONU, de ter estado junto às outras meninas. Me fez desejar que essa mobilização em busca da igualdade de gênero e dos direitos das meninas seja ainda maior, que o mundo inteiro saiba da importância e que nossos direitos sejam sancionados. BO: Você ficou satisfeita com os resultados da assembleia? Luíza: Não só satisfeita, me senti realizada. Fiquei emocionada ao ver os holofotes do mundo voltados para o assunto. Sou só um rostinho que apareceu lá pra falar. O que mantinham minhas cordas vocais eram todas as meninas do Brasil. Todas elas foram ouvidas. Irlane: Foi um passo ter sido o quinto Objetivo de Desenvolvimento Sustentável, pois é um sinal que tanto a igualdade de gênero quanto a saúde, a educação e a proteção são importantes. Os resultados estão ca-

minhando, estamos progredindo. Haver uma discussão sobre igualdade de gênero é um começo, criar esse tipo de discussões é gerar uma série de outras, tais como a quebra de tabus. É saber reconhecer que a igualdade de gênero é importante para fazer as coisas evoluírem. É um longo caminho a ser percorrido, deram um pontapé dizendo “Ei, igualdade de gênero é importante para o mundo evoluir”. É um caminho em direção à igualdade de gênero no mundo.

g

g

BO: Quais são suas expectativas daqui para frente? Luíza: Eu quero continuar ativa. Quero poder ajudar as meninas. Sem dúvidas, depois de tudo isso, algo vai acontecer. É como se tivessem preparado uma grande porção de argila e agora nos resta dar forma a ela. Meu maior sonho é ver todas as crianças na escola e nenhuma menina diminuída simplesmente por ser menina. Irlane: Quero ter certeza que no mundo em que vivo todas as oito bilhões de pessoas saibam que igualdade de gênero, saúde, educação e proteção não são privilégios, mas direitos. Precisamos ter a garantia deles. Eu tenho vários sonhos, mas um deles é que toda menina e toda mulher seja respeita e reconhecida pelo fato de ser menina e mulher, que tenhamos igualdade de gênero hoje, agora. Que o mundo saiba que as meninas/mulheres podem ser o que quiserem. Meu sonho é fazer graduação em Relações Internacionais e ser Embaixadora dos Direitos das Meninas e Mulheres do Brasil.

11

g

g

g

Acabar com todas as formas de discriminação contra todas as mulheres e meninas em toda parte; Eliminar todas as formas de violência contra todas as mulheres e meninas nas esferas públicas e privadas, incluindo o tráfico e exploração sexual e de outros tipos; Eliminar todas as práticas nocivas, como os casamentos prematuros, forçados e de crianças e mutilações genitais femininas; Reconhecer e valorizar o trabalho de assistência e doméstico não remunerado, por meio da disponibilização de serviços públicos, infraestrutura e políticas de proteção social, bem como a promoção da responsabilidade compartilhada dentro do lar e da família, conforme os contextos nacionais; Garantir a participação plena e efetiva das mulheres e a igualdade de oportunidades para a liderança em todos os níveis de tomada de decisão na vida política, econômica e pública; Assegurar o acesso universal à saúde sexual e reprodutiva e os direitos reprodutivos, como acordado em conformidade com o Programa de Ação da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento e com a Plataforma de Ação de Pequim e os documentos resultantes de suas conferências de revisão; Realizar reformas para dar às mulheres direitos iguais aos recursos econômicos, bem como o acesso a propriedade e controle sobre a terra e outras formas de propriedade, serviços financeiros, herança e os recursos naturais, de acordo com as leis nacionais; Aumentar o uso de tecnologias de base, em particular as tecnologias de informação e comunicação, para promover o empoderamento das mulheres; Adotar e fortalecer políticas sólidas e legislação aplicável para a promoção da igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres e meninas em todos os níveis.


12

brasilobserver.co.uk | October 2015

CONEXÃO BR-UK REPRODUÇÃO

Iniciativa é parte do Transform, programa de artes do British Council que conecta organizações do Brasil e Reino Unido

PARCERIA PROMOVE DIÁLOGOS DE ECONOMIA CRIATIVA

D

De setembro a dezembro, o British Council, em parceria com organizações brasileiras e britânicas que atuam na área de Economia Criativa, e com patrocínio do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Nacional), realiza uma série de debates a respeito de perspectivas, desafios e soluções com as quais os dois países vêm lidando na última década dentro deste tema. Os eventos são resultado direto de uma série de três publicações lançadas em 2014 pelo British Council, intituladas “Diálogos de Economia Criativa entre Brasil e Reino Unido”, com curadoria da economista Lidia Goldenstein. “A necessidade de articular um novo caminho para enfrentar os custos resultantes da ruptura do velho paradigma produtivo fez com que alguns países e cidades promovessem novas estratégias de desenvolvimento. Impôs-se assim uma reflexão sobre novos modelos de políticas públicas. Foi neste contexto que surgiu a ideia de que existia um conjunto de setores, denominados de ‘Economia Criativa’, que passavam a ser estratégicos graças à sua capacidade de alavancar o conjunto da economia nacional, tornando-a mais inovadora”, explica Lidia

Goldenstein. “Englobando um complexo de atividades que se alimentam da criatividade e das novas tecnologias, os setores criativos geram novos produtos e serviços que ‘transbordam’ para outras empresas dentro e fora do setor, inclusive nos mais tradicionais. Com ampla capacidade de geração de empregos mais qualificados e renda mais elevada, passam a ser o novo foco das políticas públicas que se reinventam a partir das novas necessidades impostas pelas transformações no cenário mundial”, conclui a economista. O conceito de Economia Criativa tem sido amplamente difundido e apropriado por governos, instituições públicas e privadas, produtores e artistas no Brasil. Entretanto, ainda faltam subsídios conceituais e práticos para potencializar os empreendimentos brasileiros nos setores de Economia Criativa, além de uma maior compreensão de dinâmicas socioculturais e de mercado, análise política e capacidade de articulação para a execução eficiente de políticas e planos de Economia Criativa tanto pelo setor público quanto pelo privado. Os debates têm a função de gerar

reflexão sobre essas questões, a partir de experiências já realizadas no Brasil e no Reino Unido, oferecendo inspiração para o desenvolvimento de novos projetos e políticas no contexto brasileiro. Espera-se, ainda, que estes diálogos contribuam para posicionar a Economia Criativa como um dos principais eixos estratégicos de desenvolvimento do país e estimulem a profissionalização em áreas de gestão para a Economia Criativa. Quatro capitais brasileiras recebem os eventos: Rio de Janeiro (29/9 e 30/11), Porto Alegre (13/10), Recife (15/10) e São Paulo (2/12 e 3/12). Em cada uma delas, o conteúdo dos debates dialogará com as necessidades locais sobre temas específicos na área de economia criativa – design e inovação, regeneração urbana e políticas públicas. A iniciativa é parte do Transform, o programa de artes do British Council que conecta organizações, artistas e especialistas do Brasil e do Reino Unido visando parcerias de longo prazo e o desenvolvimento das áreas artísticas dos dois países. Para fazer o download gratuito das publicações, acesse o site www.transform.britishcouncil.org.br

REINO UNIDO EXPANDE PRESENÇA NO BRASIL ANTES DA OLIMPÍADA 2016 O Reino Unido está se preparando para a Rio 2016 com um novo Consulado Geral piloto em Belo Horizonte para aproveitar ao máximo as oportunidades de comércio e de negócios antes dos Jogos. Hugo Swire, Ministro de Relações Exteriores do Reino Unido para a América Latina, visitou Minas Gerais para inaugurar o novo consulado, previsto para operar, inicialmente, por dois anos, enquanto o Brasil sedia os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2016. As equipes britânicas olímpica e paralímpica – Team GB e Paralympics GB – também escolheram a cidade como sede de seus campos de treinamento e preparação pré-Jogos, em julho e setembro de 2016. Belo Horizonte também vai sediar uma série de eventos teste para verificar as instalações de treinamento no próximo ano. Falando em Belo Horizonte, Hugo Swire disse: “Estou animado por abrir o nosso novo Consulado Geral Britânico em Belo Horizonte, e por visitar Minas Gerais pela primeira vez. Os olhos do mundo estarão no Brasil no próximo verão e eu não tenho nenhuma dúvida de que o povo de Minas Gerais vai fazer nossos 800 atletas Olímpicos e Paraolímpicos, treinadores, fisioterapeutas e pessoal se sentirem extremamente bemvindos durante os períodos de preparação”. “Os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos criarão uma forte ligação entre o Reino Unido e esta parte do Brasil e nós queremos que haja um legado duradouro. Nosso novo Consulado Geral nos permitirá apoiar as empresas britânicas que já investem em Minas Gerais, e ajudar outras a tirar partido das oportunidades excepcionais em ciência, inovação e educação nos próximos anos”, completou Hugo Swire.


brasilobserver.co.uk | October 2015

Por Dr. Paul Tulley

Lesões físicas e defeitos genéticos podem ter muita relevância na imagem de uma pessoa, tanto para o convívio próprio, quanto para o convívio social. Felizmente, aqueles que desejam corrigir esses defeitos podem recorrer à cirurgia reconstrutiva, que tem o objetivo de corrigir as anomalias de desenvolvimento ou substituir tecido que foi perdido por algum trauma ou cirurgia de retirada de câncer, e também substituir alguma função que tenha sido perdida. A cirurgia reconstrutiva é utilizada numa vasta gama de situações, como, por exemplo, a correção de defeitos congênitos como lábio leporino e/ou fenda palatina; reconstrução de trauma quando há tecido danificado (após acidentes ou queimaduras); após a remoção de tecido para a cirurgia de câncer de mama (mastectomia), pele, cabeça e pescoço. Casos que recorrem para a cirurgia reconstrutiva podem ser anormalidades ou defeitos de tecidos grande ou complexo. Em alguns casos envolve um número de diferentes tipos de tecidos, tais como pele, músculo, osso, nervo ou combinações destes. Técnicas modernas de cirurgia reconstrutiva permitem corrigir defeitos ou anomalias complexos, movendo ou transplantando a específica combinação e o volume de tecidos necessários para alcançar uma correção completa. Uma variedade de técnicas é utilizada, tais como enxertos de pele ou a transferência de um retalho de tecido a partir de uma zona para outra. Ambos são transportados diretamente se o defeito é perto da fonte do tecido doador, ou movido por transferência microvascular, caso o tecido(s) foi movido para uma área mais distante. Trata-se de criar um retalho de tecido em seus vasos sanguíneos, desconectando esses vasos de sua fonte e reconectando os mesmos a uma nova fonte de fornecimento de sangue mais perto do defeito utilizando técnicas de microcirurgia.

