Pernambuco Jardim de Baobas

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Antônio Campos Marcus Prado

Pernambuco Jardim de Baobás Carpe Diem Edições e Produções


Antônio Campos Marcus Prado

Pernambuco Jardim de Baobás Recife, 2012 Carpe Diem Edições e Produções


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Fotos Marcus Prado Projeto Gráfico Germana Freire DG DESIGN GRÀFICO Revisão Norma Baracho de Araújo

Carpe Diem | Edições e Produções Rua do Chacon, 335, Casa Forte, Recife (PE) 55 81 32696134 | www.editoracarpediem.com.br


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SUMÁRIO

E DEUS CRIOU O BAOBÁ

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O baobá como símbolo da resistência e da conectividade entre os mundos imanente e transcendente, segundo a tradição religiosa afro-brasileira Assim nasceram os primeiros baobás da Diáspora Negra, a ÁRVORE DA SAUDADE e da ESPERANÇA OS GRIOTS E AS LENDAS DO BAOBÁ

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OS GRIOTS E SUA FORTE TRADIÇÃO CULTURAL UMA LITERATURA NÃO CONTAMINADA

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AS ANSIOSAS MULHERES DE GORÈE, O BAOBÁ E O LEÃO ALADO

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O DESEMBARQUE SECRETO DOS PRIMEIROS BAOBÁS EM PERNAMBUCO Um primitivo ritual de plantio de baobá

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AS DORES DA ESCRAVIDÃO: UM TESTEMUNHO DO MESTRE LUIZ DE FRANÇA

31 BAOBÁ – A ÁRVORE DO ESQUECIMENTO 32 BAOBÁ: “O PÃO DOS MACACOS” 35

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A ICONOGRAFIA DO SUPLÍCIO EXTREMO

PERNAMBUCO: UM GRANDE MERCADO DO TRÁFICO NEGRO

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OS ESCRAVOS NA VOZ DO GÊNIO DA POESIA BRASILEIRA: CASTRO ALVES DENOMINAÇÕES CIENTÍFICAS MAIS CONHECIDAS DO BAOBÁ BAOBÁ: ALGUMAS DEFINIÇÕES POPULARES NA ÁFRICA E NO BRASIL, COM DESTAQUE PARA PERNAMBUCO

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BAOBÁS QUE ESTÃO SE PERPETUANDO, PELA LONGEVIDADE, NA PAISAGEM URBANA E RURAL DE PERNBAMBUCO Assentamento

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56 OLHO AS MINHAS MÃOS 74 ORAÇÃO DO BAOBÁ 88 UM POEMA DE MIA COUTO

AO BAOBÁ SÓ SE CHEGA COM O CORAÇÃO

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Pernambuco Jardim de Baobás Antônio Campos

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a rua da minha residência, no Poço da Panela, há um belíssimo exemplar da árvore Baobá, com o qual tenho o prazer de me deparar sempre que vou até a varanda do meu apartamento. Pernambuco, extensão da minha casa, é um verdadeiro Jardim de Baobás, a árvore da vida. Atualmente, é a árvore-símbolo do município de Ipojuca, o qual possui a maior quantidade desses gigantes concentrados em um só local, em todo o estado. No âmbito nacional, possuímos mais da metade dos baobás catalogados no país inteiro. Espécie nativa da África, os baobás chegam a viver cerca de 6 mil anos. Além da grande beleza, fornece alimento, água e matéria-prima para roupas, medicamentos, enfeites e doces. É a perfeita união da utilidade sustentável com a beleza ecológica, da vitalidade com a longevidade. Durante a quarta edição da Festa Literária Internacional de Pernambuco (Fliporto), em 2008, cujo tema foi a África, fizemos uma homenagem a essa espécie da flora africana, em uma ação ecológica e cultural em Porto de Galinhas. Agora, durante a sétima edição da Fliporto, de 11 a 15 de novembro de 2011, em Olinda, chegou a hora de lançar um projeto cultural voltado para a sustentabilidade e área ecológica intitulado Pernambuco, Jardim de Baobás. A intenção é, em parceria com o amigo e fotógrafo Marcus Prado, contar a história, em Pernambuco, dessa sagrada e bela árvore e apresentar este estudo em um livro digital, em papel e também em meio virtual, com a criação de um site. Haverá uma ação educativa na Fliporto Criança, cuja ideia é torná-la permanente. Agora, mostramos esse levantamento através das fotos de Marcus Prado, através desse DVD.


