Brasil Observer #29 - Portuguese Version

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LONDON EDITION

ISSN 2055-4826

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B R A S I L O B S E R V E R JULY/2015

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CRÂNIO (WWW.CRANIOARTES.COM)


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EM FOCO Cortejando o Tio Sam: Dilma Rousseff vai aos Estados Unidos

LONDON EDITION

COLUNISTA CONVIDADO João Antonio Felício escreve sobre o futuro do trabalho no BRICS PERFIL Marcus Vinícius Fausitni, o criador da Agência Redes Para Juventude BRASIL GLOBAL A direita é pop: a nova roupa dos conservadores latino-americanos

É uma publicação mensal da ANAGU UK UN LIMITED fundada por:

ANA TOLEDO Diretora de Operações ana@brasilobserver.co.uk

CONEXÃO BR-UK Do estigma à estima: conheça o projeto Eyes of the Streets

GUILHERME REIS Diretor de Redação guilherme@brasilobserver.co.uk

BRASILIANCE O petróleo é nosso? Projeto quer mudar exploração do pré-sal BRASILIANCE Impostos no Brasil são mais desiguais do que propriamente altos Votação da maioridade penal na Câmara é apenas a ponta do iceberg CONECTANDO Semana de arte muda a rotina de uma pequena cidade paulista

ROBERTA SCHWAMBACH Diretora Financeira roberta@brasilobserver.co.uk EDITOR EM INGLÊS Shaun Cumming shaun@investwrite.co.uk

GUIA Baila Brazil: espetáculo da companhia Balé de Rua chega a Londres

DESIGN E DIAGRAMAÇÃO Jean Peixe peixe@brasilobserver.co.uk

DICAS CULTURAIS Criolo e Dona Onete dão toque brasileiro ao Womad Festival Clube do livro mergulha em ‘O Triste Fim de Policarpo Quaresma’

COLABORADORES Alicia Bastos, Ana Beatriz Freccia Rosa, Aquiles Rique Reis, Franko Figueiredo, Gabriela Lobianco, Ricardo Somera, Wagner de Alcântara Aragão

COLUNISTAS Franko Figueiredo em ‘O custo de fazer teatro’ Aquiles Rique Reis em ‘Quando o corpo é música’ Ricardo Somera em ‘Colabora, vai’

IMPRESSÃO St Clements press (1988 ) Ltd, Stratford, London mohammed.faqir@stclementspress.com 10.000 cópias

VIAGEM Foz do Iguaçu, o paraíso das águas

DISTRIBUIÇÃO Emblem Group Ltd. ARTE DA CAPA

Ananda Nahu | anahu.com Artista baiana radicada no Rio de Janeiro e formada pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia, Ananda mistura estilos, cores, aspectos visuais e técnicas de pinturas. Também cria murais complexos e coloridos enriquecidos com a figura de poderosas mulheres como peça central. No mês de junho, Ananda esteve no Reino Unido para participar do festival Vamos!, em Newcastle. Em Londres, deixou sua marca em muros no leste da cidade – como no canal do Broadway Market –, além de participar do lançamento do novo rótulo da Cachaça Abelha, que é assinado por Ananda Nahu.

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EM FOCO

AMIGOS NOVAMENTE?

PAÍSES REGULAMENTAM OPERAÇÕES DO BANCO DO BRICS

ROBERTO STUCKERT FILHO/PR

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A visita da presidente do Brasil, Dilma Rousseff, aos Estados Unidos foi saudada pelos dois países e por muitos analistas internacionais como o marco de um novo capítulo nas relações bilaterais entre as duas maiores democracias do hemisfério ocidental – estremecidas desde 2013, quando Dilma, ao descobrir ser alvo de espionagem do governo americano, decidiu cancelar uma viagem agendada ao país. “Nosso foco está no futuro”, disse o presidente Barack Obama, em entrevista ao lado de Dilma, após reunião na Casa Branca. “Acredito que esta visita marca mais um passo em um novo e mais ambicioso capítulo na relação entre nossos países”. A presidente brasileira foi na mesma direção. “Relançamos a relação com os Estados Unidos num patamar de maiores possibilidades futuras e presentes”, afirmou. Na mesma semana do encontro, porém, informações secretas obtidas pelo WikiLeaks revelaram detalhes sobre a espionagem da NSA, sigla em inglês da Agência Nacional de Segurança. Teriam sido interceptadas ligações de 29 números de telefone do governo brasileiro, incluindo a Presidência da República, o Ministério da Fazenda, o Banco Central e o Ministério das Relações Exteriores. Dessa vez, a Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República divulgou nota afirmando que a presidente Dilma Rousseff confia no presidente americano, Barack Obama, e em seu compromisso de que não haverá mais espionagem contra o Brasil e empresas brasileiras. O ministro da Secom, Edinho Silva, já havia dito que o governo considera o episódio superado e que as escutas telefônicas reveladas são de 2011. “A presidenta acabou de chegar de uma viagem produtiva aos Estados Unidos e vários acordos foram fechados. O foco agora é a manutenção das boas relações com os Estados Unidos e os futuros investimentos”, argumentou o ministro. Em meio a uma crise política e econômica, um escândalo de corrupção envolvendo um número cada vez

A presidente Dilma Rousseff durante declaração à imprensa com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama

maior de aliados do governo e índices de aprovação abaixo dos dois dígitos, Dilma Rousseff tem no front externo a esperança de gerar boas notícias. Por isso, a viagem foi dominada por questões comerciais. Em Nova York, Dilma buscou seduzir investidores com concessões na área de infraestrutura no valor de US$ 64 bilhões e, no Vale do Silício, procurou conselhos sobre inovação com empresários do setor de tecnologia. Já os americanos prometeram suspender a proibição às importações de carne brasileira, encerrando uma negociação que já dura quase 15 anos. E é possível também que, em 2016, os dois países assinem um acordo para a redução de barreiras não tarifárias e harmonização de procedimentos aduaneiros, o que deve acabar facilitando a entrada de produ-

tos brasileiros nos Estados Unidos, que ainda são o país que mais compra produtos industrializados do Brasil. Com US$ 9,7 bilhões de janeiro a maio de 2015, os Estados Unidos de Barack Obama são atualmente o segundo maior comprador de produtos brasileiros (contanto também não industrializados), atrás apenas da China, que importou do Brasil US$ 13,7 bilhões este ano. As exportações brasileiras aos norte-americanos, no entanto, caíram aproximadamente 8% em relação ao mesmo período de 2014, quando chegaram a US$ 10,5 bilhões. Nos primeiros cinco meses deste ano a balança comercial entre os dois países foi desfavorável ao Brasil em US$ 2 bilhões. No ano passado, as trocas de bens e serviços entre os dois países chegaram a US$ 110 bilhões e a intenção de ambos é que esse mon-

tante seja duplicado em dez anos. Brasil e Estados Unidos também se comprometeram a ampliar a participação de fontes renováveis em suas matrizes energéticas. O objetivo é que este índice, sem contar a geração de energia hidráulica, chegue a mais de 20% até 2030. De acordo com os dados mais recentes, de 2012, atualmente essa participação é de 12,9% nos Estados Unidos e de 7,8%, no Brasil, sem incluir hidrelétricas. Com ceticismo de ambos os lados do espectro ideológico – tanto dos que esperavam uma resposta mais efetiva de Barack Obama em relação às denúncias de espionagem quanto daqueles que consideram as ações de Dilma Rousseff ainda bastante tímidas – o sucesso da viagem vai depender do que acontecer daqui para frente.

Os presidentes dos bancos centrais dos países do BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – assinaram no dia 7 de julho acordo para regulamentar a injeção de capital no Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), também conhecido como Banco do BRICS. O documento foi firmado em Moscou, durante a reunião do grupo. O Acordo Inter-Bancos Centrais (ICBA na sigla em inglês) detalha procedimento e responsabilidade mútuos a serem adotadas pelos bancos centrais

do BRICS e regulamenta como cada país contribuirá com o capital autorizado de US$ 100 bilhões da nova instituição, dos quais US$ 50 bilhões são definidos como capital inicial e deverão estar disponíveis assim que a instituição começar a funcionar. Cada país fará um aporte de parte das reservas internacionais por operações de swap (trocas) executadas pelos bancos centrais. Em julho do ano passado, na reunião do BRICS em Fortaleza, os países do grupo assinaram a criação do NBD

e do Arranjo Contingente de Reservas (CRA na sigla em inglês) para definir a contribuição de cada um. Do aporte autorizado de US$ 100 bilhões, a China entrará com US$ 41 bilhões. Brasil, Rússia e Índia contribuirão com US$ 18 bilhões cada, e a África do Sul aportará US$ 5 bilhões. O NBD financiará projetos de infraestrutura nos países do BRICS, mas as operações podem ser estendidas a países em desenvolvimento que desejem fazer empréstimos com a instituição.


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COLUNISTA CONVIDADO

O FUTURO DO TRABALHO NOS O grupo avança, mas precisa criar alternativas e não manter os países como reféns do mercado financeiro Por João Antonio Felício g

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João Antonio Felício é presidente da Confederação Sindical Internacional (CSI), membro da Direção Executiva Nacional da CUT e do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais/GR-RI; este artigo foi publicado originalmente em brasilnomundo.org.br

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BRICS

Os BRICS já deixaram de ser uma completa novidade nas relações internacionais. Desde o seu surgimento como uma sigla formulada pelo mercado financeiro, até a estratégica criação do seu Banco de Desenvolvimento e de um Acordo Contingente de Reservas, este bloco vem se consolidando progressivamente como uma referência política inevitável na atual ordem mundial. Cada vez mais é importante saber o que pensam e o que querem os BRICS. É grande a expectativa em torno da próxima Cúpula Presidencial do bloco, que este ano estava marcada para o dia 10 de julho em Ufa, na Rússia. A despeito da heterogeneidade de seus membros e das dificuldades inerentes à construção de qualquer mecanismo intergovernamental, os BRICS já começam a se posicionar conjuntamente em fóruns multilaterais – como recentemente o fizeram na Organização Internacional do Trabalho (OIT), ao defender que esta tenha um papel de liderança na definição dos objetivos, metas e indicadores relacionados ao trabalho decente nas negociações da Agenda de Desenvolvimento Pós-2015 da ONU – e pode-se dizer que a mera criação do bloco tem servido de impulso às negociações bilaterais entre os países-membros, ainda que o maior fluxo continue a ser de todos com a China e vice-versa. Muito se fala do peso dos BRICS com relação ao tamanho da sua população (cerca de 40% de toda a humanidade) e à parcela do PIB mundial que é produzida nesses cinco países (em torno de 25%). Contudo, a situação laboral nos países dos BRICS tem recebido pouca atenção dos analistas e dos meios especializados. A População Economicamente Ativa (PEA) dos BRICS representa um enorme potencial produtivo, que hoje corresponde a mais de 1,5 bilhão de trabalhadores e trabalhadoras na ativa, com idade média relativamente baixa. Exceto pela África do Sul (25,1%), os níveis de desocupação nestes países são baixos para os padrões internacionais, ficando abaixo de 7% em todos eles. O desenho e a implementação de políticas públicas de educação, emprego e renda que de fato melhorem a situação do mercado de trabalho principalmente para os jovens, as mulheres e os negros, representaria um importante impulso econômico para cada um dos países dos BRICS. Decorre daí a imensa importância de uma maior e mais intensa coordenação entre os Ministérios do Trabalho dos cinco países, que possibilite avanços no campo dos direitos trabalhistas e novas possibilidades de cooperação. A institucionalização do Fórum do BRICS Sindical como um espaço oficial dos BRICS, assim como já é o Fórum Empresarial, é de extrema importância e seria um sinal dos governos nacionais de que se busca construir um melhor modelo de integração laboral no bloco. Infelizmente, em países como o Brasil, temos visto acontecer exatamente o contrário: na pressão por maiores margens de lucro, o setor privado vem fazendo pesado lobby no Congresso Nacional para a aprovação de um Projeto de Lei que, com o pretexto de regulamentar a terceirização de 12 milhões de trabalhadores, pretende precarizar o trabalho de mais de 40 milhões que atualmente têm seus direitos garantidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas.

O próprio governo brasileiro enviou ao Congresso medidas provisórias que dificultam o acesso dos trabalhadores ao benefício do seguro-desemprego e a outros direitos. É notório que o emprego formal e respaldado em uma relação de direitos laborais garantida na Constituição é um dos pilares fundamentais do desenvolvimento social de uma nação. Ao caminhar na direção da ampliação do mercado de trabalho terceirizado, o Brasil vai na contramão de economias desenvolvidas e das convenções internacionais da OIT. Aliás, são várias as convenções da OIT não ratificadas por todos os países dos BRICS. Algumas delas são indispensáveis para a organização dos trabalhadores e a garantia dos seus direito, como a Convenção 29 sobre Abolição do trabalho forçado ou obrigatório (China não ratifica) e a Convenção 87 sobre Liberdade Sindical e proteção ao direito sindical (Brasil, China e Índia não ratificam). De forma geral, a expansão da informalidade e da terceirização precisa ser combatida não apenas no Brasil, mas também nos outros países-membros dos BRICS, sobretudo na Índia e na África do Sul. A adoção de um piso de proteção social é urgente e colocar o trabalho no centro dos projetos de desenvolvimento quer dizer fomentar o bem-estar social contra o bem-estar do grande capital – que pelo menos desde a crise de 2008 tem sido incessantemente salvo com recursos públicos dos Estados. Significa também priorizar a economia real em detrimento do cassino rentista neoliberal que aprisiona as políticas macroeconômicas ao tripé de juros altos, com inflação e crescimento baixos. De pouco adiantará a criação do Banco de Desenvolvimento e do Acordo de Reservas se as políticas econômicas, de emprego e renda dos BRICS continuarem reféns do mercado financeiro. Além disso, estes dois instrumentos recém-criados devem abolir, de uma vez por todas, práticas draconianas como as condicionalidades cruzadas embutidas nos empréstimos do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, cruelmente impostas a governos em dificuldades de liquidez ou em busca de investimentos. Somente através de uma prática política e econômica distinta é que os BRICS terão legitimidade para disputar a hegemonia da política internacional com as nações hoje dominantes. O que está em jogo com a existência dos BRICS é a possibilidade de se construir um caminho mais autônomo de desenvolvimento nacional e inserção internacional, que seja distinto daquilo que já vigora, por exemplo, no G20, na OCDE ou na OMC. Para que isso seja realidade é preciso de alguma forma repensar o modelo de desenvolvimento em curso, não apenas no campo da economia e das finanças, mas também no da indústria, da tecnologia, da agricultura, da energia, e do meio ambiente. Sem isso, o futuro do trabalho nos BRICS estará privatizado, terceirizado e precarizado. Acima de tudo, é preciso recuperar o valor dos direitos, do que é público e da busca de um projeto coletivo de sociedade que promova a agenda do Trabalho Decente e não os interesses rentistas. Na atual disputa de hegemonia nas relações internacionais, se não forem os BRICS a fazê-lo, então quem o fará?


