Brasil Observer #26 - Portuguese Version

Page 1

B R A S I L O B S E R V E R LONDON EDITION GUILHERME ARANEGA / ESTÚDIO RUFUS (WWW.RUFUS.ART.BR)

WWW.BRASILOBSERVER.CO.UK

ISSN 2055-4826

APRIL/2015

# 0 0 2 6

A D A L A PED OS ESFORÇOS E DESAFIOS DE SÃO PAULO E LONDRES PARA TRANSFORMAR A MOBILIDADE URBANA PELO USO DAS BICICLETAS

ECONOMIA ESTAGNADA Para voltar a crescer, Brasil precisa recuperar investimentos REPRODUÇÃO

EMICIDA EXCLUSIVO Rapper brasileiro vem a Londres e fala ao Brasil Observer DIVULGAÇÃO


2

brasilobserver.co.uk | April 2015

SUMÁRIO 4 6 8 10 12 14 16 18 21 24 26 28 30 EM FOCO O futuro da energia na América Latina COLUNISTA CONVIDADO Pedro Ekman defende a regulamentação da mídia no Brasil PERFIL Eliane Elias e a inspiração que vem do silêncio BRASIL GLOBAL Sobre duas rodas: São Paulo e Londres se adéquam aos novos tempos CONEXÃO BR-UK Empresas britânicas participam da maior feira de turismo da América Latina BRASILIANCE Os obstáculos de Dilma Rousseff para fazer o Brasil voltar a crescer BRASILIANCE Os significados dos protestos realizados nos dias 13 e 15 de março CONECTANDO De Tunis, um relato sobre mais uma edição do Fórum Social Mundial GUIA Entrevista exclusiva com o rapper brasileiro Emicida GUIA Clube do Choro UK: De volta ao Brasil sem sair de Londres DICAS CULTURAIS Shows e exposições para curtir Londres com um toque brasileiro COLUNISTAS Franko Figueiredo faz uma reflexão sobre o que é liberdade Ricardo Somera traz os destaques do Lollapalooza Brasil VIAGEM Kerala, o país de Deus LONDON EDITION É uma publicação mensal da ANAGU UK UN LIMITED fundada por:

ANA TOLEDO Diretora de Operações ana@brasilobserver.co.uk GUILHERME REIS Diretor de Redação guilherme@brasilobserver.co.uk ROBERTA SCHWAMBACH Diretora Financeira roberta@brasilobserver.co.uk EDITORES EM INGLÊS Kate Rintoul Kate@brasilobserver.co.uk Shaun Cumming shaun@investwrite.co.uk DESIGN E DIAGRAMAÇÃO Jean Peixe peixe@brasilobserver.co.uk COLABORADORES Ana Beatriz Freccia Rosa, Andressa Moreno, Franko Figueiredo, Gabriel Noleto, Gabriela Lobianco, Michael Landon, Pedro Ekman, Ricardo Somera, Rômulo Seitenfus, Wagner de Alcântara Aragão IMPRESSÃO St Clements press (1988 ) Ltd, Stratford, London mohammed.faqir@stclementspress.com 10.000 cópias DISTRIBUIÇÃO Emblem Group Ltd. PARA ANUNCIAR comercial@brasilobserver.co.uk 020 3015 5043 PARA ASSINAR contato@brasiloberver.co.uk PARA SUGERIR PAUTA E COLABORAR editor@brasilobserver.co.uk ONLINE brasilobserver.co.uk issuu.com/brasilobserver

8

10

18

21

30

facebook.com/brasilobserver twitter.com/brasilobserver


brasilobserver.co.uk | April 2015

3

E D I T O R I A L

VALE AO BRASIL, VALE AO REINO UNIDO

À

L R

Às vésperas da Eleição Geral de 7 de maio no Reino Unido, a tentação de traçar comparações entre a correlação de forças políticas britânica e a que testemunhamos no Brasil é inescapável. Pois vejamos. Levando-se em conta o debate televisionado entre sete líderes de partidos britânicos, aqui se tem um cenário mais progressista – em tese, porque em campanha eleitoral se promete o impossível. Obviamente, o trabalhista Ed Miliband equivale à petista Dilma Rousseff e o conservador David Cameron, ao tucano Aécio Neves. O liberal-democrata Nick Clegg, pelo papel de fiel da balança exercido por seu partido no último Parlamento, poderia ser comparado a algum figurão do PMDB, mas a julgar pela última eleição presidencial no Brasil ele se parece mais com Marina Silva, então candidata pelo PSB – nem de direita, nem de esquerda, muito pelo contrário. Nas quatro peças restantes, a diferença sutil que faz a conjuntura britânica poder ser considerada mais progressista do que a brasileira. Enquanto Nicola Sturgeon (primeira-ministra da Escócia pelo Partido Nacionalista Escocês), Leanne Wood (primeira-ministra do País de Gales pelo também nacionalista Plaid Cymru) e Natalie Bennett (Green) defendem o fim da austeridade e o desenvolvimento de um novo paradigma político-econômico-ambiental, apenas Nigel Farage (UKIP) faz papel de bizarro – ao culpar exclusivamente os imigrantes pelos males da nação. No Brasil, a bizarrice tinha dois nomes na eleição passada: Pastor Everaldo, do PSC, e Levy Fidélix, do PRTB. A defesa de temas “espinhosos”, como legalização da maconha, descriminalização do aborto e taxação de grandes fortunas, por exemplo, ficou com Luciana Genro (Psol) e Eduardo Jorge (Verde). Fora isso, por conta das diferenças decorrentes do sistema político de cada país (parlamentarismo no Reino Unido, presidencialismo no Brasil) e dos diferentes graus de desenvolvimento de cada um deles, qualquer outra comparação seria mero exercício de “achismo”. Impossível não notar, porém, outro fator em comum – e que, aliás, é facilmente identificável em quase todos os sistemas democráticos ocidentais. Trata-se daquele velho receio a tudo que questione e possa modificar, ainda que de maneira superficial, o status quo. Nicola Sturgeon é quem melhor representa o ponto fora da curva. Foi quem melhor apontou, no debate, a irresponsabilidade do discurso de Nigel Farage; as contradições do Partido Trabalhista; a hipocrisia de Nick Clegg; e a falta de competência de David Cameron. E por agir baseada em nada mais além da sacrossanta verdade factual, é apontada por alguns setores como a pessoa mais perigosa do Reino Unido. Resta saber o que dirão as urnas no início do mês que vem. Enquanto isso, no Brasil, aqueles que espalham o medo quando surge a possibilidade de

qualquer mísero avanço na direção de uma democracia social soberana, capaz de desarmar as estruturas seculares do atraso nacional, seguem falando alto – e cada vez mais alto, diga-se. Esperar o que, afinal? Se nem mesmo aqueles escolhidos para representar o desejo emancipatório da sociedade conseguem – por incompetência ou má fé – exercer aquilo para que foram eleitos, quem mais o fará? Resignado seja, então, o compasso da desilusão, como diria o mestre navegante Paulinho da Viola. Tivessem Dilma Rousseff e o PT o capital político necessário para seguir a pauta com a qual alcançaram democraticamente, pela quarta vez consecutiva, a maioria dos votos brasileiros, o país estaria debatendo seriamente, no mínimo, duas questões elementares para superar os problemas centrais dos dias que correm: a formação de uma Assembleia Constituinte Exclusiva para conduzir a reforma política, sendo que um dos pontos principais seria o fim do financiamento empresarial de campanhas eleitorais; e uma reforma tributária que corrigisse as distorções primárias de um sistema regressivo que pune os mais pobres. O combate à corrupção e o ajuste fiscal que o país tanto necessita passam por esses dois debates. Ou se não de que forma o governo conseguirá economizar mais de 60 bilhões de reais sem afetar o direito das classes médias? Como fará isso sem prejudicar os investimentos e o emprego? Quando Dilma prometeu que não faria tudo aquilo que está fazendo agora, adiou erroneamente o debate sobre essas perguntas, que são, afinal, inerentes às transições de ciclo. O modelo onde “todos ganham” que foi tão bem sucedido nos anos Lula não funciona mais. O mundo é outro. Não basta um ajuste meramente econômico. Falta, essencialmente, um ajuste político. Mas quem está no comando? A pauta do retrocesso caminha a passos largos no Congresso Nacional liderado por Eduardo Cunha e Renan Calheiros, enquanto a base de apoio ao governo petista se esfarela, nos gabinetes e nas ruas. É pertinente a análise de que o PT falhou ao não politizar os milhões de brasileiros que ascenderam socialmente graças às políticas públicas colocadas em prática pelos governos Lula e Dilma. Mas foi o mínimo. O cidadão tem o direito de achar que ascendeu por conta própria – afinal, sem vontade individual não se vai longe – e se sentir lesado quando vê que seus direitos estão em risco nas mãos justamente daqueles que prometeram assegurar suas conquistas. E ninguém suporta mais os casos de corrupção envolvendo o partido, por mais que os maus hábitos não sejam exclusividade petista. Quando o medo do avanço impossibilita a ação de quem sempre representou o questionamento do status quo, não há maquiagem que resista. Quem no poder defende o establishment, vê a sociedade como inimiga. Isso vale para o Brasil. Isso vale para o Reino Unido.


4

brasilobserver.co.uk | April 2015

EM FOCO

BRASIL EXERCE LIDERANÇA EM ENERGIAS RENOVÁVEIS MAS PRECISA CONFIAR MAIS EM SI PRÓPRIO, DIZ HAMILTON MOSS DE SOUZA

O

Não haverá integração latino-americana plena enquanto o Brasil e o México não se aproximarem comercial e economicamente. Leslie Bethell, Professor Emérito de História Latino-Americana (Universidade de Londres), durante aula pública sobre a ‘Americanização’ da Política Externa Brasileira (1889-1914) organizada pela Canning House e o Instituto Brasil do King’s College

O Vice-Presidente de Energia da CAF (Banco de Desenvolvimento da América Latina), Hamilton Moss de Souza, participou em Londres de evento organizado pela Canning House, ‘The Future of Energy in Latin America – bright prospects for the renewables sector?’, em março. Em seu discurso, Moss de Souza fez questão de defender a América Latina, “uma região confiável para investidores”, mesmo diante de uma conjuntura econômica desfavorável (principalmente pela queda no preço das commodities e pela falta de certeza sobre as condições financeiras globais), e reconheceu que “ainda são necessários muitos investimentos para darmos início a um novo ciclo de desenvolvimento”. De acordo com dados apresentados por ele, só no setor de energia a região precisará de ao menos 71 bilhões de dólares por ano na próxima década, diante de uma realidade em que 30 milhões de latino-americanos não têm acesso à energia elétrica. Após o evento, Moss de Souza, que chegou ao CAF depois de uma importante carreira no Ministério de Minas e Energia (MME) no Brasil, onde chefiou o Departamento de Desenvolvimento Energético e coordenou a elaboração do Plano Nacional de Eficiência Energética, respondeu algumas perguntas colocadas pelo Brasil Observer. Qual a posição do Brasil no setor de energias renováveis? Em certas áreas, somos liderança no mundo, por conta de dois aspectos. Primeiro pelo tamanho do Brasil, pois, mesmo que não fosse bom do ponto de vista técnico, já teria um peso importante – e somos bons tecnicamente na questão do álcool e da biomassa, por exemplo. E segundo pela questão

hidráulica; o Brasil há mais de cem anos usa energia hidráulica em diversas áreas. O uso da energia solar e eólica ainda é pequeno, mas está crescendo. Então o Brasil acaba influenciando os mercados pelo volume e pela capacidade técnica. Quais são as vantagens estratégicas do Brasil neste setor? A vantagem de investir no Brasil é que o país tem uma escala que por si só já é suficientemente vantajosa, independentemente de qualquer outra coisa. Mas, além de ter um mercado próprio por conta de seu tamanho, o Brasil tem uma liderança técnica e de aplicação de mercado, então investir no país pode ser um primeiro passo para estender os investimentos para a América Latina como um todo. E as desvantagens? O que ainda precisa ser melhorado? O Brasil primeiro tem de confiar mais em si próprio, precisa reconhecer mais suas qualidades, pois somos muito críticos de nós mesmos. Os investidores estrangeiros enxergam no Brasil muitas possibilidades, mas às vezes por uma falta de confiança o país acaba não aproveitando elas. Depois existe a questão da burocracia. Isso é quase unânime. Somos um país muito burocrático, então precisamos simplificar as coisas, facilitar a vida de quem quer investir no país, tanto para as empresas estrangeiras quanto para as brasileiras. É possível ter acesso aos dados apresentados por Hamilton Moss de Souza no evento através do endereço online http://goo.gl/7ofcQ9

NA AGENDA g

Direitos Humanos e Justiça na Argentina Pós-Autoritária A Canning House e o Instituto Cervantes estão apresentando uma série de palestras com foco nas ditaduras militares do século passado na América Latina e suas consequências. Esta vai explorar o papel do sistema judiciário argentino diante do legado do Estado opressor. Quando: 16 de abril (18:30-20:30) Onde: Instituto Cervantes – 102 Eaton Square Entrada: Membro Corporativo: Grátis / Membro Individual: £5 / Não Membro: £10 www.canninghouse.org

g

Debate Sobre os Movimentos Sociais na América Latina Evento do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Londres recebe Clifton Ross, editor de ‘Until the Rulers Obey: Voices from Latin American Social Movements’, que analisa os movimentos por trás da recente onda de mudanças em países da América Latina. Quando: 21 de abril (18:30-20:30) Onde: Senate House – Malet Street Entrada: Preço não disponível até o fechamento da edição www.ilas.sas.ac.uk

g

Conservação na Colômbia e Oportunidade de Negócios Conferência será dividida em duas sessões. A primeira se concentra nas implicações do recém-lançado Plano Nacional de Desenvolvimento 2014-2018 para os negócios sustentáveis na Colômbia. A segunda foca em como alcançar as metas estabelecidas. Quando: 29 de abril (14:3020:00) Onde: Canning House – 14/15 Belgrave Square Entrada: Evento corporativo events@canninghouse.org

g

IV Conferência Oxbridge de Estudos Brasileiros Organizado pela Universidade de Cambridge e por grupos brasileiros da Universidade de Oxford (CUBS e OUBS), evento multidisciplinar reúne pesquisadores das áreas de ciências naturais, sociais e humanidades para debater os impactos de suas pesquisas no Brasil. Quando: 2 de maio (9:00-19:00) Onde: Hughes Hall – University of Cambridge Entrada: Preço não disponível até o fechamento da edição www.oxbridgeonbrazilstudies. webs.com

g

Jantar de Gala e Prêmio Personalidade do Ano 2015 A Câmara Brasileira de Comércio na Grã-Bretanha premia dois líderes – um brasileiro e um britânico – por suas conquistas recentes. Os vencedores são Marcos Molina e Sir Martin Sorrel. O ministro da Fazenda do Brasil, Joaquim Levy, fará o discurso principal da noite. Quando: 12 de maio (19:00) Onde: London Hilton – 22 Park Lane Entrada: Membro Individual: £215 / Não Membro: £270 www.brazilianchamber.org.uk


brasilobserver.co.uk | April 2015

5

Are you considering doing business in Brazil? The world has finally discovered the potential of this great country and how it plays a leading role in Latin America. However, what does it take to succeed in this complex market? How to deal with local challenges which can constitute real obstacles to companies? That is where we come in: developing and implementing strategic plans for the international expansion of our clients. Learn more about our company at www.suriana.com.br

www.suriana.com.br


6

brasilobserver.co.uk | April 2015

COLUNISTA CONVIDADO

VAMOS DEBATER A MÍDIA? Regular a mídia nada mais é do que regulamentar os artigos da Constituição Federal que dizem respeito à comunicação social eletrônica, ou seja, criar regras para que o jogo democrático possa ser jogado de forma justa e equilibrada Por Pedro Ekmanu g