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Além disso, foi feito um mapeamento dos exemplares encontrados no estado, com o intuito de estimular a preservação da espécie e homenagear a árvore do baobá como reconhecimento do seu valor para o engrandecimento cultural e ambiental do estado de Pernambuco.


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UM BAOBÁ NO RECIFE João Cabral de Melo Neto

O mais famoso dos nossos exemplares está na Praça da República, no centro da capital pernambucana. Sobre ele, escreveu o poeta João Cabral de Melo Neto em seu poema Um baobá no Recife:

Recife. Campo das Princesas. Lá tropecei com um Baobá, crescido em frente das janelas do Governador que sempre há. Aqui mais feliz pode ter úmidos que ignora o Sahel. Dá-se em copudas folhas verdes que dão as nossas sombras de mel Faz-se de jaqueiras, cajazeiras Se preciso, catedral Faz-se de mangueiras, faz da sombra que adoça o nosso litoral Na parte nobre do Recife onde o seu rebento chegou Vive, ignorado, do Recife de quem vai ver o governador. Destes, nenhum pensou (se o viu) que na África ele é cemitério. Se no tronco desse Baobá enterrasse os poetas de perto, criaria ao alcance do ouvido senado sem voto e discreto Onde o sim valesse o silêncio e o não... sussurrar de ossos secos.


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E DEUS CRIOU O BAOBÁ

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eus (Olodumaré, Único e Soberano) decidiu criar a Terra, serviu-se de um punhado de sementes de baobá e argila que amassou com uma ternura jamais descrita nem vista igual no Firmamento Infinitamente Azul, (da mesma cor da Catedral suspensa no ar, depois pintada por Monet), bem antes de lançá-las no espaço, onde se espalharam de norte a sul, de leste a oeste. Eram de outras Rotas Celestes esses elementos da Natureza Divina. Ele soltou as sementes no ar – as mãos em forma de concha - como quem solta aos ventos e nos desígnios do espaço essencialmente vazio, quatro pássaros de alvíssima brancura. Desses pássaros, agora sabemos, foram criados os chamados estorninhos, que voam em bandos compactos, em belas evoluções, mudando rapidamente de direção. E desse balé celestial, o mais belo e fascinante visto nas nuvens, resulta em estranhas formações, acrobacias, esculturas e figuras inusitadas. Quando eles voam, são milhares, instalam-se na parte cimeira dos baobás centenários da África, de Ipojuca, Vicência e Sanharó, e entregam-se aos seus incríveis rituais. (Como chegam aqui, só Deus sabe). “Espetáculo belíssimo, diz um velho morador do engenho Poço Comprido, em Vicência, é quando – na época dos aconchegos – sempre nos galhos dos baobás, eles fazem o Banquete do Amor. Aí é quando imitam o som dos ventos sobre as suas folhas”. O ancião Mandiaye, griot e adivinho, dizia algo de extraordinário: que Deus, (Aquele que se levanta Poderoso, Eterno e Absoluto), criou primeiro o baobá antes de criar o Mundo e as rochas dos Oceanos. E o fez para que a árvore, emergindo do Ovo Cósmico, considerada por Ele perfeita, pudesse ajudar a recriar a Vida, armazenando água em seu tronco e servindo de moradia, alimento e medicamento. E muito além do que se imagina nos confins das colinas.