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PERFIL ANA TOLEDO

Em sua décima visita a Londres, criador da Agência de Redes Para Juventude conversa com o Brasil Observer sobre seu novo projeto – uma adaptação de Cidade de Deus para o teatro – e o país que ajuda a construir: “Não quero o comum, quero a diferença” Por Ana Toledo

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Marcus Faustini, com o codiretor Andre Piza à frente, dirige os três atores selecionados para a peça ‘City of God’

Fundador da Agência de Redes Para Juventude, colunista do jornal O Globo, produtor cultural, diretor de teatro e, como ele mesmo se define, realizador. Em sua décima visita a Londres, desta vez por dois meses, Marcus Vinícius Faustini está trabalhando na adaptação da novela Cidade de Deus, de Paulo Lins, para o teatro. Dirigindo três atores selecionados no Royal Stratford East Theatre, entre uma pausa e outra durante os ensaios, Faustini concedeu esta entrevista sobre seu mais novo projeto, revelando suas ideias sobre o Brasil que vive. Na primeira vez que esteve em Londres, o próprio faz questão de lembrar, Faustini veio observar. “Vim conhecer projetos de teatro, fui a Manchester conhecer pessoas que trabalhavam com juventu-

de, cultura, moradores de rua. Fiz um ‘intensivão’ de quinze dias, conhecendo e escutando”. Daquela experiência, após a identificação de pontos em comum com projetos já desenvolvidos no Brasil e uma forte conexão estabelecida no Reino Unido através do People’s Palace Project, coordenado por Paul Heritage, Faustini deixou como herança a The Agency UK, inspirada no mesmo modelo que desenvolveu no Brasil, cuja metodologia foi criada para transformar ideias de jovens de favelas cariocas em projetos para impactar suas comunidades. O tempo passou e Faustini hoje certamente não se sente mais um estranho em terras inglesas – se é que um dia ele realmente se sentiu assim. De todo modo, a palavra-chave aqui é “conexão”.


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CIDADE DE DEUS A decisão de trabalhar o emblemático texto de Cidade de Deus no teatro não é inusitada, pois a adaptação do mesmo para o cinema popularizou a obra, que ganhou mais de 50 prêmios internacionais, inclusive o prêmio britânico BAFTA. No entanto, Faustini vai além. “O filme é mais conhecido do que o livro, mas o livro tem um imaginário muito diverso, mostra a favela com uma diversidade muito grande. O fluxo de consciência do personagem narrador me interessa muito e os ingleses o consideram instigante”, explica. Além disso, o diretor tem uma relação muito próxima com a Cidade de Deus, bairro na zona oeste do Rio de Janeiro. “Acabei passando muitos domingos, finais de semana na Cidade de Deus. Tem muito a ver com a minha história”. A seleção para a adaptação, aliás, surpreendeu Faustini, pois mais de 300 atores se inscreveram. Quando indagado sobre as dificuldades de trabalhar com atores de diferentes realidades e geograficamente distantes da favela onde se passa a história, o diretor descomplica e diz que não se trata de uma dificuldade, mas de um primeiro passo para “estabelecer uma comunicação direta, superando e usando as culturas que todos trazem”. “O que nos separa nos aproxima, ao mesmo tempo. Esse é poder de aproximação do teatro”, completa. Com a mesma lógica, Faustini ressalta outra experiência desenvolvida desde 2012 no Rio e no Reino Unido, o Home Theatre Festival – metodologia que leva o teatro para dentro da casa das pessoas e já tem edições marcadas para os Estados Unidos e África do Sul. Cidade de Deus – ‘City of God’, em inglês – terá seis sessões em julho para um público de convidados e, em 2016, será transformada em algo maior, como adiantou Faustini sem dar outros detalhes.

CULTURA DA PERIFERIA Com uma longa trajetória na área cultural e com a atuação da Agência de Redes Para Juventude, Faustini desenvolve seu trabalho tratando a cultura como fator crucial para a transformação social. Ele destaca, no entanto, que não está inventando nada, pois tem em seu currículo a participação em escolas brasileiras que “sempre pensaram a realidade não apenas para traduzi-la, mas para agir dentro dela”. “Fazer arte para mim é uma maneira de fazer política. A arte não é um instrumento didático, ela inventa mundos, maneiras de ver a vida, formas de estar na vida”, destaca Faustini, sublinhando que a sua geração contribuiu para que as pessoas de origem popular sejam representadas por elas mesmas, e não pela classe média. “O mundo sempre foi narrado no Brasil a partir da classe média, mas existe uma geração de origem popular inventando maneiras de narrar o mundo, mundos sensíveis a partir do nosso ponto de vista”, argumenta. Faustini pontua também a importância da cultura digital para o movimento que se criou e que é chamado de cultura de periferia. Ele lembra que “Eliane Costa e Heloisa de Holanda analisam que a periferia só ga-

nhou esse vulto por causa da cultura digital”, que propiciou a articulação em rede e a possibilidade de expressão, exemplificadas com o “boom” do Passinho do Menor e o Funk. “O Funk não é apenas um gênero musical, é um fenômeno audiovisual, uma linguagem possibilitada pela cultura digital”, diz. “A cultura digital está intimamente ligada com a vida. E a arte na periferia também é uma relação com a vida, de expressar a própria vida com a arte. Acho que foi central para esse movimento, e eu não digo que gerou emancipação, mas um lugar de voz e de visibilidade. A cultura digital deu a possibilidade tornar linguagem o que antes era só vida”. Todo esse cenário, segundo Faustini, precisa de novas categorias críticas e estéticas para ser analisado. “Analisar a periferia e sua produção apenas como fenômeno sociológico é um lugar de poder, é mantê-la nesse lugar de commodity. É preciso analisar como arte”.

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ESPAÇOS DE DIÁLOGO Questionado sobre o momento em que o Brasil vive hoje, diante da evidência de que a intolerância e o conservadorismo parecem estar avançando ou ganhando mais projeção por conta da mídia tradicional e das redes sociais – embora, ao mesmo tempo, diversas formas de empoderamento da juventude, movimentos sociais e empreendedorismos estejam ocupando lugares de protagonismo na sociedade brasileira –, Faustini analisa que “com os governos do Partido dos Trabalhadores iniciou-se uma mudança, mas que não foram capazes de continuá-la”. E ressalta que o projeto atual está no limite. “Estar no limite é diferente de estar esgotado; penso que ainda há possibilidade de render coisas. Ele [o projeto] não consegue mais ver à frente, por quê? Não é falta de ideia, é falta de base social. O PT não incorporou as bases sociais que ele cativou”. “A não aposta no protagonismo dos pobres como donos de empresa, produtores, intelectuais – e não só como fornecedores de vida, de histórias de vida, como classicamente acontece no meio cultural – faz com que se perca a potência da imaginação que o Brasil pode ter. O Brasil é um país popular, ele pode ter uma caminho interessante para o mundo. E nós, tendo esse protagonismo, vamos fazer bem a todo mundo. É isso, talvez, que o Brasil precisa entender”, constata. “Os dados estão no ar e todo mundo querendo pegar, uns para segurar e outros para pegar de novo e levar para outro lugar”, argumenta Faustini, realçando a necessidade de criação de uma hegemonia de projeto de país, o que passa pelos empreendedores, pessoas da cultura, novos intelectuais, pequenos empresários. “Essas pessoas estão inventando esse novo Brasil. É preciso criar lugares de diálogo que assumam o conflito como produção e não como confronto e separação. É uma necessidade que passa pelo Estado equalizar a divisão dos recursos, democratizar a participação. Acredito na dimensão pública, eu não acredito na dimensão do comum. Não quero o que é o comum, na comunidade eu quero é a diferença”.

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BRASIL GLOBAL FERNANDO CONRADO

Rede de conservadores dos Estados Unidos financia jovens latino-americanos para combater governos de esquerda da Venezuela ao Brasil e defender velhas bandeiras com uma nova linguagem Por Mariana Amaral – da Agência Pública

Gloria Alvarez, a estrela da direita jovem latino-americana

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“o corpo é a primeira propriedade privada que temos; cabe a cada um de nós decidir o que quer fazer com ele”, brada em espanhol a loirinha de voz firme, enquanto se movimenta com graça no palco do Fórum da Liberdade, ornado com os logotipos dos patrocinadores oficiais – Souza Cruz, Gerdau, Ipiranga e RBS (afiliada da Rede Globo). O auditório de 2 mil lugares da PUC-RS, em Porto Alegre, completamente lotado, explode em risos e aplausos para a guatemalteca Gloria Álvarez, 30 anos, filha de pai cubano e mãe descendente de húngaros. Gloria ou @crazyglorita (55 mil seguidores no Twitter e 120 mil em sua fanpage do Facebook) ascendeu ao estrelato entre a juventude de direita latino-americana no final do ano passado, quando um vídeo em que ataca o “populismo” na América Latina durante o Parlamento Iberoamericano da Juventude em Zaragoza (Espanha) viralizou na internet. No principal fórum da direita brasileira, Gloria e o ex-governador republicano da Carolina do Sul David Bensley são os únicos entre os 22 palestrantes, brasileiros e estrangeiros, escalados para os keynote – palestraschave que norteiam os debates nos três dias do evento, batizado de “Caminhos da Liberdade”. Radialista há dez anos, hoje com um programa na TV, Gloria é uma show -woman cativante. Conduz com desenvoltura a plateia formada majoritariamente por estudantes da PUC gaúcha, uma das melhores e mais caras universidades do Sul do país. “Quem aqui se declara liberal ou libertarista que levante a mão?”, pede ao público, que responde com mãos erguidas. “Ah, ok”, relaxa.

Sua missão é ensinar a seus pares ideológicos como “seduzir e enamorar os públicos de esquerda” e vencer “os barbudos de boina de Che”, explica a jovem líder do Movimiento Cívico Nacional (MCN), uma pequena organização que surgiu em 2009 na Guatemala na esteira dos movimentos que pediam – sem êxito – o impeachment do presidente social-democrata Álvaro Colom. A primeira lição é utilizar nas redes sociais o hashtag criado por ela, “república x populismo”, para superar “a divisão obsoleta entre direita e esquerda”. “Um esquerdista intelectualmente honesto tem de reconhecer que a única saída é o emprego, e um direitista do século 21, que já se modernizou, tem de reconhecer que a sexualidade, a moral, as drogas são um problema de cada um; ele não é a autoridade moral do universo”, continua, sob uma chuva de aplausos. Nada de culpa, nem moral nem social, ensina. A mensagem é liberdade individual, “empoderamento” da juventude, impostos baixos, Estado mínimo – a plataforma da direita liberal (em termos econômicos) no mundo todo: “A riqueza não se transfere, senhores, a riqueza se cria a partir da cabecinha de cada um de vocês”, diz. Da mesma maneira, Gloria rebate programas sociais de assistência aos mais pobres, política de cotas para mulheres, negros, deficientes e até mesmo a existência de minorias: “Não há minorias, a menor minoria é o indivíduo, e a ele o que melhor serve é a meritocracia”. “Há uma verdade que todo ser humano deve alcançar para ter paz, se não quiser viver como um hipócrita. Todos nós, 7 bilhões e meio de seres humanos que habitamos este planeta, somos ego-

ístas. É essa a verdade, meus queridos amigos do Brasil, todos somos egoístas. E isso é ruim? É bom? Não, é apenas a realidade”, diz, definitiva. “Há pessoas que não aceitam essa verdade e saem com a maravilhosa ideia: ‘Não! [imita a voz de um homem], eu vou fazer a primeira sociedade não egoísta’. Cuidemse, brasileiros; cuide-se, América Latina! Esses espertinhos são como Stálin, na União Soviética, como Kim Jong-il, Kim Jong-un, na Coreia do Norte, Fidel Castro, em Cuba, Hugo Chávez, na Venezuela.” E por que “seguimos como carneirinhos” atrás desses “hipócritas”? Porque [faz careta e vozinha de velha] “nos ensinam que é feio ser egoísta e que pensar em nós mesmos é pecado. Quantos de vocês já não viram alguém dizer ‘ah, necessitamos de um homem bom, que não pense só em si”, diz, encurvando-se à medida que fala para em seguida recuperar a postura altiva: “Mira, señores, a menos que seja um marciano, esse homem não existe, nunca existiu, nem existirá jamais”. Aplausos frenéticos. Mas, explica, os “defensores da liberdade” também tem sua parcela de responsabilidade. Eles não sabem comunicar suas ideias, usar a tecnologia para “empoderar os cidadãos” e “libertar” a América Latina. “Se ficarmos discutindo macroeconomia, PIB etc., vamos perder a batalha. Temos que aprender com os populistas a falar o que as pessoas entendem, fazer com que se identifiquem”, ela diz. “E aqui vou lhes dar outro conselho porque dizem que nós, os liberais, somos malditos exploradores”, ironiza. “Encontrei um maneira muito bonita de definir o conceito de propriedade privada. E com esse conceito

de propriedade privada os esquerdistas fazem assim: Ôooooo! [inclina o corpo para trás].” A propriedade privada, diz, é o que acumulamos em toda uma vida, a partir de nossas primeiras propriedades: corpo e mente. O passado, afirma, não é igual para ninguém, esse acúmulo é pessoal. “Isso nos humaniza, dá um coraçãozinho a nós, liberais, tão desgraçados.” Risos. Aplausos. “Há pessoas que querem o direito à saúde, à educação, ao trabalho, à moradia. A ONU agora quer até o direito universal à internet”, desdenha, embora tenha acabado de dizer que a tecnologia é a chave para mudar o mundo. “Imaginem que, nesse auditório, alguns queiram o direito à educação, outros o direito à saúde, outros o direito à moradia. Então, se eu dou a vocês a educação, todos aqui vão pagar por isso, e vocês vão ser VIPs, e eles, cidadãos de segunda categoria. Se eu dou a eles a saúde, todos neste auditório vão pagar pela saúde deles, e eles vão ser VIPs. Se eu dou a esses as moradias, vou ter que tirar de todos vocês para dar moradia a eles, e eles vão ser esses VIPs. Isso não é justiça social, é desigualdade perante a lei”, conclui, novamente sob risos e aplausos. “Se cada um na América Latina tiver direito à vida, liberdade e propriedade privada, então cada um que vá atrás da educação que queira, da saúde que queira, da casa onde quer morar, sem precisar de super-Chávez, super-Morales, superCorrea”. Ovação. Assobios. Antes de encerrar os 40 minutos de exposição, Gloria convida os presentes a contrapor a visão de mundo que “vitimiza os latino-americanos”, “joga a culpa nos ianques”, mina a “autoestima” e a coragem de assumir riscos que exige o espírito empreendedor. A plateia aplaude de pé.


