Ana Ruas - Educando o Olhar

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EDUCANDO O OLHAR ciclo de oficinas e palestras 2013

Ana Ruas

Campo Grande/MS


< Capa: Wilker de Souza Rodrigues, 15 anos


Educando o olhar O projeto, através de oficinas e palestras, provoca reflexões sobre a leitura e o registro de imagens do lugar onde vivemos. O Cerrado, considerado a segunda maior savana do mundo, corre o risco de ter sua vegetação extinta em poucos anos. Que referências temos desta paisagem? Este portfólio, além de apresentar desenhos feitos sobre este lugar habitado por aves curiosas e cercado por árvores retorcidas, apresenta imagens das cinco palestras que contextualizaram o assunto. Foram abordados temas específicos sobre a paisagem na história da arte, o cerrado, o desenho na escola, o desenho e o artista, a bovinocultura e à arte de observar aves. O Projeto “EDUCANDO O OLHAR — ciclo de palestras e oficinas” aconteceu entre os meses de junho e agosto de 2013 em Campo Grande/MS. Durante este período foram realizados 290 desenhos e 259 pessoas participaram das palestras como ouvintes. O projeto foi idealizado pela artista plástica Ana Ruas e realizado através do Fundo de Investimentos Culturais da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul.




Simone Mamede, bióloga Palestra - Cerrado: fauna e flora

Este bioma, embora pouco reconhecido e altamente ameaçado pelas pressões humanas, só perde em tamanho para a Amazônia e reserva paisagens de grande beleza cênica, abundância de mananciais com rios de água límpida e numerosas cachoeiras que proporcionam ambientes e condições favoráveis para a sobrevivência de rica fauna.

< Valkiria M.S.Ciqueira, adulto, modalidade EJA



Humberto Espíndola, artista plástico Palestra - 45 anos de bovinocultura

A Bovinocultura, nascida no final dos anos 60 no trabalho plástico do artista Humberto Espíndola, traz na sua origem a crítica de opressão cultural da ditadura militar e revela um Brasil até então desconhecido. O país da sociedade do boi. O país de dentro, do Centro-Oeste.


Obra de Humberto EspĂ­ndola, 2001 (Detalhe)



Humberto Espíndola - A matriz Texto de Rodrigo Teixeira A polca-rock - último sopro de vanguarda da Moderna Música de Mato Grosso do Sul -, começou com Humberto Espíndola. Parece uma incoerência um artista plástico influenciar a música contemporânea do estado, mas é isso mesmo! O criador da Bovinocultura fez com os pincéis, o que Manoel de Barros realizou com as palavras: criou um universo artístico próprio utilizando como matériaprima à natureza que o rodeia. A reflexão que Humberto propunha através de seus quadros era de uma ironia e provocação digna do mais puro rock’n roll. Humberto, que fez questão de permanecer em sua própria aldeia, afrontou a repressão militar e questionou o preconceito de uma sociedade arcaica e ruralizada. Ainda em 1967, estreou nacionalmente no Salão de Brasília, representando o interior do Brasil. Já era engajado na luta pela descentralização cultural, hoje ainda tão necessária e que a construção da Capital Federal em pleno Brasil Central não solucionou. Entre 1968 e 1972, Humberto foi premiado nos mais importantes salões do país e participou de Bienais internacionais. Só não foi à VI Bienal de Paris, em 1969, porque a representação brasileira foi impedida de sair do país pela censura imposta pelo governo militar. A ideia de usar o universo bovino como metáfora para questionar os valores da época, em plena ditadura é genial. Sem contar que a própria técnica de pintura impressiona em quadros como “Boi-Pirata” e “Boi-Bandeira”, ambos de 1968, e se torna magnífica com o passar do tempo. “Nos Jardins do Nirvana”, de 1987, é um dos meus preferidos. Humberto funcionou como um mestre. Ele fez a cabeça de Tetê, Alzira, Celito, Geraldo, Jerry, Simões, Roca... Mais do que isso, era e ainda é a prova viva de que é possível se destacar mundialmente enfocando temas regionais. Geraldo Roca lembra que, aos 14 anos, já era amigo de Paulo Simões e Geraldo Espíndola. E assume: “O Humberto falava nas reuniões que se a gente queria ser compositor, tinha de fazer pelo menos uma música por dia. O Humberto era nosso guru e foi quem abriu o caminho para toda a nossa geração”. A crítica de arte e produtora cultural Aline Figueiredo escreve: “Com o eco emblemático da Bovinocultura, o Centro-Oeste e toda uma criação brasileira de dentro, situaram-se (...) e, amparada quem sabe na generosidade do boi, a Bovinocultura atrai artistas em seu entorno. Abre as perspectivas do enfoque temático, conscientiza a região, questiona, irrita mas abre um diálogo com a sociedade. Situa. Começam a aparecer músicos dentro da casa do pintor do boi, que ali anima os irmãos e os amigos de som. O rock rural estava presente. ‘Deixei meu Matão’, de Geraldo Espíndola, é de 1972. Os irmãos Espíndola, Geraldo Roca, Paulo Simões, Almir Sater, cantam o campo com nova visão de mundo”. Humberto é a nossa matriz! Precisa ser muito mais festejado e pesquisado.