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E a Voz de Deus (Viandante Supremo do Cosmo) foi ouvida no Firmamento: Vai, meu filho primeiro e inaugural do Reino Arbóreo, ser o rei das matas e das florestas, a Árvore da Vida, irmã celestial da Árvore Cósmica – a Árvore da Energia Vital e Divina, que anima o universo em meio a todos os esplendores do mundo. A Árvore pela qual se terá a visão do Absoluto, da Consciência e da Perfeição. Diante dela os seres não se sentirão mais uma criatura mínima, insignificante, separada de seu Criador. Fixando sua atenção na Coroa da Árvore Cósmica e no topo de sua própria cabeça, a pessoa tornar-se-á capaz de ver as Salas do Palácio de Deus, as hostes Angélicas, e os seres elevados que habitam os domínios da consciência e da Sabedoria celeste.

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AS FOLHAS, AS CASCAS E OS FRUTOS DO BAOBÁ têm vindo a ser tradicionalmente usados na comida e em aplicações medicinais, daí ser conhecida também como “pequena farmácia”, graças à presença de diferentes substâncias usadas na Medicina Popular Africana, no tratamento de muitas patologias. A polpa do fruto é usada, segundo a tradição, como antitérmico, analgésico e anti-inflamatório, devido à produção de um extrato líquido composto de substâncias como esterol, saponinas e triterpeno. É usada também como antidiarreico, pelo seu alto teor de taninos (adstringente), mucilagem e celulose (agente absorvente líquido).


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As Servas das Incandescências Ouve-se ainda a Voz de Deus (Aquele que faz girar eternamente a esfera luminosa do cosmo) no instante da criação do baobá: Vai, Coluna Arbórea de Fogo, porque será duradouro o hálito de teu crescimento. Às longas tranças das tuas folhas, áureo nicho vegetal, Eu lhes darei um nome e as chamarei de Servas das Incandescências, como aquelas folhas abertas nos bosques e prados perenes.

Serás para sempre a Árvore das Imanências e das Transcendências e tuas flácidas folhas, até aquelas secas e soltas aos ventos da Primavera, serão como Taças voltadas para o Céu de onde viestes.

Vai, meu baobá, Árvore da Felicidade, Árvore do Esquecimento, Árvore da Saudade e dos Êxtases, Árvore das Sombras Amenas e Refrescantes, leito suave e reduto amado dos griots, Árvore-Túmulo dos crentes na vida eterna, muito além da curva longa da escuridão. Árvore Poço que não se extingue de lendas, mitos e água de beber nos tempos de verão e sol ardente. Árvore dos alimentos, dos remédios e das curas do corpo e da alma, vai e te multiplica, árvore dos viandantes audaciosos e peregrinos em busca de repouso e novos caminhos. Serás sempre para os que vivem na diáspora negra um símbolo de resistência e de perenidade da raça para a qual foste Criada. Não te criei para seres um ornamento arbóreo, nem será a tua flor cultivada em jarros de festas e banquetes. Eu te Criei para seres Poesia, Mistério, representação arborescente do Belo na vastidão incomensurável do Mundo. Serás para sempre a Árvore das Imanências e das Transcendências e, tuas flácidas folhas, até aquelas secas e soltas aos ventos da Primavera, serão como Taças voltadas para o Céu de onde vieste. Vai, Minha Árvore calma e perseverante, qual asas de um pássaro faiscante descendo de uma Estrela, cumprir os mandos dos símbolos da Raça Negra e que não se elimine de tuas folhas, dos teus galhos e troncos, a aura luminosa de tua presença nos Tempos. Que sejam tuas raízes profundas como o abismo, e a Flecha de teu Ponto Cimeiro mais alta que o Firmamento. Quando Deus (o Divino Semeador) criou o grão primitivo do baobá, nada estava dentro dele além de sua Glória.