O

(PODEMOS TIRAR, SE ACHAR MELHOR) Os primeiros desenhos de um sistema democrático talvez tenham como melhor representação a ágora grega, uma espécie de praça pública onde a população se reunia para tomar decisões sobre os rumos que a sociedade deveria seguir. Neste espaço todos e todas poderiam expor seus argumentos, ouvir ponderações e pontos de vista contrários e tomar decisões de forma livre, votando segundo as suas próprias convicções e interpretação dos fatos. Em uma sociedade como a que se vive no Brasil em 2015, tomar decisões em praça pública com centenas de milhões de pessoas ao mesmo tempo não é algo factível. Talvez a internet um dia permita isso, mas com o nível de inclusão digital atual ainda estamos longe deste cenário. Para resolver o problema da impossibilidade de reunir todos fisicamente em um espaço público comum para tomar decisões sobre o país, inventamos dois instrumentos: o sistema de representação política e a comunicação social eletrônica, ambos descritos e definidos na Constituição Federal. O Congresso Nacional passa a ser a praça pública de debates onde participam com direito a voto os representantes eleitos. O rádio e a TV passam a organizar o debate feito pelos milhões de brasileiros em um território nacional de dimensões continentais. Através do debate feito pela comunicação social, difundida por meios eletrônicos como o rádio e a TV, a sociedade se informa para tomar decisões elegendo representantes e saindo às ruas para protestar contra o que percebe estar errado. Tanto o Congresso Nacional como os canais de rádio e TV são espaços públicos. A Constituição Federal fez questão de os definir assim, pois são espaços estruturantes do sistema democrático representativo. O problema é que a política brasileira, seguindo a tradição latino-americana, privatizou o espaço público ao longo de sua história, entregando o debate aos interesses privados em detrimento dos interesses públicos e republicanos. Os representantes do parlamento são eleitos com campanhas milionárias financiadas por corporações que passam a ter seus interesses verdadeiramente representados no Congresso. As cédulas de dólares e reais substituem a cédula de votação em importância, corrompendo a estrutura do sistema. Os canais de rádio e TV são entregues à poucas empresas privadas que definem o debate político e cultural do país. A democracia existe no papel, mas não se realiza na prática. O artigo 220 da Constituição Federal define que não pode haver monopólio ou oligopólio na comunicação social eletrônica. A Globo, no entanto, controla cerca de 70% do mercado, faturando sozinha mais do que todas as demais empresas de comunicação. Isso acontece porque o Congresso nunca elaborou leis que definissem os meios pelos quais se impediria o monopólio de se formar. E por que o Congresso tem sido omisso nas suas obrigações? A artigo 54 da mesma carta magna determina que deputados e senadores não podem ser donos de concessionárias de serviço público (canais de rádio e TV são serviços públicos prestados também por empresas privadas). Porém, a família Sarney e os senadores Fernando Collor, Aécio Neves, Agripino Maia e Edson Lobão Filho são apenas alguns exemplos das dezenas de parlamentares que controlam canais de rádio e TV em seus estados. Criar as leis que tornem viáveis os objetivos constitucionais é justamente o que se chama de regulamentar a Constituição. Regular a mídia nada mais é do que regulamentar os artigos da Constituição Federal que dizem respeito à comunicação social eletrônica, ou seja, criar regras para que o jogo democrático possa ser jogado de forma justa e equilibrada. Congressistas e grandes emissoras de TV, no entanto, definem a regulação da mídia como cerceamento da liberdade de expressão e como um ataque de um suposto governo autoritário que quer impedir críticas à sua gestão. Isso acontece por que as corporações de mídia, ao reconhecerem a possibilidade de um cenário em que terão que dividir o bolo que sempre comeram sozinhos com o resto da sociedade, atacam a proposta incitando o medo na sociedade para que ela também reaja contra a proposta. Para se ter uma ideia do impacto da concentração de mercado no debate público, podemos analisar a discussão que ocorre neste momento no Congresso Nacional sobre a possibilidade da redução da maioridade penal. Como será a reação de uma sociedade que é bombardeada diariamente por programas policialescos e telejornais que veiculam crimes cruéis supostamente cometidos por adolescentes sem sequer preservar o direito constitucional de presunção da inocência? Com adolescentes condenados pela praça pública da TV, a sociedade se vê impelida a votar pela redução da maioridade penal, pois esse que parece ser o caminho razoável a se tomar diante dos fatos que foram selecionados para serem apresentados ao debate. Na maioria das vezes o mais importante não é o que se comunica, mas aquilo que se deixa de comunicar. Recentemente as redes sociais foram surpreendidas por uma notícia que foi ao ar com uma nota do jornalista ao editor que dizia “Podemos tirar, se achar melhor” após um trecho da reportagem que ligava o esquema de corrupção da Petrobras ao governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. O diálogo entre um jornalista e um editor é algo absolutamente trivial, mas, ao expor a preferência de se colocar em debate público algumas informações e não outras, a sociedade se pôs a pensar quantas notas ela deixou de ver e quantas informações ela simplesmente não tomou conhecimento para poder debater. O fato de que a mídia tem lado, posicionamento e opinião contraria o discurso corrente de que os meios são técnicos e sempre optam pela melhor forma de informar. Tendo isso claro, fica mais fácil perceber que um cenário de mercado altamente concentrado – no qual apenas uns poucos empresários decidem o que toda a sociedade vai debater – é mortal para uma sociedade que se pretende democrática. Regular a mídia não é censura e nem coisa de comunista. Países não comunistas como a Inglaterra, a França, a Alemanha e até os Estados Unidos regulam a mídia de maneiras mais determinadas que o Brasil. É importante lembrar que o Brasil também regula a mídia, que não se está inventando um assunto novo, apenas o fazemos de forma absolutamente insuficiente. Enquanto os donos do The New York Times, por exemplo, não podem ser os mesmos donos de uma emissora de TV em Nova York – porque a regulação americana coloca limites à propriedade cruzada dos meios de comunicação proibindo a formação de oligopólios –, no Brasil os donos da Globo podem ter canais de TV, de rádio, jornais, editoras, gravadoras e outros tantos veículos sem qualquer limite. Se no Brasil as emissoras de TV questionam na justiça a classificação indicativa (regulação de conteúdo e não de mercado) que existe para proteger a infância de conteúdos impróprios, na Suécia a publicidade voltada para crianças é proibida de ir ao ar. Estados Unidos e Suécia estão longe do projeto comunista e nem por isso definem regulação da mídia como censura. Entendendo que a solução para esse problema não virá espontaneamente do Congresso e cansada de esperar um governo que decida enfrentar a questão, a sociedade civil brasileira decidiu elaborar um projeto de lei de iniciativa popular que regulamente a Constituição nos temas da comunicação social eletrônica. Para ajudar a sociedade brasileira a conseguir fazer esse debate de forma mais qualificada do que ela faria se só tivesse a informação produzida pelos grande meios de comunicação, o Intervozes decidiu também produzir um documentário sobre como é feita a regulação da mídia em todo o mundo. A sociedade pode assinar o projeto de lei em www.paraexpressaraliberdade.org.br e apoiar a produção do filme em www.catarse.me/pt/leidamidiabrasil. Se, mesmo com todo o esforço da sociedade civil para pautar e debater o assunto, ele não aparece na TV e no rádio, é porque certamente alguém achou melhor tirar.

g

Pedro Ekman é membro da Coordenação Executiva do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social (www.intervozes.org.br)


brasilobserver.co.uk | April 2015

7


8

brasilobserver.co.uk | April 2015

PERFIL

ELIANE ELIAS INSPIRAÇÃO QUE VEM DO SILÊNCIO Após o lançamento de seu 25º disco, cantora, compositora e pianista brasileira se prepara para apresentação única no Barbican e conversa com o Brasil Observer sobre sua música


brasilobserver.co.uk | April 2015

9

O

DIVULGAÇÃO

O estilo musical de Eliane Elias combina suas raízes brasileiras e voz sensual com Jazz instrumental e composição clássica. É dessa forma que o Barbican anuncia o show que a cantora, compositora e pianista nascida em São Paulo fará na famosa casa de Londres, dia 4 de maio. Mistura. E que mistura. O talento musical de Eliane Elias aflorou logo cedo. Aos sete anos, começou a estudar piano e, aos doze, já tirava solos de grandes mestres do Jazz. Passou a ensinar com apenas quinze e daí foi um pulo, pois iniciou sua carreira no Brasil aos dezessete, trabalhando com o cantor e compositor Toquinho e com o poeta Vinícius de Morais. Em 1981, o grande turning point: se mudou para Nova York, onde vive até hoje a colecionar histórias e prêmios graças a uma trajetória musical aclamada e de sucesso internacional. Ao todo, Eliane Elias já gravou 25 discos. O mais recente deles, lançado no final de março, foi batizado de Made in Brazil. Não à toa. Afinal, foi a primeira vez que Eliane fez boa parte da gravação no país em que nasceu. O que não significa, porém, que não haja um decisivo toque global em sua nova obra. Até o histórico Abbey Road Studios, em Londres, testemunhou o desenvolvimento do álbum. Em entrevista concedida ao Brasil Observer, Eliane Elias fala sobre seu novo trabalho, da mistura de influências presente em sua música e revela o fator determinante para seu processo criativo: o silêncio. Mesmo estando há tanto tempo fora do Brasil, como é desenvolver um trabalho tão ligado à cultura brasileira? Muitos dos meus discos incluem música Brasileira. Nossa música é parte do meu DNA. Não importa onde, minhas raízes permanecem. Muitas premiações e indicações fizeram seu público no exterior crescer. Como isso influenciou sua carreira no Brasil? Os prêmios são uma parte do reconhecimento de uma carreira. Nem sempre refletem o sucesso de um artista. Eu me sinto orgulhosa por ter uma carreira internacional há tantos anos, fazendo concertos pelo mundo inteiro e alcançando o topo dos charts de Jazz com todos os meus discos. Quanto ao Brasil, não sei explicar o porquê, mas não sou tão conhecida nem reconhecida como sou internacionalmente. Pode nos dizer o que você costuma ouvir no dia a dia? Gosto muito do silêncio. Estou sempre em processo de criação. Tento me manter atualizada com os novos lançamentos dos gêneros que me interessam musicalmente, mas, na verdade, quando eu estou trabalhando num disco, compondo, gravando, produzindo, no meio de uma agenda muito ocupada de turnês, prefiro o silêncio nas horas vagas. Dele nascem minhas ideias, minhas composições e arranjos.

Como foi a mistura entre Bossa Nova e Jazz na sua música? Moro há 33 anos em Nova York, para onde me mudei muito jovem. A principio me estabeleci como pianista de Jazz e compositora. Fui aceita de braços abertos no mundo jazzístico, trabalhando com os maiores nomes do gênero na atualidade. A música brasileira foi incorporada. Todos os meus discos trazem improvisação: uns com ritmos brasileiros; outros mais jazzísticos e straight ahead; outros realçam o lado da composição; outros realçam mais o lado vocal. A Bossa Nova é um ótimo veículo para o Jazz e para a improvisação. Como foi o processo criativo do novo álbum? Primeiro vieram as ideias, meus arranjos e as minhas composições, assim como a escolha das músicas e da direção que o disco ia tomar. Nesses arranjos e nessas composições se fez interessante a inclusão de músicos parceiros para que eu alcançasse o som que estava imaginando. É como um quadro. Você faz primeiro o esboço e depois escolhe as cores que ficam interessantes naquelas composições. O disco tem seis músicas próprias, e canções de Ary Barroso, Roberto Menescal e Tom Jobim. Diferentes gerações... Sim. O álbum Made in Brazil começa com um toque da história de nossa música, o samba exaltação, passando pela Bossa Nova e chegando às minhas composições, que refletem a música de hoje. Sete das 12 faixas do seu novo álbum tiveram arranjo de Rob Mathes, gravadas no lendário Abbey Road Studios. Como foi esse processo, já que o disco foi finalizado em São Paulo? No Brasil fizemos as composições e os arranjos, gravamos todas as bases e acrescentamos os vocais do Ed Motta. Nos Estados Unidos foram gravadas as participações do grupo Take 6, da Amanda Brecker e do Mark Kibble. Então fomos para Londres gravar as cordas. Os arranjos de cordas foram escritos por Rob Mathes. É o terceiro disco que ele participa como arranjador orquestral e que gravamos as cordas em Londres, no histórico Abbey Road Studios. No começo de maio, o Barbican recebe Eliane Elias e Ed Motta. Como foi essa parceria e qual é a expectativa para o show? Estaremos cada um fazendo o seu próprio show, e estamos estudando uma participação conjunta. O Ed cantou na minha música chamada “Vida”, então pensamos em cantar essa música juntos.


10

brasilobserver.co.uk | April 2015

BRASIL GLOBAL

SOBRE DUAS RODAS Os benefícios trazidos pelo uso da bicicleta como meio de transporte são mais do que conhecidos. Tanto em São Paulo quanto em Londres, a transformação está em andamento Por Guilherme Reis

MARCOS SANTOS/USP IMAGENS

L

Londres, 27 de março, 6pm horário local. Nos arredores do Southbank Centre, ciclistas se reúnem para mais uma pedalada organizada toda última sexta-feira do mês pelo grupo Massa Crítica (Critical Mass, em inglês). Por volta das 7pm, com uma aglomeração que ultrapassava seguramente a marca de 500 pessoas, as buzinas avisam que a marcha sobre duas rodas está para começar. Nas horas seguintes, ao som do reggae e outros gêneros que saiam de caixas acopladas nas bikes de alguns participantes, a reportagem do Brasil Observer acompanha a procissão que passa por Holborn, Camden Town e King’s Cross até chegar ao ponto final, em Covent Garden. O motivo do encontro: promover o uso da bicicleta como meio alternativo de transporte, menos poluente, além de conscientizar a população para o compartilhamento seguro dos espaços públicos. São Paulo, 27 de março, 6pm horário local. Na Praça do Ciclista, na Avenida Paulista, ciclistas, cicloativistas e simpatizantes aproveitam a bicicletada que acontece toda última sexta-feira do mês para protestar. O motivo: uma liminar do Ministério Público que, uma semana antes, havia suspendido a construção de ciclovias em toda a cidade por falta de planejamento. Pouco depois das 8pm, o ato que reuniu cerca de sete mil pessoas começa a se deslocar no sentido da estação Paraíso do Metrô. No meio do caminho chega a notícia de que o Tribunal de Justiça de São Paulo havia acabado de derrubar a li-

minar que impedia a implementação das ciclovias. Os manifestantes comemoram, mas sabem que a luta a favor da bicicleta como meio alternativo de transporte, assim como a conscientização dos cidadãos para o compartilhamento pacífico dos espaços públicos, continua. Os benefícios sociais, econômicos, ambientais e de saúde trazidos pelo uso da bicicleta como meio de transporte são mais do que conhecidos. Exatamente por isso as maiores cidades do mundo têm se esforçado para incentivar uso da “magrela” nos deslocamentos diários. Um esforço que envolve a construção de toda a infraestrutura cicloviária e a conscientização de motoristas de automóveis, pedestres e dos próprios ciclistas para que haja segurança na atividade de pedalar em ambientes urbanos. São Paulo e Londres, como não poderia deixar de ser, também se adéquam aos novos tempos, ainda que estejam em estágios diferentes do processo.