Ana Ruas, artista plástica e arte-educadora Motivos e estratégias para evitar o desenho esteriotipado na escola

O desenho estereotipado é uma forma representada graficamente, que já foi criado através de um sistema por alguém e, por já estar “pronto” não provoca reflexões ou pensamentos. Propostas claras e objetivas nas aulas de artes convidam o aluno a vivenciar efetivamente o processo de criação. É preciso ter coragem para enfrentar um papel em branco!



Maria Adélia Menegazzo, professora da UFMS e crítica de arte Palestra - A natureza, a tela e a paisagem

A tela enquanto enquadramento da relação homem-natureza passa por diversas modificações, desde a condição de suporte até a instalação. Enquanto temas da história da arte, os conceitos de natureza, tela e paisagem têm também presença constante na pintura contemporânea, onde são percebidos para além do cenário. Quais as implicações de sua presença na definição de uma visualidade local?


Obra de Rodrigo Bivar (Detalhe)


Rafael Duailibi, curador independente e professor da UFMS Palestra - O desenho, a representação e o artista: estratégias para o deslumbramento

A palestra teve como objetivo avaliar nas diferentes linguagens da produção contemporânea a função do desenho como elemento estruturador do pensamento criativo, investigando as estratégias de construção de imagens no reposicionamento da tradição de representação, numa retomada do domínio técnico para o rigor e a competência artística que reconduz o olhar para a contemplação.


Obra de Diego Cirulli, 2008 (Detalhe)



“

Ana, eu quero desenhar a cor da tarde! Minha arara estĂĄ de tarde! Sofia, 7 anos


Maristela Benites, ornitóloga Oficina - A arte de observar aves

Sob orientação técnica e munidos de binóculos, cadernetas e guias de campo de aves, os participantes da oficina observaram as diferenças morfológicas das aves do Parque das Nações Indígenas , durante 4 horas, registrando 53 espécies.


Foto de Marco Ant么nio de Almeida Lemos (Detalhe)


Oficina de desenho para crianças de 10 Escolas Públicas Estaduais de MS

A van estaciona em frente ao ateliê e antes de abrir a porta, escuto as crianças gritando! Quando entram, arregalam os olhos ao me ver, para eles o artista é alguém que mora muito longe ou que já morreu! Aos poucos, deixamos o mundo lá fora e nos entregamos a tarefa do dia: desenhar a flora e a fauna do Cerrado. Desenhamos em mesas, mas com frequência vamos para o quintal e lá, desenhamos no chão áspero e duro. Parece menos confortável mas, ficamos mais próximos daquilo que chamamos de árvore, tronco, muro, rede, formiga, folha seca, sombra...! Falamos sobre o mundo e de quantas imagens encontramos diariamente! Das formas e cores usadas pelo homem na construção de “coisas”, e que foram antes pensadas, partindo da observação da natureza. No final da oficina, apaixonada, fotografo todos os desenhos. Será que um dia aprendo a desenhar como eles? Ana Ruas



Felipe Alison, 10 anos



Ver é uma maneira de definir e criar um juízo do ambiente em que vivemos e desenhar é relevar a visão deste ambiente.




Guilherme de Souza, 12 anos



Fernanda Rodrigues Preza, 10 anos




Ver significa relacionar, revelar uma colocação no espaço, uma medida de tamanho, de distância e de cor. Enquanto, o desenho é o registro que vemos!







Cada um de nós tem uma percepção única do mundo, portanto, o registro surge como resultado do que sabemos ou acreditamos!


JosuĂŠ da Silva Correa, 10 anos

Leonardo da Cruz, 18 anos, Modalidade EJA


Escolas públicas participantes das oficinas do projeto Educando o Olhar, com crianças do Ensino Fundamental: E.E. Arthur de Vasconcelllos Dias E.E. Henrique Cirillo E.E. Lino Villacha E.E. Maria Elisa Bocayuva Correa da Costa E.E. Maria José Hugo Rodrigues E.E. Nicolau Fragelli E.E. Padre Franco Delpiano E.E. Professora Joelina Almeida Xavier E.E. São Francisco E.E. Dolor Ferreira de Andrade



Participantes da modalidade EJA - Educação de Jovens e Adultos O EJA tem como objetivo oportunizar aos jovens e adultos a escolarização e/ou a complementação dos estudos, nas etapas do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. Participaram deste projeto 75 alunos do EJA, entre eles: churrasqueiro, câmera man, dançarino, dona de casa, crocheteiras, costureiras, vendedora de cosméticos, balconista, pedreiro, pintor de parede, maquiadora, garçom, pizzaiolo, jardineiro e outros.