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Como o brilho das estrelas na espuma do mar E a Voz de Deus (a Substância Una) ainda é ouvida nos pórticos infinitos da Natureza: Que o cone de teu topo seja aguçado como uma agulha. E seu brilho no firmamento se assemelhe ao das estrelas na espuma do mar. Vai, Minha Doce Criação, consolar a alma daqueles que vão sofrer nos porões escuros e fétidos dos navios negreiros e nos mais cruéis sistemas de escravidão humana em todos os lugares da Terra. Malditos para sempre os que escravisam, tão iguais aos traidores, invejosos e caluniadores. Vai, Meu Embondeiro, símbolo arbóreo, diurno ou noturno, ultrapassar as medidas da razão pura, estejas onde estiveres plantado, não importa o tamanho nem o volume de teu tronco, nem a soma de galhos ou folhas verdes que possuas. Serás sempre, desde a tua germinante semente à mais alta folha de teu galho, um baobá, casa também dos espíritos ancestrais. Mesmo que os parafusos cobertos da graxa negra dos serrotes e das engrenagens de ferro e os dentes afiados das lâminas pesadas caiam por inteiro sobre tua última raiz, nada ficando de tua forma arbórea nos olhos finitos dos homens, serás sempre um baobá.

Deus: a infinita Divindade Primordial e o baobá Há quem diga que, depois de muitos milênios medidos pela precisão dos Mapas e Lâminas Celestes, muitas sementes de baobá foram levadas para Madagascar nas asas de um pássaro, hoje extinto, de onde os frutos saíram para toda a África. Na continuidade desse trabalho, Deus (Ponto Central em que Tudo se Origina) deitou-se, Sonhador, na plenitude do Seu Esplendor, sob os raios cintilantes da Noite. Há uma lenda, narrada por uma certa Métis africana, réplica da primeira esposa de Zeus, segundo a qual esse Ritual foi de uma beleza de tamanha significância que só na linguagem dos Anjos poderia ser descrito: o Senhor do Império Celeste adormecendo depois de ter criado o baobá. Ninguém será capaz de descrever o adormecer daquele que é o Senhor dos Sonhos e de todos os Reinos, sem esquecer o reino das Torres Submarinas. Sem olvidar também o Fogo que – no devaneio de Gaston Bachelard – dá vida às Árvores, esse Fogo interno, espermático, gerador, maturativo. A ele toda a nossa exaltação, toda a nossa glória.


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À sombra do baobá, numa cama feita de urzes brancas Depois disso, Deus (Calmo e Perseverante) fez nascer o primeiro bosque, para que nele, mergulhados, o Homem e a Mulher sonhassem a imensidão do cosmo.

Tudo isso aqui descrito não aconteceu de uma hora para outra como o tremor celeste do trovão. No dia seguinte, que teria durado bilhões de anos, Deus (Amor que nunca se esvai), flutuando nas brumas e nas savanas da África mais primitiva, teria feito nascer o primeiro Homem, aquele que viria sem medos e mágoas de ninguém, ingênuo na sua nudez simples, natural, primitiva, embora só e atormentado. A sua cama, sob a proteção dos baobás, era feita de urzes brancas e suas metamorfoses, e seu teto, a céu aberto. Porque os ventos gelados sopravam fortes do leste, e as vastas sombras se levantavam no meio das rochas, Deus (a Grande Síntese), decidiu então criar a Mulher. Pode ter sido este o Seu primeiro gesto da criação do Éden, pelo menos foi o que disseram os Elfos semideuses da Fertilidade, nos pergaminhos que deixaram perdidos entre as três rochas de Ayer, uma extensão plana do deserto australiano. Depois disso, Deus (Calmo e Perseverante) fez nascer o primeiro bosque, para que nele, mergulhados, o Homem e a Mulher sonhassem a imensidão do cosmo. Não é de admirar, porque na Eternidade – muito além da compreensão humana, muitos milênios, talvez bilhões de anos, podem ser comparados ao brilho do raio na parte cimeira do Firmamento. (Não se tenha jamais por comparação esse bosque com aquele recanto sagrado de Posídom, que assumiu o estatuto de deus supremo do mar.) Ao Homem, Deus (Aquele que conduz o Sol e suas naves de Fogo) deu o nome de Loth-Ulú, de quem nasceram os primeiros Elfos-profundos e evoluídos (seres de grande beleza) e os duendes protetores dos bosques e dos baobás. À Mulher, Deus (o infinito Pastor das nuvens, das montanhas e dos raios celestes) deu o nome de Thanda, que significa Amor na expressão zulu da África Negra Antiga. E tendo dito o que disse e feito o que fez, Deus (Aquele que faz o Sol da Primavera e da Misericórdia), aproximou-se de um baobá, dali saindo nesse instante um ramo de Luz feito pelos Anjos da Suprema Hierarquia Celeste, quando o sorriso de cada um brilhava como o Sol. No dia seguinte, ao passar de um turbilhão em que todos os ventos foram beijar as flores e a relva do lugar, Deus (o Ordenador dos Mundos e a Grande Divindade Primordial) abençoou o Pássaro aquático colorido e ondulante, assim chamado aíthya, que (re)aparece depois de muitos milênios nos livros da Odisséia e nas versões das Argonáuticas atribuídas a Orfeu. Teria esse pássaro original a missão Divina de levar no seu bico grande e largo as sementes brancas do baobá para outras regiões férteis do continente africano, cheias de traçados oblíquos e circuitos tortuosos, desenhados pela savana e pelos caprichos dos ventos.