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Gloria Álvarez não representa nada exatamente novo. A grande diferença é a linguagem. O MCN (movimento a que ela pertence) recebe “fundos de algumas das maiores empresas da elite empresarial tradicional”, conta o jornalista investigativo Martín Rodríguez Pellecer, diretor do site guatemalteco Nómada. “Por fontes próximas, soube que uma das indústrias que os apoiam para campanhas de massa e lobby no Congresso é a Azúcar de Guatemala, um cartel poderosíssimo de treze empresas (a Guatemala é o quarto maior exportador mundial de açúcar), e as usinas guatemaltecas têm, inclusive, investimentos em usinas no Brasil.” O mesmo pode-se dizer em relação a suas ideias. Apesar do título sedutor, os libertarians – libertaristas em português – “são um segmento minoritário entre as correntes que ganharam influência no pós-guerra em oposição às políticas intervencionistas de inspiração keynesiana”, explica o economista Luiz Carlos Prado, da Universidade Federal no Rio de Janeiro. A partir da crise do petróleo dos anos 1970, economistas pró-mercado como o austríaco Friedrich Hayek (Prêmio Nobel de 1974), monetaristas da Escola de Chicago de Milton Friedman (Prêmio Nobel de 1976) e os novo-clássicos associados a Robert Lucas (Prêmio Nobel de 1995) passaram a dominar o pensamento econômico global e se tornaram conhecidos do grande público sob um único rótulo: “neoliberal”. Seus conceitos foram levados para a América Latina pelo setor mais conservador americano, representado principalmente pelos think tanks ligados a Ronald Reagan, que depois de ter perdido as primárias republicanas em 1968 e 1976, se elegeu presidente em 1980, tendo Friedman como principal conselheiro. Também predominaram no governo de Margaret Thatcher (1979-1991) na Inglaterra. “Os defensores do liberalismo clássico eram também defensores da liberdade política, mas a corrente chamada de ‘neoliberal’ defendia essencialmente a não intervenção do Estado na economia sem uma preocupação particular com a questão da liberdade política, chegando, em alguns casos, a apoiar sem constrangimentos governos ditatoriais como o de Pinochet no Chile”, observa Luiz Carlos Prado. A Guatemala de Gloria Álvarez é um bom exemplo de como as ideias libertarians se traduziram na América Latina. Em 1971, “uma parte muito representativa da elite econômica guatemalteca assumiu como projeto político o libertarismo de direita, quando fundou a Universidade Francisco Marroquín (UFM)”, conta o jornalista Martín Rodríguez Pellecer. “O fundador da universidade, Manuel Ayau, conhecido como El Muso, em alusão a Mussolini, se uniu ao projeto fascista anticomunista do Movimiento de Liberación Nacional (MLN). Desde então, a UFM vem formando quadros políticos e acadêmi-

cos para desacreditar o Estado e a justiça social e converter a Guatemala no país que arrecada menos impostos na América Latina (11% em relação ao PIB) e o que menos redistribui”, explica. Foi nessa universidade que Gloria estudou e “se converteu em uma libertarista um tanto menos conservadora que seus professores, uma mistura de neoliberais e Opus Dei. Álvarez se declara ateia e a favor do aborto e, embora tenha se tornado uma estrela da direita latino-americana, na Guatemala é uma referência menor para a direita, não tem base política nem vai ser candidata. Eu a vejo mais como uma enfant terrible libertarista”, diz Martín. Os libertarians ressurgiram com força nos Estados Unidos depois da crise de 2008 – e ao clamor subsequente pela regulamentação do mercado – e em decorrência da ascensão do democrata Barack Obama ao poder. Pregam a predominância do indivíduo sobre o Estado, a liberdade absoluta do mercado, a defesa irrestrita da propriedade privada. Afirmam que a crise econômica que jogou 50 milhões de pessoas na pobreza não se deveu à falta de regulação do mercado financeiro, mas pela proteção do governo a alguns setores da economia. E rejeitam enfaticamente os programas sociais do governo Obama. No entanto, uma parte significativa dos libertaristas tem se distanciado do tradicionalismo da direita no campo do comportamento, defendendo posições associadas à esquerda, como a defesa da liberação das drogas e a tolerância aos homossexuais, em nome da liberdade do individual. O senador republicano Rand Paul, pré-candidato à presidência, é um de seus representantes mais conhecidos. “Os libertarians que estão com os conservadores no Tea Party (a corrente radical de direita no Partido Republicano americano) estão em think tanks como o Cato Institute e compõem a direita pósmoderna, representada, por exemplo, por Cameron, na Inglaterra, que modernizou a agenda da redução do estado do bem-estar social”, resume o professor. Ele acha graça quando falo em libertarians brasileiros, seguidores da escola austríaca de economia de Ludwig von Mises e Friedrich Hayek. “A escola austríaca é uma corrente muito minoritária mesmo na academia”, diz. “Quem são esses libertarians? O que temos no Brasil são economistas sofisticados que seguem correntes como a dos novo-clássicos do prêmio Nobel Robert Lucas e outras similares, políticos de direita pouco elaborados como o Ronaldo Caiado (senador do DEM-GO) e essa classe média conservadora que lê Rodrigo Constantino na Veja”, resume. Caiado e Constantino são participantes veteranos do Fórum da Liberdade em Porto Alegre. A novidade é que os libertarians do Tea Party mostraramse enfim capazes de se apresentar como a face convidativa da direita para a juventude brasileira.

FELIPE GAIESKI

NEOLIBERAIS E LIBERTARISTAS

Rodrigo Constantino autografa livro para fãs durante o Fórum

VEM PRA RUA, CIUDADANO

Na véspera do Fórum, no dia 12 de abril, Gloria Álvarez discursou contra o “populismo maldito” vestida com uma camiseta de lantejoulas formando a bandeira do Brasil para cerca de 100 mil pessoas na avenida Paulista, em São Paulo, na segunda rodada de manifestações “Fora Dilma”. Do alto do caminhão do Vem pra Rua, o líder do movimento, Rogério Chequer, a apresentou à multidão como “uma das maiores representantes da batalha contra o populismo do Foro de São Paulo” e se manteve o tempo todo ao seu lado. Gloria, que havia anunciado antecipadamente sua presença nos protestos em uma entrevista no programa de Danilo Gentili no SBT, tinha dado uma palestra no Instituto Fernando Henrique Cardoso, assistida pelo próprio ex-presidente, três dias antes. Entre os que lideraram os protestos de março e abril contra o governo, o movimento de Chequer foi um dos últimos a assumir a bandeira do impeachment, o que lhe valeu um pito público do vetusto Olavo de Carvalho, que o acusou de “paumolice tucana”. O Movimento Brasil Livre (MBL), conhecido principalmente através da figura de Kim Kataguiri, assumiu desde o início a bandeira do impeachment e rompeu publicamente com Chequer, divulgando fotos dele ao lado do senador José Serra (PSDB-SP) na campanha de Aécio Neves – tachado de “traidor” pela hesitação em pedir o impeachment da presidente eleita. Voltaram às boas depois que a comissão de senadores liderada por Aécio e Ronaldo Caiado (DEM-GO) fez sua controversa expedição a Caracas. Caiado, aliás, estava no debate de abertura da edição do Fórum deste ano. Sem a graça irreverente de Glorita, o senador ruralista conservador arrancou aplausos da plateia com frases de efeito contra a corrupção do governo, menções ao Foro de São Paulo, pedido de “renúncia” à presidente Dilma e ataques ao BNDES.


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REPRODUÇÃO/FACEBOOK

Curiosamente, as acusações de Caiado foram feitas sob os logotipos da Gerdau e Ipiranga – do grupo Ultra –, que estão entre os maiores tomadores de empréstimos do BNDES segundo os dados levantados pela Folha de S.Paulo. Ambos obtiveram individualmente mais de R$ 1 bilhão de recursos do banco apenas entre 2008 e 2010. O empresário gaúcho Jorge Gerdau é um dos idealizadores do Fórum da Liberdade, que surgiu em 1988 com a intenção de promover o debate entre diversas correntes de pensamento. Em suas primeiras edições, o Fórum incluiu o ex-presidente Lula, o ex-ministro José Dirceu e o falecido ex-governador Leonel Brizola entre os debatedores, sem prejudicar sua identidade como principal fórum conservador do país. Foi ali que, em 2006, foi lançado oficialmente o principal think tank da direita no Brasil, o Instituto Millenium. Armínio Fraga (escolhido para ser ministro da Fazenda de Aécio Neves se ele vencesse as eleições) é sua figura mais conhecida no campo econômico. Seus mantenedores são a Gerdau, a editora Abril e a Pottencial Seguradora, uma das empresas de Salim Mattar, dono da locadora de veículos Localiza. A Suzano, o Bank of America Merrill Lynch e o grupo Évora (dos irmãos Ling) também são parceiros. William Ling participou da fundação do Instituto de Estudos Empresariais (IEE) em 1984, que, formado por jovens líderes empresariais, organiza o Fórum desde a primeira edição; seu irmão, Wiston Ling, é fundador do Instituto Liberdade do Rio Grande do Sul; o filho, Anthony Ling, é ligado ao grupo Estudantes pela Liberdade, que criou o MBL. O empresário do grupo Ultra, Hélio Beltrão, também está entre os fundadores do Millenium, embora tenha o próprio instituto, o Mises Brasil. A rede de think tanks liberais e libertaristas no Brasil se completa com mais duas entidades: o Instituto Ordem Livre – que realiza seminários para a juventude – e o Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista, do Rio de Janeiro, ligado ao Opus Dei. O jurista Ives Gandra, autor do controverso parecer sobre a existência de base jurídica para o impeachment da presidente Dilma, faz parte de seu conselho. A exemplo do Millenium, a grande maioria desses institutos foi criada recentemente. A semente original foi o Instituto Liberal, criado em 1983 pelo engenheiro civil carioca Donald Stewart Jr., falecido em 1999. De acordo com a tese de doutorado do historiador Pedro Henrique Pedreira Campos, da Universidade Federal Fluminense (UFF), “A ditadura dos empreiteiros (1964-1985)”, a Ecisa (Engenharia Comércio e Indústria S.A.), empresa de Stewart Jr., foi uma das maiores empreiteiras durante a ditadura militar e Stewart Jr. se associou à construtora norte-americana Leo A. Daly para construir escolas no Nordeste. A participação de companhias dos EUA nas obras era exigência dos financiamentos da Usaid – a agência de desenvolvimento americana que funcionava como braço da CIA durante as ditaduras latino-americanas. Donald Stewart Jr. também era um velho amigo de um personagem crucial nessa história, o argentino radicado nos

Estados Unidos Alejandro Chafuen, 61 anos; ambos eram membros da seleta Mont Pelèrin Society, fundada pelo próprio Hayek em 1947 na Suíça e sediada nos Estados Unidos, que reúne os mais fiéis libertarians. El Muso, o fundador da universidade onde estudou Gloria Álvarez, foi o primeiro latino-americano a presidir a Mont Pelèrin, e seu atual reitor, Gabriel Calzada, participa da diretoria com a brasileira Margaret Tsé, CEO do Instituto da Liberdade, o suporte ideológico do IEE. O atual presidente da Mont Pelèrin Society é o espanhol Pedro Schwartz Girón, semeador de think tanks vinculados à FAES, a fundação do Partido Popular (PP) presidida por José María Aznar, que promoveu o Parlamento Iberoamericano da Juventude, de onde Gloria Álvarez foi catapultada para a fama. Pedro Schwartz, Alejandro Chafuen e o colombiano Plinio Apuleyo Mendoza, coautor do livro “Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano”, um hit da juventude de direita, participaram do painel “América Latina”, no Fórum da Liberdade. Chafuen também participou discretamente dos protestos de 12 de abril em Porto Alegre. Não resistiu, porém, a postar em seu Facebook uma foto em que aparece vestido com a camisa da CBF abraçado ao jovem cientista político Fábio Ostermann, da coordenação do Movimento Brasil Livre – nome que assumiu nas ruas o grupo Estudantes pela Liberdade (EPL). O gaúcho Ostermann, o mineiro Juliano Torres e o gaúcho Anthony Ling são fundadores do EPL, a versão local do Students for Liberty, uma organização-chave na articulação entre os think tanks conservadores americanos – especialmente os que se definem como libertários – e a juventude “antipopulista” da América Latina. Mr. Chafuen, presidente da Atlas Network desde 1991, é o seu mentor. A Atlas Network (nome fantasia da Atlas Economic Research Foundation desde 2013) é uma espécie de metathink tank, especializada em fomentar a criação de outras organizações libertaristas no mundo, com recursos obtidos com fundações parceiras nos Estados Unidos e/ou canalizados dos think tanks empresariais locais para a formação de jovens líderes, principalmente na América Latina e Europa oriental. De acordo com o formulário 990, que todas as organizações filantrópicas têm de entregar ao IRS (Receita nos EUA), a receita da Atlas em 2013 foi de US$ 11,459 milhões. Os recursos destinados para atividades fora dos Estados Unidos foram de US$ 6,1 milhões: dos quais US$ 2,8 milhões para a América Central e US$ 595 mil para a América do Sul. Com exceção do Instituto Fernando Henrique Cardoso, todas as organizações citadas até agora compõem a rede da Atlas Network no Brasil, incluindo o MCN de Gloria Álvarez, a Universidade Francisco Marroquín e o Estudantes pela Liberdade, uma organização que nasceu dentro da Atlas em 2012. Como veremos, além dos recursos citados há projetos bem mais vultosos financiados por outras fundações e executados pela Atlas.

Alejandro Chafuen, da Atlas, com Fábio Ostermann do MBL na manifestação em Porto Alegre

MOVIMENTO BRASIL LIVRE Juliano Torres, o diretor executivo do Estudantes pela Liberdade (EPL), foi mais claro sobre a ligação entre o EPL e o Movimento Brasil Livre (MBL), uma marca criada pelo EPL para participar das manifestações de rua sem comprometer as organizações americanas que são impedidas de doar recursos para ativistas políticos pela legislação da receita americana (IRS). “Quando teve os protestos em 2013 pelo Passe Livre, vários membros do Estudantes pela Liberdade queriam participar, só que, como a gente recebe recursos de organizações como a Atlas e a Students for Liberty, por uma questão de imposto de renda lá, eles não podem desenvolver atividades políticas. Então a gente falou: ‘Os membros do EPL podem participar como pessoas físicas, mas não como organização para evitar problemas’. Aí a gente resolveu criar uma marca, não era uma organização, era só uma marca para a gente se vender nas manifestações como Movimento Brasil Livre. Então juntou eu, Fábio [Ostermann], juntou o Felipe França, que é de Recife e São Paulo, mais umas quatro, cinco pessoas, criamos o logo, a campanha de Facebook. E aí acabaram as manifestações, acabou o projeto. E a gente estava procurando alguém para assumir, já tinha mais de 10 mil likes na página, panfletos. E aí a gente encontrou o Kim [Kataguiri] e o Renan [Haas], que afinal deram uma guinada incrível no movimento com as passeatas contra a Dilma e coisas do tipo. Inclusive, o Kim é membro da EPL, então ele foi treinado pela EPL também. E boa parte dos organizadores locais são membros do EPL. Eles atuam como integrantes do Movimento Brasil Livre, mas foram treinados pela gente, em cursos de liderança. O Kim, inclusive, vai participar agora de um torneio de pôquer filantrópico que o Students For Liberty organiza em Nova York para arrecadar recursos. Ele vai ser um palestrante. E também na conferência internacional em fevereiro, ele vai ser palestrante”, disse em entrevista por telefone. Remunerado por seu cargo na EPL, Juliano conta que tem duas reuniões online por semana com a sede americana e que

ele e outros brasileiros participam anualmente de uma conferência internacional, com as despesas pagas, e de um encontro de lideranças em Washington. O budget do Estudantes pela Liberdade no Brasil deve alcançar R$ 300 mil este ano. “No primeiro ano, a gente teve mais ou menos R$ 8 mil, o segundo foi para R$ 20 e poucos mil, de 2014 para 2015 cresceu bastante. A gente recebe de outras organizações externas também, como a Atlas. A Atlas, junto com a Students for Liberty, são nossos principais doadores. No Brasil, as principais organizações doadoras são a Friederich Naumann, que é uma organização alemã, que não são autorizados a doar dinheiro, mas pagam despesas para a gente. Então houve um encontro no Sul e no Sudeste, em Porto Alegre e Belo Horizonte. Eles alugaram o hotel, a hospedagem, pagaram a sala do evento, o almoço e o jantar. E tem alguns doadores individuais que fazem doação para a gente.” A fundação da EPL no Brasil veio depois de Juliano ter participado de um seminário de verão para trinta estudantes patrocinado pela Atlas em Petrópolis, em 2012. “Ali mesmo a gente fez um rascunho, um planejamento e daí, depois, a gente entrou em contato com a Students for Liberty para oficialmente fazer parte da rede”, diz. Depois disso, ele passou por quase todo tipo de treinamento na Atlas. “Tem um que eles chamam de MBA, tem um treinamento em Nova York também, treinamentos online. A gente recomenda para todas as pessoas que trabalham em posições de mais responsabilidade que passem pelos treinamentos da Atlas também.” Os resultados obtidos pelos brasileiros têm impressionado a sede nos Estados Unidos. “Em 2004, 2005 tinha umas dez pessoas no Brasil que se identificavam com o movimento libertário. Hoje, dentro da rede global do Students for Liberty, os resultados que a gente tem são muito bons. Uma das maneiras de medir o desempenho das regiões é o número de coordenadores locais. Em todas as regiões, contando a América do Norte, a África, a Europa, a gente tem mais coordenadores que qualquer região separadamente. Nos Estados Unidos, a organização existe há oito anos; na Europa, há quatro; aqui, há três anos. Então, a gente