Isso permite uma reconstrução especialmente adaptada a cada paciente, que utiliza a quantidade e combinação de tecidos realmente necessários para corrigir cada defeito específico de cada paciente. CIRURGIA PLÁSTICA A cirurgia plástica é utilizada principalmente para aprimorar a aparência do paciente e melhorar sua qualidade de vida. Sempre tem uma característica específica que os pacientes querem melhorar, como o nariz ou seios. Eles podem ter notado mudanças depois da gravidez ou perda de peso no peito ou abdômen, ou perceber mudanças com o envelhecimento - particularmente na face. Estas áreas são todas possíveis de ser melhorada através de modernas técnicas de cirurgia plástica. Há uma significativa sobreposição entre as técnicas de cirurgia reconstrutiva e plástica. Muitas técnicas de cirurgia reconstrutiva incorporam ou utilizam técnicas da cirurgia plástica para obter um resultado estético ideal, como na cirurgia de reconstrução de mamas ou face. A compreensão profunda das técnicas de cirurgia estética e plástica é extremamente necessária durante o planejamento de uma cirurgia reconstrutiva, para atingir excelência no resultado. Da mesma forma, muitos procedimentos de cirurgia plástica são beneficiados com técnicas de cirurgia reconstrutiva, tais como a utilização de princípios de cirurgia reconstrutiva craniofaciais no rejuvenescimento da face e face-lifting. Os aspectos estéticos do procedimento reconstrutivo são discutidos com o paciente ao mesmo tempo do planejamento para a reconstrução. Isso envolve a identificação dos tipos de tecidos/ estruturas que estão faltando, se a reconstituição pode ser feita com tecidos adjacentes ou, caso necessário, localizar outro local do corpo que possa doar o tecido. A forma e a aparência estética susceptível a ser produzida pela reconstrução também será discutida nesta fase.

Bsc MB BS MD FRCS(Plas)

Acredite no

seu corpo!

Consultant Plastic, Reconstructive and Cosmetic Surgeon

Falamos português

Cirurgia plástica e reconstrutiva da face Seios e corpo, incluindo rejuvenescimento facial (facelift) Cirurgia plástica dos seios (aumento, redução e elevação) Contorno corporal (abdominoplastia, lipoaspiração e nádegas)

152 Harley St. London | 0207 183 1559 | enquiries@paultulley.com

13


14

brasilobserver.co.uk | October 2015

BRASILIANCE

A REPÚBLICA EM TESTE Respaldada pelo Supremo Tribunal Federal, Dilma Rousseff veta doações de empresas a partidos e candidatos, contrariando a Câmara dos Deputados, que arma retaliações. Como o Brasil vai sair dessa? Por Wagner de Alcântara Aragão

N

Nem a turbulência econômica, nem as ameaças de impeachment da presidenta Dilma Rousseff. O que está a colocar em xeque o equilíbrio entre os três poderes da República Federativa do Brasil são as decisões sobre o fim do financiamento empresarial de campanhas eleitorais, um dos itens da reforma política atualmente em discussão. O mês de outubro reserva episódios decisivos dessa novela. Para se ter uma dimensão desse teste, primeiro é preciso salientar que o fim do financiamento empresarial de campanhas corta o cordão umbilical que torna o poder político um instrumento do poder econômico. Ou seja, interesses arraigados da aliança entre a classe política e a elite econômica estão seriamente ameaçados. Para continuar no jogo e manter seus privilégios, os atores dessa aliança vão ter de sair da zona de conforto e buscar novas estratégias. Além disso, entre os três poderes – Executivo, Legislativo, Judiciário – e mesmo em cada um deles há divergências em torno da questão, que são difíceis de serem contornadas. E difíceis porque não se restringem a diferenças ideológicas, ou filosóficas. Em regra são divergências de ordem essencialmente pragmáticas, de defesa de interesses particulares, corporativos no máximo. A reforma, que deveria ser pensada com o propósito de modificar radicalmente o desgastado e desacreditado sistema político nacional, transformou-se em mera moeda de negociação de interesses entre as partes.

CENÁRIO Até o fechamento desta edição do Brasil Observer, o cenário era o seguinte: a presidenta Dilma Rousseff tinha sancionado, em 29 de setembro, o projeto de lei aprovado pelo Congresso e que instituiu uma minirreforma política no país. Vetou, entretanto, o ponto crucial da reforma: o financiamento empresarial de campanhas. Seguiu, assim, uma convicção pessoal, de seu partido (PT), dos partidos do campo de centro-esquerda e dos movimentos sociais progressistas. Mas Dilma contou com outro respal-

do fundamental. Duas semanas antes do veto da presidenta, o Supremo Tribunal Federal (STF) havia encerrado o julgamento de uma ação direta de inconstitucionalidade movida pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que questionava artigos da legislação eleitoral que autorizavam as doações de empresas a candidatos e partidos. Por oito votos a três, o STF considerou inconstitucional esse financiamento. A apreciação da matéria pelo Supremo levou mais de dois anos e foi marcada pelo polêmico voto (a favor do financiamento) do ministro Gilmar Mendes. Pelo menos até o momento em que esta edição estava sendo produzida, porém, o veto presidencial embasado em uma decisão do STF não era garantia definitiva de que o financiamento empresarial de campanhas vai acabar. O veto da presidenta, como manda a Constituição, precisa ser apreciado pelo Congresso (deputados federais e senadores), o que deve acontecer neste mês de outubro.

CARTADA Os parlamentares defensores do financiamento empresarial não se dão por vencidos e tentam mais uma cartada: condicionar a aprovação de outros vetos da presidenta, sobre matérias aprovadas no Legislativo que aumentam despesas do governo (contra o pacote de ajuste fiscal), à derrubada do veto ao financiamento de campanhas. A tática é aproveitar a mesma sessão do Congresso (Câmara e Senado juntos) para apreciar todos os vetos. A artimanha é defendida pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e rechaçada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Aliás, Câmara e Senado têm posicionamentos opostos quanto ao financiamento empresarial de campanhas, confirmando que as divergências se dão não apenas entre os poderes como dentro deles. O financiamento empresarial tinha sido aprovado pela Câmara dos Deputados, mas foi rejeitado em seguida pelo Senado. Na volta da proposta à Câmara, porém, os deputados conseguiram manter esta forma de financiamento

eleitoral no projeto de reforma política. Divergência mais grave é a existente dentro do próprio governo. Pior ainda: entre a presidenta Dilma Rousseff e o vice, Michel Temer (PMDB). No dia seguinte ao veto presidencial, Michel Temer se reuniu com líderes da oposição na Câmara dos Deputados defensores do financiamento empresarial de partidos e campanhas políticas. Em declarações à imprensa, Temer procurou não contestar o veto de Dilma, entretanto defendeu a aprovação do financiamento previsto em uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC 113/2015), atualmente no Senado, o que poria fim à inconstitucionalidade declarada pelo Supremo, no julgamento da ação movida pela OAB.

RELAÇÕES O veto ao financiamento empresarial de campanhas tende a piorar ainda mais as relações entre o Palácio do Planalto e o Legislativo. É o que avalia o doutor em Ciência Política Emerson Urizzi Cervi, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Para ele, mesmo fundamentada na decisão do STF, Dilma vai sofrer ônus por não referendar por completo a reforma aprovada pelo Congresso. Cervi considera, porém, que o desgaste não é necessariamente entre instituições – Executivo e Legislativo. “[A relação de Dilma deve se tornar mais estremecida] com setores e partidos políticos que têm em algumas lideranças no Congresso sua ‘ponta de lança’ para temas políticos. Não é o Congresso que é a favor [do financiamento empresarial de campanhas], mas líderes de grandes partidos, inclusive do PT, que usam suas bancadas no Congresso para garantir que os partidos continuem se relacionando com empresas financeiramente”, afirmou o professor ao Brasil Observer.

À DIREITA Em verdade factual, é na oposição à direita do governo Dilma que se encontra a maior defesa do financiamento empresarial de campanhas. E é essa oposição que tem buscado colocar tal


brasilobserver.co.uk | October 2015

Sacos de dinheiro marcaram ato pela reforma política popular, em Brasília. Segundo pesquisa Datafolha encomendada pela Ordem dos Advogados do Brasil, 74% dos brasileiros são contra o financiamento empresarial de campanhas.

FIM DE DOAÇÕES EMPRESARIAIS PODE VALER PARA ELEIÇÕES DO ANO QUE VEM

PEDRO FRANÇA/AGÊNCIA SENADO

questão como moeda na negociação para a apreciação dos vetos a matérias que elevam as despesas federais – a chamada “pauta bomba”. Tratam-se vetos presidenciais a projetos aprovados pelo Congresso que aumentam as despesas do governo em R$ 22 bilhões ao ano. Estão, dentre os projetos, a concessão de reajuste salarial médio de quase 60% aos servidores do Judiciário, a aplicação às aposentadorias e pensões a mesma política de valorização do salário mínimo e alteração nas regras do fator previdenciário. No encontro com Michel Temer, líderes da oposição de direita na Câmara foram explícitos em colocar como condição para desobstruir a sessão para a apreciação dos vetos o compromisso, por parte do Senado, de um calendário de tramitação da PEC 113/2015, a que constitucionaliza as doações de empresas a partidos e campanhas. “Queremos a fixação de um calendário de votação da PEC e, depois desse calendário definido, podemos pactuar também a agen-

15

da de votação da sessão do Congresso. Precisamos avançar na apreciação dos vetos e definir a questão do financiamento de campanha”, declarou o líder do DEM, deputado Mendonça Filho, à Agência Brasil. A sessão do Congresso Nacional estava convocada para 6 de outubro.

À ESQUERDA Na oposição à esquerda, liderada na Câmara pelo Psol, o veto da presidenta Dilma ao financiamento empresarial das campanhas políticas tem todo apoio. A legenda classifica o fim da doação de recursos financeiros por empresas como essencial para o combate à corrupção. “Trata-se de um passo decisivo para livrar nosso sistema político do controle dos grandes grupos econômicos e dos esquemas corrompidos que condicionam mandatos dos Executivos e Legislativos, ofendendo o interesse público”, assinala nota do Psol.

Por outro lado, lideranças do partido criticam a presidenta Dilma por não ter vetado também o que está sendo chamado de “lei da mordaça”. No projeto de lei de minirreforma política (PL 5735/2013), além do financiamento empresarial os deputados aprovaram restrições à participação de candidatos em debates de televisão. Pelo texto, as emissoras de rádio e TV só serão obrigadas a convocar para debates os candidatos de partidos com mais de nove representantes na Câmara Federal. Para o Psol, foi uma evidente tentativa da direita de impedir a participação de representantes da sigla em tais debates. Foi alterada ainda a distribuição do tempo de propaganda no rádio e na televisão entre os partidos, prejudicando as legendas menores. Eis o labirinto em questão. No meio de uma crise econômica e política – agravada pelo oportunismo de congressistas que trabalham em defesa dos próprios interesses –, o desafio do Brasil não é apenas achar uma saída para tal situação, mas chegar inteiro até ela.