SÃO PAULO: NOVIDADE PARTIDARIZADA A demanda por uma infraestrutura cicloviária compatível com a grandeza da cidade de São Paulo existe há pelo menos três décadas, disse ao Brasil Observer a paulistana Renata Falzoni, cicloativista e bikerrepórter com mais de 30 anos de experiência. Mas somente agora, na administração do prefeito Fernando Haddad (PT) – eleito em 2012 para quatro anos de mandato –, a pauta foi incorporada

no Programa de Metas da prefeitura. O plano é entregar 400 km de ciclovias até o final de 2015, ao custo estimado de 80 milhões de reais. “Em bom português, demorou!”, comentou Renata Falzoni. O último trecho entregue pela prefeitura até o fechamento desta edição foi na região do Bom Retiro, na zona central da cidade, no dia 2 de abril. Assim, a cidade passou a contar com um total de 264,8 km de vias destinadas aos ciclistas. Desse montante de ciclovias existentes na cidade, a atual gestão inaugurou 201,8 km desde junho de 2014. Portanto, antes, São Paulo contava apenas com 63 km. Para o cicloativista Willian Cruz, autor do site Vá de Bike, “já é possível percorrer longas distâncias na cidade usando ciclovias na maior parte do trajeto, por vezes no caminho todo”. Ao Brasil Observer, ele reconheceu, porém, que “em alguns pontos existem irregularidades no asfalto ou na sinalização, o que já existia antes, com a diferença de que agora a utilização é exclusiva do ciclista”. A sensação de que ainda é possível melhorar alguns pontos do projeto é recorrente. Mas, de maneira geral, os ciclistas estão satisfeitos. “Estamos relevando muitos problemas. O que está sendo feito é basicamente o que se consegue fazer nesse momento, nessa cidade caótica que ainda depende do carro, tanto por necessidade quanto por vício”, afirmou Renata Falzoni. Ela acredita que a estrutura cicloviária está sendo feita em rede e que vai conectar os ciclistas. “Somente assim

é que mais e mais pessoas sairão de bicicleta às ruas, ocuparão a rede cicloviária e, consequentemente, o espaço público. E com isso darão sentido a esse esforço. O importante é conectar, ocupar e depois melhorar”, completou. Pesquisa divulgada pelo Ibope em setembro último mostrou que São Paulo ganhou 86,1 mil ciclistas frequentes de 2013 para 2014 – período que coincide, em partes, com a ampliação da malha cicloviária. Segundo o levantamento, 261 mil paulistanos usavam bicicletas todos os dias como meio de transporte no ano passado. Já a última Pesquisa Origem/ Destino do Metrô, de 2012, contabilizou 333 mil viagens diárias de bicicleta, mas não a quantidade de pessoas – o número representa aproximadamente 1% do total de viagens feitas somando todos os meios de transporte disponíveis. Há, porém, quem reclame das ciclovias. “A resistência parte de uma mínima parcela da população que acredita que o espaço público deve ser privatizado para estacionamento de carros particulares, ou para único uso dos motoristas em automóveis, modelo que expulsa a população das ruas, que segrega e que é responsável direto pela baixa qualidade de vida de nossa cidade”, opinou Renata Falzoni. Para Willian Cruz, o grande problema tem sido a “polarização partidária” em cima do projeto da prefeitura. “As vias para ciclistas são chamadas de ‘ciclovias do Haddad’ por boa parte da imprensa, como se fossem feitas para atingir obje-


brasilobserver.co.uk | April 2015

11

tivos eleitorais ou partidários, não para melhorar a mobilidade e proteger a vida das pessoas que usam ou pretendem usar a bicicleta”, comentou o clicoativista. A segurança dos ciclistas, aliás, deve ser o melhor termômetro para medir o quanto a cidade está sendo eficiente, tanto na questão de infraestrutura e sinalização quanto no quesito conscientização. Os dados mais recentes referentes aos acidentes e mortes no trânsito de São Paulo são de 2013. Naquele ano, foram registrados 712 acidentes envolvendo ciclistas, com 35 mortes – número elevado para os padrões europeus. Em 2005, foram contabilizadas 93 mortes. “São Paulo se parece com Londres. Muitos ônibus, taxis e caminhões de entrega nas ruas. Tem que ter sangue frio para enfrentar. Londres tem a vantagem de ter muito menos motos e muito mais ciclistas nas ruas. E se o motorista atropelar, vai para cadeia. O motorista londrino pode não gostar dos ciclistas, mas respeita. Em São Paulo alguns motoristas não respeitam e ponto”, afirmou Renata Falzoni. Ela lembrou que uma medida importante nessa adaptação do espaço público é o pedágio urbano – aqui em Londres, o Congestion Charge. “Londres encarou de frente a proposta de tirar os carros da rua. Em São Paulo, temos o rodízio que foi criado há duas décadas e não evoluiu. Qualquer um que seja carro-maníaco tem dois carros”.

LONDRES: AVANÇADA, MAS EXIGENTE A bicicleta como meio de transporte passou a ser levada a sério em Londres em 2008, quando o então prefeito trabalhista Ken Livingstone estabeleceu a meta de aumentar em 400% as viagens de bike na cidade até 2025. Naquele mesmo ano, porém, ele perdeu as eleições para o conservador Boris Johnson, que prometeu continuar apoiando a expansão da malha cicloviária da capital britânica. Em 2010, foram disponibilizadas seis mil bicicletas no esquema de aluguel-rápido (até 30 minutos) Barclays Cycle Hire em 400 estações em nove bairros centrais de Londres. O número logo foi ampliado para oito mil bicicletas em 570 estações, transformando a chamada ‘Boris Bike’ em um símbolo da cidade – que, aliás, está mudando de cor, do azul para o vermelho do banco Santander, novo patrocinador. Nem tudo é tão fácil, porém. Das 12 ‘Cycle Superhighways’ propostas por Levingstone em 2008, apenas quatro já saíram do papel: CS3 (Barking até Tower Gateway), CS7 (Merton até a City), CS2 (Stratford até Aldgate) e CS8 (Wandsworth até Westminster). Todas juntas têm 33 km, segundo o site da TFL (Transport For London). Mas há ainda uma série de outras rotas disponíveis que formam a ‘London Cycle Network’, sinalizadas com desenhos de bicicletas no asfalto e, em alguns casos, com números. Dessa forma, já em 2011 se registrava em Londres que 2,5% das viagens para o trabalho eram feitas de bicicleta – número alto para a realidade de São Paulo, mas considerado decepcionante pelas autoridades inglesas (na cidade de Cambridge, por exemplo, o número era de aproximadamente 30%).

Depois da Olimpíada de 2012 é que, enfim, a bicicleta passou a parecer capaz de revolucionar o transporte em Londres. Inspirados pelo bom desempenho dos ciclistas britânicos nos jogos, as autoridades decidiram transformar o gosto pela pedalada em legado olímpico e, em 2013, Boris Johnson apresentou proposta ousada: construir duas grandes ciclovias segregadas que fariam um xis na cidade, de norte a sul, de leste a oeste, somando quase 35 km. Como em São Paulo, houve bastante oposição, principalmente dos taxistas, preocupados com o fato de os trajetos ficarem mais longos por conta dos desvios necessários para adaptar as vias. Mesmo assim, o projeto foi aprovado e as obras começaram no mês passado na região de Southwark. A rota norte-sul terá quase 5 km e vai de King’s Cross a Elephant and Castle, enquanto a rota leste-oeste terá por volta de 30 km, saindo de Barking e chegando até Acton. Para Rosie Downes, da London Cycling Campaign, “o projeto sempre foi bem-vindo, mas demorou muito para ser colocado em prática”. Segundo ela, as ciclovias segregadas representam um grande passo a frente na criação de vias mais seguras para os ciclistas. “Temos algumas preocupações em detalhes que estão sendo resolvidos com a TFL, mas de maneira geral estamos satisfeitos em ver que o projeto dá muito mais espaço para ciclistas e pedestres”, completou Downes. O planejamento da prefeitura de Londres prevê investimento de 913 milhões de libras nos dez anos de 2013 a 2023 para deixar a cidade mais convidativa ao uso das bicicletas. Isso envolve desde a construção de ciclovias segregadas até a adaptação de vias e rotatórias e a ampliação do esquema de aluguel-rápido de bikes. Uma das propostas, aliás, é chamada de ‘Quiteways’, que são rotas para bicicletas em ruas menores e menos movimentadas, de modo que o ciclista possa fugir das high streets que são sempre mais perigosas. Rosie Downes, porém, faz um alerta. “A ideia é boa, pois precisamos de rotas acessíveis que levem a todos os lugares possíveis. Mas é essencial que essas ruas sejam realmente calmas e viáveis para ciclistas de todos os níveis. Muitas ruas ao redor das high streets acabam sendo usadas por motoristas apressados que tentam fugir do congestionamento, então é preciso que haja sinalizações bem claras nos cruzamentos e limite de velocidade”, ponderou. Por ser mais plana e ter um sistema viário mais organizado, além de ciclovias bem sinalizadas, Londres certamente é uma cidade mais convidativa para o ciclista do que São Paulo. Os próprios números comprovam isso: em 2012, a média diária de viagens feitas de bicicleta na capital britânica foi de quase 600 mil, sendo que em todo o ano foram registradas 14 mortes decorrentes de acidentes de bike – mesmo número registrado em 2013, considerado alto por aqui. As duas cidades, porém, compartilham o mesmo desejo, por parte considerável de seus cidadãos, de transformar a mobilidade urbana por meio do uso das bicicletas, repensando a utilização dos espaços públicos e promovendo uma maneira mais amistosa de se locomover.

PEDALADAS LUCRATIVAS: MERCADO DAS SUPERBIKES AVANÇA NO BRASIL O aumento do número de ciclovias nas grandes cidades brasileiras e a disseminação de um estilo de vida mais saudável estão aquecendo o mercado de bicicletas no país, principalmente no segmento “premium”, com modelos que custam de 3 mil a 70 mil reais. “Nos últimos cinco anos, as vendas de bikes de mais de 3 mil reais aumentaram pelo menos 100%”, disse à BBC Brasil Marcelo Maciel, presidente da Associação Brasileira do Setor de Bicicletas (Aliança Bike). Luis Felipe Praça, presidente da Trek no Brasil, tem estimativa semelhante. “Nossas vendas desse segmento devem ter crescido em média 20% ao ano nos últimos cinco anos”, afirmou à reportagem. As montadoras de carros também estão de olho nesse mercado. Entre as marcas que fabricam bicicletas de luxo estão a Land Rover, que está planejando levar para o Brasil alguns de seus modelos, e a BMW, que já vende no mercado brasileiro três tipos de bike “premiun”, com preços de 7 a 19 mil reais. Além dessas, Chevrolet e Volkswagen também já lançaram suas superbikes no país. Os impactos na produção das “magrelas” como um todo, porém, não devem ser sentidos imediatamente, conforme avaliação da Abraciclo, que reúne os fabricantes de bicicletas, motos, motonetas e outros veículos de duas rodas. Segundo a entidade, o número de unidades fabricadas e vendidas no país tem se mantido estável nos últimos anos, em torno de 4,5 milhões de bicicletas. Mas isso não é pouco: o Brasil é o terceiro maior fabricante de bicicletas do mundo, com uma fatia de 4% do mercado global. Em primeiro lugar está a China, com 67% da produção total (80 milhões de bicicletas por ano), seguida pela Índia, que tem 8% (10 milhões de bicicletas por ano). Dados da mesma associação indicam que o Brasil é o quinto maior mercado consumidor de bicicletas no mundo, com 5,3 milhões de unidades – os primeiros são China, Estados Unidos, Japão e Índia. Entre os modelos nacionais e importados que circulam pelo país, a Associação Brasileira da Indústria, Comércio, Importação e Exportação de Bicicletas, Peças e Acessórios (Abradibi) estima que 50% são usadas como meio de locomoção para o trabalho, 32% são de crianças, 17% são para o lazer e 1% são usadas em competições.

REPRODUÇÃO/POP UP CITY FERNANDA CARVALHO/FOTOS PÚBLICAS

Mesmo que em estágios diferentes, São Paulo e Londres se adéquam para incentivar o uso das bicicletas


12

brasilobserver.co.uk | April 2015

CONEXÃO BR-UK

ENERGIA: BRASIL E REINO UNIDO CELEBRAM PARCERIA A missão britânica no Brasil recebeu brasileiros e britânicos para o coquetel ‘UK & Brazil: Partners in Energy’ no início de março no Rio de Janeiro. O evento celebrou a parceria entre os dois países no setor de energia e aproveitou para comemorar os 450 anos da cidade. O sucesso da relação do Reino Unido com o Brasil se deve a um envolvimento integral no setor que vai além da parceria comercial. O Reino Unido tem uma tradição de pesquisa e desenvolvimento de tecnologia de ponta, cada vez mais compartilhada com o Brasil. O embaixador do Reino Unido, Alex Ellis, demonstrou confiança. “A experiência de exploração e produção por mais de 50 anos no Mar do Norte levaram a indústria britânica a desenvolver uma forte cadeia de fornecedores que muito pode contribuir para os investimentos no Brasil em águas profundas, mais especificamente no pré-sal”, disse. A parceria entre os dois países no setor, apenas com o auxílio do Governo Britânico, gerou aproximadamente R$ 7 bilhões nos últimos dois anos, com mais de 120 empresas atuando no país. Nos últimos três anos, 25 missões comerciais foram organizadas entre os países.