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FERNANDO CONRADO

FERNANDO CONRADO

Marcel Van Hattem, deputado do PP-RS, apresenta sua teoria sobre o governo brasileiro

O “herói” do Fórum, Kim Kataguiri, encontra o patrocinador da festa, Jorge Gerdau

está tendo mais resultado em muito pouco tempo que acaba traduzindo em maior influência na organização.” Há dois brasileiros no International Board do Students for Liberty (entre dez membros), e o relatório deste ano dedica uma página especialmente às manifestações do MBL no Brasil. A brasileira Elisa Martins, formada em Economia na Universidade de Santa Maria (RS), é a responsável pelos programas internacionais de bolsas de estudo e treinamento de lideranças jovens na Atlas Network. Os programas são realizados em parceria com outras fundações, principalmente o Cato Institute, a Charles G. Koch Charitable Foundation e o Institute of Human Studies – fundações ligadas à família Koch, uma das mais ricas do mundo. Juntas, as 11 fundações dos Koch despejaram US$ 800 milhões nas duas últimas décadas na rede americana de fundações conservadoras. Outra parceira importante é a John Templeton Foundation, de outro bilionário americano. Essas fundações têm orçamentos bem maiores do que a Atlas e desenvolvem programas de

fellowships em que entram com recursos e a Atlas, com a execução. Um exemplo desses projetos é o financiamento da expansão da Rede Students for Liberty com recursos da John Templeton, fechado em 2014 com mais de US$ 1 milhão de orçamento. Por isso, embora apareça em terceiro lugar entre as financiadoras do Students for Liberty, a Atlas levanta um volume bem maior de recursos para a organização através de suas parceiras. Todos os maiores doadores do Students for Liberty também são doadores da Atlas. Nem sempre é possível saber a origem do dinheiro, apesar da obrigação legal de publicar os formulários 990 – entregues ao IRS (Receita). As fundações conservadoras americanas escoam dinheiro por uma grande multiplicidade de canais, o que torna impossível, ao final, saber qual a origem inicial do dinheiro que chega a cada um dos receptores. Além disso, preocupadas com a vigilância que exercem sobre elas projetos como o Transparency Conservative e órgãos de imprensa, que já revelaram uma série de escândalos envolvendo o uso desses recursos para

lobbies no Congresso e nos governos estaduais, bem como para causas controversas como a negação do aquecimento global, em 1999 as fundações criaram dois fundos de investimento filantrópico – Donors Trust e Donors Capital Management – que dispensam os doadores de ter o nome exposto em formulários 990. O Donors Trust é o maior doador do Donors Capital Management (e vice-versa). O primeiro está entre os maiores doadores da Atlas, e o segundo é o maior doador do Students for Liberty. As fundações Koch são as maiores suspeitas de despejar dinheiro nesses fundos. O relatório 2014-2015 da Students for Liberty mostra uma arrecadação de fundos impressionante: US$ 3,1 milhões comparados a apenas US$ 35,768 mil dólares obtidos em 2008, quando a organização foi fundada. Desses, US$ 1,7 milhão veio de fundações, segundo o relatório que não detalha o volume doado por cada instituição. O Charles Koch Institute consta no relatório da Students for Liberty, mas, segundo o formulário, doa bolsas apenas para estudantes americanos, enquanto a Charles Koch Fou-

ndation, que doa bolsas para estudantes em uma série de fundações, não é citada no relatório. O Institute of Human Studies (IHS) – outra fundação da família Koch – é um dos principais responsáveis pelos programas de fellowship para estudantes. Só em 2012 foram distribuídos US$ 900 mil em doações de acordo com o formulário entregue ao IRS. A Atlas é uma das principais parceiras do IHS. O currículo de Fábio Ostermann, por exemplo, coordenador do MBL, diz que ele foi Koch Summer Fellow na Atlas Economic Research Foundation. Ostermann é assessor do deputado Marcel van Hattem (PP-RS), apontado por Kim Kataguiri como o único político a abraçar totalmente as convicções do MBL. O jovem deputado, que foi eleito com doações da Gerdau e do grupo Évora – do pai de Anthony Ling, fundador do EPL –, também participou de cursos na Acton Institute University, a mais religiosa das fundações libertaristas que compõem a rede de fellowship da Atlas e da Koch Foundation. Entre os seus princípios consta o “pecado”, por exemplo, relacionado de maneira singular com a necessidade de reduzir o Estado.

pólio da esquerda da juventude. A gente tem que acabar com essa imagem de que quem defende o livre mercado é aquele tiozão de coturno que defende o regime militar. A oposição é a gente. A gente quer privatizar a Petrobras. A gente quer o Estado mínimo. Brasília não vai pautar o povo. É o povo que vai pautar Brasília”. Três dias depois do Fórum, Kim Kataguiri partia para sua Marcha pela Liberdade em direção a Brasília, com minguada adesão, enquanto Gloria Álvarez empreendia um périplo que a levaria da Argentina a Venezuela noticiado efusivamente em suas redes sociais. Na Argentina, passou por Buenos Aires e pela cidade de Azul, convidada pela Sociedade Rural de Argentina. Em Tucumán, suas palestras na Universidade Nacional foram organizadas pela Fundación Federalismo y Libertad, que tem em seu conselho internacional a Atlas Foundation, a Heritage Foundation, Cato Institute, o Hispanic American Center for Economic Research, o CEDICE Libertad (Venezuela) e o Instituto Ecuatoriano de Economía Política (Equador).

Todas essas organizações fazem parte da Atlas Network, assim como as outras fundações que encomendaram o passeio de Glorita: Estudiantes pela Libertad (Bolívia e do Equador), o Cedice, na Venezuela, e a Fundación para El Progresso, no Chile. O episódio mais interessante de sua viagem, porém, não foi registrado em suas redes sociais, nem mesmo nos jornais do Chile. No dia 23 de abril, ela e a blogueira cubana Yaoni Sanchez encontraram-se com o ex-presidente conservador Sebastián Piñera depois de terem realizado palestras na Universidade Adolfo Ibañez em Viña del Mar. O encontro com o ex-presidente – que também é a única foto em que aparecem juntas – foi noticiado pelo twitter do economista Cristián Larroulet, exministro de Piñera com a legenda “O Presidente Piñera com Yoani Sánchez e Gloria Álvarez, dois exemplos de mulheres latino-americanas que lutam pela liberdade”. Larroulet é fundador do think tank Libertad y Desarrollo, obviamente parceiro da Atlas Network.

A FESTA DO MATE O Fórum da Liberdade, afinal, se encerrou como as manifestações de rua que o antecederam: aos gritos de “Fora Dilma”, “Fora PT”. O deputado Marcel van Hattem fez uma apresentação exaltada, depois de ter agradecido ao fórum o cargo – “Se eu sou deputado hoje, devo também ao Fórum da Liberdade” – e fez uma interessante distinção entre as manifestações de 2013 – pluripartidária e desorganizada – e as deste ano – “quando tínhamos pauta”. O programa foi modificado com a chegada de Kim Kataguiri, que não constava como palestrante. Foi abraçado pelos patrocinadores, como Jorge Gerdau e Hélio Beltrão, posou para fotos com diversos fãs e, com o amigo Bene Barbosa, que lançava um livro pela liberação das armas de fogo para qualquer cidadão, foi para o auditório, novamente lotado de estudantes. Sentadinho no sofá, Kim esperou Van Hattem desfiar as acusações de praxe – contra o Foro de São Paulo, o poder totalitário do PT e “o maior escândalo de corrupção do

universo” –, arrancando aplausos a cada frase de efeito. Também despertou entusiasmo mostrando sua identificação com a plateia: “A vanguarda, hoje, não é esquerdista, é liberal. O jovem bem informado vai para as ruas e pede menos Marx, mais Mises. Curte Hayek, não Lênin. Levanta cartazes hashtag ‘Olavo tem razão’”. Então, Van Hattem saiu do púlpito e, caminhando pelo palco, foi em direção a Kim. “O próximo passo depende de vocês, mas é difícil. O sistema brasileiro é refratário a novas ideias. Hoje mesmo, Kim, o deputado comunista Juliano Roso te chamou de fascista”, disse. E por fim: “Eu só quero concluir dizendo aquilo que as ruas estão dizendo: ‘Fora PT’”. Aplausos, gritos. A plateia canta em coro: “Olê, olê, olê, olê, estamos na rua só pra derrubar o PT”. Foi a deixa para a entrada de Kim. De tênis, andando pelo palco, Kim conclamou os institutos liberais “a sair da nossa bolha liberal, da nossa bolha libertária, da nossa bolha conservadora e tomar o país.” E afirmou: “Chegou a hora da gente tirar o mono-


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CONEXÃO BR-UK

DO ESTIGMA À ESTIMA Projeto propõe mudança social de baixo para cima através do desenvolvimento do pensamento crítico e da capacitação técnica em comunidades carentes

BOLSA TRAZ PROFISSIONAIS DE MÍDIA PARA FÓRUM EM LONDRES

JUANA CARVALHO

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Estamos tão acostumados a tirar fotos e publicá-las online instantaneamente que mal nos lembramos de quando descobrimos uma câmera pela primeira vez e como isso mudou nossas vidas. E se uma câmera fotográfica fosse um desejável pedaço do impossível? Crianças desfavorecidas de todo o mundo, particularmente em áreas urbanas, são negligenciadas. Discriminadas, elas têm oportunidades limitadas para desenvolver habilidades e obter sucesso na vida. No Brasil, apesar do avanço econômico das últimas décadas, a pobreza ainda é bastante presente. Em 2014, o governo anunciou que os números relativos à pobreza extrema aumentaram de 10.080.000, em 2012, para 10.450.000, em 2013, enquanto a população passou de 195 milhões pessoas, em 2010, para 203 milhões, em 2015. Enquanto creches, escolas e oportunidades de trabalho têm sido o foco do governo brasileiro para combater a pobreza, os jovens e as crianças não possuem capacidades práticas e úteis que podem envolvê-los na formação técnica e oportunidades profissionais. A partir dessa avaliação, a antropóloga brasileira e cineasta Giselle Oliveira fundou o ‘Eyes of the Street’ (Olhos da Rua) com o jornalista brasileiro Daniel Meirinho, que possui um PHD e é especializado em cultura jovem e mídia digital com enfoque social. Juntos, eles estão embarcando em uma missão para transformar a vida de crianças pobres no Brasil e em outras regiões desfavorecidas do mundo, ensinando técnicas fotográficas e de filmagem e fomentando o desenvolvimento do pensamento crítico. Também querem criar uma plataforma online onde as crianças podem compartilhar experiências. “Pobreza e desigualdade podem ser conceitos do nosso tempo, assim como são criatividade e inovação. Acreditamos que todos são capazes de criar a mudança quando têm poder das ferramentas que ampliam suas vozes e nutrem seus poten-

Por Alicia Bastos g

O plano começa com um documentário sobre o primeiro treinamento em uma comunidade pobre de Recife

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Alicia Bastos é fundadora do Braziliarty (www.braziliarty.org)

ciais humanos”, diz Giselle Oliveira. O plano do ‘Eyes of the Street’ começa com um documentário sobre o primeiro treinamento em uma comunidade pobre de Recife. Em seguida, a ideia é fazer circular esse documentário para ganhar atenção e fundos para continuar o trabalho em outras comunidades. Projetos como esse já foram feito antes; o modelo é testado e funciona. Um bom exemplo é o documentário Nascidos em Bordéis (2004), assim como o projeto Vídeo nas Aldeias, que formou fotógrafos e cineastas indígenas como Takumã Kuikuro, que esteve recentemente em Londres filmando seu novo projeto cinematográfico.

Os resultados de projetos desse matiz podem ser significativos. Além de possibilitar que essas crianças desenvolvam habilidades que mais tarde podem ser transformadas em atividade profissional, a possibilidade de compartilhar histórias pode ser um passo sólido contra a desigualdade, trabalhando a compaixão e a consciência. “Acreditamos que uma maneira de combater a pobreza urbana de forma sustentável é capacitando as comunidades para permitir a transformação liderada por elas localmente”, explica Giselle. Outra missão fundamental do projeto é o desenvolvimento do pensamento crítico juntamente com a criatividade, transformando as comunidades pobres

em centros criativos e de inovação. Não só o conhecimento de criar imagens é essencial para fazer parte de um mundo evolui em sua forma de comunicação, mas também a conexão com outras realidades pode ser muito importante para mobilizar estratégias de baixo para cima e com foco nas mudanças sociais.

Chegando à sua nona edição em 2015, o ‘Power to the Pixel’ é considerado o principal evento de transmídia do mundo. Este ano, o encontro será realizado em Londres, em associação com o festival de cinema britânico BFI London Film Festival, e terá duração de quatro dias, incluindo uma conferência (13 de outubro), o Pixel Market (14 e 15 de outubro) e um Think Tank (16 de outubro). Em parceria com o British Council, o ‘Power to the Pixel’ receberá uma delegação com 16 profissionais da Améri-

ca Latina. Esta delegação será composta por 10 produtores com projetos inscritos no Pixel Market e 6 produtores ou profissionais de mídia que trabalhem com mídia interativa/multiplataformas, porém sem projetos inscritos. Todos os selecionados receberão uma ajuda de custo de 1.500 libras esterlinas para viagem e acomodação e terão a oportunidade de apresentar seus trabalhos durante a semana, como parte do foco do evento na América Latina. O ‘Power to the Pixel’ é um fórum que

apresenta ideias inovadoras em storytelling, práticas de negócios e engajamento de público, atraindo líderes internacionais em inovação, financiadores e gestores das áreas de cinema, TV, online, publicidade, games, mercado editorial e artes. É uma importante oportunidade para produtores e profissionais de mídia que trabalham em projetos de mídia interativa, transmídia e multiplataformas.