Em 2016 há eleições municipais no Brasil (prefeitos e vereadores). Pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que considerou inconstitucional a doação de recursos financeiros por parte de empresas a candidatos e campanhas políticas, o pleito do ano que vem estaria livre do financiamento empresarial. Só seriam permitidas doações de pessoas físicas (atualmente limitada a 10% do rendimento bruto do ano anterior). “Nós verificamos que as doações pelas empresas acabam contaminando o processo politico-democrático e há uma captura pelo poder econômico do poder político, que é algo absolutamente inaceitável numa democracia”, disse o ministro Luiz Fux, relator da ação, à Agência Brasil. Ao Brasil Observer, o doutor em Ciência Política Emerson Urizzi Cervi, professor da Universidade Federal do Paraná, ponderou que, de imediato, a tendência é que poucos benefícios sejam percebidos pela população. “Vai depender muito de como o TSE [Tribunal Superior Eleitoral] vai regulamentar a matéria. Se deixar aberto para doações de empresas a partidos em períodos não eleitorais, e proibir para partidos e candidatos durante as eleições, ela pode gerar mais desequilíbrio ainda entre partidos grandes (PT, PSDB e PMDB) e todos os demais. Hoje, apenas esses partidos concentram a maior parte das doações de empresas em períodos não eleitorais”, afirma. Essa regulamentação, na avaliação do professor, é que será decisiva também para se verificar o peso que o fim do financiamento empresarial de campanhas terá no combate à corrupção. “Vai depender ainda de como os órgãos de controle estão capacitados para fiscalizar e punir possíveis desvios”, disse ele, citando o risco de crescimento de caixa dois como algo “real”. “Se houver fiscalização e punição, será um grande avanço para o sistema representativo. Se não, ou se a fiscalização for seletiva, poderá ter efeito contrário.” Cervi assinalou ainda que a corrupção não se combate apenas proibindo doações de empresas a campanhas. “Reduzir a questão da corrupção ao financiamento empresarial é um equívoco monstruoso. A corrupção antecede o financiamento de campanha.”


16

brasilobserver.co.uk | October 2015

SENHOR DO AJUSTE Estruturado desde os anos 1950 para viver de renda e títulos públicos, sistema bancário brasileiro desfruta dos juros altos, vira cúmplice do desemprego e engorda os lucros em plena crise Por Paulo Donizetti de Souza, da Rede Brasil Atual

E

Em recente entrevista a um jornal, o dono do Itaú Unibanco, Roberto Setúbal, fez menção à chamada Agenda Brasil, um conjunto de sugestões de políticas de governo a ser negociadas entre Planalto e Congresso. Setúbal disse que a iniciativa dá alguns “passos”, mas são medidas modestas, “para ir levando o país a sair um pouco dessa crise”. O banqueiro defende reformas mais amplas. Não menciona, por exemplo, a tributária, para que acionistas de grandes empresas, como ele, paguem mais impostos sobre seus lucros e para que o país arrecade mais. Mas acentua uma prioridade: “Reforma trabalhista”. Segundo Setúbal, o Brasil é um dos países com mais processos no mundo. “No Japão há 7 mil ações trabalhistas. Nos EUA, não chegam a 70 mil. No Brasil, temos alguns milhões”. Indagado se não seria porque há desrespeito a direitos dos trabalhadores, rebateu que o problema é a legislação: “Nenhuma empresa consegue cumprir”. No primeiro semestre deste ano, cada um dos seus 85 mil funcionários proporcionou, em média, um lucro de R$ 140 mil aos acionistas do Itaú, fazendo com que o banco atingisse resultado líquido recorde de quase R$ 12 bilhões. “Somos superlegalistas, mas simplesmente é impossível cumprir todos os detalhes,” disse Setúbal. Em 12 meses completados em 30 de junho, o Itaú Unibanco demitiu 2.392 pessoas. Seu concorrente direto, o Bradesco, cortou 5.125. Dos três maiores privados, o Santander foi o único que apresentou saldo positivo, contratou 1.485 a mais do que os que demitiu. A situação torna a proteção aos empregos uma das prioridades do Comando Nacional dos Bancários, que está em processo de negociação com a federação dos bancos, a Fenaban, para renovação da convenção coletiva nacional de trabalho – a data-base é 1º de setembro. De acordo como o comando, nos últimos quatro anos os salários dos contratados são 42% inferiores aos dos que saíram. Além disso, a compra do banco HSBC pelo Bradesco causa apreensão na categoria, já que não há caso de processo de aquisição que não tenha resultado em enxugamento de quadros de pessoal. Também preocupa o setor a meta, recentemente anunciada pelo Itaú, de avançar na substituição de suas 3.863 agências físicas por agências digitais. O banco de Roberto Setúbal prevê o fechamento de 15% das “agências de tijolo” em três anos, e de metade delas em dez anos. Hoje, 70% dos funcionários da instituição estão nessas unidades.

NUNCA ANTES Ao alcançar a soma de R$ 24 bilhões de lucros em seis meses, de janeiro a junho, os três maiores bancos privados do país ostentam situação incompatível com a realidade econômica brasileira. Enquanto a previsão para a variação do PIB para os próximos dois anos é de menos 2%, o resultado líquido do Itaú Unibanco é 25,7% superior ao do primeiro semestre do ano

passado. Ao passo em que a arrecadação do país sofre com a queda da atividade econômica, o ganho do Bradesco, de R$ 8,8 bilhões, é 20,6% mais gordo. E num período em que as taxas de desemprego apontam para cima e a renda média do trabalho, para baixo, o Santander comemora um salto de 15,5% em seu lucro semestral, para R$ 3,3 bilhões. Parte desse resultado vem da força do trabalho. Assim como o Itaú aumentou em 29,2% o lucro líquido médio proporcionado por funcionário, o Bradesco alcançou média de R$ 93,4 mil (mais 27,2%) e o Santander, R$ 66 mil (mais 12,1%). Outra parte vem das tarifas pagas pelos clientes – foram R$ 32,5 bilhões em receitas “com prestação de serviços” nos três maiores bancos privados de janeiro a junho deste ano – e dos juros dos empréstimos que tomam – as receitas com operações de crédito somaram R$ 95,6 bilhões. Há ainda uma outra fonte importante de renda para os bancos: a dívida pública. Na comparação com o primeiro semestre de 2014, o resultado do Itaú Unibanco com Títulos e Valores Mobiliários (TVM) cresceu 95,1%, o do Bradesco 44,8% e o do Santander 64,5%. Os três somados arrecadaram R$ 62,6 bilhões com TVM, em que têm grande peso os títulos da dívida da União remunerados com base na taxa básica de juros do Banco Central, a Selic, que está em 14,25% e proporciona ganhos reais (acima da inflação) próximos de 4% ao ano. Para o governo, em regime de ajuste fiscal desde o início do segundo mandato de Dilma Rousseff com objetivo de fazer sobrar dinheiro para fechar as contas, os juros da dívida representaram apenas no primeiro semestre uma despesa de R$ 225 bilhões. A pretexto de controlar a inflação e ajudar o país a atravessar um momento de crise, que o governo calcula durar até 2016, a política de juros – além de engordar os ganhos financeiros de quem aposta neles – esfria a atividade econômica. E a queda no nível de empregos e de renda faz setores dinâmicos, como indústria e comércio, parar.

RACIOCÍNIO ILÓGICO O professor José Carlos Braga, do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), lamenta que o governo Dilma tenha recuado da batalha contra a financeirização da economia. A partir de agosto de 2011, a taxa Selic passou por sucessivas reuniões no Comitê de Política Monetária, batendo em outubro de 2012 em seu mais baixo patamar histórico, 7,25% ao ano, ante uma inflação que marcava 5,45% (taxa real de 1,7%). “O sistema bancário do país não é partícipe do processo de industrialização como é tradição dos países em que políticas industriais se desenvolveram e se internacionalizaram. Desde o Plano de Metas de JK, nos anos 1950, se constituiu-se um sistema bancário privado inapto a apoiar o desenvolvimento”, lembra o professor.

O governo chegou a caminhar nessa direção. Os bancos públicos – Banco do Brasil, Caixa Federal, BNDES, Banco do Nordeste –exerceram papel determinante para forçar os bancos privados a adequar suas políticas de crédito, mas faltou continuidade. “Não houve reestruturação para que o setor privado fosse protagonista, e não apenas beneficiário, do processo de desenvolvimento.” Para Braga, no momento em que esse novo cenário se desenhava “para valer” – a partir da articulação dos bancos públicos – veio a reação política das forças econômicas. “Há economistas que defendem repassar os recursos do BNDES para os bancos privados”.

MEDIDAS CONECTADAS Os bancos públicos brasileiros que atuam no varejo incomodam. Banco do Brasil e Caixa tiveram no primeiro semestre lucro líquido de R$ 6 bilhões e R$ 3,5 bilhões, respectivamente, com crescimento de 11,5% e 2,8% sobre igual período de 2014. Enquanto o BB apresentou pequeno saldo positivo no número de empregados (crescimento de 0,7%, para 112 mil), a Caixa perdeu 1.853 postos de trabalho (queda de 1,86%, para 98 mil empregados). Ambas as instituições, além de pisar no freio nas concessões de empréstimos com que vinham puxando o mercado de crédito, também desfrutaram em seus balanços da política de juros altos do BC. Seus resultados com Títulos de Valores Mobiliários somaram R$ 47 bilhões de janeiro a junho, com aumento de 58,7% no BB em relação aos primeiros seis meses de 2014, e de 30,7% na Caixa. Ao iniciar o segundo semestre em busca de atenuar os impactos da crise política e econômica, o governo voltou a lançar mão de alguns estímulos ao mercado interno por meio dos bancos que controla. Foram criadas algumas linhas de financiamento voltadas a estimular as vendas de veículos e ofertas de crédito com juros reduzidos para empresas que não demitirem. “Que sentido têm isso com uma Selic desse tamanho? Parece cômico, se não fosse trágico”, critica Braga. “O país precisa de movimento conjunto de medidas estruturais e conectadas”, observa o professor. No Brasil, lembra Braga, a desindustrialização vem desde os anos 1990 e nada foi feito para detê-la. “País desenvolvido que se preza não abre mão de construir uma estrutura industrial vigorosa”, afirma. O economista encara com ceticismo as previsões da equipe econômica de que o momento crítico seja “passageiro” e se estenda até 2016, para então se iniciar o “novo ciclo de desenvolvimento” prometido por Dilma Rousseff. “Que raciocínio pode sustentar essa estimativa? É possível que seja uma crise passageira? Sim. Mas desde que se imponha outra forma de enfrentamento, que não seja esse que leva à recessão. Estamos na contramão. Se foi ruim para a Grécia, não será bom para o Brasil.”