DIVULGAÇÃO

O portfólio World Travel Market é composto pelos principais eventos de viagens de lazer no mundo: World Travel Market, em Londres (novembro); WTM Latin America, em São Paulo; WTM Africa, na Cidade do Cabo; e Arabian Travel Market, em Dubai

BRITÂNICOS EXPÕEM NA WTM LATIN AMERICA

CIÊNCIA SEM FRONTEIRAS: EMBAIXADOR É ESCOLHIDO Lucas Leung, aluno do 7º semestre do curso de Engenharia de Manufatura, venceu o concurso ‘SwB UK Ambassador 2015’, promovido pela embaixada britânica no Brasil para selecionar um representante do programa Ciências Sem Fronteiras no Reino Unido. A conquista lhe dará a oportunidade de viajar para o país e, durante uma semana, participar de atividades acadêmicas e culturais programadas especialmente para ele. Lucas irá visitar algumas das mais importantes universidades britânicas e entrar em contato com professores e profissionais especialistas em sua área e que poderão orientá-lo quanto às chances de prosseguir seus estudos no exterior. “Sinto-me privilegiado e sinto a responsabilidade da nomeação. Estou determinado a buscar toda e qualquer chance de promover nosso país por todo Reino Unido, assim como trazer para o Brasil as oportunidades e experiências vividas em um país de desenvolvimento exemplar, alta tecnologia, inovação e rica cultura”, afirmou o aluno. Lucas lembrou ainda que o Reino

D

Terceira edição da feira de turismo em São Paulo tem participação de Wedgewood, Travco, JacTravel e TravelTek; evento deve gerar mais de 200 milhões de libras em negócios Destinos, produtos de turismo e serviços tecnológicos ligados ao setor de viagens de diversas regiões do mundo participam da terceira edição da feira World Travel Market Latin America, entre os dias 22 e 24 de abril, na cidade de São Paulo. O evento ocorre simultaneamente ao 43º Encontro Comercial Braztoa e conta, de acordo com a organização, com quatro expositores do Reino Unido. São eles: Wedgewood, que oferece uma série de serviços para viagens corporativas; Travco, cujo foco é acomodação; JacTravel, um dos principais fornecedores mundiais de reservas de hotel on-line; e TravelTek, que proporciona soluções tecnológicas para empresas do setor de turismo em todo o mundo através do uso da internet. À reportagem do Brasil Observer, o diretor da WTM Latin America, Lawrence Reinisch, explicou que o objetivo é “promover negócios duradouros”. “No ano passado, US$ 341 milhões foram transacionados durante [a feira] e nos meses seguintes ao evento”, afirmou. O valor corresponde a 206 milhões de libras – meta a ser ultrapassada pela edição 2015, que pretende ser a melhor já feita. “Nesta edição”, esclareceu Lawrence Reinisch, “teremos várias novidades para aumentar esse volume de negócios, entre elas a área de Turismo Corporativo, encabeçada pela ALAGEV (Associação Latino Americana de Gestores de Eventos e Viagens Corporativas), e o workshop do FOHB (Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil), que representa as mais importantes redes hoteleiras no país, com 26 associados, somando 630 hotéis e 104 mil unidades habitacionais”. O diretor da WTM Latin America acrescentou que o evento conta ainda com “ações já consagradas, como o programa de Compradores Internacionais Convidados (Hosted Buyers), que dá a oportunidade para que até 150 profissionais altamente qualificados e interessados na América Latina participem de forma VIP da feira, e o Speed Networking, sessões com cem compradores e 600 expositores”. Entre os Compradores Internacionais estarão representantes de seis empresas do Reino Unido: Saltours International, Miki Travel, Barrhead Travel, Lowcostbeds.com, Ruby Mear Group e Kuoni Travel. Para Lawrence Reinisch, mesmo com a participação de britânicos na WTM Latin America deste ano, há espaço para crescer. “Consideradas as dimensões da economia britânica e da economia brasileira, ainda é baixo o relacionamento econômico entre os dois países. Isto é um desafio importantíssimo a ser vencido: como aumentar a percepção do Brasil no Reino Unido e do Reino Unido no Brasil?”, questionou.

Lucas Leung: “Estou determinado a buscar toda e qualquer chance de promover nosso país por todo Reino Unido”

Unido é o segundo país a receber mais alunos do programa Ciências Sem Fronteiras, desenvolvido pelo governo federal brasileiro. “Garanto que é a escolha certa a ser feita por futuros alunos que irão participar do programa”, afirmou.

PANEL BEATER/SPRAYPAINTERS >> MUST HAVE MINIMUM OF 5 YEARS EXPERIENCE >> SOME ENGLISH LANGUAGE ABILITY AND A CV >> GOOD RATES OFFERED >> OWN TOOLS AN ASSET BUT NOT COMPULSORY

WANTED

TEL 07956 512 749


brasilobserver.co.uk | April 2015

13

10am - Instrumental Workshops AUTHENTIC BRAZILIAN CULTURE

2.45pm - Live Bossa Nova Perfect for a relaxing Saturday afternoon 4pm - Film / Talk 5pm - Dance Class Suitable for all ages and abilities 7pm - Clube do Choro UK

An entire day of authentic Brazilian activities celebrating the music and culture of Rio De Janeiro and culminating in an evening of live Brazilian music

Showcasing choro music in a traditional roda (circle) Fusion between choro and Samba de Raiz Midnight - Samba de Raiz Finish the night in Brazilian samba style!

LAST SATURDAY OF THE MONTH LAUNCH: 28th MARCH 2015

Lapa in London is supported by The Brazilian Embassy, The Forge and Clube do Choro UK

3-7 Delancey St, NW1 7NL www.forgevenue.org

3-7 Delancey St, NW1 7NL

www.forgevenue.org

£10 Standard £8 Students

OSMAN MARTINS 25th APRIL 7pm The Forge 3-7 Delancey Street,

Camden NW1 7NL


14

brasilobserver.co.uk | April 2015

BRASILIANCE

É INVESTIR OU SUCUMBIR Políticas de ajuste fiscal, numa economia estagnada como se verifica hoje no Brasil, conduzem à recessão. É um caminho sem volta? Não. Se o país recuperar os níveis de investimento, o quadro pode se reverter. O governo de Dilma Rousseff aposta nisso, mas tem obstáculos consideráveis a superar

A

Por Wagner de Alcântara Aragão DIVULGAÇÃO

A economia do Brasil estagnou-se, mostram os dados do documento Contas Nacionais de 2014, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), divulgado no final de março. O Produto Interno Bruto (PIB) aumentou apenas 0,1% no ano passado, em comparação com 2013. O mais preocupante, porém, foi o desempenho do componente Formação Bruta de Capital Fixo – em outras palavras, os investimentos que foram feitos no país. A Formação Bruta de Capital Fixo caiu 4,4% em 2014, o pior resultado desde 1999, quando houve queda de 8,3% ante o ano anterior. Recuperar os investimentos é imperioso para que o PIB brasileiro volte a crescer em longo prazo; e para se evitar ou minimizar uma recessão num prazo mais imediato. O governo federal sabe disso. O ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, e a presidenta Dilma Rousseff têm anunciado para breve o lançamento da segunda fase do Programa de Investimentos em Logística (PIL). Dilma Rousseff também vem prometendo para logo a terceira fase do Programa Minha Casa, Minha Vida e a etapa três do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). São ações que envolvem um conjunto de obras públicas que deverão ser viabilizadas com forte investimento da iniciativa privada, tanto nacional quanto estrangeira. Conforme a presidenta tem argumentado, o ajuste fiscal que está sendo colocado em prática desde o início do ano busca justamente resgatar, de parte dos investidores, a confiança no país. Mesmo que algumas medidas do ajuste ainda dependam da aprovação do Congresso – onde Dilma não tem tido vida fácil –, a agência de análise de risco Standard & Poor’s manteve a nota de crédito e o grau de investimento do Brasil. “A perspectiva estável reflete a nossa expectativa de que a correção em andamento continuará a atrair o apoio da presidente Dilma Rousseff e, finalmente, do Congresso, que gradualmente irá restaurar a credibilidade política perdida, abrindo o caminho para perspectivas de crescimento mais forte em 2016 e nos anos seguintes”, afirmou a agência. Um rebaixamento neste momento seria péssimo para as ambições do país na atração de capital, avalia o governo federal. Só a ‘confiança’ do mercado, porém, não é suficiente. Os efeitos desses investimentos no reaquecimento da atividade econômica estarão condicionados à transposição de pelo menos dois obstáculos imediatos. Um deles é o período entre os lançamentos dos programas e a efetiva concretização das obras. Esse hiato precisará ser abreviado, pois os impactos de obras públicas levam tempo para aparecer. O outro obstáculo é que as maiores empreiteiras do Brasil, teoricamente mais aptas a tocarem empreendimentos de grande escala, estão sendo investigadas pela Operação Lava Jato, suspeitas de terem pagado propina em troca de contratos com a Petrobrás. Em relação ao tempo de maturação dos investimentos, a primeira fase do PIL sinaliza o desafio que o governo terá pela frente. O programa consiste basicamente na concessão de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos a consórcios privados, por determinado período de tempo. Em troca, a iniciativa privada arca com os investimentos (financiados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). São obras de revitalização, duplicação, extensão e mesmo construção de infraestrutura logística, nos mais diferentes modais. O primeiro PIL foi lançado em agosto de 2012, mas as

Portos e ferrovias devem ser os destaques da segunda fase do Programa de Investimentos em Logística, trunfo do governo para atrair investimentos privados e reaquecer a economia

licitações para as primeiras concessões à iniciativa privada só foram colocadas na praça um ano depois. Apenas em 2014 as obras começaram a sair do papel. Ou seja, mesmo que a segunda fase do PIL surja ainda neste primeiro semestre, é praticamente impossível, até o final do ano, efetuar as licitações, assinar os contratos com os investidores e começar a tirar as obras das pranchetas. Os reflexos dos investimentos no PIB serão notados a partir de 2016, no mínimo.

reportagem da revista Carta Capital. O Ministério Público Federal pede a proibição da construtora em novas concorrências públicas.

PETROBRÁS O comportamento da própria Petrobrás é balizador também das sequelas da Operação Lava Jato na economia brasileira. Embora, ao contrário do que ocorre em países superdependentes de petróleo, os investimentos da Petrobrás não sejam hegemônicos na atividade econômica nacional, a companhia exerce peso considerável. Apesar do desgaste na imagem, a Petrobrás não parou: segue, por exemplo, batendo recorde atrás de recorde na produção de petróleo e gás natural na camada do pré-sal das bacias de Santos e Campos. Os investimentos em refinaria e em indústria naval, porém, desaceleraram conforme os escândalos de contratos superfaturados foram vieram à tona. Em março, a empresa anunciou um plano de desinvestimento (vendas de ativos, projetos, negócios e propriedades) da ordem de US$ 13,7 bilhões. A Petrobrás pretende vender ativos em áreas de exploração tanto no Brasil quanto no exterior, e ainda nas áreas de abastecimento, gás e energia. O objetivo da empresa é focar na produção de óleo e gás no Brasil.

EMPREITEIRAS Sobre o envolvimento das empreiteiras nos escândalos flagrados pela Lava Jato, e o quanto isso pode travar os investimentos, há razões para temer o pior. Empresas com credibilidade arranhada, atrasando compromissos e paralisando obras já são parte da realidade do país. Um dos casos refere-se à paralisação das obras da BR153, entre os Estados de Tocantins e Goiás, que foi concedida à construtora Galvão Engenharia no ano passado. A revitalização (incluindo duplicação) da rodovia prevê R$ 4,3 bilhões de investimentos em 30 anos, sendo R$ 2,7 bilhões só no primeiro quinquênio. A modernização da BR-153 é fundamental para se criar uma rota eficiente de ligação entre a Zona Franca de Manaus (Norte) e as regiões Sudeste e Sul do país. Outro caso envolve a concessão do maior terminal aeroportuário do Brasil, o Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo. A construtora OAS teve os seus 25% de participação no consórcio controlador do terminal expropriados pela Justiça, de acordo com

RISCO O cenário de dúvidas preocupa o presidente da Comissão de Obras Públicas, Privatizações e Concessões da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC),


brasilobserver.co.uk | April 2015

15

Carlos Eduardo Lima Jorge. A CBIC é uma entidade que reúne sindicatos e outras associações empresariais do setor da construção civil. Em entrevista ao Brasil Observer (leia mais ao lado), Carlos Jorge disse considerar a continuidade do Programa de Investimentos em Logística como imprescindível para a recuperação da economia brasileira. Entretanto, ressalvou, diante do envolvimento das principais empreiteiras do país em casos de corrupção, o risco de os investimentos não vingarem é grande. A CBIC, de acordo com o dirigente da entidade, tem pelo menos três sugestões para que a segunda fase do PIL supere essa dificuldade. Primeiro é dividir as obras a serem licitadas em blocos menores, tornando os empreendimentos factíveis a médias empresas e, assim, viabilizar a participação delas nas concorrências públicas. Criar novos mecanismos de financiamento de longo prazo que estimulem a constituição de fundos de investimento em infraestrutura é outra sugestão. Por fim, a CBIC defende menor “interferência estatal” na definição das taxas de retorno (lucro) dos empreendimentos, de modo que se tornem mais atraentes aos investidores privados.

O CENÁRIO ATUAL g

PIB O Produto Interno Bruto registrou crescimento de 0,1% em 2014, somando R$ 5,521 trilhões. Para 2015, o prognóstico é pior: uma recessão já é admitida pelo governo. Analistas do mercado financeiro e do setor produtivo preveem queda de 1%. PIB per capta O desempenho do PIB per capta foi ainda pior: redução de 0,7% em 2014, em comparação com 2013. PIB por componente A Formação Bruta de Capital Fixo (investimentos) registrou a maior diminuição: queda de 4,4%. Em segundo lugar entre os piores desempenhos está a indústria (queda de 1,2%). Ligeiro crescimento houve na agropecuária (0,4%) e no setor de serviços (0,7%). O consumo do governo teve o maior resultado (1,3%), seguido do consumo das famílias (0,9%).

g

g

g

Desemprego A taxa de desocupação, medida pelo IBGE, acumula ligeiro aumento em 2015. Em fevereiro (último dado disponível), estava em 5,9%, maior que no mesmo mês em 2014 (5,1%) e acima da taxa de janeiro (5,3%). Caiu o número de empregados com carteira assinada no setor privado (-4,3%) na comparação entre fevereiro de 2015 e o mesmo mês de 2014, e de trabalhadores por conta própria (-3,8%). Inflação A inflação (IPCA/IBGE) acumulada dos 12 meses encerrados em fevereiro está em 7,7%, acima do teto da meta fixada pelo Banco Central (6,5%). O mercado financeiro estima uma inflação para 2015 de 8,1%.

g

CIFRAS TRILIONÁRIAS Potencial para investimentos, o Brasil tem. Estudo lançado em dezembro do ano passado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – Perspectiva de Investimento – calcula em R$ 4,1 trilhões os investimentos necessários na economia brasileira para o período de 2015 a 2018. Trata-se de um montante 17,1% superior ao investimento efetivamente realizado no país entre os anos de 2010 e 2013. Os R$ 4,1 trilhões estimados incluem os setores de indústria, agricultura e serviços, infraestrutura e residências. Exatamente no setor de infraestrutura, abrangido pelo programa de concessões do governo federal, é que está o maior crescimento previsto. A estimativa é que até 2018 o setor deva receber investimentos da ordem de R$ 598 bilhões, ou 30% a mais que os R$ 457 bilhões realizados entre 2010 e 2013 – portos e ferrovias devem ser os destaques da segunda fase do PIL a ser apresentada.