‘Eyes of the Street’ está realizando uma campanha de financiamento coletivo para produzir o documentário em 2015. O documentário tem previsão de lançamento na capital de Pernambuco, em Londres e em festivais internacionais em 2016. Para apoiar: http://bit.ly/1HGROM7

Para mais informações acesse transform.britishcouncil.org.br


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BRASILIANCE

O PETRÓLEO BRASILEIRO NA MIRA Entre tantos projetos polêmicos engendrados pelo Congresso na atual legislatura está o que modifica as regras de exploração do pré-sal. Acusadas de “entreguistas”, mudanças estão na pauta do Senado

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Por Wagner de Alcântara Aragão

Nos últimos seis meses, semana após semana os brasileiros vêm sendo surpreendidos pela atual legislatura do Congresso com iniciativas que representam passo atrás em diversas áreas da vida nacional. Na virada de junho para julho, o bombardeio veio tanto da Câmara dos Deputados quanto do Senado, confirmando o que o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar havia previsto em outubro último: a configuração do Legislativo brasileiro hoje é a mais conservadora desde a redemocratização do país, em 1985. Na Câmara dos Deputados, em nova manobra do presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), os parlamentares aprovaram proposta de emenda constitucional que reduz a maioridade penal no Brasil de 18 para 16 anos. No plenário ao lado, no do Senado, quase que concomitantemente os senadores discutiam outro projeto que tem gerado controvérsia: o que retira da Petrobras a presença obrigatória na exploração das reservas de petróleo da camada do pré-sal. A redução da maioridade ainda terá de ser apreciada pelo Senado, e não há previsão para que isso ocorra. Além disso, parlamentares anunciaram que vão recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF), pedindo a inconstitucionalidade da proposta e do processo de votação (leia mais na página 19). Já a medida que diz respeito ao pré-sal estava prevista para ser apreciada pelos senadores entre os dias 30 de junho e 2 de julho, mas a votação foi adiada, sem definição de nova data. É possível que esteja em discussão justamente neste momento em que esta edição do Brasil Observer está em circulação.

A MUDANÇA A medida em questão é o Projeto de Lei do Senado (PLS) 131/2015, de autoria do senador José Serra (PSDB-SP), ex-prefeito da capital paulista, ex-governador de São Paulo e que por duas vezes concorreu à Presidência da República (2002 e 2010). Tal qual a proposta que reduz a maioridade penal, o projeto tem rendido debates acalorados, embora não tenha alcançado grande repercussão na opinião pública.

O projeto de Serra altera a lei federal que trata das regras de exploração e produção do petróleo das reservas do pré-sal, descobertas em 2006. A lei em vigor foi proposta pelo governo Lula e aprovada pelo Congresso Nacional cinco anos atrás. O texto cria, especificamente para o pré-sal, o chamado regime de partilha, em contraposição ao regime de concessão, que continua a valer para a exploração de petróleo em áreas convencionais (camadas pós-sal). Entre outras regras, a legislação atual dispensa a União de licitar campos de exploração de petróleo, permitindo que ela contrate automaticamente a Petrobras. Ou, nos casos em que a União considerar conveniente licitar áreas para exploração, a lei estabelece que a Petrobras deve ter uma participação mínima de 30% no empreendimento. O projeto do senador do PSDB revoga essa participação obrigatória da Petrobras nos consórcios de exploração, abrindo a possibilidade para que campos do pré-sal sejam explorados unicamente por corporações privadas, inclusive estrangeiras.

WIKILEAKS Não bastasse a própria natureza do projeto, a iniciativa de José Serra soou estranha também porque o senador está envolvido num episódio revelado pelo Wikileaks – organização que tornou pública uma série de trocas de mensagens internacionais relacionadas a interesses econômicos e políticos – que denota certo acordo entre o político e petroleiras norte-americanas, para abertura do mercado a essas empresas. O episódio veio à tona em dezembro de 2010, pouco mais de um mês depois do segundo turno da eleição presidencial, em que Serra disputou a presidência e foi derrotado por Dilma Rousseff. Segundo matéria do jornal Folha de S. Paulo, o então candidato José Serra trocou mensagem com Patricia Pradal, diretora de Desenvolvimento de Negócios e Relações com o Governo da petroleira norte-americana Chevron. Disse ele, de acordo com a matéria: “Deixa esses caras [do PT] fazerem o que eles quiserem. As rodadas de licitações não vão acontecer, e aí nós vamos mostrar a todos que o mo-

delo antigo funcionava… E nós mudaremos de volta”. As petroleiras estadunidenses eram contra a participação mínima obrigatória da Petrobras na exploração e produção do pré-sal. Em sessão temática sobre o projeto de lei promovida pelo Senado em 30 de junho, José Serra rechaçou acusações de que estaria a defender o interesse das grandes corporações internacionais. Serra definiu seu projeto como uma “medida patriótica”, por permitir que a Petrobras fique desobrigada de arcar com 30% de investimentos nas atividades de exploração e produção do pré-sal em momento “difícil” atravessado pela estatal, conforme suas palavras. Para o senador, o projeto não “desprestigia” a Petrobras, apenas lhe retira “ônus”.

CRÍTICAS Não é o que ocorreria na prática se o projeto fosse aprovado, na visão de vários colegas de Serra no Senado, de especialistas na área de petróleo e de movimentos que representam os trabalhadores da atividade petroleira. “É rigorosamente um absurdo. É entregar nossa riqueza às sete irmãs [multinacionais do setor]. Não consigo entender como querem tirar do controle nacional um bem tão importante, tão nobre, como é o petróleo. É um crime contra a soberania nacional esse projeto”, afirmou o senador Roberto Requião (PMDB-PR), que tem liderado, no Congresso, as críticas ao projeto de José Serra. O professor Ildo Sauer, diretor do Instituto de Eletrotécnica e Energia (IEE) da Universidade de São Paulo (USP), é outro contrário às mudanças, também por considerar que o Estado brasileiro abriria mão de ter sob seu controle uma riqueza estratégica para o desenvolvimento econômico e social do país. Palestrante da sessão temática realizada no Senado, Sauer advertiu que o potencial de reservas de petróleo do pré-sal não está dimensionado por completo. Ou seja, a quantidade de petróleo que seria explorada por companhias estrangeiras caso as novas regras sejam aprovadas pode ser bem maior. “O modelo atual é o mais eficiente, e permite tirar partido de duas grandes vantagens comparativas do Brasil: a capacitação

tecnológica da Petrobras, não obstante as mazelas que hoje afligem a empresa, e a outra é o grande volume de petróleo no pré-sal, ainda não devidamente estabelecido”, declarou o professor. Quem também chama a atenção para a existência de reservas ainda imensuráveis é o consultor legislativo Paulo César Ribeiro Lima, especialista em gás e petróleo e autor do livro “Présal: o novo marco legal e a capitalização da Petrobras”. Lima fez coro a Ildo Sauer na sessão temática do Senado, na defesa do modelo atual de exploração do petróleo da camada pré-sal. “Para evitar que interesses privados se sobreponham aos interesses da maioria da população brasileira, é essencial que a Petrobras lidere a produção do pré-sal”, frisou o consultor. A descoberta de reservas do pré-sal é considerada, em todo o mundo, a maior dos últimos dez anos, acrescentou ele. Paulo Lima assinalou ainda que desde o início da extração de petróleo do pré-sal, em 2009, a Petrobras vem batendo recordes de produção. Isso demonstra que a companhia, apesar turbulência por conta dos desvios bilionários apurados pela Operação Lava Jato, mantém sua capacidade técnica e econômica para seguir como protagonista na atividade. “A Petrobras é a empresa com maior experiência no mundo em águas profundas. A eficiência dela é comprovada pelo altíssimo índice de sucesso exploratório e pela alta produtividade dos poços, muito superior às médias mundiais. O pré-sal é um verdadeiro tesouro e deve ser explorado com a máxima participação da Petrobras, de forma a garantir maior retorno para o país”, defendeu.

FORNECEDORES Acreditando que desobrigar a Petrobras de entrar com 30% nos empreendimentos de exploração do pré-sal signifique atrair mais investidores, representantes da indústria fornecedora da cadeia produtiva petroleira defendem as mudanças contidas no projeto de José Serra. Na sessão temática do Senado, o diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos, Alberto Machado, disse que tal flexibilização pode propiciar


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DIVULGAÇÃO

Senador José Serra discursa na edição 2015 da Brasil Offshore, maior conferência de petróleo e gás do país, realizada no mês de junho na cidade de Macaé, no Estado do Rio de Janeiro

à indústria nacional de bens de capital mecânicos mais intercâmbio técnico. Isso porque, segundo a linha de raciocínio do líder empresarial, haveria um leque maior de clientes com os quais o setor estaria em parceria. O presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis, Jorge Marques de Toledo Camargo, citou também que o possível aumento de clientes diminui o risco de investimentos por parte da cadeia produtiva. Já o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura, Adriano Pires, considerou que as dificuldades enfrentadas pela Petrobras devem frear investimentos da companhia. Este último argumento foi rebatido por Paulo Lima, para quem empresas como a Petrobras possuem “peculiaridades” que nem sempre são captadas por avaliações de agências de risco ou de analistas financeiros. “A Petrobras apresenta uma excelente situação financeira, econômica e operacional, com um futuro altamente promissor. As visões estreitas e de curto prazo de agências de risco e de alguns analistas que sequer conhecem a realidade da empresa podem levar a sociedade brasileira a acreditar que a Petrobras está passando por uma situação que, de fato, não é real”, ponderou.

NOVA LICITAÇÃO E CONTEÚDO NACIONAL

NOVO PLANO A Petrobras vai investir menos nos próximos anos. O Plano de Negócios e Gestão 2015-2019 prevê US$ 130,3 bilhões em investimentos – redução de 37% na comparação com o plano anterior, de 2014 a 2018. O novo Plano de Negócio foi aprovado pelo Conselho de Administração da estatal no dia 26 de junho. A companhia comunicou que o plano tem como objetivos a “geração de valor para os acionistas” e a “desalavancagem da companhia”. Para melhorar a situação das contas, além de reduzir investimentos, a empresa pretende vender bens e outros ativos. O montante de venda previsto para este e o próximo ano soma US$ 15,1 bilhões. Segundo a Polícia Federal, o rombo no caixa da estatal petrolífera causado pelo esquema de cartel, fraudes em licitações, desvios e corrupção alvos da Operação Lava Jato já chega a R$ 19 bilhões.

Serão leiloados

266 BLOCOS com área total de

125.045,9 KM²

O governo federal não tem sinalizado a possibilidade de abrir em breve licitação para exploração de novos campos do présal. Desde que o regime de partilha foi instituído, em 2010, houve apenas uma concorrência, em 2012, para o Campo de Libra, na Bacia de Campos. O consórcio vencedor tem participação de 40% da Petrobras. Os outros 60% estão distribuídos entre a holandesa Shell (20%), a francesa Total (20%) e as chinesas CNPC (10%) e CNOOC (10%). Mas está confirmada, por outro lado, uma nova rodada de licitações para a exploração de petróleo em campos convencionais (camada pós-sal). A rodada – a 13ª desde 1997, quando a lei 9.478/1997 instituiu o regime de concessão na exploração de petróleo no Brasil – está marcada para os dias 7 e 8 de outubro. De acordo com a Agência Nacional do Petróleo (ANP), responsável pelo certame, serão leiloados 266 blocos exploratórios, com área total de 125.045,9 km². Bandeira de campanha do presidente Lula desde a sua primeira eleição, em 2002, e também da atual presidente Dilma Rousseff, a política de conteúdo nacional do governo brasileiro para a indústria de petróleo e gás não deverá ser mexida. Ao menos é o que vem garantindo o Planalto, embora recentes declarações do ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, tenham passado a impressão de que o governo cogitaria flexibilizar tal exigência, para atrair investidores. A prioridade ao conteúdo local tem sido prática tanto da Petrobras como tem constado nas cláusulas dos contratos de concessão para a exploração de campos de petróleo por empresas privadas. O índice de conteúdo local nas compras e serviços contratados varia a cada operação, mas tem chegado a até 80% do total, em alguns casos. Fixando essa reserva de mercado, o governo busca ampliar a participação da indústria nacional de bens de capital no fornecimento à cadeia produtiva petroleira. A política de conteúdo local foi responsável, sobretudo, pela recuperação da indústria naval brasileira, que praticamente se extinguiu nos anos 1990. “A reimplantação da indústria naval no Brasil fez com que incorporássemos tecnologia, melhorássemos a formação dos nossos trabalhadores e gerássemos emprego e renda. O que nós queremos é produzir no Brasil o que pode ser produzido no Brasil”, declarou Dilma durante entrega de um navio petroleiro da Transpetro (subsidiária da Petrobras), no complexo de Suape (PE), em maio.


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A DESIGUALDADE TRADUZIDA EM IMPOSTOS A carga tributária no Brasil é muito mais desigual do que propriamente alta, se comparada a outros países

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Nas manifestações contra o governo de Dilma Rousseff realizadas em março e abril deste ano, eram várias as mensagens, em faixas e cartazes, que chamavam a atenção. Algumas pediam intervenção militar; outras, o fim da “doutrinação” por meio de Karl Marx ou até Paulo Freire. Algumas das mais incoerentes, porém, referiam-se aos tributos cobrados no Brasil. Houve quem dissesse que “sonegação não é corrupção” ou os que desejavam “o fim dos impostos”. No Brasil, prevalece a ideia de que a carga tributária é alta demais e de que os governos não dão retorno suficiente em termos de serviços. O professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Marcio Pochmann, também presidente da Fundação Perseu Abramo, contesta essa máxima. “Pagar impostos é um ato de cidadania – não há cidadania plena sem pagamento de impostos. Infelizmente, não somos um país de cidadania plena, nosso país é subdesenvolvido e nosso sistema tributário é derivado dessa condição de subdesenvolvimento.” A afirmação foi feita no seminário “De qual reforma tributária o Brasil precisa?”, realizado pelo Sindicato dos Bancários de São Paulo. Na ocasião, o auditor fiscal Marcelo Lettieri Siqueira fez referência a outro economista, o professor sulcoreano Ha-Joon Chang, autor do livro Chutando a Escada, para lembrar que a grita existente contra impostos, que faz parte do ideário neoliberal, contradiz as políticas e instituições adotadas pelos países ricos. As recomendações que hoje as nações desenvolvidas dão aos países em desenvolvimento são feitas como se eles reinventassem suas histórias para “chutar a escada” e não permitir que outros subissem ao seu nível. “Países com elevado PIB per capita têm alta carga tributária. Nenhum país se desenvolveu reduzindo a carga tributária”, afirmou Lettieri. Sobre a suposta ineficiência estatal em prover serviços que correspondam à quantidade de recursos advindos dos tributos, o economista João Sicsú questionou: “E qual a saída? Reduzir a carga tributária e inviabilizar o que existe hoje?” “Não! Devemos sim melhorar a qualidade do gasto e impedir desvios de recursos, devemos combater qualquer ato de corrupção, por menor que seja. Mas temos que entender que com essa carga tributária precisamos solucionar problemas que os países avançados já resolveram há déca-

Por Anna Beatriz Anjos e Glauco Faria g

das. Por exemplo, o metrô de Paris tem mais de 100 anos. O sistema de saúde pública inglês tem quase 70 anos”, exemplificou.