brasilobserver.co.uk | October 2015

O DESAFIO DA ENERGIA LIMPA A produção brasileira de energia eólica e de biomassa cresceu nos últimos anos. Mas o país ainda patina em energia solar, em infraestrutura e inovação para depender menos das hidrelétricas e térmicas Por Maurício Thuswohl, da Rede Brasil Atual

C

Como evoluiu a matriz energética brasileira nesses 23 anos transcorridos desde que o país foi anfitrião da ECO-92, a histórica conferência global sobre meio ambiente realizada no Rio de Janeiro? Sempre observado por conta do desmatamento na Amazônia e suas consequências para o aquecimento da atmosfera, o Brasil costuma apresentar como trunfo sua matriz energética “limpa” e baseada no uso de usinas hidrelétricas. É um fato, mas as hidrelétricas, que há poucos anos foram responsáveis por mais de 80% da energia gerada no país, respondem em 2015 por “apenas” 66,6% da capacidade instalada nacional, segundo o Ministério de Minas e Energia (MME). Com as seguidas estiagens, a queda no nível dos reservatórios e o atraso na conclusão de grandes projetos como as usinas de Belo Monte, Santo Antônio e Jirau, as hidrelétricas vêm perdendo espaço para as térmicas, que queimam óleo ou carvão e são muito mais poluentes. Estas já são responsáveis por quase um terço (29,7%) da atual capacidade instalada de energia no Brasil, segundo o MME. Fontes de energia consideradas mais limpas, como a solar e a eólica, têm espaço e potencial para crescer no país, mas sua utilização em larga escala ainda depende de projetos e obras de infraestrutura. No que diz respeito à geração de energia eólica, os ventos parecem soprar a favor do Brasil. Segundo a Associação Mundial de Energia Eólica (WWEA, na sigla em inglês), o país registrou em 2014 o terceiro maior crescimento de mercado, atrás somente de Índia e Estados Unidos. O Brasil chegou ao fim de 2014 com 4.945 megawatts de capacidade eólica instalada e já em condições de operação comercial, de acordo com a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). O setor saltou de 90 usinas em condições de operação em 2013 para 195 este ano, um aumento de 117%.

CONECTAR REGIÕES De acordo com o MME, a geração de energia eólica responde atualmente por 3,7% da capacidade instalada. A expectativa é de que, com os próximos leilões a serem realizados pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), essa participação suba para 8% até 2018. Tal evolução, porém, pode ser prejudicada pela falta de infraestrutura para a transmissão da energia gerada pelos ventos. Na avaliação do ministério, o país precisa de R$ 6 bilhões para construir 4.087 km de novas linhas entre Bahia, Goiás, Minas Gerais e Espírito Santo. Outros R$ 600 milhões são necessários para a construção de 1.200 km de redes de interligação regional no Nordeste. Somente quando for de fato estabelecida uma ampla rede de conexão entre as regiões produtoras e os maiores centros consumidores – localizados no Sul e Sudeste do país – a opção eólica se tornará economicamente viável.

A expansão da geração eólica tem recebido investimentos. No principal leilão de Fontes Alternativas do ano (FA 2015), realizado em abril, foram contratadas três novas usinas, todas localizadas na Bahia, com capacidade de 90 megawatts e previsão de entrega da energia para janeiro do ano que vem. O mais recente Leilão de Energia Elétrica, realizado pela EPE em julho e com entrega prevista para 2018, contratou 19 projetos de usinas eólicas, com capacidade instalada de 538,8 megawatts na Bahia, Ceará, Maranhão e Piauí. No total, foram contratados 29 projetos, com capacidade de 669,5 megawatts, correspondendo a investimentos de R$ 2,5 bilhões. Outros leilões para fontes alternativas acontecerão ainda este ano. No primeiro trimestre de 2015, entraram em operação comercial 781,4 megawatts em novos empreendimentos eólicos, ou 49% do total de energia nova instalada no período. Segundo a EPE, a capacidade das usinas eólicas no Brasil será de 22,4 mil megawatts em 2023, ou 11,5% da capacidade instalada de produção de energia.

LUGAR AO SOL Segundo os dados do MME, para 2015, a energia solar representa somente 0,01% da matriz energética nacional, isso depois de um aumento de 207% em relação a 2014. A atual capacidade instalada de captação solar é de míseros 15 megawatts. Em um país que tem grande exposição ao sol o ano inteiro, o resultado mostra o quanto o setor tem espaço para crescer. O principal gargalo para o desenvolvimento dessa modalidade no Brasil continua sendo a falta de tecnologia nacional para a produção das chamadas placas fotovoltaicas e seus componentes, além de outros equipamentos. O governo tenta superar essa deficiência. O BNDES aprovou este ano um financiamento de R$ 26 milhões para um projeto de nacionalização de componentes de painéis fotovoltaicos desenvolvido pela empresa alagoana Pure Energy. A operação, aprovada no âmbito do Plano Inova Energia, é a primeira aprovação de financiamento do banco para um projeto na cadeia de fornecedores de energia solar. Ao mesmo tempo, a academia também mobiliza recursos para o desenvolvimento de tecnologias nacionais. Um projeto conduzido por pesquisadores do Núcleo de Tecnologia em Energia Solar (NT-Solar) da Faculdade de Física da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) pretende criar placas solares mais eficientes que a média mundial, e a custos menores. O projeto já recebeu R$ 6 milhões em investimentos por meio de uma parceria entre Finep, Petrobras, Eletrosul e Companhia Nacional de Energia Elétrica.

BIOMASSA E NUCLEAR Enquanto o desenvolvimento da produção eólica e solar ainda não é suficiente, outras fontes de energia contribuem para a matriz brasileira. A produção de

17

eletricidade a partir de biomassa, segundo o MME, participa este ano com surpreendentes 9,2% na capacidade instalada nacional, quase o mesmo resultado do gás natural (9,5%). No entanto, mais da metade da produção com biomassa se dá a partir da queima de bagaço de cana-de -açúcar, considerada poluente. A União da Indústria de Cana-de -Açúcar (Única) queixa-se da falta de infraestrutura eficiente e de aspectos regulatórios para o desenvolvimento de uma cadeia de geração elétrica a partir da biomassa. Segundo a entidade, a energia produzida com o bagaço poderia aumentar até 15% em 2015, desde que devidamente estimulada. O setor de biomassa vê crescer também alternativas mais sustentáveis, com o aumento no número de projetos para utilização do gás metano produzido em aterros sanitários ou de processamento do lixo urbano para geração de energia elétrica. O Brasil tem ainda a polêmica geração nuclear. As usinas Angra 1 e Angra 2, as únicas em operação no país, respondem hoje, segundo o MME, por somente 1,5% da capacidade instalada nacional. A construção de Angra 3 e a retomada de um programa nuclear, entretanto, fazem parte da agenda, admite o próprio governo. Em maio, a Associação Brasileira para Desenvolvimento de Atividades Nucleares ratificou uma declaração internacional, assinada por 39 países, que aponta “a geração de energia nuclear como melhor alternativa para frear o aquecimento global”. O governo brasileiro se comprometeu com a construção de 12 usinas nucleares até 2050.

NORTE E NORDESTE O crescimento da produção e oferta de energia eólica no Nordeste é notável. A projeção da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) é que até 2018 a região tenha mais de 15.000 megawatts de capacidade eólica instalada. Em três anos, somadas as fontes eólica, hidrelétrica e solar, produção total de energia limpa no Nordeste, deverá ultrapassar o patamar de 27.000 megawatts, o que colocará a região atrás apenas da Região Norte neste quesito. Dos 341 projetos de energia recém-leiloados pela EPE, 283 ficam no Nordeste. A opção eólica tem sido fundamental no enfrentamento ao atual momento de crise hídrica. Se dependesse somente do desempenho das hidrelétricas, a produção atual no Nordeste estaria em 2.800 megawatts, bem abaixo da capacidade de 6.000 megawatts, o que levaria inevitavelmente a uma crise na oferta de energia. Isso não está acontecendo graças à energia eólica gerada, principalmente, nos estados do Rio Grande do Norte, Ceará e Bahia. A expectativa da Aneel é que a temporada de ventos fortes no Nordeste – que vai de agosto a dezembro – torne a região autossuficiente ainda este ano. Novas usinas entrarão em operação em Piauí e Pernambuco.


18

brasilobserver.co.uk | October 2015

CONECTANDO

O EIXO INDEPENDENTE DO CENTRO Festivais como o Vaca Amarela crescem ano após ano e rompem com a noção de um Goiás sertanejo e interiorano

É

Por Carmem Curti

É fácil definir o estereótipo do goiano que o resto do Brasil tem como verdadeiro. Já reconhecida há décadas por suas duplas e cantores sertanejos, é quase impossível desvincular a região Centro-Oeste do país e, nesse sentido, principalmente Goiás, dos chapéus de cowboy, botinas e violas. O gênero musical e o arquétipo de quem o escuta são, para muitos, o cartão de visita do estado. Mas, mesmo levando em consideração os clássicos, a importância cultural do estilo e sua raiz extremamente fixada na vida de quem mora aqui, sabemos que nem só de um material se constrói uma casa inteira. Em Goiânia, capital do estado, a cena musical independente é a alternativa onde parte da população se refugia do sertanejo pop opressor. Através de pessoas interessadas e engajadas em movimentar esse eixo, ele se fortaleceu significativamente nos últimos 15 anos e suas bandas e festivais vêm ganhando cada vez mais espaço na agenda cultural nacional. Alguns dos festivais que acontecem aqui praticamente dividem o ano de quem espera ansiosamente pela época em que cada um acontece. Um dos mais expressivos e esperados, ao lado de outros como Bananada, Grito Rock e Goiânia Noise, é o Vaca Amarela. Em sua 14ª edição, o Vaca Amarela 2015 ocupou, dos dias 4 a 6 de setembro, a esplanada do Centro Cultural Oscar Niemeyer, em seus cerca de 19.000 m², com 10 mil pessoas que vieram assistir aos 45 shows da programação. Além desses shows, apresentações de “aquecimento” e encerramento do festival foram feitas antes e depois do fim de semana principal – os chamados Drops –, e uma conferência com mesas de conversa que discutiam, principalmente, o papel e a valorização crescente da produção cultural independente. Durante essa conferência (chamada de Desconferência), a secretária da Cidadania e da Diversidade Cultural do Ministério da Cultura (Minc), Ivana Bentes, ressaltou a importância da tentativa de descentralizar os festivais da região Sudeste do país. “Nós temos sempre que nos preocupar em aumentar o nosso repertório de cultura, e o que o Vaca Amarela está fazendo hoje é justamente isso: enriquecendo culturalmente a região em que é produzido”, disse Ivana, cercada de jovens músicos e produtores da cidade.