Ele anda pelas ruas, entra no ônibus sozinho, é popular na escola e enfrenta desafios!!

Deslizou a mão esquerda por toda a extensão do minúsculo galho e descreveu cada pedacinho, cada intervalo entre uma folha e outra, inclusive o rasgadinho da folha. Então, se entregou ao movimento do braço, a maciez do pincel e a experiência da cor. E o que seria a cor, Thiago? Depois de 2 horas, diante de um par de olhos fechados, percebo que a mão direita não quer largar o pincel! Todos deixam a sala e eu apago a luz, e no escuro penso nos momentos preciosos que a vida nos oferece! Ana Ruas




Diogo Wilian Novato C贸rdoba Ortiz, 11 anos




Escolas públicas participantes das oficinas do projeto Educando o Olhar Modalidade EJA: E. E. Prof. Joelina Almeida Xavier E.E. Dolor Ferreira de Andrade – Turma 1 E.E. Dolor Ferreira de Andrade – Turma 2 E.E. Maria José Hugo Rodrigues E.E. Profa. Ignês de Lamônica Guimarães


Derzi M. Martins, Modalidade EJA


Oficina de desenho para professores do Ensino Fundamental

Conversar sobre o que está bem próximo pode ser uma estratégia para criarmos leituras e registros sobre o que vemos e sabemos. Importante para o professor participar do processo! Pensar nas possibilidades do registro, do traço, da pincelada, da mancha, da superfície... Desenhar é preciso!





Oficina de desenho para mães - Bairro Dom Antônio Barbosa

No Bairro Dom Antonio Barbosa, algumas mães saíram de casa para desenhar, deixando as coloridas roupas no varal e os filhos com a vizinha. Os olhares inicialmente desconfiados pareciam pedir socorro! Mas, acredito que o mais difícil foi sair de casa! No final de duas horas, percebia-se muita cumplicidade entre o lápis, a tinta e o pincel!



Oficina de desenho para pais - Bairro Dom Antônio Barbosa Depois do conforto inicial eles pareciam crianças ansiosas para levar o desenho e mostrar em casa. Depois desta experiência, quem sabe o pai desliga a TV e convida o filho para desenhar?



Trabalhadores Braçais Oficina de desenho - “Separadores de ouro”, na Coopermaras, Parque do Sol

O mundo cinzento da cooperativa dos separadores de lixo fica para traz e os pincéis indicam o caminho das cores. Sim, qualquer pessoa pode desenhar mais que uma casinha!






No bairro Parque do Sol, o dia comeรงa bem cedo!


Maria chegou de mansinho, sentou e desenhou calada!

Ela fez três coisas inéditas: analfabeta, esforçou-se para segurar o lápis, e embora não soubesse escrever, ela desenhou; Maria assinou o desenho, diante de mim havia alguém que iria transpirar para escrever 5 letras do próprio nome; quando o grupo falou sobre a experiência de desenhar, Maria que tem medo de falar, falou.

Escrever o nome e falar, são tarefas muito difíceis para Maria, mas desenhar foi fácil. O papel como por encanto deixou de ser branco e foi invadido por formas e cores! E Maria sorriu! Sim, a arte causa encantamento em qualquer ser humano!

Ana Ruas



Pintei um azulão na aula da Ana Ruas e já é o segundo dia que vejo dois aqui no meu pé de pitanga, só não sei se é casal! Tenho um pé de figo pequeno, pelo visto gostam de figo também, pois o figo se foi! Eles são lindíssimos! Saí-azul. Patrícia Burgo



Fotografia: Elis Regina Nogueira, Stephan Hofmann, Vania Jucรก


O ateliê A oficina acaba, os desenhos deixam o ateliê com seus respectivos autores! O ateliê silencia, mas as paredes continuam emitindo ecos: - Ana, quero o vermelho mais forte, porque é do fogo! - Ana, quero deixar o branco mais branquinho como o algodão! - Ana, fiz uma mancha que rasga o céu! - Ana, vou levar minha coruja para minha mãe! Pode levar? - Ana, fiz quatro tons diferentes com o azul turquesa! - Ana, quantos azuis existem no mundo? - Ana, quando podemos voltar aqui? Um coração responde: - Voltem sempre! Ana Ruas


EDUCANDO O OLHAR - Ciclo de palestras e oficinas/2013 O projeto “ Educando o olhar – ciclo de palestras e oficinas”, busca reflexões sobre a leitura e registro de imagens sobre o Cerrado, sobre o desenho na história da arte, o desenho na escola, a paisagem e a bovinocultura. As palestras e oficinas aconteceram entre os meses de junho e agosto de 2013, em Campo Grande, MS. O projeto foi idealizado pela artista plástica Ana Ruas e realizado através do Fundo de Investimentos Culturais da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul.

Ateliê Ana Ruas Rua Inah Cesar Rosas, 8 Campo Grande/MS contato@anaruas.com.br Cel. (67) 9202 4095

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INVESTIMENTO


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