CARGA TRIBUTÁRIA Tendo em vista que os impostos são necessários para que o Estado funcione e opere suas mais básicas funções, parte-se para a próxima discussão: no Brasil, paga-se muitos tributos? “A carga tributária brasileira é muito baixa. Vocês podem estranhar, porque se costuma dizer que ela é muito alta, mas é muito baixa sobre patrimônio, riqueza e renda, por incrível que pareça. E é muito alta sim sobre consumo, esse é o problema”, explicou Dão Real Pereira dos Santos, diretor de Assuntos Institucionais do Instituto de Justiça Fiscal. Dados concretos conferem embasamento ao argumento de Santos. Segundo a Receita Federal, em 2012, a carga tributária no Brasil – valor de todos os impostos pagos pelos cidadãos e empresas em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) – foi de 35,86%. Ficamos próximos ou atrás de países considerados desenvolvidos, como Reino Unido (35,2%), Alemanha (37,6%), Suécia (44,3%), França (45,3%) e Dinamarca (48%). Em 2013, última medição disponível, a proporção teve elevação e atingiu o patamar de 35,95%, mas não há números atualizados de outras nações para fazer comparação. Na descrição do Fisco, consta que em 2013 os impostos sobre bens e serviços – os chamados “indiretos”, ou seja, embutidos nos preços finais e repassados ao consumidor – corresponderam a 51,2% de todo o valor. Tributos sobre a renda somaram apenas 18,1%; sobre folha de salários, 24,98%; e sobre propriedade, somente 3,93%. Na tributação indireta, quanto menor a renda do consumidor, mais penalizado ele sai, pois maior parcela de seu salário será consumida, já que valor a ser pago é o mesmo para todos. De acordo com estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), os 10% mais pobres da população mobilizam 32% da sua renda no pagamento de impostos, enquanto os 10% mais ricos gastam apenas 21%. A auditora Clair Hickmann, que já dirigiu a Delegacia Especial de Instituições Financeiras (Deinf ) da Receita Federal, explicou porque isso não deveria ocorrer. “Há alguns princípios básicos de justiça fiscal que estão na Constituição, mas não são observados pela legislação infra-

constitucional”, destacou. “Um dos princípios consagrados é o da capacidade contributiva – ou seja, cada cidadão tem que contribuir para o financiamento fiscal de acordo com seu poder aquisitivo e econômico –, mas isso não acontece no Brasil. Há a isonomia, que vai no sentido da igualdade. E o outro princípio que considero muito importante é o da progressividade, fundamental para usar a ferramenta do tributo como distribuição de renda”, alegou. “Progressividade significa: quanto maior a renda, maior a alíquota.” Embora seja calculado com base em tabela progressiva, o Imposto de Renda para pessoas físicas não obedece plenamente a esse princípio. “Precisamos discutir uma nova tabela para o Imposto de Renda, que contenha, na verdade, mais alíquotas. Não é possível que tenhamos aqui a mesma alíquota para quem ganha 5 mil reais e para quem ganha 50 mil. Temos que pensar uma proposta que faça justiça com a tributação sobre a renda”, observou o economista João Sicsú, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

IMPOSTOS SOBRE A RIQUEZA Justamente para modificar esse quadro de desigualdade é que surgem as propostas de taxação das grandes fortunas. E cabe ressaltar que uma maior taxação sobre bens e propriedades não é exatamente uma pauta “de esquerda”. “Sei que muitos reclamam de impostos no Brasil, mas eles na realidade são baixos quando comparados com os EUA, Reino Unido ou Alemanha – e estes não são países muito de esquerda. [Angela] Merkel e [David] Cameron não têm governos esquerdistas. Ninguém dentro de outros partidos nesses países pede que os impostos abaixem. Por que isso? Eles são ‘esquerdistas malucos’? Não”, disse o economista Thomas Piketty, autor do livro O Capital no Século XXI, à Revista Fórum. “Em muitos países extremamente ricos a taxação sobre a riqueza é maior do que a taxação sobre o consumo, e são países capitalistas que são mais competitivos que o Brasil. Acredito que existam muitas desculpas ruins para a elite não aceitar isso, mas do ponto de vista econômico e prático, não acho que eles tenham razão”, completou. Dentro desse contexto, uma demanda é que a alíquota do imposto sobre herança, recolhida pelos estados e que hoje é de 8% no máximo (4% no Rio de Janeiro e São

Paulo), seja elevada e cobrada de forma progressiva para os grandes montantes. Hoje, quem recebe uma pequena herança paga o mesmo que quem recebe uma grande fortuna. Nos EUA, há estados que cobram 18%, como o Nebraska; na Inglaterra, esta alíquota pode chegar a 40% e na França, a 60%. “Warren Buffet e Bill Gates são grandes defensores do imposto sobre herança não por serem social-democratas. Warren diz que é um imposto importante porque não se tem nenhuma garantia de que o atleta ideal para disputar a Olimpíada seja o neto do que a disputou há 40 anos. Ou seja, para ele, o dinheiro tem que seguir um fluxo. Entre os liberais há uma justificativa muito clara, o imposto sobre herança serve para fazer o capitalismo continuar funcionando”, justificou o economista do Ipea José Aparecido Carlos Ribeiro. A Constituição prevê a criação de tributos sobre grandes fortunas por meio de uma lei complementar. Atualmente, tramitam no Congresso diversas propostas nesse sentido. Uma delas, o projeto de lei complementar (PLP) 277, é de autoria da ex-candidata à presidência pelo Psol, Luciana Genro, e dos deputados Ivan Valente (Psol-SP) e Chico Alencar (Psol-RJ). Até o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), quando era senador, em 1989, criou projeto para regulamentar o imposto. Desde 2000 a proposta aguarda votação. As análises e dados à disposição mostram o quanto é essencial que se discuta uma reforma tributária para reduzir a desigualdade a efetivar a justiça fiscal no Brasil. No entanto, a exemplo do que aconteceu com o simulacro de reforma política votado na Câmara dos Deputados, este é outro conjunto de medidas que pode ser desfigurado e se tornar ainda pior do que já é. O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), já anunciou que após a votação da proposta de reformulação do pacto federativo, que altera a partilha de recursos entre União, estados e municípios, deve encaminhar a discussão sobre a reforma tributária no Congresso. Esta matéria foi publicada originalmente na edição 203 da Revista Fórum (www. revistaforum.com.br), e editada pelo Brasil Observer g


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FABIO RODRIGUES POZZEBOM/AGÊNCIA BRASIL

Na votação do dia 30 de junho, ativistas comemoraram rejeição da proposta de redução da maioridade penal

UMA DEMONSTRAÇÃO DE FORÇA E CONFLITO A votação da redução da maioridade penal é uma metáfora de como os conflitos políticos são no Brasil Por Dennis de Oliveira g

Dennis de Oliveira é professor da Escola de Comunicações e Artes da USP, jornalista e ativista do Coletivo Quilombação; este artigo foi publicado originalmente na edição 203 da Revista Fórum (www.revistaforum.com.br), e editado pelo Brasil Observer g

A votação da PEC 171 que reduz a maioridade penal para 16 anos trouxe várias lições e inquietações. A primeira delas, a mais evidente, é que a mobilização dos movimentos sociais tem força. Graças a ela que a PEC foi derrotada na votação do dia 30 de junho. A outra é que a direita também tem força. Logo após a derrota, deputados direitistas se rearticularam, aproveitaram as “pedaladas” regimentais do presidente da Câmara Federal, Eduardo Cunha, para votarem uma proposta quase que idêntica a que foi derrotada e conseguiram reverter o resultado – desta vez, com uma presença pequena de representantes dos movimentos sociais, seja porque muitos tinham se retirado de Brasília e também pela decisão autoritária do presidente da Câmara que proibiu pessoas nas galerias do plenário. A discussão da redução da maioridade penal é apenas a ponta do iceberg. Pesquisa DataFolha mostra que 90% da população apoia a medida. Programas “jornalísticos” especializados em notícias policiais vêm fazendo uma verdadeira campanha sutil pela redução. Dão destaque a crimes e delitos praticados por menores de idade, dando a impressão de que a maior parte da violência é praticada por eles (quando, na verdade, apenas 1% dos crimes hediondos é praticado por menores de 18 anos). E mais: não cobrindo e cobrando as autoridades pelo desrespeito às normas do Estatuto da Criança e Adolescente, geram a sensação de que esta lei é inócua, ou pior, garante a impunidade das crianças e adolescentes infratoras. Com isso, criou-se o que o pensador estadunidense Walter Lippmann chama de “pseudoambiente”. Segundo Lippmann, os cidadãos agem sobre uma realidade imaginada e, portanto, a opinião pública é produto de construções de determinadas estruturas. Os 90% da população que defendem a redução da maioridade penal, certamente, consideram que a violência é produto da impunidade, que ela é praticada majoritariamente por menores de idade e que as leis existentes não punem suficiente

para dirimir os crimes. Daí, a solução mais fácil é recrudescer as penas e defender as práticas violentas. Boa parte destes que defendem tais posições são justamente pessoas moradoras da periferia que são as que mais sofrem com a violência policial e o recrudescimento da lei, já que, como os dados indicam, há uma seletividade de raça e classe nas punições (basta ver o perfil social dos encarcerados ou das vítimas de violência policial). O movimento negro tem reforçado as bandeiras de luta contra o genocídio da juventude negra. E não sem perplexidade, principalmente porque nos últimos anos avançou-se de forma significativa na elaboração de políticas públicas de combate ao racismo. Cotas, Lei 10639, Estatuto da Igualdade Racial, secretarias… Mesmo assim, o extermínio de jovens negros e negras nas periferias continua, chamando a atenção até mesmo da Anistia Internacional. Aí entra o dilema. Essa aparente contradição decorre, justamente, de uma lacuna no projeto político dos partidos progressistas que governam o país desde 2003: não basta apenas incluir pelo consumo (o que é importante) se não se constituir um projeto político de ruptura com uma ordem patrimonialista, classista, racista que foi edificada desde o século 19 com a abolição inconclusa da escravidão, o projeto eugenista de Nação e a concepção positivista de República. Desde então, o que se vê é uma sociedade capitalista que se sustenta no tripé da cidadania restrita e não universal; concentração de propriedade e riqueza e violência como prática política sistêmica. A cada avanço dos segmentos subalternizados, a direita se rearticula e dá o contragolpe. A ação do presidente da Câmara dos Deputados durante a votação da redução da maioridade penal é uma metáfora de como os conflitos políticos são no Brasil. O equívoco de parte da esquerda é não perceber este processo de luta e não sinalizar para ações de profunda reforma e refundação do Estado brasileiro.


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CONECTANDO

H SÃO JOÃO DA BOA VISTA

QUANDO A ARTE MUDA A ROTINA Semana Fernando Furlanetto durou dez dias, mas traços permanecem em município no interior de São Paulo Por Willian Pereira – de São João da Boa Vista g

Há três anos, desde 2013, jovens moradGrafites e banners de exposições espalhados por toda a cidade. Por onde se anda em São João da Boa Vista, cidade com cerca de 100 mil habitantes do interior do Estado de São Paulo, a 218 km da capital, se veem sinais deixados pela 10ª Semana Fernando Furlanetto, que aconteceu de 5 a 14 de junho deste ano. Se a intenção era deixar a cultura popular e mais acessível, o objetivo foi cumprido. Foram 10 dias de intervenções culturais, obras artísticas e atrações por todos os cantos. O diferencial do tradicional evento foi o desmembramento das atrações, a fim de atingir todos os públicos e provar que a cultura, apesar de gratuita, pode oferecer muito conteúdo rico e raro. Para o curador da edição, Eduardo Menezes, a proposta, desde o começo, era levar “arte de qualidade” para o centro e para a periferia. A Semana teria de ser, porém, bem mais que apenas “eventos”. “Eles [eventos] são ótimos, são necessários, mas são efêmeros no seu formato. Assim que acaba, fica somente na lembrança. A temática da 10ª Semana Fernando Furlanetto era ‘A Permanência do Efêmero’, quer dizer, estávamos preocupados em deixar um legado. Por isso, optamos pelo grafite, pela escultura, pela fotografia, que, por sua natureza, são artes que duram”, disse o curador.

UMA NOVA CIDADE Dentre todas as atrações, os famosos grafites foram os causadores de maiores impactos. E para o bem da organização, as impressões foram positivas por parte da população. “Cremos que os objetivos da Semana vão se completar com o passar dos anos, inspirando as novas gerações de artistas a produzirem em nossa cidade. São João ficou uma cidade mais descolada, mais colorida e alegre”, avaliou Menezes. Recentemente, a cidade foi chamada de ‘Capital do Grafite’ pelo jornal Folha de S. Paulo. São diversas pinturas de grafiteiros de todo o país e exterior, tanto em locais públicos como privados. Na programação, bares e praças serviram como palcos – tudo para deixar a cultura e a arte o mais acessível possível. “Não imaginávamos que essa Semana de Arte poderia chegar aonde chegou. Toda a população foi alcançada e vai receber o legado das artes produzidas”, apontou Menezes. “Quando pensamos em uma cidade, pensamos em símbolos que compõe esta área urbana. Deixamos mais de 50 novos símbolos que se tornarão, com o passar do tempo, novos pontos turísticos. Dá para sentir a cidade transformada”, completou.

FERNANDO FURLANETTO Willian Pereira é estudante de Jornalismo do Centro Universitário das Faculdades Associadas (UNIFAE) de São João da Boa Vista e escreveu esse texto para o Projeto CONECTANDO, desenvolvido pelo Brasil Observer (Saiba mais: brasilobserver.co.uk/about-conectando) g

Nascido em São João da Boa Vista no ano de 1897, Fernando Furlanetto foi um escultor brasileiro. Fez seus estudos de escultura, arquitetura, desenho e anatomia na cidade de Pietra Santa, na Itália.

Lá, recebeu medalha de prata em um concurso realizado pela Academia das Belas Artes Italiana. De volta ao Brasil, foi em São João da Boa Vista que se instalou e produziu todas as suas obras esculturais que enriquecem a cidade e região com um imenso patrimônio artístico localizado principalmente na catedral e no cemitério do município. Poucas são as obras ornamentais próprias ou para colecionadores. Suas esculturas, na maioria, são figuras sacras encomendadas para serem colocadas em altares e, segundo costume da época, em túmulos, o que transformou o cemitério de São João da Boa Vista num imenso e belo museu a céu aberto.