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O baobá como símbolo da resistência e da conectividade entre os mundos imanente e transcendente, segundo a tradição religiosa afrobrasileira

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onta-se que, na África, nos prenúncios da página mais sombria da história da humanidade – a escravidão humana –, um velho sacerdote tribal da aldeia Diola, muito venerado no Senegal, já no seu leito de morte, teria reunido na concha das mãos um punhado de sementes de baobás e as distribuído sob severas recomendações: Plantem!

“Se eles nos tirarem de nossa terra, a gente sai, viveremos o exílio mais doloroso da humanidade, mas os

baobás ficam. Vão resistir como o fogo nos anéis do Sol. Como as asas dos ventos nas madrugadas de inverno. Como o rio que banha esta aldeia: se o barram ele se aprofunda. Como o tigre negro sob a mira do caçador em noite de trevas. Que chamem logo todos os griots desta aldeia, juntos deles as suas esposas, seus filhos e netos, e que se lhes repassem o relato desta minha última vontade para que, à margem de todos os caminhos, estradas e veredas, montes e vales, por onde passam os viandantes de todas as etnias do Senegal e de Angola, sejam plantadas tantas sementes de baobá, como aquelas que os deuses negros plantaram no começo de tudo.” A mesma lenda nos diz que, nesse instante, todas as portas e janelas da aldeia se fecharam pela força de uma ventania, repentina e inesperada, tão forte e nunca vista naquele lugar. Parecia um ciclone com seus anéis de fogo e poeira ou um tornado. Não ficou sequer uma folha presa nos galhos das velhas árvores, agora despidas, nem uma folha de papel solta no ar.


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Assim nasceram os primeiros baobás da Diáspora Negra, a ÁRVORE DA SAUDADE e da ESPERANÇA

Numa noite de junho de 1525, Albert Dürer teve um pesadelo: via a Besta do Apocalipse chegar. Reproduziu esse sonho angustiado em uma aquarela, representando imensas nuvens negras carregadas de chuva e ameaçando a terra. Na velha aldeia senegalesa, houve cena por ventura semelhante... e mais será dito e explicado ao longo das narrativas que ora iniciamos. Logo falaremos do baobá na Diáspora Negra. Daqueles muitos milhares de seres humanos trazidos como escravos, homens, mulheres e até crianças, pela imensidão dos mares orlados de recifes ou de pântanos insalubres. Esse mar tantas vezes perigoso e imóvel, sem que o menor sopro o ondulasse. Daqueles que foram vitimas em alto-mar de uma fome feroz e de uma sede ardente, doentes – sem nenhuma forma de serem devolvidos à sua terra, e sacudidos como mercadorias imprestáveis no meio das águas salgadas do Oceano. Jamais se viu nos mares tenebrosos tantas cenas de martírios humanos. E nunca se viu, por tudo isso, uma árvore ser tão amada como o baobá.

