Panfleto Sanitário #06

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ALÉM DA MARGEM

PING PONG ROGÉRIO DUARTE

Peba: adjetivo transgênero – pode ser masculino ou feminino. Significa sem valor e/ou sem importância; reles; ordinário. PEBA: invenção do tropicalista Jomard Muniz de Britto na virada das décadas de 1960/70, que atrela artistas marginais dos estados de Pernambuco e Bahia.

COMO ESTÁ O TRABALHO DE COMPOSIÇÃO? Caetano Veloso me pediu uma música que eu comecei a fazer por uma paixão qualquer, mas não terminei. Ficaram faltando uns versos, e eu não consigo finalizar a letra porque seria uma mentira falar de amor sem sentir. É como na poesia: a música é feita porque há um impulso emocional. Mesmo as músicas mais aparentemente bobas são assim. Por exemplo, a música “Descobri que te amo demais (...)” é muito boa! Isso é até uma característica do Tropicalismo. Mas existe uma necessidade de “bom gostismo”; e se a música é do Zeca Pagodinho ou de qualquer outro, as pessoas dizem que é uma porcaria, enquanto ouvem umas merdas de outros tipos. Eu acho que olho as coisas de outra maneira.

O PEBA não corresponde a um movimento, a uma proposta dialética, filosófica ou existencial. Refere-se, antes de tudo, a produção marginal de artistas nordestinos sintonizados nas ondas da contracultura e trabalhando fora do radar da censura do regime militar. É um conceito que enxerga além das rivalidades provinciais entre os dois estados e convida aos “arquivos da marginália, da margem da terceira, da quarta, da quinta margem de todos os rios e mais rios pernambucanos e baianos”, nas palavras de JMB. PEBA era, em última instância, o resultado da cumplicidade de artistas e criadores desvinculados dos circuitos institucionais e dedicados a quebra de convenções sociais, religiosas, sexuais. Sintonizados em seu próprio tempo – das rebeliões e dos inconformismos que marcaram as décadas de 1960/70, e ainda com o agravante de criar sob a pressão da censura e da ditadura –, os (as) PEBAS não se limitam ao tempo. O espírito de suas motivações encontra-se vivo e aceso na produção de gerações subsequentes, cujos trabalhos também podem ser conferidos na exposição em cartaz no Palacete das Artes: Tuti Minervino, Marepe e Willyams Martins.

MANIFESTO

VOCÊ TRABALHA COMO DESIGNER DESDE A DÉCADA DE 1960. DE LÁ PARA CÁ, VOCÊ FOI TAMBÉM PROFESSOR E COMPOSITOR E SE TORNOU HARE KRISHNA. HÁ UMA RUPTURA NA SUA ATITUDE COM RELAÇÃO À ARTE DEPOIS DESSAS MUDANÇAS?

Edinízio Primo, sem título, 1966

MANIFESTO DO RIO NEGRO

O NATURALISMO NÃO É METAFÓRICO. [...] "O NATURALISMO É A INFORMAÇÃO SENSÍVEL SOBRE A NATUREZA". PRATICAR ESTA DISPONIBILIDADE ANTE O NATURAL CONCEDIDO É ADMITIR A MODÉSTIA DA PERCEPÇÃO HUMANA E SUAS PRÓPRIAS LIMITAÇÕES EM RELAÇÃO A UM TODO QUE É UM FIM EM SI. O NATURALISMO ASSIM CONCEBIDO IMPLICA NÃO SOMENTE MAIOR DISCIPLINA DA PERCEPÇÃO, MAS TAMBÉM MAIOR NA ABERTURA HUMANA. NO FINAL DAS CONTAS, A NATUREZA É, E ELA NOS ULTRAPASSA DENTRO DA PERCEPÇÃO DE SUA PRÓPRIA DURAÇÃO. [...] HOJE VIVEMOS DOIS SENTIDOS DA NATUREZA: AQUELE ANCESTRAL, DO "CONCEDIDO" PLANETÁRIO, E AQUELE MODERNO, DO "ADQUIRIDO" INDUSTRIAL E URBANO. PODE-SE OPTAR POR UM OU OUTRO, NEGAR UM EM PROVEITO DO OUTRO; O IMPORTANTE É QUE ESSES DOIS SENTIDOS DA NATUREZA SEJAM VIVIDOS E ASSUMIDOS NA INTEGRIDADE DE SUA ESTRUTURA ANTOLÓGICA, DENTRO DA PERSPECTIVA DE UMA UNIVERSALIZAÇÃO DA CONSCIÊNCIA PERCEPTIVA - O EU ABRAÇANDO O MUNDO, FAZENDO DELE UM UNO, DENTRO DE UM ACORDO E UMA HARMONIA DA EMOÇÃO ASSUMIDA COMO A ÚNICA REALIDADE DA LINGUAGEM HUMANA. [...] PIERRE RESTANY, ALTO RIO NEGRO, QUINTA-FEIRA, 3 DE AGOSTO DE 1978. NA PRESENÇA DE SEPP BAENDERECK E FRANS KRAJCBERG. Sepp Baendereck, “Dantesca”, 1986

ESPÍRITO DO TEMPO

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Não sei. Eu não diria que mudei. A gente passa por vários corpos: o de criança, o de adulto, o de velho. Quando esse corpo não servir mais, a gente vai largá-lo. Uma pessoa que é sábia e consciente não se perturba com isso, porque sabe que é permanente. Eu sempre tive a mesma alma. O meu espírito, os meus ideais e as coisas que mais amei sempre foram as mesmas: a música, a beleza, a poesia, o absoluto, a busca pela verdade, o desejo de introspecção. SE VOCÊ FOSSE MONTAR UM CURSO DE ARTE HOJE, QUAL SERIA SUA PRIORIDADE? Talvez a prioridade fosse a técnica de respiração. Se a pessoa não aprender a respirar direito, o resto vai sair errado. Minha concepção de arte é que tudo é arte. Se você chega a esse estágio de iluminação, quando faz um gesto já é arte. Eu sou professor e fui professor a vida inteira. O ideal é você tentar desenvolver na pessoa isso que eu busquei para mim mesmo. Levar a pessoa a pensar, e não só repetir uma coisa de que ouviu falar.

MAPA ASTRAL DA BIENAL Inaugurada em 29 de maio, às 18h, a 3ª Bienal da Bahia é do signo de Gêmeos e tem ascendente em Sagitário. Essa combinação sugere inteligência, personalidade civilizada e apta a viver em sociedade, além de indicar apreço pela cultura, pela sabedoria e busca desenvolvê-las e transmiti-las ao mundo.

Bruno Marcelo

MUSEU DE ARTE MODERNA DA BAHIA - AGOSTO 2014

PANFLETO SANITÁRIO


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