A SEMANA A Semana Fernando Furlanetto foi criada após uma exposição, em 1997, em comemoração ao centenário do artista. Teve como curador Antônio Carlos Rodrigues Lorette. Na ocasião, foi visitada por mais de oito mil pessoas, um número expressivo para uma cidade que tinha então aproximadamente 80 mil habitantes. Em 1998, um perfil contemporâneo foi aplicado ao evento pela artista plástica Samantha Moreira. Realizada no então semiabandonado Theatro Municipal, um dos cartões postais da cidade e símbolo cultural da região, a semana contou com trabalhos expostos por diversos artistas locais. A sede do evento foi mudada em 2000, quando a curadora Flávia Almeida Noronha Carioca levou as exposições a um antigo armazém restaurado na estação ferroviária do município. As mudanças na programação começaram a acontecer em 2001. No tema “Transformação da Arte”, já era evidente que o impacto na sociedade e a interação com o público seria maior. O objetivo da semana, que teve como curadora Vânia Palomo, era enfocar a escultura, redesenhando sua trajetória através do tempo. Paralelamente à exposição, aconteceram palestras e workshops. Em 2008, com curadoria de Cristiano Censoni, a 9ª Semana Fernando Furlanetto foi o primeiro evento na cidade realizado com recursos captados através das leis federais de incentivo à cultura. Sob o tema “O indivíduo exposto”, a exposição exibiu uma mescla de trabalhos de artistas consagrados, jovens promessas e artistas da chamada arte de rua. “Como diversos artistas desenvolveram suas obras no local, foi possível a população acompanhar e interagir com o desenvolvimento das obras. Algumas escolas levaram crianças e teve até aula no espaço ainda em construção”, relembrou Censoni. Para ele, a partir de 2008 a Semana Fernando Furlanetto tomou um caminho sem volta de ocupação do espaço urbano, não se conformando mais em se ater a apenas uma parte seleta da população, mudando, assim, a rotina da pequena cidade de São João da Boa Vista.


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EDUARDO ZAPIA

Imagens mostram trabalhos desenvolvidos na 10ª Semana Fernando Furlanetto; grafites tiveram curadoria da Pigment (para mais informações acesse pigmentlondon.co.uk)


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B R A S I L S E R V E R

EM A T N E S E R P DIA A N Â L R E TO B S U O E G D A E A Ç D N 5 A 5A1 DE D E A I D H , L N I Z A A P R M B CO AILA B O L U C Á T E ESP LONDRES O

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GUIA

BALÉ DE RUA

TRAZ SUA JORNADA MUSICAL Por Gabriela Lobianco

A companhia de dança uberlandense Balé de Rua está em turnê internacional com o espetáculo Baila Brazil, uma mistura que envolve a batida musical dos tambores, a cadência afrodescendente e o “street dance”, direto das favelas da cidade mineira para o mundo. A atração foi bastante elogiada em sua estreia na Austrália, com boa aceitação tanto da crítica quanto do público, com apresentações lotadas na Sydney Opera House. “É uma peça com uma visão da nossa terra, mas sem estereótipos”, conta o diretor da companhia, Fernando Narduchi, em entrevista exclusiva ao Brasil Observer. Para ele, a sensualidade do nosso povo sempre existirá. No entanto, continua Narduchi, “antes de tudo os bailarinos encenam pela arte, com foco nas nossas raízes e cultura, com beleza e exuberância”. O grupo se apresenta em Londres de 5 a 15 de agosto, no palco principal do Southbank Centre, o Royal Festival Hall, como parte do Festival of Love. O convite surgiu justamente após as performances na Austrália, e, apesar de não ser a primeira vez que os artistas vêm à capital britânica, sempre há expectativas sobre o novo trabalho a ser mostrado. “Esperamos que a plateia goste”, confirma Narduchi. Com coreografia exclusiva de Marco Antonio Garcia representando clássicos da MPB, do samba, do hip hop, do break e da dança contemporânea, a trupe dessa montagem conta com 14 profissionais entre dançarinos (sambistas, b-boys e capoeiristas) e músicos (percussionistas e um conjunto com teclado, contrabaixo e cavaquinho), além da cantora Alexia Falcão. “A diferença dessa vez é que contamos com uma banda com canções ao vivo, com muito mais que compassos e batuques”, esclarece o diretor. A jornada de oito horas de ensaios diários é intensa e exige muita dedicação – o resultado tem cerca de 1h20 de duração. O principal, porém, é a interação com a audiência, convidada para dançar. Narduchi afirma que não fica intimidado com a interpretação que os europeus possam fazer da obra. “A interpretação é subjetiva, mas somos artistas”. Segundo ele, na apresentação de outro espetáculo, em Lyon, bailarinos homens em determinado momento entraram em cena com vestidos, se despindo na medida em que a atuação continuava. “Fiquei espantado que não interpretaram como algo erótico e sim como parte integrante e sensível do espetáculo”, diz.

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“É uma peça com uma visão da nossa terra, mas sem estereótipos”, conta o diretor Fernando Narduchi


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Espetáculo conta ao todo com 14 profissionais entre dançarinos e músicos, além da cantora Alexia Falcão

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Cia. Balé de Rua nasceu em 1992 com uma proposta de criar arte como ato de coragem e de forma independente TRAJETÓRIA Com mais de 20 anos de experiência, os artistas combinam em suas encenações a linguagem da dança de rua com o balé moderno. “A Cia. Balé de Rua nasceu em 1992 com uma proposta de criar arte como ato de coragem e de forma independente”, explica Narduchi. Em 2007, o diretor e fundador da companhia criou o Centro Cultural Balé de Rua, referência de ensino e inclusão de crianças e adolescentes, com mais de 200 alunos de diversos bairros de Uberlândia treinados em aulas gratuitas. Por falta de recursos, o centro fechou em 2014, mas a Cia. Balé de Rua continua firme. Desse projeto, outros surgiram, como a Comunidade Ativa, que surgiu a partir do trabalho Novos Talentos, desenvolvido pela Cia. Balé de Rua. Dessa forma, a periferia de Uberlândia invade os centros urbanos e proporciona um novo rumo na vida de jovens artistas. O repertório é bastante variado, e assim a companhia tem no currículo 13 países e 45 cidades brasileiras visitadas. Fernando Narduchi, aliás, relembra que esteve no Fringe, um dos eventos de artes cênicas mais importantes do mundo, em Edimburgo. “Fomos em 2008 e passamos um mês por lá. Linda cidade e belo festival”. Por fim, o diretor indaga a repórter acima assinada como está o clima em Londres: “Está muito frio?”. A decepção foi grande quando ele descobriu que no dia da nossa entrevista, via Skype, eu estava de de passagem pelo Brasil. “Você que mora por lá, já está acostumada, mas acho melhor eu levar umas blusas de frio, à noite com certeza esfria, pelo que eu me lembre,” ri descontraído. Pode até ser. Mesmo que para os brasileiros o verão londrino seja relativamente ameno, com certeza a temperatura estará fervendo com o Baila Brazil.

BAILA BRAZIL Onde Royal Festival Hall Quando 5 a 15 de agosto Ingresso £38 £28 £15 Info www.southbankcentre.co.uk


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DICAS CULTURAIS

MÚSICA CRIOLO E DONA ONETE SE APRESENTAM NO WOMAD FESTIVAL WOMAD FESTIVAL

Quando: 24 a 26 de julho Onde: Chalrton Park, Malmesbury Entrada: £165 para o fim de semana Info: www.womad.co.uk

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Para quem quer curtir um festival de música neste verão britânico sem deixar de lado os sons do Brasil, a edição 2015 do Womad Festival, de 24 a 26 de julho, tem Criolo e Dona Onete na lineup. Três anos depois de chacoalhar a cena musical brasileira com o disco Nó Na Orelha, o rapper Criolo traz para o Reino Unido, pela segunda vez, o show do álbum Convoque Seu Buda, seu terceiro registro de estúdio. E não se trata de um disco “apenas” de rap. É claro que o gênero original do cantor está lá representado, em cações como “Convoque Seu Buda”, “Esquiva da Esgrima”, “Plano de Voo” e “Duas de Cinco”. Mas há também espaço para outros estilos, como samba, reggae e forró, que formam o quadro geral de um álbum que abraça a versatilidade da música popular brasileira e do próprio cantor, que transita com leveza por esses caminhos aparentemente desconexos. “Acredito que quando a música é feita com a mais pura sinceridade de seu coração, por mais elaborada ou inocente que seja, acaba alcançando outro coração e isso nutre o outro com esperança. A partir daí o que acontece foge do nosso controle”, disse Criolo em entrevista ao Brasil Observer antes de sua apresentação em Londres em janeiro deste ano. Na ocasião, ele afirmou ainda que “esses convites são raros e especiais, e quando rola nem sempre é tão fácil se deslocar”. E continuou: “Já houve situações em que não pudemos ir. Então é sempre uma gratidão enorme quando dá tudo certo. Por isso tentamos aproveitar ao máximo essas oportunidades para tentar construir um novo público e tirar o melhor desse intercâmbio”. Dona Onete, por sua vez, só gravou seu álbum de estreia (Feitiço Caboclo, com a Mais Um Discos) aos 73 anos de idade. Ela tinha estado muito ocupada exercendo a profissão de professora de História em sua cidade natal na Amazônia. Mas agora, sem mais palestras para dar ou provas para corrigir, sua segunda carreira está muito bem encaminhada; sua voz parece voar livremente, seduzindo os ouvintes. A muito aguardada estreia fez valer a longa espera. Considerada a diva do carimbó chamegado, a paraense Dona Onete reúne em sua música todo o folclore da região Norte do Brasil, misturando carimbó, boi bumba, salsa caribenha, samba e brega. Paula Henderson, a Artist Booker do Womad Festival, disse ao Brasil Observer que Criolo e Dona Onete estavam na lista dela há tempos. “Dona Onete coloca tudo em sua performance, então mesmo estando nos 70 ela tem uma faísca que a transforma numa verdadeira diva. Já Criolo pegou a música brasileira e misturou com o rap e o soul de uma forma bastante única, e isso sem esquecer suas origens”.

BRAZILIAN BILINGUAL BOOK CLUB

Quando: 16 de julho, 6.30pm Onde: Embaixada do Brasil (14-16 Cockspur St) Entrada: Gratuita Info: www.culturalbrazil.org


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Hair & beauty

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Nadia Kerecuk é Coordenadora do Brazilian Bilingual Book Club da Embaixada do Brasil em Londres

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O livro que o Brazilian Bilingual Book Club da Embaixada do Brasil em Londres discutirá em julho será O Triste Fim de Policarpo Quaresma (1911), escrito por Afonso Henriques de Lima Barreto (1881 – 1922). Lima Barreto foi romancista, jornalista, contista e ativista social. O autor caricaturou diversos aspectos da cidade do Rio de Janeiro, capital federal do Brasil na época, de sua sociedade e governo, particularmente o período da última década do século 19 e primeira do século 20; ficou famoso por criticar a sociedade brasileira com sua inteligência sagaz e maneira irônica. Opunha-se vigorosamente ao racismo, identificando-se como negro (era mulato), e continua altamente conceituado entre autores afro-brasileiros. Sua crítica social abrangia temas como desenvolvimento e mecanização urbanos excessivos, militarismo, funcionários e servidores públicos, perfídia e até futebol. Em 1902, começou a escrever para diversos jornais e revistas como, por exemplo, Correio da Manhã, Jornal do Commercio, Gazeta da Tarde e Correio da Noite, frequentemente usando pseudônimos (Rui de Pina, Dr. Bogoloff, S. Holmes e Phileas Fogg). Em 1909, publicou a primeira parte do romance autobiográfico Recordações do Escrivão Isaías Caminha na revista literária Floreal (apenas 4 números), que ele havia lançado com amigos. Dois anos depois publicou seu romance principal - O Triste Fim de Policarpo Quaresma - em folhetim no Jornal do Commercio. O romance é considerado uma obra pré-modernista no Brasil. Os outros romances do autor são Numa e a Ninfa (1915), Vida e Morte de M.J. Gonzaga de Sá (1919), Clara dos Anjos (1904, publicação póstuma) e Aventuras do Dr. Bogoloff (1912, publicação póstuma). No conto O Homem que sabia Javanês e no romance, Aventuras do Dr. Bogoloff, o autor enfoca a perfídia. O último retrata um falso doutor do velho império russo e suas proezas no Brasil. Além disso, Lima Barreto escrevia artigos e colunas que eram lidos por um grande número de leitores em todo o Brasil durante toda a sua vida. Vale a pena notar que a primeira tradução de O Triste Fim de Policarpo Quaresma aparece em tcheco em 1974 e em 1978 é traduzido para o inglês sob o título “The Patriot” e, posteriormente, traduzido para o inglês sob os títulos: “The sad end of Policarpo Quaresma” (2014), “The Tragic Death of Policarpo Quaresma” (2012) e “The Decline and Fall of Policarpo Quaresma” (2014). O autor fora internado para tratamento por uso excessivo de bebida alcoólica em hospícios e viria a falecer no ano da Semana de Arte Moderna.

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COLUNISTAS

FRANKO FIGUEIREDO

O CUSTO DE FAZER TEATRO Não me surpreende que as artes cênicas sejam vistas como elitistas, porque o preço dos ingressos, se estes não forem subsidiados, pode ser bastante salgado

Fazer teatro é uma atividade cara aonde quer que se vá. Há tantos custos a serem considerados que a produção de uma peça pode ser bastante assustadora, mesmo que em pequena escala. Não me surpreende que as artes cênicas sejam vistas como elitistas, porque o preço dos ingressos, se estes não forem subsidiados, pode ser bastante salgado, impedindo que muitos assistam aos espetáculos. O orçamento de uma peça precisa considerar o aluguel do espaço para ensaios, os salários dos atores e da equipe técnica/criativa, acessórios e materiais para o cenário, figurinos, transporte e o aluguel da casa de teatro. Isso sem mencionar todo o trabalho em torno da publicidade, do marketing, dos anúncios e dos convites para a imprensa avaliar o espetáculo. Serão gastos, no mínimo, 20 mil libras, e isso se você não pagar sua equipe o salário mínimo e tiver contatos o suficiente para conseguir suporte em dinheiro vivo. Trabalho como diretor e produtor de teatro há 25 anos. No começo da minha carreira, trabalhava recebendo apenas o que gastava para estar trabalhando. Às vezes, quando eu realmente me apaixonava pela peça, doava meu tempo. Só nos últimos 14 anos que consegui realmente viver da minha profissão. Mesmo assim, há momentos em que preciso injetar dinheiro próprio para uma produção acontecer. Diante disso, é interessante notar que as peças mais bem sucedidas financeiramente nem sempre são aquelas mais bem sucedidas artisticamente. Sem subsidio do governo, as chances de tirar um projeto do chão são bastante reduzidas. Esse é normalmente o caso quando se tenta produzir um trabalho que é desafiador, diverso política e culturalmente; ou quando se tenta apresentar uma obra internacional desconhecida para novos públicos. Contra todas as probabilidades, porém, continuo a produzir esse tipo de trabalho com um nível razoável de acessibilidade, ou seja, com ingressos que não custam o olho da cara. Faço isso graças a doadores privados que acreditam que o teatro é uma ferramenta para a educação e uma plataforma importante para o diálogo e o desenvolvimento social. Recentemente, coproduzi e codirigi Skin in Flames no Park Theatre. Qualquer um podia assistir à peça, em dias determinados, no esquema “pague o quanto puder”. Também oferecemos promoções especiais para aqueles que não podiam pagar o preço completo. Mesmo que isso limitasse consideravelmente o orçamento da produção, que

não foi subsidiada, assim decidimos fazer. Skin in Flames só se tornou possível por conta do suporte da Bots&Barrals, que dividiu os custos da produção com a Companhia de Teatro StoneCrabs, além de outros parceiros que nos deram dinheiro vivo. Muitos órgãos como conselhos governamentais e embaixadas precisam de verba e vontade para financiar projetos teatrais de pequena escala que beneficiam comunidades locais. Mais riscos também precisam ser assumidos, caso contrário teremos sempre os mesmos musicais, comédias e shows populares que – não me entendam mal – são excelentes, mas não nos provocam e desafiam. Artisticamente, Skin in Flames foi muito bem sucedido: recebemos ótimas avaliações tanto da crítica quando do público em geral. Não fomos capazes, porém, de conseguir subsídio para a produção. A peça – um suspense que critica a atitude de políticos e a forma como eles usam a arte como propaganda – era muito arriscada? Aparentemente sim. Como resultado, ficamos totalmente dependentes da bilheteria para cobrir os custos: 28 mil libras. Apesar disso, mantivemos um nível aceitável de acessibilidade dos ingressos. Peter Bazalgette, presidente do Arts Council da Inglaterra, admitiu recentemente que estava aliviado com o fato de que o orçamento do setor sofreria um corte de apenas 1,2 milhão de libras no ano fiscal 2015/16. Outras organizações governamentais britânicas e brasileiras já externaram a preferência em dar suporte a atividades mais seguras, como música e artes visuais, do que o teatro. Isso é pelo fato de o teatro ser mais direto e criar mais debate e controvérsias? Se o preço dos ingressos refletisse os custos reais de produção no Reino Unido, como acontece nos Estados Unidos, o valor ficaria em torno de 80 libras ou mais. Aqui, porém, podemos ir ao teatro pagando desde cinco libras, com algumas peças atualmente em cartaz na região de West End custando apenas dez ou 15 libras. O preço dos ingressos dificilmente cobrirá as despesas, mas percorrerão um longo caminho para assegurar que continuemos a ter teatro independente sendo feito em pequena e média escala. Sei que sou suspeito para falar, mas para mim teatro é o alimento da alma. g