“Tão temerosa vinha e carregada, Que pôs nos corações um grande medo; Bramindo, o negro mar de longe brada, Como se desse em vão nalgum rochedo. “Ó Potestade (disse) sublimada: Que ameaça divina ou que segredo Este clima e este mar nos apresenta, Que mor cousa parece que tormenta?

Os Lusíadas - O Gigante Adamastor, de Luís Vaz de Camões


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OS GRIOTS E AS LENDAS DO BAOBÁ

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a leitura das lendas e mitologias ligadas ao maior símbolo arbóreo do continente africano – o baobá –, surge logo um obstáculo. Embora de um fascínio temático irresistível, são raros os livros escritos sobre os griots. Somando todos, incluindo os publicados no Brasil, não chegam a duas dezenas. Há numerosas narrativas que, juntas, dariam por certo uma imensa biblioteca temática, já que todas as etnias africanas gostam de contá-las, mas que nunca foram devidamente repassadas para o papel. Os sudaneses (entre eles, iorubás, minas e jejes) introduzidos na Bahia, e os bantos (angolas, benguelas e cabindas), trazidos em grande parte para Pernambuco e Bahia, são herdeiros diretos dessa narrativa oral de fascinantes encantamentos, assim como fomos herdeiros, destacadamente, no Nordeste, da diversidade cultural da África. Cada griot, e são centenas, milhares, carrega dentro de si uma biblioteca imaginária incapaz de ser avaliada.


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OS GRIOTS E SUA FORTE TRADIÇÃO CULTURAL

Ser um griot – deles não se tem notícia fora da África continental, mais preci-

Há uma lenda afirmativa de que certos griots pobres e viandantes falam na savana, ao pé do baobá, só para os leões, elefantes, antílopes e zebras. Só vendo para acreditar, mas que pode ser um espetáculo inolvidável..

samente no Senegal – é ser também um guardião dos segredos da vida e da história dos ancestrais. Griot é um termo do vocabulário franco-africano criado na época colonial para designar o narrador, cantor, cronista e genealogista que, pela tradição oral, transmite a história de personagens e famílias importantes para as quais, em geral, está a serviço. Estão presentes, sobretudo, na África Ocidental, notadamente onde se desenvolveram os faustosos impérios medievais africanos. Na tradição tribal africana de origem negra são os griots, não os livros convencionais, nem os chamados didáticos para os jovens e adolescentes, que transmitem a história do povo ao longo dos tempos. Algo como no passado rural nordestino representavam os cantadores e violeiros repentistas, cujas origens remontam aos trovadores medievais. Talvez as figuras mais populares dessa região sejam os cordelistas, os cantadores, os violeiros com seus mitos e lendas, contos e provérbios. Por muitos anos, a literatura de cordel serviu como o único meio de comunicação em terras áridas e inóspitas do Agreste e do Sertão. Tem sido uma grande força inspiradora para muitos autores brasileiros, entre eles o mundialmente conhecido Ariano Suassuna. Fazia as vezes de jornal, revistas, rádio e de tevê. E não era só isso: as notícias vinham em forma de versos, rimados, ritmados, poéticos. Neles, ao contrário da oralidade dos griots, é a viola quem dita o ritmo da cantoria e há um discurso recorrente entre violeiros e cantadores, dando conta de que o acompanhante precisa possuir habilidades especiais. Na África Negra Rural, a tradição ainda permanece entre essas figuras simpáticas e generosas. São ainda contratados por reis e príncipes para enaltecerem seus feitos. A memória histórica dos povos africanos em todas as dimensões do passado foi confiada aos griots. Dizem que, quando morre um griot ancião, morre uma biblioteca imaginária inteira. Chegam, os enraizados e tradicionais,


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os moradores das aldeias e tribos primitivas distantes dos grandes centros urbanos, a acreditar mais neles, por inverossímeis que sejam os seus relatos, que nos livros publicados em papel e capa dura.