brasilobserver.co.uk | October 2015

CLÁUDIO COLOGNI/DIVULGAÇÃO

“Sou Goiano e Foda-se”. Nenhuma cena podia ser mais emblemática do que a banda Rollin Chamas no palco

O VACA O que aconteceu no Vaca Amarela 2015 foi o típico dos festivais atuais de Goiânia: ele, que nasceu um bezerrinho mais roqueiro do que qualquer outra coisa, provou mais uma vez que a cidade tem público para os mais variados gêneros musicais com a sua programação múltipla, que dissolvia qualquer tipo de barreira entre as pessoas dos mais diferentes estilos. Roqueiros assistiam e aplaudiam shows de rap, que por sua vez viu os seus fãs aplaudirem shows de funk e dancehall. Logo na sexta-feira, abertura do fim de semana do festival, foi dada ao público uma amostra do que ia ser o final de semana. Grupos locais, como o Components e o Chá de Gim, já chegaram deixando claro que as diferenças existem até entre nós: a primeira, um indie bem easy listening, e a segunda, uma mistura de cordel esquizofrênico politizado com batidas gostosas de ouvir, deram o tom para que os desavisados soubessem que não era simplesmente um festival de rock o que os esperava nos dias por vir. No mesmo dia ainda tocaram os goianos Luziluzia, João Canta Brandão e Carne Doce, todos cumprindo a missão de mexer com o público, além dos cariocas do Baleia, os paulistas de O Terno e o rapper Emicida, que dispensa apresentações. Tim Bernardes, vocalista da banda O Terno, falou inclusive sobre a dimensão do festival. “Em São Paulo nós que fazemos música independente já estamos acostumados a ver pequenas festas e shows acontecendo em casas que não chegam aos pés das proporções de um festival como esse. Extraordinário o que conseguem fazer aqui”, completou. No segundo dia de festival, mesma história. Uma noite encerrada por Tulipa Ruiz, a cantora paulista -barra-intérprete visceral-barra-querida, que apresentou o show da turnê Dancê, foi uma noite que deixou evidente não só a pluralidade da cena independente, mas a solidariedade de quem faz parte dela. Uma das atrações da noite, Lei Di Dai, levou para os palcos não só a energia do seu ragga/dancehall como convidou para o seu show um grupo de dançarinos de dancehall de Goiânia. “Eles são os melhores dançarinos do Brasil e muita gente ainda não conhecia. É importante para mim fortalecer o pessoal daqui enquanto eu estou aqui e ainda de quebra colocar a galera para dançar”, explicava Lei Di Dai para mim, enquanto o grupo de dançarinos era cercado por curiosos no backstage. Outra demonstração de solidariedade foi com a funkeira carioca Deize Tigrona, que, segundo a própria, acaba de sair de uma pausa depois de encontrar problemas para se manter com a música. Deize, que teve um funk seu sampleado pela cantora britânica M.I.A. e que já tocou com o famoso DJ e produtor musical Diplo, fez o seu show de maneira crua, quase sem produção – quase, porque estava acompanhada por duas drag queens locais, que dançavam suas músicas sem parar, e por João Lucas, coordenador geral do Vaca Amarela, que fez as vezes de DJ para Deize. No dia 6, último dia de Vaca Amarela, a esplanada do Centro Cultural Oscar Niemeyer estava lotada, e isso em parte por causa dos grupos já consagrados que faziam parte da programação, como a emocional Fresno e os headliners da noite, os cariocas do Cone Crew Diretoria, e em parte por causa das surpreendentes bandas locais, como Aurora Rules e Cherry Devil. Dentro desse grupo, shows como o da banda Dogman, por exemplo, foram uma montanha-russa de emoções: ora estávamos totalmente imersos no rock mais pesado feito pela banda, balançando a cabeça e atraídos pelo visual barbudo do vocalista, ora estávamos

g

19

recebendo agradecimentos do mesmo, que nos chamava de “fófis” e fazia referência a reality shows culinários. A Dogman, inclusive, é também uma prova de que em Goiânia há a vontade de fazer acontecer: a banda irá gravar seu primeiro CD, que foi financiado por um crowdfunding apoiado majoritariamente por goianos interessados nesse tipo de som. Outra banda que, literalmente, mobilizou desde o público até a produção do show, que subiu em peso no palco para curtir junto, foi a super goiana Rollin Chamas. A banda de rock escrachado é icônica na cidade e suas apresentações são sempre a joia da coroa de qualquer festival. É difícil até de descrever a energia que eles trouxeram para o Vaca. Vocalista fantasiado de mulher, drag queens, churrasqueira elétrica e sofá no palco, um cara com máscara de cavalo, chuva de cerveja, gente de cueca, Zé Capeta, berranteiro famoso por sua excentricidade, e um frango assado que foi dado de presente para a plateia: quase não fez sentido assistir a outro show (este foi o penúltimo) depois daquilo tudo. A plateia era um mar de bandeirinhas que foram distribuídas com o símbolo da banda, que é a bandeira do estado de Goiás com os escritos “Sou Goiano e Foda-se”. Nenhuma cena podia ser mais emblemática, naquele contexto, para encerrar o Vaca.

PILOTO Os dois palcos do festival foram batizados de Daniel Belleza e Carlos Brandão, duas figuras quase míticas no cenário cultural em Goiânia. A escolha dos nomes deixa evidente o orgulho que as pessoas envolvidas – artistas locais, produção e público – sentem de ver o festival crescer. É quase a regra por aqui levar em consideração o que era o eixo independente na cidade antes e o que ele se tornou. O coordenador geral do Vaca Amarela, João Lucas, fala que Goiânia já percorreu um longo caminho, mas que, para ele, ela é hoje em dia modelo para outras partes do Brasil que querem produzir festivais independentes e levar sua produção cultural a outro nível. “A cidade já tem uma tradição e foi o piloto para muito do que é feito em outras cidades nesse sentido, como Cuiabá, no Mato Grosso”. Mas todo piloto deve e precisa ser melhorado. Para alguns dos músicos locais entrevistados, o próximo passo é consolidar cada vez mais o público e mais perseverança de quem quer trabalhar com isso. Macloys Aquino, guitarrista da banda Carne Doce – que figura ao lado de outras como Boogarins e Hellbenders como um dos grandes destaques da música independente no estado – acha que em Goiânia há o ambiente ideal para se produzir bem música. “Um monte de banda, casas que as recebem, estrutura e cachês melhores que em outros lugares, técnicos melhores, lojas especializadas que são enormes, além dessa dinâmica que todos esses anos de festivais criaram. O que precisa é o artista lutar para conquistar espaço e ter foco enquanto tenta fazer isso”, ressalta. “Nós sempre tentaremos melhorar. O primeiro presidente da Associação Brasileira de Festivais Independentes, por exemplo, foi o Fabrício Nobre, que é goiano. Tem muita gente aqui que quer ver o cenário independente só se fortalecer. A perspectiva para o Vaca 2016 é manter e elevar a qualidade”, explica João Lucas. E a nossa esperança – dos que se refugiam no independente, dividem o ano em festivais e/ou não ficam bem de chapéu de cowboy – é justamente essa: poder continuar a ver a produção independente em Goiás crescer e dizer que somos parte disso de alguma forma.

Carmen Curti é estudante do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Goiás. Esta matéria foi produzida em parceria com o Brasil Observer para o projeto CONECTANDO. Saiba mais: www.brasilobserver.co.uk/about-conectando


20

brasilobserver.co.uk | October 2015

GERA

OPORTUNIDADE Como jovens de origem popular no Rio e em Londres estão criando no campo da música e da dança DIVULGAÇÃO

Uma das edições do I Am Next, idealizado por Seshie Henry e realizado em várias localidades de Londres Por Marília Gonçalves – da Agência de Redes para Juventude, em parceria editorial com o Brasil Observer

Tá tudo dominado! Jovens de periferia no Rio de Janeiro e em Londres estão sacudindo o mundo da produção de eventos para dar oportunidade a outros artistas populares. À sua maneira, a juventude questiona a antiga estrutura da indústria da música e cria alternativas. Este é o movimento que veremos aqui, na página da juventude agora no mundo. Ronaldo Marinho tem 21 anos, nasceu e foi criado no Cantagalo, favela localizada na famosa Ipanema, Zona Sul do Rio de Janeiro. O menino foi um dos primeiros jovens contemplados com 10 mil reais na Agência de Redes para Juventude. Na época com 17 anos, Ronaldo conta que era orientado por Marcus Faustini, idealizador e criador da Agência, a colocar sua ideia na rua, experimentá-la, ver como poderia impactar o seu território. Hoje, com outros cinco jovens, ele está em vias de realizar pela terceira vez o Festival Favela em Dança, primeiro no mundo produzido dentro de uma favela.