SE O GOVERNO SE EMPENHAR, TEMOS CONDIÇÕES DE INVESTIR Presidente da Comissão de Obras Públicas, Privatizações e Concessões da Câmara Brasileira da Indústria da Construção, Carlos Eduardo Lima Jorge, responde ao Brasil Observer. O governo federal deve anunciar em breve uma nova etapa do programa de concessões. Na sua avaliação, é preciso remodelação do programa em relação à etapa inicial? O Brasil atravessa uma delicada, porém necessária, fase de ajuste fiscal. Fase que pressupõe um controle rígido das despesas do governo, incluindo os investimentos. Embora defendamos que é preciso manter um nível razoável de investimentos nos programas de infraestrutura, sabemos que haverá retração em relação aos anos anteriores. Uma saída possível para o país será a retomada do programa de concessões e PPPs, as parcerias público-privadas, como forma de atender às demandas da infraestrutura e de garantir crescimento da economia. O governo deverá promover ajustes para atrair empresas e investidores nas próximas concessões. O fato de as principais empreiteiras brasileiras estarem envolvidas na Operação Lava Jato pode inviabilizar as obras já em curso, assim como as novas que o governo pretende lançar? Os efeitos ainda dependem de julgamentos e decisões dos órgãos envolvidos. Tais empresas têm e terão enorme dificuldade de continuar ocupando o mesmo papel que exerceram nas diversas concessões e obras do país. Mas há saídas concretas para o governo garantir a continuidade do programa de concessões. A tendência é a de uma maior abertura a empreiteiras estrangeiras? Isso seria benéfico ou prejudicial? As saídas a que me referi passam pelo governo criar condições efetivas de participação de um amplo conjunto de médias empresas que, reunidas em consórcios, terão total competência técnica e econômica de se responsabilizarem pelas concessões de rodovias, ferrovias, portos, aeroportos, saneamento, entre outras. Um sinal claro nessa direção vem sendo dado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, que nessa fase pretende trocar sua função de financiador de projetos privados a juros fortemente subsidiados pela função de ‘estimulador de negócios’, entrando com uma pequena fatia do financiamento, mas dando um ‘selo de qualidade’ ao investimento, e com isso facilitando a captação de recursos. A modulação adequada dos projetos também é fator fundamental na nova fase das concessões. Resumindo: se o governo se empenhar em criar condições adequadas, nosso mercado interno terá plenas condições de garantir o avanço da infraestrutura do Brasil. E as empresas estrangeiras interessadas poderão participar desse mercado, em parceria com as construtoras brasileiras.

MINHA CASA, MINHA VIDA Outro programa governamental tido como aposta para reaquecer a construção civil e, consequentemente, a economia é o Minha Casa, Minha Vida, cuja terceira fase deverá ser lançada em maio, de acordo com declarações públicas da presidenta da Caixa Econômica Federal, Miriam Belchior (que foi ministra do Planejamento no primeiro mandato de Dilma Rousseff). A nova fase prevê a construção de três milhões de unidades habitacionais em todas as regiões brasileiras. O programa deverá contar com uma nova faixa de renda familiar (intermediária às faixas atuais) a ser contemplada com subsídios e ainda dispor de novas regras que facilitem a construção de moradias em municípios pequenos. “Recentemente, ouvi do presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção [José Carlos Martins] algumas críticas quanto [à modalidade] do Minha Casa, Minha Vida [chamada de] ‘sub-50’, que é para cidades com menos de 50 mil habitantes. São críticas pertinentes. Vamos melhorar isso”, declarou Dilma, em entrevista à imprensa durante ato público em março. Se os impactos de todo esse conjunto de obras públicas no crescimento da economia são demorados, os lançamentos das novas fases dessas ações podem pelo menos amortecer os efeitos de tantas projeções e notícias ruins sobre a economia. Frente ao ajuste fiscal que sacrifica os trabalhadores e contribuiu para a presidenta ver sua popularidade despencar, garantir a ampliação de um programa como o Minha Casa, Minha Vida reitera o compromisso em expandir os avanços sociais que marcaram o Brasil no último decênio. Frente ao aumento das taxas de juros e da carga tributária do setor produtivo, reformular o pacote de grandes obras é sinalizar à iniciativa privada a disposição em manter a política desenvolvimentista em seu curso.


16

brasilobserver.co.uk | April 2015

AS RUAS E OS RUMOS Enquanto se discutem os significados dos protestos dos dias 13 e 15 de março, segmentos sociais que apoiaram a reeleição de Dilma Rousseff lutam para que o governo tome um rumo distinto do sugerido neste início de segundo mandato

N

Por Vinicius Gomes g

Na sexta-feira dia 13 de março, os gritos eram pela reforma política, contra a perda dos direitos trabalhistas e em defesa da Petrobrás. Dois dias depois, centenas de milhares em algumas das principais cidades brasileiras bradavam contra a corrupção e pelo impeachment da atual presidente do Brasil, com muitos defendendo uma nova intervenção militar no país – estes estavam longe de ser a maioria, mas não eram tão insignificantes como muitos querem fazer crer. Por fim, os dois episódios mostraram que, quatro meses e meio depois das eleições, parte da sociedade parece continuar com o clima de acirramento que caracterizou a disputa presidencial de 2014. Um dos pontos-chave da tese do terceiro turno é o estado de São Paulo. Na esteira da polêmica sobre o “um milhão de pessoas na Avenida Paulista”, número calculado pela Polícia Militar, o Datafolha divulgou que 82% das 210 mil pessoas que o instituto estima terem passado pelo local disseram ter votado em Aécio Neves no segundo turno do ano passado. No dia 13, 71% afirmaram ter votado em Dilma Rousseff. Porém, a principal motivação das manifestações e a consequente resposta do governo federal são os fatos mais sugestivos. A defesa dos direitos trabalhistas (25%) e o protesto contra a corrupção (47%) foram as principais bandeiras nos dias 13 e 15, respectivamente. Dilma Rousseff, na segunda-feira 16, confirmou a criação de um “pacote contra a corrupção” e voltou defender a política econômica do governo e as medidas de austeridade. Estaria o governo ouvindo apenas o dia 15 e negligenciando a demanda da parcela fundamental que a reelegeu em outubro passado? E, se assim o for, a ideologia da classe média, ma-

joritária no dia 15, pode ser abraçada pelas classes mais baixas e que ascenderam principalmente durante os anos da gestão de Lula?

15M BRASILEIRO A primeira vez que se nomeou um movimento com a denominação “15M” – referência à 15 de março – foi na Espanha, em maio de 2011, quando as ruas de diversas cidades espanholas foram tomadas por cidadãos descontentes com a política neoliberal do governo do PSOE (Partido Socialista dos Trabalhadores da Espanha). Das ruas tomadas no 15M, surgiu o Podemos, uma sigla à esquerda. Qualquer semelhança entre os “15M” espanhol e brasileiro é mera coincidência. De acordo com o Datafolha, além da corrupção, as principais motivações dos manifestantes paulistanos foram o impeachment de Dilma (27%), protestar contra o PT (20%) e contra os políticos em geral (14%). Todavia, os dados mais interessantes residem no perfil dos presentes: 74% participavam de um protesto pela primeira vez na vida e 41% tinham renda familiar de mais de 10 salários-mínimos. Diante da questão se de fato era apenas a classe média protestando ou se a insatisfação deste segmento já chegava até outros extratos econômicos, o sociólogo Rudá Ricci afirma que a ideologia da classe média, especialmente a paulista, se espraia, mas ainda se concentra em quem votou em Aécio. “A crise econômica piorada pela recessão ainda está fazendo suas vítimas. O caldo pode engrossar, mas pelos dados de perfil dos manifestantes ainda não engrossou”, diz. Para Francisco Fonseca, cientista político e professor na Fundação Getúlio Vargas e na Pontifícia Universidade Católica, ambas de São Paulo,

os manifestantes do domingo tinham um perfil claramente conservador, alguns sendo de extrema-direita, membros de uma classe média constituída em grande parte por profissionais liberais. Porém, para ele, a maior marca da manifestação era o baixo grau de politização daqueles que foram às ruas. “As pessoas do dia 15 têm, de modo geral, um perfil individualista, despolitizado e com uma visão de política bastante primária, tanto que mais de 70% dos que estavam lá iam pela primeira vez na vida a uma manifestação e com uma pauta ampla, sem um objetivo específico”, afirma Fonseca. O cientista político dá como exemplo a pauta do combate à corrupção no atual sistema, discutida de forma a não se combater suas causas, em especial o financiamento privado de campanha. “Os próprios organizadores são outsiders da vida política brasileira, não têm visão do que é política”, argumenta. Todavia, Fonseca alerta para os “inocentes úteis” das “classes médias ascendentes”, cujo papel das políticas governamentais, como o ProUni, a valorização do salário-mínimo, a ampliação e consolidação do mercado interno, a extensão do crédito (produtivo e ao consumidor), é crucial para sua ascensão. Esses grupos, genericamente chamados de “classe C”, tendem a reproduzir o discurso de valorização do mérito individual, esquecendo-se que sua ascensão é resultado da vontade política, consolidada em políticas públicas. Daí deriva o discurso das classes médias tradicionais e das elites se “popularizarem”, invertendo o que Fonseca considera como tendência reformista incremental de centro-esquerda representada – embora de forma contraditória – pelo petismo, em prol do conservadorismo

de uma “nova direita”. Segundo Gilberto Maringoni, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) e ex-candidato ao governo paulista pelo Psol, a direita está atingindo sucesso em hegemonizar um descontentamento difuso com o governo federal e a culpa seria do próprio governo. “As pesquisas indicam que a classe média foi majoritária nos atos de domingo. Mas esse setor só ganhou musculatura porque a piora das condições de vida se generaliza”, afirma. Ele sugere que a série de medidas tomadas após a reeleição, principalmente a elevação dos juros e o ajuste fiscal, podem minar a esquerda de uma forma geral. “A percepção de que a vida piorou e vai piorar começa a transformar a decepção em raiva. Para a maioria, a esquerda é responsável pela situação, pois, em tese, quem governa é um partido de esquerda”.

AS REDES E A MÍDIA O papel da mídia tradicional brasileira na cobertura dos protestos de domingo 15 de março foi contestado por muitos. Em uma atitude incomum, a Folha de S. Paulo, por exemplo, deu o “serviço” dos protestos, orientando seus leitores. Mas as principais críticas recaíram sobre a Rede Globo e seu canal de TV fechada, a Globo News. Na opinião de Fonseca, o desserviço à democracia que o aparato de emissoras de rádio e televisão – que são concessões públicas, nunca é demais relembrar – e os grandes jornais e revistas fizeram e fazem ao país é elemento crucial para a constituição da visão despolitizada de parte dos manifestantes. Assim, o “interesse de classe”, que motiva defesa de privilégios, se manifesta junto com a despolitização generalizante, na incapacidade de reflexão (senso comum) e na falta


brasilobserver.co.uk | April 2015

17

Este artigo foi originalmente publicado na Revista Fórum Semanal (www.revistaforum.com.br), e editado pelo Brasil Observer g

Uma avenida, distintas pautas. De acordo com o Datafolha, manifestação de 13 de março (acima) teve cerca de 40 mil pessoas nas ruas de São Paulo e a do dia 15, mais de 200 mil PAULO PINTO/FOTOS PÚBLICAS

de solidariedade social. O cientista político cunhou os manifestantes como “filhos da mídia”. “Apesar de o processo organizacional ter sido realizado por alguns outsiders (Movimento Brasil Livre e Revoltados Online), as manifestações de domingo foram conclamadas, infladas e coordenadas pelos grandes meios privados de comunicação, principalmente o Sistema Globo de Comunicação”, pontua Fonseca. Entretanto, assim como ocorreu durante a corrida presidencial em 2014, as redes sociais têm sido a principal ferramenta desses outsiders, que servem tanto para a direita, quanto para a esquerda. Um dos principais nomes no mapeamento de redes sociais no Brasil é o professor Fábio Malini, da Universidade Federal do Espírito Santo. Ele criou uma fanpage que, durante três meses, curtia apenas páginas associadas à crítica política conservadora. Em seguida, usando o Netvizz (plugin do Facebook), solicitou que o sistema identificasse, em cada uma dessas fanpages, quem elas seguiam. Segundo o pesquisador, o movimento 15M no Brasil foi composto por um conjunto de 360 páginas, cuja marcação editorial era delimitada em propagar o anticomunismo (1), o combate à corrupção e intervenção militar (2) e a mobilização de rua para protestos (3). A rede 1 é formada por fanpages que constituem seus valores de defesa da família, do livre mercado e da moral e bons costumes; a rede 2 tem vocação mais militarista, com uma mistura de princípios patrióticos e de profunda negação do comunismo e petismo. A rede 3, menos densa pois novata, é formada pelos principais articuladores do 15 de março, como Movimento Brasil Livre e Revoltados Online. Em um dos mapeamentos sobre as páginas que clamavam por violência policial, linchamentos, morte de “esquerdistas” e novo golpe militar, notouse uma associação dessas páginas com outras como “Dilma Rousseff Não” e “Movimento Contra Corrupção”, ou seja, páginas que se colocam no campo da direita mais reacionária do país. Malini afirma que, com o aparente fracasso no

controle da corrupção, alimenta-se a despolitização, que é o combustível para essas páginas de ódio. O pesquisador argumenta, no entanto, que a despolitização não é apenas um processo produzido pelos “repressores”, mas por sucessivos governos mergulhados em escândalos e que são tecidos por relações políticas cínicas em nome da governabilidade.

Perguntas e respostas sobre o financiamento de campanha eleitoral Há um consenso de que o sistema atual, foco de inúmeros casos de corrupção, é problemático, mas não ocorre o mesmo a respeito de como reformá -lo. O debate segue no Congresso e mudanças nas regras do financiamento de campanha podem ser feitas caso uma reforma política seja aprovada. Leia, a seguir, algumas perguntas e respostas sobre o tema g

A SAÍDA O sociólogo Ricci afirma que a esquerda se enfraqueceu por ser governista. “A esquerda não se confunde com governos ou se torna populista, como ocorre em tantos países latino-americanos”, afirma. Para Guilherme Boulos, coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), “a saída para a crise não é o ajuste [fiscal], e sim um programa de reformas populares”. “Falar em ajuste deveria ser falar em taxação das grandes fortunas, de reforma tributária, auditoria da dívida pública”, afirma Boulos, que diz que a reforma política, em especial o fim do financiamento privado de campanha, tem de se tornar uma resposta à insatisfação popular. Para Fonseca, é possível realizar alguns ajustes que de fato são necessários, mas sem mexer em determinadas agendas e sem ser fiscalista. “Pode-se fazer alguns ajustes, como por exemplo, diminuir subsídio, mas não se precisa e nem se pode, a meu ver, reduzir direitos sociais trabalhistas. Podese diminuir o crédito para a compra de automóvel, mas não diminuir o seguro-desemprego”, exemplifica. Enquanto a pergunta se a direita continuará mobilizada e tomando as ruas permanece sem resposta (a próxima manifestação contra o governo estava marcada para 12 de abril), a maior certeza, por enquanto, é que o governo Dilma precisa se fortalecer urgentemente, sendo necessário olhar menos para o dia 15 e mais para aqueles do dia 13 – os mesmos que fizeram a estreita diferença no segundo turno de 2014 e que podem ser sua única base de sustentação frente aos inevitáveis ataques que sofrerá até o final de seu mandato.