Para os griots, o baobá é possuidor de uma grande soma de energias positivas.

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PESQUISAS RECENTES ligadas à preservação das árvores urbanas do Recife mostram que estamos perdendo alguns dos nossos mais belos exemplares, destacadamente no período do inverno, das fortes chuvas e ventos. Por outro lado, vários baobás, na capital e no Interior, estão ameaçados de extinção. Essa constatação provoca um mal-estar profundo entre os amantes e admiradores dessa espécie arbórea, mas que não exclui completamente a esperança.


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UMA LITERATURA NÃO CONTAMINADA

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uem percorrer a tradição oral desse povo encontra muitas narrativas épicas que não estão contaminadas. São histórias que não estão distorcidas por autores ocidentais, porque elas vêm de uma longa tradição passada de família para família. Essa necessidade de haver um nexo de conhecimentos entre as gerações. Os aspectos específicos vistos em seus contextos próprios: tradição cultural, tradição religiosa, tradição familiar e outras formas de perenizar conceitos, experiências e práticas entre as gerações dos povos tribais. A tradição como forma peculiar em cada crença local. O professor e historiador J. Vansina, na sua História Geral da África, reforça o nosso testemunho ao dizer que, mesmo onde existia a escrita, como na África Ocidental a partir do século XVI, quando muito poucas pessoas sabiam escrever, a escrita ficava muitas vezes relegada a um plano secundário em relação às preocupações essenciais da sociedade. “Seria um erro reduzir a civilização da palavra falada simplesmente a uma negativa, ausência do escrever, e perpetuar o desdém inato dos letrados pelos iletrados, que encontramos em tantos ditados, como no provérbio chinês: A tinta mais fraca é preferível à mais forte palavra. Isso demonstraria uma total ignorância da natureza dessas civilizações orais. [...] A oralidade é uma atitude diante da realidade e não a ausência de uma habilidade. As tradições desconcertam o historiador contemporâneo – imerso em tão grande número de evidências escritas, vendo-se obrigado, por isso, a desenvolver técnicas de leitura rápida– pelo simples fato de bastar à compreensão a repetição dos mesmos dados em diversas mensagens. As tradições requerem um retorno contínuo à fonte. Fu Kiau, do Zaire, diz, com razão, que é ingenuidade ler um texto oral uma ou duas vezes e supor que já o compreendemos. Ele deve ser escutado, decorado, digerido internamente, como um poema, e cuidadosamente examinado para que se possa apreender seus muitos significados – ao menos no caso de se tratar de uma elocução importante. O historiador deve, portanto, aprender a trabalhar mais lentamente, e refletir, para embrenhar-se numa representação coletiva, já que o corpus da tradição é


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a memória coletiva de uma sociedade que se explica a si mesma. Muitos estudiosos africanos, como Amadou Hampâté-Ba ou Boubou Hama, com bastante eloquência, têm expressado esse mesmo raciocínio. O historiador deve iniciar-se, primeiramente, nos modos de pensar da sociedade oral, antes de interpretar suas tradições. A tradição oral foi definida como um testemunho transmitido oralmente de uma geração a outra.”

“E agora, vou passar meu texto oral para a escrita? Não. É que a partir do momento em que eu o transferir para o espaço da folha branca, ele quase que morre. Não há baobá, não há ritual, não há crianças, homens, mulheres. Não tem sons, não tem braços, abraços. Não tem olhos.” (Manuel Rui Monteiro)

O espírito humano pensa com palavras; ele não apenas enuncia seus pensamentos através da língua, mas também de alguma forma os simboliza para si mesmo e os rearranja. A língua, diz Leibniz, é o espelho do entendimento humano e, como o homem pode corajosamente estabelecê-la, é um livro de descobertas de suas ideias, uma ferramenta de sua razão que não é apenas habitual, mas também indispensável.