O FD é um festival que mescla as danças urbanas já tradicionais, como o Hip Hop e o Break, com o Funk carioca, representado no evento pelo Passinho. O objetivo dos realizadores do FD é mobilizar a população da própria favela em torno da realização do evento, fazendo com que os ganhos diretos e indiretos fiquem ali. Isso fica claro, por exemplo, na contratação de jovens moradores do Cantagalo como assistentes de produção ou na parceria com comerciantes locais. Além disso, durante o festival acontecem workshops de danças urbanas, iniciando novos bailarinos na arte. Em 2013, durante o primeiro Festival Favela em Dança, a quadra da escola Solar Meninos de Luz recebeu pessoas de várias cidades periféricas, como Duque de Caxias e Paracambi. “Foi incrível porque com 17 anos eu vi o meu projeto atingir diversas cidades do Estado do Rio de Janeiro. No primeiro dia a gente tinha mais de 120 pessoas fazendo aula. Foi muito gratificante ver o festival acontecendo”, lembra Ronaldo. De acordo com Ingrid David, que trabalha na comunicação e captação de recursos do projeto, o PATROCÍNIO

PARCERIA

Equipe do Favela em Dança, único festival de danças urbanas realizado dentro de uma favela

maior desafio é convencer que o festival é para todos. “Para quem mora na favela e para quem mora no asfalto”, explica. Ou seja, romper com a ideia de cidade partida. CONEXÃO RIO-LONDRES Seshie Henry tem 19 anos e é um jovem negro de Londres. Apaixonado por música, ele notou a falta de espaços na cidade para a ascensão de novos artistas. Assim, há aproximadamente um ano o menino idealizou o projeto I Am Next, que desenvolve na The Agency, a reprodução da Agência de Redes para Juventude na sua cidade. O projeto consiste na realização de eventos que funcionam como plataformas para dar visibilidade a jovens artistas underground, levá-los a novos públicos e possibilitar o acesso à indústria mainstream. Segundo o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Micael Herschmann, houve uma mudança significativa na indústria fonográfica nos últimos 20 anos com o enfraquecimento das gravações em discos. O grande ganho desta indústria passou a ser em cima de concertos,

apresentações ao vivo. Os grupos populares, no entanto, sempre tiveram esquemas de sustentabilidade calcados nas apresentações. “Eles usavam o fonograma como estratégia de divulgação”. No Brasil, há tempos existe uma economia informal em torno da realização de bailes (funk, no Rio, ou hip hop, mais forte em São Paulo), que movimentam empresários e produtores periféricos, além de outras áreas profissionais como da moda e beleza. “É um esquema que funciona, tem sustentabilidade”, explica o autor de “O funk e o hip hop invadem a cena”, entre outros livros. Neste momento, Ronaldo e Seshie estão em contato planejando uma parceria entre os projetos Favela em Dança e o I Am Next. Possivelmente, no próximo ano, os cariocas vão à Inglaterra participar da plataforma de exposição pensada por Seshie. A ideia é impulsionar a cultura carioca em Londres para realizar uma edição do Favela em Dança no velho continente. Se tudo der certo, fecha-se um ciclo, impulsionado pela Agência, de jovens de origem popular criando oportunidade para outros jovens no mundo.

REALIZAÇÃO

APOIO INSTITUCIONAL


brasilobserver.co.uk | October 2015

21

B R A S I L S E R V E R

MUTANTE MUTANTES DIVULGAÇÃO

ES VOLTA T N A T U M S O , A T IS TROPICAL O T N E IM V O M O D ÍCONE OVEMBRO N M E A IC N Ú O Ã Ç RESENTA P A A R A P S E R D N O AL

>> PÁGINA 22


22

brasilobserver.co.uk | October 2015

GUIA

TESÃO DE TOCAR Sérgio Dias: cantor, compositor e guitarrista

REPRODUÇÃO

DIVULGAÇÃO

Sérgio Dias conversa com o Brasil Observer antes de apresentação de Os Mutantes na Inglaterra: ‘Londres é sempre uma delícia, é nossa segunda casa’ Por Guilherme Reis e Gabriela Lobianco

OS MUTANTES Quando 18 de novembro Onde Village Underground Entrada £19.25 Info www.villageunderground.co.uk

Quando a banda Os Mutantes subiu ao palco do Barbican, em Londres, naquele dia 22 de maio de 2006, parecia que um dos maiores segredos da música moderna estava sendo revelado. Depois de mais de duas décadas, o grupo que influenciara tantos músicos do Brasil e do mundo estava na ativa novamente, com uma nova formação. No mês que vem, este sabor poderá ser provado mais uma vez, em show marcado para o dia 18 de novembro no Village Underground, importante reduto musical no coração de Shoreditch. Na liderança, o cantor, compositor e guitarrista Sérgio Dias, único remanescente da formação original. E qual é o motivo de mais uma turnê europeia? “Tesão de tocar”, revela Dias em entrevista ao Brasil Observer. “Dei uma parada em 2015, pois estava exausto depois de nove anos na estrada. Agora estou com as baterias recarregadas”. Aqueles que nunca ouviram a música de Os Mutantes, sem dúvida, já experimentaram sua influência. Durante a ausência da banda, seus registros foram passados de músico para músico como presentes, sempre inspiradores e capazes de alterar o cenário musical contemporâneo. As colagens sonoras e a tendência à ironia cultural são hoje uma estética prevalente na música moderna. Entre os admiradores da banda estão Flaming Lips, David Byrne, Devendra Banhart, Of Montreal e Beck, que inclusive dedicou a música “Tropicalia”, do álbum Mutations, aos brasileiros de Os Mutantes.

Da esquerda para a direita: Arnaldo Baptista, Rita Lee e Sérgio Dias no Festival Internacional da Canção, em 1968

“É maravilhoso ver que nosso trabalho é tão reconhecido e influente. São músicos sérios de alto quilate sendo tocados pelo que fazemos e isto é bom para mostrar que everything is possible”, diz Sérgio. O som único de Os Mutantes foi forjado em uma época de turbulência política e social. A cidade de São Paulo do início dos anos 1960 vivia os anseios de liberdade de uma nação sitiada. Os militares que estavam no poder jogavam duro contra qualquer coisa que parecesse contestar a ordem do dia. Naquele cenário, em 1964, dois adolescentes, Arnaldo Baptista e Rita Lee Jones, se conheceram em um concurso de bandas do ensino médio. Inspirados pelo disco Revolver, dos Beatles, os dois logo se uniram ao irmão de Arnaldo, Sérgio Dias, e formaram o que se tornaria Os Mutantes. Logo a banda, juntamente com outros músicos, escritores e artistas, estava participando de discussões que acabariam por evoluir para um movimento cultural definidor. Com elementos de crítica política, humor e uma gama eclética de estilos musicais, a Tropicália nasceu, assim como o primeiro disco da banda, Os Mutantes, de 1968. Em 1976, com sete álbuns gravados, a cantora Rita Lee deixa a banda para seguir carreira própria, e Sérgio Dias passa a liderar o grupo até que finalmente ele se desfaz em 1978. A influência de Os Mutantes, porém, se intensifica. Em 2000, o álbum

Technicolor, de 1971, é localizado e recebe uma resposta quase eufórica da crítica. Em 2006, a banda se reencontra e realiza show no Barbican, em Londres, seguido por apresentações triunfantes nos Estados Unidos. Sem a vocalista original, Rita Lee, e mesmo depois da saída de Arnaldo Baptista, Sérgio Dias decide manter a banda, que grava os discos Haih or Amortecedor, em 2009, e Fool Metal Jack, em 2013. Assim como para outros dois cabeças do movimento tropicalista, Caetano Veloso e Gilberto Gil, a cidade de Londres tem significado especial para Sérgio Dias. “Londres é sempre uma delícia, é nossa segunda casa”, confirma o guitarrista. “Os Mutantes agora está em um patamar na qual a dignidade de se pertencer a este nome ecoa pelo mundo inteiro, de Londres a Singapura. É muito gratificante”. E o que esperar do show na capital inglesa? “Cada show de Os Mutantes é imprevisível. O elemento principal é o publico, então é de acordo com eles. As músicas são tão fortes que podemos começar o show com ‘Minha Menina’ e acabar com ‘Dia 36’ que daria maior pé!”. O público, aliás, pode esperar uma série de canções em inglês, o que ajudará ainda mais para que a energia dos corpos dançantes da plateia tomem as guitarras e vocais do palco. Sérgio Dias já tem uma noção bem clara de quem estará lá no mês que vem: “Nosso amado e adorado público que não tem idade, nem passado nem futuro”.


brasilobserver.co.uk | October 2015

23

COLEÇÃO DE CACHAÇA NO CORAÇÃO DE CAMDEN Nas agitadas ruas de Camden Town, podemos encontrar um local que brinda o público com o verde amarelo da cultura brasileira, apresentando o país através de comida, drinks, decoração, música e uma coleção com aproximadamente 400 garrafas de cachaça. Os rótulos hoje estão divididos entre o bar Made in Brasil e o Made in Brasil Boteco, ambos no famoso bairro no norte de Londres. A coleção iniciou despretensiosamente há 11 anos quando, o bar abriu as portas. O antigo proprietário e o gerente compraram algumas garrafas para usar na decoração. Em seguida, o atual proprietário, Renato Paziam (foto), começou a trabalhar no local. Como sempre foi um apreciador de cachaça, Renato aumentou o número com um pedido gentil aos amigos: “Quando voltar do Brasil, me traz uma cachaça para a coleção?”, conta. “E isso perpassou os amigos e aumentou a rede com os clientes também. Não vou dizer que toda semana tenho uma cachaça nova, mas no mínimo uma vez por mês chega alguém com uma cachaça de presente”. De lá pra cá, o acervo tomou corpo e hoje completa o charme do ambiente das duas casas expondo rótulos de todas as regiões do país. “O Brasil produz cachaça em todas as regiões, é muita variedade. Por exemplo, em São Paulo, a região de Pirassununga produz a 51. Já em Minas, a região da Salinas. E no sul a chamada Weber Haus, produzida desde 1948 por família alemã”. Dentre os rótulos da coleção, Renato destaca a Anísio Santiago, que é considerada a melhor cachaça do mundo. A famosa Cachaça Sagatiba Envelhecida, um lote único que foi encontrado em um antigo edifício após 23 anos de envelhecimento em barris de carvalho europeus do século XIX. “A intenção é aumentar a coleção e valorizar um produto que é cara do Brasil e com excelente aceitação dos estrangeiros”. Ao todo, são 20 opções de cachaça no cardápio para degustação. CAIPIRINHA Sem dúvida alguma, a caipirinha é o mais famoso drink brasileiro. E o seu diferencial todo mundo já sabe: “caipirinha é feita com cachaça, com vodca tem outro nome, é a caipirosca”, enfatiza Renato. E conta que isso, “na maioria dos casos, é fator condicional para um estrangeiro pedir o drink: caipirinha com cachaça!”. No Made in Brasil você pode encontrar caipirinhas de diversos sabores, os coquetéis de cachaça, que o bar é pioneiro no Reino Unido. Fato que causa estranhamento para os brasileiros mais conservadores, mas após experimentar a aceitação é imediata!

CURIOSIDADES • Cachaça só é cachaça se tiver sido feita no Brasil! Qualquer outro destilado de cana-de-açúcar que tenha sido produzido fora do país deverá ter outro nome. • Em 1659, a coroa portuguesa proibiu a produção de aguardente no Brasil temendo a concorrência com a bagaceira, destilado português feito a partir da uva. • A proibição não ficou barato para a corte portuguesa. Em 1660, os produtores fluminenses se rebelaram e conseguiram tomar o poder no Rio de Janeiro durante cinco meses. Esse período em que o comércio da pinga foi liberado ficou conhecido como a “Revolta da Cachaça”. • Em 1789, durante a Conjuração Mineira, os intelectuais, sacerdotes e militares envolvidos tomavam cachaça como um símbolo de democracia. • Durante a Semana de Arte Moderna, em 1922, a cachaça foi fortemente exaltada. A intenção dos organizadores – artistas como Oswald de Andrade, Manuel Bandeira e Anita Malfati – era resgatar a rica cultura brasileira que a bendita guardava. • A cachaça é o terceiro destilado mais consumido no mundo. • Existem mais de 300 sinônimos para a cachaça. Bendita, marvada, caninha, branquinha, amarelinha, água que passarinho não bebe, parati e mé são só alguns deles… • A cachaça é a única bebida que pode ser envelhecida em mais de 30 tipos de madeiras – a maioria nacional, ou seja, não se encontra em outro país. • Existem hoje no Brasil mais de 40 mil alambiques produtores de mé! Cada produtor tem uma característica regional diferente. Isso torna nossa querida cachaça um dos destilados mais complexos em aroma e sabor do mundo. FONTE: QUINTAL DA CACHAÇA (WWW.QUINTALDACACHACA.COM.BR).