O STF estava julgando a constitucionalidade das doações de campanha no Brasil. Como acabou o julgamento? Ainda não acabou. Em 2014, o STF retomou a análise de uma ação da OAB na qual a entidade alega que as doações empresariais são inconstitucionais. Seis ministros concordaram com a tese e um rejeitou a ação. Gilmar Mendes pediu vistas do processo, paralisando o julgamento. Até hoje ele não devolveu o processo, alegando que se trata de uma matéria de responsabilidade do Congresso. Como funciona o financiamento de campanha hoje no País? No Brasil, adota-se o sistema misto. Os partidos podem arrecadar dinheiro por meio de doações de empresas e de pessoas físicas. Há dinheiro público nas eleições brasileiras? Sim. Os recursos públicos para os partidos políticos são distribuídos de duas formas. Por meio do Fundo Partidário e por meio da isenção fiscal para os canais de TV que veiculam o horário eleitoral. Entre 2002 e 2014, as emissoras de televisão e rádio receberam 4,4 bilhões de reais em isenções fiscais para transmitir os programas políticos. O que é Fundo Partidário? É o dinheiro público que sustenta os partidos políticos. Em 2014 foram distribuídos 289,6 milhões de reais. O relator do Orçamento da União para 2015, o senador Romero Jucá (PMDB-RR), apresentou uma emenda triplicando os repasses em 2015. Com isso, os 32 partidos políticos receberiam até 867 milhões de reais neste ano. Como funciona a distribuição do Fundo Partidário? Por lei, 5% dos recursos do fundo são divididos, em partes iguais, entre todos os partidos. Os 95% restantes são distribuídos de forma proporcional aos votos da última eleição à Câmara dos Deputados. Atualmente, as empresas podem doar para um candidato? Sim, as empresas podem doar, na mesma campanha eleitoral, para um ou mais partidos e também para candidatos indivi-

dualmente. Isso permite que as empresas doem tanto para partidos de situação como de oposição, seja nos municípios, no estados ou no governo federal. g

Qual foi a participação das empresas nas últimas eleições? Nas eleições de 2014, as doações privadas deram 5 bilhões de reais a partidos e candidatos. Quase todas foram feitas por empresas. Para as empresas, é bom financiar campanhas políticas? Sim. Realizado por três universidades americanas, o estudo ‘The Spoils of Victory’, que examinou doações para candidatos do PT, concluiu que as empresas financiadoras dos candidatos a deputado federal do partido em 2006 receberam entre 14 e 39 vezes o valor doado por meio de contratos com o poder público nos anos seguintes. Há ligação entre as doações empresariais e casos de corrupção? Sim. Quase todos os grandes casos de corrupção envolvem doações de campanha. Contribuições deste tipo fizeram parte do caso que terminou com o impeachment do ex-presidente Fernando Collor, da CPI dos Anões do Orçamento, do chamado “mensalão”, da Operação Lava Jato e do escândalo envolvendo o senador Agripino Maia (DEM). No Brasil, há quem cogite acabar com as doações empresariais. Outros países fazem isso? Ao todo, 39 países, como Portugal, França e Canadá, proíbem doações de empresas para políticos e partidos. A Espanha também estuda adotar a restrição. Proibir o financiamento empresarial de campanhas é efetivo para combater a corrupção? Depende. Os Estados Unidos, por exemplo, proíbem doações diretas de empresas, mas permitem que as companhias façam campanhas por seus candidatos. Por isso, na prática, a restrição não surte efeito. Para a maioria dos especialistas, somente leis mais firmes, com mais transparência governamental e com autonomia dos órgãos de investigação são capazes de inibir a corrupção por agentes públicos.

g

g

g

g

g

g

g g

g


18

brasilobserver.co.uk | April 2015

CONECTANDO

FÓRUM SOCIAL MUNDIAL: REFLEXÃO COLETIVA É NECESSÁRIA Em tese, o FSM está comprometido em facilitar a auto-governança dos intercâmbios entre movimentos, ideias e experiência das ideologias progressistas. No entanto, alguns têm observado o gradual desenvolvimento de uma hierarquia Por Henda Chennaoui, de Tunis g

g

Henda Chennaoui é jornalista freelancer e ativista tunisiense. Este artigo foi publicado originalmente, em inglês, em www.nawaat.org


brasilobserver.co.uk | April 2015

19

O

AMINE GHRABI

O Fórum Social Mundial 2015 abriu suas portas no final de março na cidade de Tunis, na Tunísia. Desde 2001, este é um espaço aberto que representa uma alternativa ao Fórum Econômico Mundial de Davos e que declarara sua abordagem antiglobalização na luta contra o capitalismo e o neoliberalismo. Em cada sessão, os participantes e visitantes expressam suas ideias e experiências pessoais de modo que suas vozes possam ser ouvidas na construção e aperfeiçoamento de uma estrutura horizontal e auto-governada. Este ano, os participantes logo externaram suas críticas. O número de visitantes desapontados foi claramente maior do que no ano passado. Muitos, inclusive o Comitê de Direção do FSM, talvez não estejam muito interessados em experimentar formas alternativas de organização. Em tese, o FSM está comprometido em facilitar a auto-gestão dos intercâmbios entre movimentos, ideias e experiências das ideologias progressistas. No entanto, alguns têm observado o gradual desenvolvimento de uma hierarquia de comando entre os organizadores do fórum, chegando à conclusão de que uma séria reflexão coletiva para as próximas edições é mais do que necessária. O escritor e ativista político egípcio Houssein Abdel Rahim participa do fórum desde sua primeira edição. “Tudo começou com o trabalho de base dos movimentos sociais em Bruxelas. Na época havia uma crise de união. Então Christophe Aguiton começou a conectar pessoas e organizar um intercâmbio entre ativistas. No ano seguinte, o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) participou da celebração internacional do Manifesto Comunista e requisitou a ajuda dos movimentos de esquerda da Europa para as eleições que ocorreriam no país. Foi aí que os organizadores decidiram ir para Porto Alegre para criar o fórum, em 2001. O PCdoB então passou a focar no poder político, mas o FSM continuou a se desenvolver a cada ano. Tudo isso para dizer que nada muda tão facilmente quanto podemos pensar. O FSM sofreu com manipulações político -partidárias desde o início”. Abdel Rahim acrescenta ainda que, apesar de tudo, o fórum foi bem sucedido em mudar a forma da esquerda tradicional, mas não seu fundamento. “Este carnaval de ativistas não é tão participativo e democrático quanto pretende ser. A verdade é que segue um esquema de pirâmide. Grandes decisões são monopolizadas por uma minoria governante, à imagem e semelhança do sistema capitalista”. Tendo participado do fórum apenas duas vezes, a atriz e diretora Khaled Ferjani observou que uma sensação de desânimo permeou o encontro este ano. “O desapontamento dos tunisianos e árabes foi bem real. Se no ano passado as assembleias estavam cheias de tunisianos entusiasmados em mudar o país, este ano eles ficaram restritos às festividades. Vimo-los em todos os cantos dançando, cantando ou ocupando os espaços vazios com músicas no último volume.

O Fórum Social Mundial começou no Brasil em 2001 e, pela segunda vez consecutiva, foi realizado na Tunísia


20

brasilobserver.co.uk | April 2015

AMINE GHRABI

Eles estavam menos dispostos a participar dos debates políticos, o que acredito ter a ver com a realidade da Tunísia hoje”. Esquivando-se de muitos processos pendentes na cidade Sidi Bouzid, a ativista Safouen Bouaziz aproveitou o fórum para rever amigos e encontrar novas pessoas. Foi seu primeiro FSM, pois no ano passado ela preferiu não participar por motivos de segurança. “Eu tinha uma ideia totalmente diferente sobre o que era o fórum. Pensei que fosse mais radical. Há mais reformistas do que revolucionários. O ambiente festivo e quase comercial do encontro se sobrepõe ao espírito de protesto que deveria prevalecer diante da atual crise global”. Da mesma forma, o ativista esloveno Dragan Nicevic explicou que “o objetivo comum do fórum não é mais mudar o sistema global e lutar contra o capitalismo, mas apenas denunciar os perigos do neoliberalismo que leva o mundo a uma situação cada vez mais caótica”. E acrescentou: “Não acho que isso esteja ligado apenas à situação da Tunísia, e sim com o que vemos ao redor do mundo, em um momento em que os movimentos progressistas passam por um evidente declínio, com exceção de alguns países como a Grécia”. Neste ano o FSM reuniu menos participantes do que na edição passada. Uma explicação pode ser as condições climáticas adversas, ou talvez o fato de ter sido realizado no mesmo local que no ano anterior. O ativista belgo Samuel Legros compartilhou sua opinião. “Creio que muitos não retornaram porque ficaram com a impressão de que não estamos avançando em direção a uma visão comum e a um projeto sólido. Mesmo que o FSM vete a deliberação de medidas decisivas, temos a responsabilidade de elaborar um projeto comum. A falta de resultados concretos na luta contra o neoliberalismo cria uma frustração real e causa muitas críticas e relutância. Estou desapontado em ver que o fórum se transformou em uma espécie de feira aonde as pessoas mostram seus trabalhos, ficam em seus círculos de conhecimento e saem sem o menor sinal de mudança”. Em umas das tardes, dezenas de voluntários protestaram por conta das difíceis condições de trabalho. Um deles afirmou que “por conta da chuva, não temos lugar para passar as noites protegidos da água que entra nas tendas; não recebemos janta e aqueles que passam a noite em suas casas se viram por si só e não ajudam os outros”. Composto em sua maioria por estudantes e recém-graduados desempregados, o corpo de voluntários pediu suporte para o Comitê de Direção do FSM, que aparentemente não foi muito eficiente. Mesmo com diversas críticas, o Fórum Social Mundial permanece com seu charme para quem costuma participar regularmente do encontro. “Se a auto-crítica continua sendo possível, é porque todas as mudanças seguem alcançáveis. Cobrir diferentes pontos de vista é o objetivo de todos”, disse Carminda, membro da delegação do Canadá, onde provavelmente será realizada a edição 2016 do FSM.


brasilobserver.co.uk | April 2015

21

B R A S I L S E R V E R

A D I C I M E M PRA RIMA VE RAPPER BRASILEIRO SE APRESENTA NESTE MÊS EM LONDRES. CONFIRA ENTREVISTA EXCLUSIVA >> PGS. 22 E 23

DIVULGAÇÃO


22

brasilobserver.co.uk | April 2015

GUIA

FAZER ARTE NO BRASIL É UM TRABALHO DE RESISTÊNCIA Com show marcado para o dia 24 de abril em Londres, Emicida concede entrevista exclusiva ao Brasil Observer sobre sua música, seu modo de enxergar o rap nacional e não foge da raia quando o tema é o momento político vivido pelo país Por Gabriela Lobianco

Londres não tem do que reclamar quando o assunto é música brasileira. Afinal, a cidade virou parada obrigatória na turnê dos principais artistas do Brasil, tanto os contemporâneos quanto os da velha guarda (veja as dicas culturais nas páginas 26 e 27). Neste mês, quem se apresenta na capital é Leandro Roque de Oliveira, mais conhecido como Emicida, figura de ‘responsa’ do rap nacional. Calejado nas batalhas de rimas de São Paulo, Emicida vendeu muitos mixtapes de mão em mão até alcançar os holofotes. E fez isso graças ao som melodicamente diverso e progressivo que produz. Seu mais recente álbum, ‘O Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui’, mistura rap com samba, soul e funk, por exemplo, dando às letras político-sociais uma abrangência ainda maior perante o público. Nesta entrevista, Emicida fala da expectativa para sua segunda visita a Londres, das dificuldades de se fazer arte no Brasil, da cara do rap nacional e, sem se esquivar, mostra o tom político de sua obra. Em abril você se apresenta em Londres pela segunda vez. Como aconteceu o convite e quais suas expectativas? A gente já estava com algumas datas pela Europa e conseguiu colocar Londres na agenda. É um lugar que a gente visita pouco se for comparar com Berlim e Lisboa. Londres tem uma cena interessante, gosto muito de grime, de dubstep. Minha expectativa é levar algumas dessas pessoas para ver a fusão que a gente faz entre música brasileira e coisas que vieram do hemisfério Norte. Além de poder dar uma mergulhada nessa cena aí que me interessa bastante. Você sente que seu trabalho é bastante conhecido na Europa? E na Inglaterra? Que tipo de público espera no show? Acho que ainda tem muito trabalho para fazer, se a intenção é se tornar mais conhecido no continente europeu. A gente tem que trabalhar muito com a atmosfera da música e com o impacto da performance; foi assim na Dinamarca, na Suíça, na Alemanha, onde o idioma é completamente diferente. A gente recebe um público bem variado. Vai uma rapaziada que gosta de rap, um pessoal que gosta do Brasil. O Brasil

tem essa benção das pessoas gostarem muito da música brasileira e ficarem interessadas em fugir do estereótipo. O preço do ingresso para o show em Londres é a partir de 15 libras. No ano passado, você fez um show em São Paulo em que o valor máximo da entrada ficou em 50 reais. O que acha dos preços de eventos culturais em geral no Brasil? Primeiro que sem viver em Londres não posso dar um parecer se 15 libras é um dinheiro alto ou um dinheiro baixo. Mas o que acontece no Brasil é o seguinte: a cultura é elitizada. Quando as pessoas têm a oportunidade de subir o preço, elas fazem isso, infelizmente. Fazer arte no Brasil é um trabalho de resistência. E não estou falando somente do grupo ao qual pertenço. Estou falando da cultura em geral, até dos artistas do mainstream. Às vezes você tem um mega espetáculo e, para fazer com que aquilo se mova, é preciso cobrar um pouco mais caro o ingresso. A gente se esforça para fazer essa conta fechar de uma maneira que todos saiam satisfeitos. Essa luta de um espetáculo bacana por um preço acessível a gente encampa. Mas é muito difícil. Algumas coisas já estão estabelecidas há muito tempo e as pessoas de certa maneira tem o hábito burro de pensar que se uma coisa é cara automaticamente é boa. Isso não é verdade. Faz dois anos desde o lançamento de ‘O Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui’. Sai projeto novo em 2015? Tenho gravado de uma maneira bem exaustiva. Estou morando no estúdio praticamente. A gente quer colocar um novo projeto na rua agora em 2015, que passa por países da África e finaliza com gravações aqui no Brasil. Tudo isso dará origem ao novo projeto que o nome ainda não está definido. É um casamento e uma volta às origens para mim e para todas as pessoas que trabalham comigo. ‘O Glorioso Retorno...’ foi seu primeiro trabalho em estúdio. O que amadureceu nele desde ‘Triunfo’, seu primeiro hit? Muita coisa mudou. A gente está falando de um hiato de quase dez anos. Minha cabeça mudou com as experi-