Franko Figueiredo é diretor artístico e produtor associado da Companhia de Teatro StoneCrabs (stonecrabs.co.uk)


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AQUILES RIQUE REIS

QUANDO O CORPO É MÚSICA Os adultos até entendem, mas sentir, só as crianças. É onde mora a esperança de só haver coisas boas

RICARDO SOMERA

COLABORA, VAI A ideia de que “não tem pra todo mundo” está ultrapassada. A multidão pode criar coisas incríveis

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A banda de percussão corporal Barbatuques lançou Tum Pá (com apoio da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo), terceiro álbum desde o início de suas atividades há dezesseis anos, mas o primeiro feito especialmente para crianças. Você sabe o que o Barbatuques é?/ É uma banda que toca da cabeça ao pé/ Peito, estalo, palma, estalo/ Pança, coxa e pé/ Mão na boca, mão na bochecha/ Tudo junto de uma vez. Com estes versos de ‘Que Som?’, João Simão bem define o grupo. Sob a liderança do músico Fernando Barba, o Barbatuques é André Hosoi, Bruno Buarque, Marcelo Pretto, André Venegas, Dani Zulu, Flávia Maia, Giba Alves, João Simão, Lu Horta, Helô Ribeiro, Mairah Rocha, Maurício Maas, Renato Epstein e Charles Raszl. Quanto mais mãos e pés, tantos mais sons são alcançados, mais ruídos viram música, mais ritmos falam à alma, mais vozes entoam cantos e mais ouvidos sentem a força do barulho virando sinfonia, virando batucada, virando dança, se virando em nuvens, revirando fumaça, refazendo o canto, renascendo em música. Tum Pá tem catorze faixas muito bem mixadas. Algumas são típicas do repertório infantil; outras, compostas para incrementar esse universo. Algumas obras se sobressaem, mas todas têm o mesmo senso estético-musical: soam a partir de um conceito sabiamente pré-definido. Isso, além de facilitar a concepção corporal, torna-a mais instigante. No disco há dois corais de crianças (um de São Paulo, outro do Cariri, no Ceará) que têm participação marcante em algumas faixas,

principalmente na primeira, ‘Tanto Tom’ (Helô Ribeiro), e em ‘Tum Pá’ (Lu Horta), que dá título ao CD. ‘Samba Lelê’, ‘Escravos de Jó’, ‘Borboletinha’, ‘Marcha Soldado’, ‘Peixinhos do Mar’, ‘Marinheiro Só’, apesar de serem manjadas, têm arranjos que as transformam em deliciosas novidades, principalmente quando se unem ‘Borboletinha’ a ‘Marcha Soldado’. Os instrumentos vão sendo apresentados: primeiro três percussões, depois o baixo, as guitarras um, dois e três, o violino, a viola e o trompete, e os vocalistas tratam de imitar cada um dos sons. Formada a orquestra corporal, o coral infantil canta ‘Borboletinha’ e logo depois, ‘Marcha Soldado’. Para finalizar, cantam as duas cantigas ao mesmo tempo. Show de bola. Sempre que ouvia o Barbatuques, pensava-os como crianças curiosas que buscam descobrir no corpo limites misteriosos, indecifráveis. Daí o trabalho infantil de agora ser o desdobramento natural de uma trajetória que haveria de nisso chegar, mais cedo ou mais tarde. Pois quem, se não os pequenos, para sentir como música uma música que nem parece música, mas apenas uma simples batida da palma da mão na bochecha, dela tirando um som engraçado? Os adultos até entendem, mas sentir, só as crianças. E agora o Barbatuques reproduz o mundo delas, onde mora a esperança de só haver sempre coisas boas e novas. Sem amarras que lhes tolham a inventividade, surpresa sendo a tônica dominante: para eles, corpo é música.

Está cada vez mais evidente que o modelo de vida competitivo que nos foi ensinado desde a infância não atende às nossas necessidades. Cursos e mais cursos nos foram – e ainda são – transmitidos com um aviso elementar: “Seja o melhor, pois não tem pra todo mundo”. Com essa voz interna nos desafiando a cada dia, uma característica nos foi tirada sem nos darmos conta: a colaboração. Mas, com ajuda da internet – e também sem ela –, há alguns anos o mundo está tentando resgatar esse nosso lado mais comunitário. Aos poucos, estamos provando que essa não é apenas uma filosofia do passado, mas do presente e também do futuro. A internet nos conectou e o compartilhamento dos nossos conhecimentos chegou a um ponto que nunca poderíamos ter imaginado – para o bem o para o mal, é verdade. Fato é que dai surge o que hoje está na boca de indivíduos, associações, escolas e empresas: a economia colaborativa. A multidão – o ‘crowd’ – pode compartilhar seus conhecimentos para construir soluções sociais e empresariais com os softwares livres; financiar projetos de grande impacto nas ferramentas de financiamento coletivo; e criar um dos mais ambiciosos sonhos, aquele de construir a maior enciclopédia gratuita do mundo, a Wikipedia, viável apenas com a colaboração de milhares de pessoas. Em uma das palestras do evento Fronteiras do Pensamento – que tem como tema anual “Como Viver Juntos” – realizado em São Paulo e Porto Alegre, o fundador da Wikipedia, Jimmy Wales, contou para uma plateia de curiosos alguns fatos interessantes sobre o sexto maior site do mundo hoje. Criada em 2001, a Wikipedia conta com mais de

32 milhões de artigos em mais de 280 idiomas (876 mil em português e quase três mil em guarani!). São mais de 70 mil colaboradores, em sua maioria homens (87%) com média de idade de 26 anos. Tudo isso só é possível graças a colaboração. E não é só a Wikipedia que mostra esse fenômeno. Waze, AirBnb, Quirky, entre outras centenas de projetos, só são possíveis graças a colaboração da rede gerando não apenas valor econômico, mas também social. Wales entrou na minha lista de “grandes heróis” contemporâneos com suas ideias progressistas, e também pelo seu espírito colaborativo e inspirador, além de ser um ferrenho defensor da neutralidade da rede. Mesmo não sendo bilionário como muitos de seus amigos que “fundaram” a internet, ele se diz realizado com seus filhos e sua mulher, Kate Garvey (ex-secretária de Tony Blair). E cutuca seus colegas dizendo que conhece muitos bilionários, e que a maioria deles está entediada, enquanto ele se diz muito satisfeito. Vemos hoje vários projetos colaborativos que prometem revolucionar o modo pensar globalmente, agindo localmente e pensando no futuro de modo a resgatar os sentimentos com o próximo. Todos os dias, somos bombardeados de informações negativas e provas de que a linha entre o progresso e o retrocesso é bastante fina, mas há que se ver também o que funciona, o que de novo está sendo feito! Tenho esperança em um mundo mais colaborativo. E você? Colabora, vai!

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Aquiles Rique Reis é músico, vocalista do MPB4

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Ricardo Somera é publicitário e você pode encontrá-lo no Twitter @souricardo e no Instagram @outrosouricardo


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VIAGEM ZIG KOCH

A cidade das Cataratas do Iguaçu é cercada por rios e tem em seu subsolo o segundo maior aquífero do mundo Foz do Iguaçu, na tríplice fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina, é uma cidade privilegiada pelas águas, que a cercam e são abundantes também em seu subsolo. É em seu território que o segundo maior rio da América do Sul, o Paraná, recebe as águas do Iguaçu, pouco depois dele formar as maravilhosas Cataratas, um fenômeno que a natureza criou há milhões de anos. Em seu subsolo está o Aquífero Guarani, a segunda maior reserva de água subterrânea do mundo, que se distribui por trechos do Brasil, Paraguai, Argentina e Uruguai. E há ainda o reservatório de Itaipu, um imenso lago de 1.350 quilômetros quadrados, criado artificialmente no Rio Paraná, para permitir o funcionamento da usina hidrelétrica construída por brasileiros e paraguaios na fronteira dos dois países.


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CATARATAS O Rio Iguaçu, que nasce na região de Curitiba, capital do Paraná, atravessa o estado inteiro e, nos últimos quilômetros, no trecho em que faz fronteira com a Argentina, depois de uma curva e de uma corredeira, forma 272 saltos, com desnível médio de 72 metros. As Cataratas do Iguaçu são as maiores quedas do mundo em volume de água – em períodos normais, a vazão é de 1 milhão e 450 mil litros por segundo. Os saltos se apresentam num semicírculo que lembra uma ferradura e se estendem por 2.700 metros, dos quais 1.900 metros estão no lado argentino e 800 metros em território brasileiro. Para avistar as Cataratas em sua plenitude, é preciso conhecer as duas margens. Do lado brasileiro, é possível até fazer um passeio de barco debaixo delas, com direito a um “banho”, enquanto no lado argentino tem-se a dimensão, vista do alto, da imponência da Garganta do Diabo, o salto mais impressionante do conjunto de quedas. Toda essa exuberância garantiu às Cataratas do Iguaçu, em 2011, o título de uma das sete novas maravilhas da natureza. A eleição, promovida pela fundação suíça New Seven Wonders, teve votos de internautas do mundo inteiro.

PARQUES Tanto no Brasil como na Argentina, as Cataratas do Iguaçu estão cercadas por parques nacionais. Brasileiros e argentinos mantêm no total mais de 600 mil hectares de áreas protegidas e outros 400 mil hectares de florestas ainda primitivas, que abrigam espécies ameaçadas de extinção, da flora e da fauna. Estima-se que existam nas matas 800 espécies de borboletas, além de 45 mamíferos, 12 anfíbios, 41 serpentes e 200 espécies de aves. Graças a essa riquíssima biodiversidade, somada à beleza cênica das Cataratas do Iguaçu, o Parque Nacional do Iguaçu, no Brasil, e o Parque Nacional Iguazú, na Argentina, foram declarados Patrimônio Mundial da Natureza pela Unesco.

ÁGUA QUENTE Cercada de rios, Foz do Iguaçu não utiliza os recursos do Aquífero Guarani para o abastecimento de água da população. Mas alguns poucos resorts de luxo oferecem, como atrativo, piscinas de águas termais, que vêm do subsolo a temperaturas em torno de 37 graus. A água termal, que permanece naturalmente quente o ano inteiro, também possui propriedades medicinais, permitindo banhos a qualquer hora do dia e em qualquer estação.

ITAIPU Responsável por 16% da energia elétrica consumida no Brasil e por 79% do consumo de eletricidade do Paraguai, a usina de Itaipu é o segundo maior atrativo de Foz do Iguaçu, visitada anualmente por mais de 800 mil pessoas. A usina, que em 1995 foi eleita uma das maravilhas da engenharia moderna, pela Sociedade Americana de Engenharia, oferece uma série de passeios, inclusive pelo reservatório, a bordo de um barco de luxo com capacidade para 200 pessoas. Gigantesca em todos os sentidos, Itaipu desperta interesse não só por sua estrutura física, mas pelo trabalho que desenvolve em relação à preservação ambiental de todo o seu entorno. Desde a criação do reservatório, em 1982, Itaipu já plantou mais de 44 milhões de árvores nas margens do reservatório. Seu principal programa socioambiental, o Cultivando Água Boa, ganhou da ONU, este ano, o prêmio de melhor prática do mundo em gestão dos recursos hídricos. Mas é nos números que a usina mais impressiona. Sua barragem tem quase 8 quilômetros de extensão e altura máxima de 196 metros, o equivalente a um prédio de 65 andares; o ferro e o aço utilizados na construção de Itaipu permitiriam construir 380 torres semelhantes à Eiffel, de Paris. O seu vertedouro, que tem como função descarregar a água não utilizada para geração, tem capacidade para verter 62,2 mil m³/s, 40 vezes mais do que a vazão média das Cataratas do Iguaçu.

PASSEIOS Desde que foi aberta à visitação, em 1977, quando ainda estava em obras, a Usina de Itaipu já recebeu cerca de 20 milhões de visitantes, pelas margens brasileira e paraguaia. Hoje, os visitantes contam com três tipos de passeios: o Circuito Especial, que permite a visita ao interior da barragem; a Visita Panorâmica, com paradas estratégicas; e o test-drive de veículo elétrico, em que o visitante dirige um carro elétrico montado na própria usina, acompanhado de monitor. Os outros atrativos de Itaipu são a Iluminação da Barragem, em que a usina é iluminada gradativamente, com uma trilha sonora especial; o Ecomuseu, que traz detalhes e curiosidades da região onde a usina foi construída; o Refúgio Biológico Bela Vista, onde se pode conhecer de perto exemplares da fauna e flora regionais; e o Porto Kattamaram, de onde se pode sair para navegar em um barco de 200 lugares pelo Lago de Itaipu.

PARQUE DAS AVES

Este conteúdo foi patrocinado por Itaipu Binacional

Outro atrativo imperdível de Foz do Iguaçu é o Parque das Aves, que abriga mais de mil pássaros, de 150 diferentes espécies, algumas ameaçadas de extinção. Com 16,5 hectares de exuberante Mata Atlântica, é o maior parque de aves da América Latina. Mas, contrariando o nome, o parque não abriga apenas aves: ali é também o paraíso de répteis da fauna brasileira, como a jiboia, o iguana, o jacaré e a temida sucuri; e de graciosas borboletas, algumas raras na natureza. Para os cerca de 500 mil visitantes que o Parque das Aves recebe anualmente, o maior encanto é poder ficar bem perto dos animais. Dá até para tocar numa jiboia e deixar que uma arara, bem mansa, pouse em seu braço, para a fot o que ficará de lembrança do passeio.


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