24

brasilobserver.co.uk | October 2015

ZAZA OLIVA

LUGAR NOVO, VIBE NOVA LONDON FASHION WEEK A London Fashion Week se despediu da Somerset House após seis anos e, no último mês de setembro, tomou a Brewer Street, no excitante bairro de Soho, uma região que exala criatividade. Durante cinco dias, o público pôde conferir mais de 120 coleções no Designer Showroom e 16 desfiles no British Fashion Council (BFC) Show Space. “A Somerset House é absolutamente linda, mas estávamos à procura de um local que fosse mais ligado ao West End. Ao andar pelas ruas de Soho você sente muita emoção e energia. É muito bom para um público internacional testemunhar isso e entender a inspiração criativa que começa a partir desta cidade incrível”, disse Caroline Rush, executiva-chefe do BFC em entrevista ao The Telegraph. Lugar novo, vibe nova. Como a área de Soho já é cool por si própria, não foi tão fácil distinguir quem estava só de passagem de quem realmente estava no grande evento de moda. Mas bastaram alguns minutos para eu entender perfeitamente quem fazia parte daquela multidão. Curiosos, empresários independentes anunciando suas próprias roupas, desenhistas, blogueiros, pessoas que apenas vão para aparecer... Um ambiente bastante divertido e inspirador. Confira as fotos da cobertura especial para o Brasil Observer!


brasilobserver.co.uk | October 2015

25

ZAZA OLIVA


26

brasilobserver.co.uk | October 2015

DICAS CULTURAIS

CINEMA

EXPOSIÇÕES

FILMES BRASILEIROS NO BFI LONDON FILM FESTIVAL

• Jia Zhangke, A Guy from Fenyang | Direção: Walter Salles Exibições: 7/10 – 9pm – BFI Southbank. 9/10 – 6.15pm – Curzon Soho • Neon Bull | Direção: Gabriel Mascaro Exibições: 9/10 – 9pm – Ritzy Cinema. 11/10 – 6pm – BFI Southbank • Command Action | Direção: João Paulo Miranda Maria Exibições: 8/10 – 8.45pm – Cine Lumiere. 10/10 – 6pm – BFI Southbank

CINECLUB BRAZIL

• Salve Geral | Direção: Sérgio Rezende Exibição: 7/10 – 6.30pm – Embaixada do Brasil em Londres • Colegas Direção: Marcelo Galvão Exibição: 21/10 – 6.30pm Embaixada do Brasil em Londres

SEBASTIÃO SALGADO | OTHER AMERICAS

Quando: 11 de setembro a 1º de novembro Onde: The Photographers’ Gallery (16-18 Ramillies St, W1F 7LW) Info: www.thephotographersgallery.org.uk

ROMEN GOUVEIA | SNOITCELFER

Quando: 17 de setembro a 1º de dezembro Onde: Coya London (118 Piccadilly, W1J 7NW) Info: www.braziliarty.org

PELÉ: ART, LIFE, FOOTBALL

Quando: 26 de setembro a 8 de outubro Onde: Halcyon Gallery (144-146 New Bond Street, W1S 2PF) Info: www.halcyongallery.com

VOCES | LATIN AMERICAN PHOTOGRAPHY 1980 – 2015

Quando: 10 de outubro a 9 de janeiro Onde: Michael Hoppen Gallery (3 Jubilee Place, SW3 3TD) Info: www.michaelhoppengallery.com

MARIANA CANET | NATURE

Quando: 16 de outubro a 13 de novembro Onde: Gallery 32, Embassy of Brazil (14-16 Cockspur, SW1Y 5BL) Info: www.culturalbrazil.org

MÚSICA AULA-CONCERTO SOBRE A MÚSICA DE NOEL ROSA

Quando: 13 de outubro Onde: King’s College London, Great Hall Entrada: Gratuita, sob registro Info: www.kcl.ac.uk

DOM LA NENA

Quando: 28 de outubro Onde: St. Pancras Old Church Entrada: £9.50 Info: www.stpancrasoldchurch.wix.com

ADRIANO ADEWALE

Quando: 19 de novembro Onde: Cecil Sharp House Entrada: £12 Info: www.efglondonjazzfestival.org.uk

RUBEM DANTAS

Quando: 19 de novembro Onde: The Forge Entrada: £15-£25 Info: www.efglondonjazzfestival.org.uk


brasilobserver.co.uk | October 2015

Descubra uma maneira mais rápida e simples de enviar dinheiro para seus entes queridos - Depósito em conta corrente

Use o código

BRASILWROB

e envie dinheiro de GRAÇA

*Válido para uma transação por pessoa para enviar dinheiro da Reino Unido para a Espanha e América Latina a partir de 8 de Juhlo até 31 de dezembro de 2015.

www.worldremit.com

27


28

brasilobserver.co.uk | October 2015

COLUNISTAS

FRANKO FIGUEIREDO

RODRIGUES, QUEM? Nelson Rodrigues é, provavelmente, o dramaturgo mais influente do Brasil. Mas, se ele é um grande sucesso entre os brasileiros, por que seus trabalhos não foram exportados em maior escala? Suas peças podem ser verdadeiramente traduzidas para o público britânico? Controverso, decadente, imoral, anticristo... Estes são apenas alguns dos muitos adjetivos associados ao dramaturgo brasileiro Nelson Rodrigues. Uma de suas peças, Álbum de Família, escrita em 1946, narra a vida de uma família semimítica vivendo fora da sociedade e atolada em incesto, estupro e assassinato – era tão controversa que foi censurada e só obteve permissão para ser encenada depois de 21 anos. Mesmo assim, Nelson Rodrigues é claramente o progenitor do teatro brasileiro moderno e seu status é o de um herói cultural. Nelson Rodrigues não é apenas o maior dramaturgo do Brasil, mas um tesouro nacional. O trabalho de Rodrigues é tão importante como o de Tennessee Williams, Eugene O’Neill ou Luigi Pirandello, tal é a qualidade universal, atemporal e subversivo de seu trabalho. Nelson Rodrigues foi o primeiro dramaturgo brasileiro a escrever diálogos que soam originais e autênticos para os brasileiros; sua linguagem é honesta, direta, fria, cruel, mas pulsante e com energia brasileira. Nas obras de Rodrigues reconhecemos nosso Brasil. Rodrigues cobriu cada tópico que sua geração (e muitas gerações depois) achou difícil tratar; e corajosamente expôs a hipocrisia que existe em torno da so-

ciedade brasileira: “Os defeitos existem dentro de nós, ativos e militantes, mas inconfessos”, escreveu ele, projetando essas ‘falhas’ no palco de forma bastante intensa. As peças de Rodrigues contêm grande dose de dramaticidade e personagens extravagantes, alguns remetendo às peças de Shakespeare, como Titus Andronicus, ou às tragédias gregas. Rodrigues começou sua carreira sendo repórter policial e, como tal, viu e escreveu sobre muitos assuntos sórdidos e trágicos. É essa narrativa humana trágica e incisiva, com muitos papéis femininos maravilhosos, que ele traz para o palco de forma espetacular. Em 2005, a Companhia de Teatro StoneCrabs, em associação com a Embaixada do Brasil em Londres, produziu uma série de leituras encenadas para testar as traduções de suas obras (Origens). O Ministério da Cultura do Brasil havia financiado as traduções (por Joffre Rodrigues e Toby Coe) de algumas peças de Rodrigues e uma equipe de diretores britânicos trabalhou nas leituras encenadas, que foram seguidas por debates abertos com o público, que incluiu diretores literários do National Theatre, Lyric Hammersmith e Royal Court. O trabalho foi fortemente criticado. Alguns acharam superficial, datado e ofensivo, e outros simplesmente adoraram, embora tenham achado as traduções ‘americanizadas’. O público ficou dividido, assim como na época de Rodrigues; mas como o próprio Rodrigues disse certa vez: “toda unanimidade é burra”. g

AQUILES RIQUE REIS

INDO ALÉM

Contra todas as probabilidades, a StoneCrabs deu um passo adiante e produziu algumas dessas obras, em Londres. Valsa n.6, encenada no teatro Greenwich Playhouse, foi saudada como “Brazilian magic” pela Time Out. Gareth Machin, então diretor artístico do Southwark Playhouse, programou a peça Senhora dos Afogados em sua última temporada por lá. “This is unbridled lunacy á la Blood Wedding and just as thrilling…”, escreveu Siobhan Murphy para o jornal Metro. StoneCrabs ainda produziu Toda Nudez Será Castigada, Doroteia e O Beijo no Asfalto para comemorar o 100º aniversário de Rodrigues. A obra de Nelson Rodrigues tem muito potencial para florescer no atual cenário artístico britânico. Com Rufus Norris no National Theatre e Vicky Featherstone no Royal Court, além de tantos outros diretores artísticos que estão em busca de mais diversidade e igualdade de oportunidades, parece que este é o momento ideal para que o trabalho de Nelson Rodrigues decole plenamente no Reino Unido. Para isso, é preciso uma boa injeção de recursos não só para traduzir o trabalho para o teatro britânico, mas para produzir as peças em teatros por todo o país, sendo este último o maior desafio. Sacha Rodrigues está aqui no Reino Unido com o objetivo de fazer a obra de seu avô brilhar no palco britânico. Estou muito ansioso para ver essa luz brilhar mais forte do que há dez anos.

