Panfleto Sanitário #03

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PERFORMANCE é RISCO!

E se nós encarássemos os grupos de maracatu como coletivos de performance? A 3ª Bienal da Bahia questiona: É tudo Nordeste? - e traz elementos da arte popular para a discussão com Ludmila Britto e Giltanei Amorim, dois artistas que vivem e trabalham com performance na cidade de Salvador. “Acredito nessa junção entre arte e vida, em pensarmos a vida como uma grande performance – ou escultura social, como disse Joseph Beuys -, em que todo gesto é potencialmente único, e todo homem pode ser um ’artista’. Os artistas utilizam materiais, linguagens e estratégias muito diversificados, e há um diálogo da arte com diferentes áreas do conhecimento, como filosofia, sociologia e antropologia, gerando uma série de desterritorializações que desconstroem conceitos fechados”, explica Ludmila, do Grupo de Interferência Ambiental (GIA). Para Giltanei Amorim,”cada manifestação é singular e impossível de ser reproduzida, e na singularidade do seu acontecimento produz discursos e subjetividades únicos e irreproduzíveis, mesmo que muitas vezes os seus fazedores não estejam conscientes disso. Nesse ato de simples fazer, a performance da manifestação popular explicita suas coerências internas, sua coesão conceitual”. Ludmila completa: “Existem essas ações que circulam pela cultura da vida urbana e são fruto de ações reais, de corpos reais. Elas se diluem no tempo e espaço do seu acontecimento. São atos únicos e cheios de energia, como é a vida. E, logo depois, desaparecem na memória dos espectadores, escapando das tentativas de regulamentação e de controle”.

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Giltanei conclui: “As tentativas de definição do que seria performance ou de instaurar a performance enquanto linguagem seguem sem encontrar um terreno estável. Na contemporaneidade, onde a fragmentação do corpo e as fronteiras entre as artes chegam ao seu apogeu, parece que tais investimentos se tornam ainda mais fracassados. As manifestações populares promovem esses deslocamentos de modo imprevisível, e a relação entre público e obra deixa de existir. Todos no jogo instaurado das manifestações populares assumem o acontecimento como autor”.

foto reprodução

LYGIA/HELIO

Em 1996 a editora da Universidade Federal do Rio de Janeiro publicou a correspondência entre dois nomes fundamentais da arte contemporânea brasileira: Lygia Clark e Hélio Oiticica. Nas cartas que trocaram entre 1964 e 1974, os artistas compartilhavam muitas experiências e impressões. No trecho abaixo, de Paris, Lygia Clark escreve ao seu amigo Hélio sobre o que sentiu em seu contato com as peças exibidas no Musée de l'Homme: Meu querido, Acabo de conhecer o Museu do Homem - se eu tivesse a chance na vida e me perguntassem o que eu veria (só uma coisa) diria sem hesitar que era o tal Museu. É a coisa mais impressionante que já vi. Mesmo os pintores primitivos Cimabue e Celetto, os meus prediletos, não substituiriam esta escolha e seriam, mesmo assim, postos de lado. O que mais me maravilhou (por Deus) foi a forma totêmica absolutamente integrada em vasos brancos, bancos, pratos, etc., etc., sem perder sua força absoluta, sem cair em estilizações e sempre formando uma identidade expressiva e profunda na parte formal, funcional e visual. Você quando vê não se contenta em olhar. Você precisa vivenciar o achado espetacular do desenvolvimento da fusão do totem e da forma-vaso-forma-prato, forma-barco etc. É ao meu ver um problema arquitetônico.

O T S E F I N MA “HOJE, VIVEMOS DOIS SENTIDOS DA NATUREZA: AQUELE ANCESTRAL, DO "CONCEDIDO" PLANETÁRIO, E AQUELE MODERNO, DO "ADQUIRIDO" INDUSTRIAL E URBANO. PODE-SE OPTAR POR UM OU OUTRO, NEGAR UM EM PROVEITO DO OUTRO; O IMPORTANTE É QUE ESSES DOIS SENTIDOS DA NATUREZA SEJAM VIVIDOS E ASSUMIDOS NA INTEGRIDADE DE SUA ESTRUTURA ANTOLÓGICA, DENTRO DA PERSPECTIVA DE UMA UNIVERSALIZAÇÃO DA CONSCIÊNCIA PERCEPTIVA - O EU ABRAÇANDO O MUNDO, FAZENDO DELE UM UNO, DENTRO DE UM ACORDO E UMA HARMONIA DA EMOÇÃO ASSUMIDA COMO A ÚNICA REALIDADE DA LINGUAGEM HUMANA.” Manifesto do Rio Negro. Pierre Restany e Frans Krajcberg. 1978.

ESPÍRITO do TEMPO Em cada edição do Panfleto Sanitário fazemos uma pergunta, que pode ser respondida por uma entre as diversas formas de previsão astral, como a Numerologia ou o Tarô. Aos Búzios nós perguntamos: - O que mais temos que temer agora? - Gente. Coração de gente é terra onde ninguém passeia.

PING PONG Nascido em Cachoeira, Ordep Serra é escritor, doutor em antropologia e professor da UFBA. Além disso, fez parte do projeto dos Cursos Livres - realizado por meio de parceria entre o MAM-BA e a Universidade Federal da Bahia. Aqui ele nos fala sobre a relação entre arte e manifestações de cultura popular do ponto de vista da antropologia. COMO SE PODE ENTENDER A CULTURA POPULAR APRESENTADA NO CIRCUITO DE GALERIAS? Povos com ricos acervos de criações estéticas não as expuseram nunca em galerias. Essas criações eventualmente foram expostas assim por colecionadores ocidentais que se impressionaram com sua beleza. E influenciaram a arte dos lugares onde foram expostas. Recorde-se que Picasso reconheceu como uma das fontes de inspiração de seu cubismo a visita que fez a uma exposição em que pôde contemplar magníficas máscaras africanas que não foram feitas para ser expostas desse jeito. Etnógrafos têm levado a museus muitas peças que no mundo ocidental são classificadas como “arte”, embora não sejam definidas assim no lugar de origem. Uma avaliação estética leva a classificá-las desse jeito em nosso meio. As danças e festas populares podem constituir, ou encerrar, manifestações artísticas notáveis, de grande beleza e valor. Nem sempre isso acontece, mas os exemplos existentes são expressivos. A arte do samba de roda, por exemplo, que sempre se praticou nas festas populares baianas, veio a ser reconhecida como “patrimônio da humanidade” por sua excelência estética.

Bruno Marcello

MUSEU DE ARTE MODERNA DA BAHIA - JANEIRO 2014

PANFLETO SANITÁRIO


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