ências que eu tive, que quando morava numa favela não tinha. Aquilo era como uma prisão. A minha visão ficava centrada na realidade em que eu vivia. ‘Triunfo’ é de alguém que tem seus vinte e poucos. O ‘Glorioso’ já é a perspectiva de alguém que está perto dos trinta. Tem teclas que eu acho que é importante continuar batendo, tem outras que eu acho que é legal puxar para outro tom. Nem chamaria ‘Triunfo’ de hit. Um hit é uma música que tocou muito no rádio. ‘Triunfo’, se foi um hit, foi subterrâneo, uma injeção de auto-estima para quem ama o rap, para quem sentiu na música que a parada não estava para baixo. As participações especiais desse álbum são de nomes como Rael, Pitty, MC Guime, Juçara Marçal, Fabiana Cozza, Quinteto em Branco e Preto, Wilson das Neves... São artistas de estilos bem diferentes. Acredita que suas influências são ecléticas? O brasileiro é eclético. Não é o Emicida que é eclético. A segregação em nosso país é tão agressiva que as pessoas falam das outras como se os universos não se cruzassem no dia-a-dia. Eu cresci com pagodeiros, roqueiros, skatistas, viados... Estava todo mundo na rua, todo mundo se conectando, trocando ideia, falando de vários universos. O que me trouxe aqui foi esse compêndio de várias influências, de vários tipos e trocas, vários conflitos. Independentemente de a Fabiana Cozza e o MC Guime terem caminhos opostos, vejo o coração dos dois na música deles. E gosto quando a gente pode sincronizar as coisas de uma forma que o coração deles vem bater junto na minha música. Ambos têm as verdades deles e eu acrescento a minha, assim a gente conta uma história de verdade, mostrando uma pluralidade que nossa televisão não tem; nosso rádio não tem; nosso entretenimento não tem. Com quem mais você gostaria de fazer parcerias? Admiro uma pá de artista. Djavan... Tem uma menina aqui da América Latina, a porto-riquenha Calma Carmona. A Nneka, que é da Nigéria, e mora nos Estados Unidos. Tem uma menina em Portugal chamada Capicua, ela é bem


brasilobserver.co.uk | April 2015

23

EMICIDA – LA LINEA FESTIVAL Quando: 24 de abril – 8pm Onde: Rich Mix (35-47 Bethnal Green Road) Ingresso: £18, £15 antecipado Info: www.comono.co.uk/la-linea

DIVULGAÇÃO

bacana também. Fora os caras mais tradicionais. Eu gosto muito da música tradicional dos lugares. Nesse próximo trabalho eu pude pescar alguma coisa ou outra dos lugares que a gente passou em Cabo Verde e Angola. Tenho muito interesse pela música que era feita antes de eu chegar aqui. Se eu for falar de artistas brasileiros, tem uma lista grande demais. É melhor pular. Qual é a cara do rap brasileiro hoje em dia? Não acho que a gente tenha que bater nessa tecla de qual é a cara da música que a gente faz. Acho que se tem uma coisa que a gente aprendeu é que o hip-hop é uma cultura plural. Você vai encontrar vários tipos de música, artista, estilo. Talvez o mercado abrace um determinado tipo de rap que não é o rap que é feito em sua maioria no país. Isso é importante pontuar: o mercado e o movimento podem se desencontrar e encontrar. No Brasil, temos uma gama muito grande de estilos. É semelhante aos Estados Unidos, aonde você tem saudosistas, nostálgicos, modernos, hipsters. O hip-hop está plural. O que você acha do cenário político que o Brasil vive no momento, com as manifestações do grupo Vem Pra Rua? É um momento delicadíssimo. Concordo muito com o Eduardo Galeano quando ele fala que a esquerda apanha quando erra e apanha quando acerta. Essa luta por um terceiro turno no Brasil mostra que realmente algumas chaves da estrutura social brasileira estão girando e isso desagrada uma parcela da população que é pequena, mas que tem o controle dos meios de comunicação. A gente sabe que no Brasil a comunicação está nas mãos de quatro, cinco, seis famílias. Não muda desde sempre. Acho que o povo tem que ir para rua, tem que protestar, tem que bater... Meu questionamento é que São Paulo está sem água, e o Geraldo Alckmin não sai na capa dos jornais. O mensalão saiu na capa do jornal, mas o cartel do metrô, a lista do HSBC, todo mundo fala baixinho. Isso me preocupa. Não me identifiquei com o Vem Pra Rua porque era uma campanha da Fiat. Como que um jingle vai dar força para a população lutar por melhora? Um bagulho que é feito estritamente para consumo?

A gente quer colocar novo projeto na rua em 2015, que passa por países da África e finaliza no Brasil

A cara da cultura hip-hop no Brasil é plural. Você vai encontrar vários tipos de música, artista, estilo

Concordo com Eduardo Galeano quando ele fala que a esquerda apanha quando erra e quando acerta


24

brasilobserver.co.uk | April 2015

GUIA

O CHORO DA MADEIRA Está com saudade de casa? Então anote: Clube do Choro UK Por Gabriel Noleto e Andressa Moreno GABRIEL NOLETO

No dia 28 de março, o ônibus 31 me levou de Notting Hill até Camden Town. Desci nos arredores da Delancey Street. Uma rápida caminhada e lá estava eu em frente ao que parecia ser um portal que me levaria para longe. Mas para onde? Descobri 12 horas depois. Este foi o tempo em que estive sonhando em plena Londres e seu vento gelado. Desci do ônibus por volta das 11 da manhã. Uma porta de vidro fazia as vezes de portão de embarque. Mas nada de Airbus moderno. Depois de cruzar o limiar do real e o sonho, me vi dentro de uma espaçonave de madeira. A madeira do violão. Em vez de rotas de voo, as notas e os acordes. Um mapa musical capaz de me levar para casa. O vento frio lá de fora não tinha vez ali dentro. Tirei o casaco imediatamente. O calor vinha da madeira, que, como bem dizia João Nogueira, “quando morre, canta”. E, cá entre nós, meu saudoso João, aqui em Londres, mesmo

longe e do outro lado do Atlântico, a madeira canta e canta muito! O violão se juntou ao trombone, que piscava e se insinuava para o pandeiro, que rebolava miudinho para a flauta. É choro? É choro! Depois de descer do ônibus 31 e de cruzar o portal na Delancey Street, respirei canarinho. Senti o vento quente da minha terra. Está com saudade de casa? Quer conhecer o nosso Brasil mais de perto, sem sequer sair de Londres? Anote: 3-7 Delancey Street, The Forge. E anote também: Clube do Choro UK. Bambas que, em todo último sábado de cada mês, vão bater ponto em Camden Town com o Lapa in London. Workshops, palestras, aulas de dança, música... Um projeto para aproximar os ingleses, e nós também, da cultura do bairro carioca da Lapa e, claro, por tabela, do choro. Afinal, Lapa e choro são sinônimos. Esse foi apenas o primeiro evento do ano e o próximo será no dia 25 de abril. O ônibus 31 que me aguarde.

O Clube do Choro UK se reúne em todo último sábado de cada mês. Acesse www.clubedochoro.co.uk


brasilobserver.co.uk | April 2015

25


26

brasilobserver.co.uk | April 2015

DICAS CULTURAIS

MÚSICA TROPKILLAZ Quando: 10 de abril Onde: KOKO (1a Camden High Street) Ingresso: £5.95 (inc. 0.95 fees) Info: www.koko.uk.com FLÁVIA COELHO Quando: 18 de maio Onde: Rich Mix (35-47 Bethnal Green Road) Ingresso: £15 Info: www.richmix.org.uk

Tropkillaz é uma dupla formada por dois produtores brasileiros que representam a velha e a nova escola: DJ Zegon e Laudz. O resultado dessa junção é uma intensa mistura de diversos estilos musicais, como eletrônico, hip-hop e latino. Na apresentação deste mês, contam com o suporte de Afrikan Boy, cujo estilo está entre grime, hip-hop e afrobeat – sua música tem sido influenciada pelos gostos de Fela Kuti, Style Plus, Wiley, Dizzee Rascal, M.I.A e Yvone Chaka Chaka. Outro MC da noite é The Kemist – artista jamaicano que funde letras espirituosas com melodias graves e batidas pesadas para criar o ambiente propício para uma quente celebração na pista de dança.

Criada nas tradições do samba e da bossa nova, Flávia Coelho é uma cantora brasileira versátil que passeia com leveza por ritmos que misturam do reggae ao hip-hop. Fora do Brasil desde 2006, quando se mudou para Paris, Flávia encantou a crítica especializada com seu primeiro disco, ‘Bossa Muffin’, que lhe garantiu grande repercussão no Reino Unido, com direito a participação no London Jazz Festival. Em 2015, Flávia Coelho volta a Londres para abrir o festival Serious Space Shoreditch, uma semana depois do lançamento de seu novo disco, ‘Mundo Meu’. O novo trabalho revela uma visão de mundo diversa, com a junção de ritmos como funk, afrobeat, forró e samba.

LUCAS SANTTANA Quando: 5 de maio Onde: Purcell Room at Queen Elizabeth Hall Ingresso: £12.50 Info: www.southbankcentre.co.uk

CAETANO VELOSO & GILBERTO GIL Quando: 1º de julho Eventim Apollo (45 Queen Caroline Street) Ingresso: £45.75–£67.75 Info: www.eventim.co.uk

Lucas Santtana está no centro da nova cena pop brasileira. O gênero está atualmente passando por uma revolução, com a influência do pop e rock ocidental sendo substituída pelos ritmos da África e da nova identidade pós-ditatorial da América Latina. ‘Sobre Noites e Dias’, lançado em setembro de 2014, é o sexto álbum de Lucas Santtana. Trabalhando com uma variedade de colaboradores, o mais recente disco do cantor baiano continua o processo iniciado com o anterior, ‘O Deus que Devasta Também Cura’. Mais uma vez, ele combina o acústico com o eletrônico, a alternância entre reflexão e visceral: a agitação da cidade seguido do suave sussurro do campo.

Caetano Veloso e Gilberto Gil não precisam de apresentações: são nomes consagrados da Música Popular Brasileira. Em julho, os dois sobem ao palco em aparição raríssima para o público de Londres. A cidade, aliás, faz parte da trajetória pessoal e artística dos dois. Na virada da década de 1960 para 1970, após o auge do movimento musical que ficou conhecido como Tropicália, Caetano e Gil passaram um período de exílio na capital britânica – o Brasil vivia os anos mais difíceis da ditadura civil-militar. Daquela época, ambos guardam memórias que certamente serão lembradas em forma de relatos e canções. O público deve pedir que Caetano cante “London, London”.


brasilobserver.co.uk | April 2015

27

ARTE O RAPPA Quando: 11 de julho Onde: Electric Brixton (Town Hall Parade) Ingresso: £25 Info: www.electricbrixton.uk.com PUT YOUR EYE IN YOUR MOUTH Quando: Até 23 de maio Onde: White Cube (Manson’s Yard) Info: www.whitecube.com

O Rappa retorna a Londres dia 11 de julho, após uma ausência de seis anos dos palcos do Reino Unido. O nome da turnê da banda que é uma das mais aclamadas do Brasil é ‘Nunca Tem Fim’, que é também o nome do mais recente álbum do grupo. A banda vai apresentar músicas desse disco, assim como clássicos para comemorar os 20 anos de estrada. Com ‘Nunca Tem Fim’, O Rappa dá voz à classe trabalhadora brasileira, às lutas do dia-a-dia e a força necessária para superar os obstáculos. Para acompanhar esse mote, as melodias variam entre dub, reggae, rock e hip-hop. Tudo aliado ao desejo da banda de fundir novas tecnologias ao seu som existente.

As pinturas abstratas e eloquentes de Christian Rosa funcionam como uma escrita construída a partir de elementos individuais em grandes extensões de tela crua. As pinturas nesta exposição (Put Your Eye in Your Mouth) dão continuidade ao seu processo de descoberta, visível em composições diretas que contêm blocos para a construção da narrativa pictórica, bem como métodos para a sua própria desconstrução. Nessas novas obras, em óleo, carvão, lápis, resina e vara de petróleo, uma redução das pinceladas cria a sensação de que foram feitas de improviso, mantendo os elementos da pintura equilibrados em uma tensão visual que prende a atenção do olhar.

DONA ONETE Quando: 24 a 26 de julho Womad Festival (Charlton Park, Malmesbury) Ingresso: £165 para o fim de semana Info: www.womad.co.uk

PANGAEA II: NEW ART FROM AFRICA AND LATIN AMERICA Quando: Até 6 de setembro Onde: Staachi Gallery (Duke Of York’s HQ, King’s Road) Info: www.saatchigallery.com

A cantora brasileira Dona Onete só gravou seu álbum de estreia (‘Feitiço Caboclo’, com a Mais Um Discos) aos 73 anos de idade. Ela tinha estado muito ocupada exercendo a profissão de professora de História em sua cidade natal na Amazônia. Mas agora, sem mais palestras para dar ou provas para corrigir, sua segunda carreira está muito bem encaminhada; sua voz permite voar livremente, seduzindo os ouvintes. A muito aguardada estreia fez valer a longa espera. Considerada a diva do carimbó chamegado, a paraense Dona Onete reúne em sua música todo o folclore da região Norte do Brasil, misturando carimbó, boi bumba, salsa caribenha, samba e brega.

A Staachi Gallery reúne o trabalho de 19 artistas internacionais, na segunda etapa da exposição sobre esses dois grandes continentes. Um desses trabalhos é a série do brasileiro Eduardo Berliner que utiliza a tensão entre a pintura e a imagem para questionar a autenticidade da memória, criando representações de seres vivos, cenas do mundo natural, formas de plantas, animais, pessoas e cenas domésticas e a invenção não intencional da imagem como verdade. As pinturas são um resíduo da tentativa do artista de desfragmentar um evento. O trabalho é residual, uma invenção da consciência humana subjetiva, com uma ligeira sensação de David Hockney.

“Desde 1992 servindo a Comunidade Brasileira”

Mudança segura e personalizada! Horário de Atendimento: Segunda a Sexta das 08:00h às 19:00h Sábados das 09:00h às 12:00h Escritórios em Portugal e Espanha: E-mail: info@packandgo.co.uk Mudança Doméstica e Internacional Armazenagem e Empacotamento Importação e Exportação de Frete Comercial Serviço Especializado para Antiguidades Serviço Aéreo, Marítimo e Rodoviário Serviço Porta a Porta para qualquer lugar do Brasil

Aniversário em 2012 – Vamos celebrar! Garantia do melhor preço. Entre em contato conosco para mais detalhes.