Franko Figueiredo é diretor artístico e produtor associado da Companhia de Teatro StoneCrabs (stonecrabs.co.uk)

Ná Ozzetti ouviu as canções de Zé Miguel Wisnik pela primeira vez em 1985. Atraída pelo que escutou, gravou quatro delas em seu primeiro disco solo, três anos depois. Agora se reaproximaram: nasce o disco Ná e Zé (Circus Produções). Com direção artística dos dois, o trabalho reúne 14 músicas de Zé Miguel compostas entre os anos de 1978 e 2014, sendo oito inéditas em disco. A produção coube a Marcio Arantes, ele que também fez alguns dos arranjos e, dentre outros instrumentos, tocou baixos acústico e elétrico e guitarras de seis e 12 cordas. Há também arranjos escritos por Gui Amabis e por Tiago Costa – os demais foram criados coletivamente – e participações especiais de Arnaldo Antunes e Marcelo Jeneci. Louvo os que, indo além de seu tempo, geram belezas nunca vistas. Também louvo os que nos levam a altas viagens sonoras, trilhando quimeras ilusórias, quase inalcançáveis. Louvo a música e louvo os músicos que exprimem a emoção por meio de seus instrumentos e vozes. E feito Gilberto Gil, eu também “Louvo o amor que espanta a guerra”. E são justamente elas, as belezas ainda desconhecidas, que vêm aos borbotões, quase nos afogando com seu sensível conteúdo. Por tamanha riqueza, esses conteúdos nós devemos ouvir com o coração aberto, permitindo que nos inunde a alma e traduza emoções ainda anônimas. A voz de Ná Ozzetti vai além do limite: agudos lhes saem da garganta afiados e afinados como uma gilete, cujo corte rasga a pele sem que percebamos; a sensibilidade com que divide as frases melódicas é uma

adição da técnica ao sentimento. Sua emoção aflora a cada frase; sua respiração expõe o seu cantar, desnudando-o. Wisnik é um musicista da linha de frente do modernismo paulista. Sua visão musical é tão larga, quanto larga é a sua produção cultural. Suas composições destacam-se pela pluralidade poética e harmônica. Para iniciar, duas músicas entrelaçadas, quase xifópagas: “Gardênias e Hortênsias” e “Subir Mais”, ambas de Zé Miguel e Paulo Leminski. Ná começa o canto à capela. Logo a bateria puxa a levada para o pop. Seguindo, Ná e Zé cantam juntos... Bela abertura. “Noturno do Mangue” (Zé sobre poema de Oswald de Andrade) traz arranjo de Letieres Leite para metais e a participação sempre eloquente de Arnaldo Antunes, cuja voz grave e apaixonada tem aloucado encanto. Seu duo com Ná é belo, como belos são os versos oswaldianos. “Momento Zero” (Zé Miguel) tem Ná com sua voz cristalina e bonitos versos: Instante mudo/ No instante mudo/ Sem razão/ nem raiz/ Nada te peço/ Nem te confesso/ Somente estou aqui. Por fim, “Louvar” (Zé Miguel sobre poema de Cacaso): Me dá licença de cantar/ Também de agradecer/ Coragem pra querer/ Um verso pra louvar/ Louvar a gente do lugar/ Louvar quem vai nascer/ Quem vai permanecer/ Também quem vai passar. Após ouvi-los cantar, louvo Ná e louvo Zé, eles que me arrepiam da cachola ao pé. Louvo a música que queima a alma – e por que não, ué? –, mesmo que não definamos exatamente o que ela é. g

Aquiles Rique Reis é músico, vocalista do MPB4


brasilobserver.co.uk | October 2015

£10 Standard £8 Students

TRIO BARU 31st OCTOBER 7pm The Forge

3-7 Delancey Street,

Camden NW1 7NL

29


30

brasilobserver.co.uk | October 2015

VIAGEM ZIG KOCH

Este conteĂşdo foi patrocinado por Itaipu Binacional


brasilobserver.co.uk | October 2015

31

A cidade das Cataratas do Iguaçu é cercada por rios e tem em seu subsolo o segundo maior aquífero do mundo Foz do Iguaçu, na tríplice fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina, é uma cidade privilegiada pelas águas, que a cercam e são abundantes também em seu subsolo. É em seu território que o segundo maior rio da América do Sul, o Paraná, recebe as águas do Iguaçu, pouco depois dele formar as maravilhosas Cataratas, um fenômeno que a natureza criou há milhões de anos. Em seu subsolo está o Aquífero Guarani, a segunda maior reserva de água subterrânea do mundo, que se distribui por trechos do Brasil, Paraguai, Argentina e Uruguai. E há ainda o reservatório de Itaipu, um imenso lago de 1.350 quilômetros quadrados, criado artificialmente no Rio Paraná, para permitir o funcionamento da usina hidrelétrica construída por brasileiros e paraguaios na fronteira dos dois países.

CATARATAS O Rio Iguaçu, que nasce na região de Curitiba, capital do Paraná, atravessa o estado inteiro e, nos últimos quilômetros, no trecho em que faz fronteira com a Argentina, depois de uma curva e de uma corredeira, forma 272 saltos, com desnível médio de 72 metros. As Cataratas do Iguaçu são as maiores quedas do mundo em volume de água – em períodos normais, a vazão é de 1 milhão e 450 mil litros por segundo. Os saltos se apresentam num semicírculo que lembra uma ferradura e se estendem por 2.700 metros, dos quais 1.900 metros estão no lado argentino e 800 metros em território brasileiro. Para avistar as Cataratas em sua plenitude, é preciso conhecer as duas margens. Do lado brasileiro, é possível até fazer um passeio de barco debaixo delas, com direito a um “banho”, enquanto no lado argentino tem-se a dimensão, vista do alto, da imponência da Garganta do Diabo, o salto mais impressionante do conjunto de quedas. Toda essa exuberância garantiu às Cataratas do Iguaçu, em 2011, o título de uma das sete novas maravilhas da natureza. A eleição, promovida pela fundação suíça New Seven Wonders, teve votos de internautas do mundo inteiro.

PARQUES Tanto no Brasil como na Argentina, as Cataratas do Iguaçu estão cercadas por parques nacionais. Brasileiros e argentinos mantêm no total mais de 600 mil hectares de áreas protegidas

e outros 400 mil hectares de florestas ainda primitivas, que abrigam espécies ameaçadas de extinção, da flora e da fauna. Estima-se que existam nas matas 800 espécies de borboletas, além de 45 mamíferos, 12 anfíbios, 41 serpentes e 200 espécies de aves. Graças a essa riquíssima biodiversidade, somada à beleza cênica das Cataratas do Iguaçu, o Parque Nacional do Iguaçu, no Brasil, e o Parque Nacional Iguazú, na Argentina, foram declarados Patrimônio Mundial da Natureza pela Unesco.

ÁGUA QUENTE Cercada de rios, Foz do Iguaçu não utiliza os recursos do Aquífero Guarani para o abastecimento de água da população. Mas alguns poucos resorts de luxo oferecem, como atrativo, piscinas de águas termais, que vêm do subsolo a temperaturas em torno de 37 graus. A água termal, que permanece naturalmente quente o ano inteiro, também possui propriedades medicinais, permitindo banhos a qualquer hora do dia e em qualquer estação.

ITAIPU Responsável por 16% da energia elétrica consumida no Brasil e por 79% do consumo de eletricidade do Paraguai, a usina de Itaipu é o segundo maior atrativo de Foz do Iguaçu, visitada anualmente por mais de 800 mil pessoas. A usina, que em 1995 foi eleita uma das maravilhas da engenharia moderna, pela Sociedade Americana de Engenharia, oferece uma série de passeios, inclusive pelo reservatório, a bordo de um barco de luxo com capacidade para 200 pessoas. Gigantesca em todos os sentidos, Itaipu desperta interesse não só por sua estrutura física, mas pelo trabalho que desenvolve em relação à preservação ambiental de todo o seu entorno. Desde a criação do reservatório, em 1982, Itaipu já plantou mais de 44 milhões de árvores nas margens do reservatório. Seu principal programa socioambiental, o Cultivando Água Boa, ganhou da ONU, este ano, o prêmio de melhor prática do mundo em gestão dos recursos hídricos. Mas é nos números que a usina mais impressiona. Sua barragem tem quase 8 quilômetros de extensão e altura máxima de 196 metros, o equivalente a um prédio de 65 andares; o ferro e o aço utilizados na construção de Itaipu permitiriam construir 380 torres semelhantes à Eiffel, de Paris. O seu vertedouro, que tem como função

descarregar a água não utilizada para geração, tem capacidade para verter 62,2 mil m³/s, 40 vezes mais do que a vazão média das Cataratas do Iguaçu.

res da fauna e flora regionais; e o Porto Kattamaram, de onde se pode sair para navegar em um barco de 200 lugares pelo Lago de Itaipu.

PASSEIOS

PARQUE DAS AVES

Desde que foi aberta à visitação, em 1977, quando ainda estava em obras, a Usina de Itaipu já recebeu cerca de 20 milhões de visitantes, pelas margens brasileira e paraguaia. Hoje, os visitantes contam com três tipos de passeios: o Circuito Especial, que permite a visita ao interior da barragem; a Visita Panorâmica, com paradas estratégicas; e o test-drive de veículo elétrico, em que o visitante dirige um carro elétrico montado na própria usina, acompanhado de monitor. Os outros atrativos de Itaipu são a Iluminação da Barragem, em que a usina é iluminada gradativamente, com uma trilha sonora especial; o Ecomuseu, que traz detalhes e curiosidades da região onde a usina foi construída; o Refúgio Biológico Bela Vista, onde se pode conhecer de perto exempla-

Outro atrativo imperdível de Foz do Iguaçu é o Parque das Aves, que abriga mais de mil pássaros, de 150 diferentes espécies, algumas ameaçadas de extinção. Com 16,5 hectares de exuberante Mata Atlântica, é o maior parque de aves da América Latina. Mas, contrariando o nome, o parque não abriga apenas aves: ali é também o paraíso de répteis da fauna brasileira, como a jiboia, o iguana, o jacaré e a temida sucuri; e de graciosas borboletas, algumas raras na natureza. Para os cerca de 500 mil visitantes que o Parque das Aves recebe anualmente, o maior encanto é poder ficar bem perto dos animais. Dá até para tocar numa jiboia e deixar que uma arara, bem mansa, pouse em seu braço, para a fot o que ficará de lembrança do passeio.


32

brasilobserver.co.uk | October 2015

Subscribe now and get it in your doorstep!

12 editions

More information: contato@brasilobserver.co.uk

Payment forms: Bank Deposit or Paypal

6 editions


brasilobserver.co.uk | October 2015

BRUNO DI AS /

LONDON ESTÚDIO

RUFUS (W

EDITION

ION

Brazilian

LONDON

rapper ta

DECEMBE

R|JANUA

WW.RUFU S.A

DIVULGAT

CRIOLO IN

B R A S I L O B S E R V E R

lks exclusi

RT.BR)

RY

WWW.BR

ASILOBSE

RVER.CO.U

K

ISSN 2055

# 0 0 2 3

-4826

NEW YEAR... …AND W

vely to Bra

sil Observ

er

HAT’S IN

Who isn’t

dreaming

STORE FO

of a holid

R BRAZIL

HIDDEN P

ay in the

ARADISES

Brazilian

sunshine?

IN 2015 DIVULGAT

ION

33


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.