20 anos

+44 (0)1895 420303 EE1 0660 PackAndGo_50x254mm_w_Portuguese_Local.indd 1

www.packandgo.co.uk 31/08/2012 23:05


28

brasilobserver.co.uk | April 2015

COLUNISTAS

FRANKO FIGUEIREDO

COM LIBERDADE VEM RESPONSABILIDADE Não é o governo nem a polícia, mas nós, como indivíduos, que criamos limitações ou expansões para nossa liberdade DIVULGAÇÃO

Levei recentemente um casal de amigos para passear pelas ruas de Londres e depois para assistir ao musical Memphis. Quando estávamos prestes e seguir para o teatro, eles me perguntaram se podiam voltar ao hotel para se arrumarem, argumentando que precisavam mudar de roupa. Eles estavam bem vestidos, acredite. Fiquei surpreso ao escutar de um deles que, no Brasil, jamais poderia fazer o mesmo porque, primeiro, seria barrado na entrada por estar de bermuda e, segundo, porque as pessoas ficariam espantadas. Não pensei muito a respeito. Até que meus amigos começaram a fazer comparações intermináveis entre o que eles observavam em Londres e o que regularmente viviam no Brasil. A lista incluía: Londres não tem condomínios fechados; os carros são estacionados na rua, pois a maioria das residências não tem garagem particular; as casas não têm barras de proteção nas janelas; motoristas respeitam os pedestres; a polícia não porta armas; se locomover de bicicleta parece ser uma opção divertida que não define sua condição social; as pessoas parecem à vontade para vestir o que quiserem; etc. “Me sinto mais livre aqui do que no Brasil”, um deles chegou a dizer. Talvez meus amigos estivessem se sentido dessa forma porque tínhamos acabado de assistir ao musical Memphis. Mas talvez não. O espetáculo Memphis é baseado em uma história real de amor proibido entre um DJ de rádio branco que quer mudar o mundo e uma cantora negra que quer nada mais do que paz. Tudo se passa nos anos 1950, quando reinavam intolerância e desigualdade. Com as tensões da segregação racial de pano de fundo, as músicas transmitem a urgência moral da luta pela liberdade, expressando a coragem das pessoas comuns que estavam no coração dessa disputa. A liberdade não foi algo fácil, muito menos rápido de se alcançar. O filósofo contemporâneo Zygmunt Bauman explica que sentir-se livre significa experimentar a ausência de impedimento, obstáculo, resistência ou qualquer outra forma de empecilho aos movimentos pretendidos e desejados. Ele argumenta, seguindo Schopenhauer, que sentir-se livre das limitações significa alcançar um balanço entre os próprios desejos e a teimosa indiferença do mundo em relação a esses desejos. Esse equilíbrio pode ser alcançado de duas maneiras: ou expandindo a capacidade de ação, ou limitando os desejos. Em Memphis, nem Huey nem Felícia são livres; a comunidade não aceita o relacionamento dos dois. A intolerância daquela sociedade cria a gaiola onde muitos estão presos. As opções do casal são duas: ou se mudam para Nova York, onde as pessoas são mais compreensivas (expandido a ca-

Memphis se baseia em uma história real de amor proibido entre um DJ de rádio branco e uma cantora negra. A liberdade não foi algo fácil, muito menos rápido de se alcançar

pacidade de ação), ou aceitam viver em um relacionamento escondido (limitando o desejo). Fossem os indivíduos da comunidade mais respeitosos, a crise seria evitada. Nelson Mandela acreditava que liberdade não se resumia apenas à quebra das correntes, e sim viver de forma que se respeite a liberdade dos outros. E o Marxismo defende que liberdade são o direito e a capacidade das pessoas determinarem suas próprias ações dentro de uma comunidade, que poderia então possibilitar aos indivíduos o desenvolvimento pleno das potencialidades humanas. Mesmo que sejamos livres para agir e expressar quem somos, ao nos sentirmos acuados pelo medo da crítica, da desaprovação ou até da violência física e verbal, perdemos a sensação de liberdade. Podemos concluir que não é o governo nem a polícia, mas nós, como indivíduos, que criamos limitações ou expansões à nossa liberdade. Talvez o que meus amigos testemunharam aqui em Londres não foi uma sociedade mais livre, mas uma sociedade cujas escolhas e valores éticos são diferentes: as pessoas tendem a obedecer às regras sociais porque elas tornam nossas vidas mais fáceis (como respeitar a faixa de pedestres). Não é a polícia que cria a ordem. Nós fazemos isso, é nossa responsabilidade. A polícia tem de fiscalizar. Com cada escolha que fazemos uma causa; com cada causa vem uma consequência; com liberdade vem responsabilidade.

g

Franko Figueiredo é diretor artístico e produtor associado da Companhia de Teatro StoneCrabs


brasilobserver.co.uk | April 2015

29

RICARDO SOMERA

g

SOBRE O QUE VI NO LOLLAPALOOZA BRASIL Melhor e mais estranha das novas bandas inglesas, Alt-J consegue ser ainda melhor ao vivo. Jack White foi memorável Sou daqueles que, mesmo sabendo que vou a determinado show, me enrolo até o último momento para comprar o ingresso. Não foi diferente com o Lollapalooza Brasil, em São Paulo, no final de março. Acordei ‘cedo’ e peguei o trem em direção a Interlagos. Depois de muita caminhada até achar a bilheteria, finalmente ouvia alguma coisa, mesmo que de longe: a Banda do Mar. A intenção principal, porém, era ver minha banda inglesa favorita do momento: Alt-J. Às 15h55min, Joe Newman, Thom Green e Gus Unger-Hamilton entraram no palco ao som de Hunger of Pine. Com ingressos esgotados para apresentação do dia anterior, a banda foi a minha principal razão de ir ao Lollapalooza 2015 – e valeria os 340 reais gastos mesmo que fosse apenas para o show deles. A melhor e mais estranha das novas bandas inglesas consegue ser ainda melhor ao vivo do que nos seus dois álbuns. As músicas Tessellate, Matilda e Something Good foram cantadas (e embromadas) por grande parte do público e muitos dos presentes estavam lá exclusivamente (ou quase) por causa deles. A canção Breezeblocks, debaixo de sol agradável, fechou meu primeiro show do dia com chave de ouro. Em outros tempos, sairia correndo para ver Kasabian no outro palco do festival, mas preferi comer um sanduíche de salmão assado ao modo viking. As opções de alimentação melhoraram desde que o festival perdeu o patrocínio de um hambúrguer pronto de qualidade duvidosa. Como no ano passado, o festival incrementou sua estrutura e as marcas investiram em ações de marketing de mais criativas. Confesso que conheço pouco de Led Zeppelin, mas sabia que não me decepcionaria com Robert Plant and The Sensational Space Shifters. Passei o show deitado no gramado, mas era nítido que Robert Plant estava lá para dar uma aula de rock. Muita gente, como eu, não acreditou que esse senhor podia fazer uma multidão pular e chacoalhar as antigas cabeleiras – e atuais carecas. Pois ele o fez. Às 21h15min, foi a vez de Jack White subir ao palco acompanhado de Dominic Davis (baixo), Dean Fertita (teclados), Fats Kaplin (guitarra), Daru Jones (bateria) e Lillie Mae Rische (violino), iniciando sua apresentação com Icky Thump, do último álbum do White Stripes. Sou fã do White Stripes e do Raconteurs, mas não acompanho a carreira solo de Jack White. Aliás, não sei se solo seria uma boa palavra. O que vi naquele show foi um maestro de uma banda incrível. Uma ponte entre o clássico e o cutting edge. As luzes, o cenário e o talento dos músicos estavam impecáveis. Mesmo sem saber cantar todas as músi-

Ricardo Somera é publicitário e você pode encontrá-lo no Twitter @souricardo e Instagram @outrosouricardo

cas, foi um momento memorável. A violinista Lillie Mae Rische é encantadora não só por seu talento e beleza, mas também pelo carisma em cada nota tocada no violino e pela grande sintonia com Jack no palco. O momento mais marcante para mim foi quando a banda tocou Temporary Ground, do álbum Lazaretto. O público que acompanha o artista desde que Seven Nations Army estourou estava aguardando ansiosamente pela canção. Quando começaram os primeiros acordes foi como se eu tivesse sido transportado para uma baladinha indie de uma década atrás. Gente chorando, pulando, gritando... Pessoas que não tinham a menor dúvida de que Jack White é o maior artista deste século. Quanto a apresentação da banda Bastille – que fechou o Lollapalooza Brasil 2015 em outro palco –, sinto muito. Deixa para a próxima.

515 anos: Parabéns, Brasil! É no mês de abril que o Brasil comemora seu aniversário! Há 515 anos, o 22 de abril foi marcado oficialmente pela chegada dos portugueses ao país tupiniquim. No passado eram os europeus que cruzavam o Oceano Atlântico em busca de um novo mundo. Hoje, por motivos diversos, somos nós brasileiros que aterrizamos em solo europeu para descobrir novas oportunidades. A Casa Brasil, servindo a população brasileira em Londres há 26 anos, aproveita a ocasião para parabenizar nosso imenso país, abençoado por natureza, e todos os brasileiros que vivem no Reino Unido e fazem do Brasil uma nação ainda mais rica, mesmo a milhares de quilômetros de distância. Para se sentir mais pertinho de casa nesse dia 22 de abril, faça uma visita à Casa Brasil, no Queensway Market. Além de toda a variedade de produtos brasileiros e latinos, a Casa Brasil abre espaço para a promoção de artistas brasileiros. No mês de abril é a vez da artista Eunice de Pascali, que apresenta trabalhos exclusivos em cerâmica. A mostra vai até o dia 30 de abril. Fique ligado nas novidades pelo www.facebook.com/casabrasillondres, ou cheque o website www.casabrasillondres.co.uk


30

brasilobserver.co.uk | April 2015

VIAGEM

KERALA, O PAÍS DE DEUS Por Ana Beatriz Freccia Rosa g

Com um slogan que já mostra a que veio, o país de Deus é cercado por águas e coqueiros. Kerala, considerada uma das regiões mais bonitas da Índia, mistura o toque europeu – devido à colonização inglesa, holandesa e portuguesa – com as cores e sabores locais. Localizado na região sudoeste da Índia, o Estado de Kerala possui um dos maiores índices de desenvolvimento humano do país – equivalente ao IDH de Portugal e Chile – e é considerado um dos locais mais seguros, limpos e com melhor sistema de educação do território indiano. Seus 14 distritos são cortados pelas águas frescas dos canais conhecidos como “Great Backwaters”: aonde quer que você vá, estará cercado de belas paisagens por todos os lados. Sem a fama da grande Mumbai,

dos templos do Rajastão ou da famosa Agra, onde fica o Taj Mahal, Kerala é a típica região em que turistas se esbaldam em autenticidade. Com árvores de coco, lagos e rios cruzando toda a região, prepare-se para ver magníficos fins de tarde e muito verde espalhado por todo lugar, além de belos sorrisos e pessoas felizes pelo caminho. Conhecer Kerala é se integrar à natureza, provar sabores únicos e renascer em uma nova Índia. Para quem já conhece o país e suas caóticas e barulhentas cidades, Kerala é o fim do caminho. É lá que você poderá desfrutar a calma depois do caos, caminhando na beira dos rios e lagos ou relaxando nas praias – Kovallam e Cherai são as mais famosas, mas não sonhe com coquetéis, pois bebidas alcoólicas são proibidas na região. Para quem está começando a viagem pelo mundo maravilhoso do prín-

cipe Shah-Jahan, muito prazer e bemvindo ao paraíso. Aproveite a quietude e contemple o por do sol em uma casa-barco, enquanto ela navega pelas águas frescas do lago Kayamkulam e sua comida é preparada pelos barqueiros que adquirem frutos do mar e frutas frescas em uma das paradas nos mercados locais. Converse com os moradores e veja os campos de arroz. Ao voltar, o jantar estará na mesa: peixe, banana frita, salada com coco e vegetais preparados com condimentos e molhos recomendados pela medicina ayurvedica. Você está no lugar certo e na hora certa. Sem nem esperar, vai se deparar com uma farmácia, claro, de produtos naturais. Esqueça o remédio e trabalhe em busca de equilíbrio, já que as massagens ayurvedicas – criadas na Índia – alinham os seus doshas e aliviam qualquer problema. Reconhecida pela

OMS (Organização Mundial da Saúde), a Ayurveda trata o equilíbrio do indivíduo e não a doença. Preste atenção nos sarees (vestimenta típica), beba água de coco e prove os muitos temperos e sabores. Nos intervalos, conheça belezas como o Periyar National Park, perdendo-se nas plantações de chá de Munnar. Visite os templos hindus, as igrejas católicas ou mesmo as sinagogas espalhadas por várias cidades: a cultura é uma mistura perfeita entre o velho continente e a Ásia, com suas cores e influencias diversas. Também tem café bom e muito chá, além de comida temperada com as especiarias cultivadas no quintal de casa – e você pode fazer como os locais e tentar comer com as mãos. Mais que tudo isso, Kerala tem muito sorriso e gente feliz aguardando sua chegada em qualquer vilarejo. Namaskaran. Bem-vindo!


brasilobserver.co.uk | April 2015

31

DIVULGAÇÃO

ANA BEATRIZ FRECCIA ROSA

Cores, sabores e sorrisos de uma Índia a ser conhecida por aqueles que querem relaxar e conhecer novas culturas

Para quem está começando a viagem pelo mundo maravilhoso do príncipe Shah-Jahan, muito prazer e bem-vindo ao paraíso

g

Ana Beatriz Freccia Rosa é jornalista e escreve suas histórias de viagens no blog “O mundo que eu vi” (www. omundoqueeuvi.com). A viagem à Índia é realizada a convite do Kerala Tourism, órgão oficial da região, que premiou 30 blogueiros de viagem de 21 países em uma competição. Todas as despesas foram cobertas pelo projeto #KeralaBlogExpress, além de hotéis e restaurantes parceiros.


32

brasilobserver.co.uk | April 2015

Subscribe now and get it in your doorstep!

12 editions

6 editions

More information: contato@brasilobserver.co.uk

Payment forms: Bank Deposit or Paypal


brasilobserver.co.uk | April 2015

33

BRUNO DI AS /

LONDON ESTÚDIO RUFUS (W

EDITION RT.BR)

B R A S I L O B S E R V E R DECEMBE R|JANUA RY WWW.BR ASILOBSE RVER.CO.U K ISSN 2055 -4826

WW.RUFU S.A

# 0 0 2 3

DIVULGAT

ION

Brazilian

CRIOLO IN

rapper ta

LONDON

NEW YEAR... …AND W HAT’S IN dreaming vely to Bra

lks exclusi

STORE FO ay in the

sil Observ

er

R BRAZIL sunshine?

Who isn’t

IN 2015 DIVULGAT ION

of a holid

HIDDEN P

Brazilian

ARADISES


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.