“Tudo aquilo que sei do mundo, mesmo por ciência, eu o sei a partir de uma visão minha ou de uma experiência do mundo sem a qual os símbolos da ciência não poderiam dizer nada. [...] A verdadeira filosofia é reaprender a ver o mundo, e nesse sentido uma história narrada pode significar o mundo com tanta profundidade quanto um tratado de filosofia.” Maurice Merleau-Ponty (FENOMENOLOGIA DA PERCEPÇÃO)


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AS ANSIOSAS MULHERES DE GORÈE, O BAOBÁ E O LEÃO ALADO

A

s mulheres da Ilha de Gorèe, perto do velho mercado dos escravos, não engravidavam, então tiveram a ideia de recorrer aos poderes do velho baobá plantado na região. Sabendo disso, Iroko, um Orixá muito antigo, não por vingança – mas por brincadeira e na condição de comandante de todas as árvores sagradas –, vestiu-se de verde, sua cor preferida, num verde-baobá bem disfarçado, e se incorporou à velha árvore a ponto de mudar nesse instante a sua essência primitiva arbórea. Um prévio esclarecimento: Orixá Iroko, segundo a lenda, é implacável e inexorável, governa o Tempo e o Espaço, acompanha e cobra o cumprimento do Karma de cada um de nós, determinando o início e o fim de tudo. É conhecido e respeitado na Mesopotâmia e na Babilônia como Enki, o Leão Alado, que acompanha todos os seres do nascimento ao infinito; cultuado no Egito como Anúbis, o deus Chacal que determina a caminhada infinita dos seres desde o nascimento até a travessia do Vale da Morte. É venerado como Teotihacan entre os Incas; e Viracocha entre os Maias, como o Senhor do Início e do Fim. Está também presente no Panteão Grego e Romano, onde era conhecido e respeitado como Cronus, o Senhor do Tempo e do Espaço, que abriga e conduz a todos inexoravelmente ao caminho da Eternidade. Esse é o Iroko, ninguém brinque perto dele.

E todos agora dão ao baobá o prometido.

Eis o que diz a lenda sobre as mulheres de Gorèe: Juntaram-se em círculo ao redor da árvore sagrada, tendo o cuidado de manter as costas voltadas para o tronco – dava-se assim a despedida desse lugar feita pelos escravos prisioneiros. Pois, os que olhavam o baobá de frente, nessa hora, sob o domínio de Iroko, enlouqueciam e morriam – e suplicaram-lhe que lhe desse filhos. O baobá, enfeitiçado por Iroko, quis saber o que teriam em troca para ele. Cada uma prometia o que o marido tinha para dar: milho, inhame, frutas, cabritos e carneiros. Uma delas, chamada Olurombi, era a mulher do entalhador e seu marido não tinha nada para oferecer. Desesperada, prometeu dar ao tronco do baobá (já por inteiro sob o domínio do Orixá), o primeiro filho que tivesse. Nove meses depois, a Ilha alegrou-se com o choro de muitos recém-nascidos e as mães fo-


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HÁ UM BAOBÁ MUITO ESPECIAL NO RECIFE. Poucos sabem do seu heróico existir e das sequelas que ele vem enfrentando, sem cair, há mais de meio século, com as enchentes do rio que banha o seu tronco. As águas já fizeram de tudo para levar essa árvore. Deram-lhe uma inclinada na postura, um tremendo susto, mas não conseguiram arrastá-lo do lugar. É suspeitoso, ninguém ousa desfrutar de sua sombra, entrou no rol dos baobás em extinção, embora tombado como patrimônio histórico da cidade. Quando se falar em qualquer parte do mundo do baobá – ÁRVORE-SÍMBOLO DA RESISTÊNCIA –, não se deve esquecer desse exemplar recifense.

ram levar ao baobá suas oferendas. Olurombi contou a história ao marido, mas não conseguiu cumprir sua promessa. Ela e o marido apegaram-se demais ao menino prometido. No dia da oferenda, Olurombi ficou de longe, segurando nos braços trêmulos, temerosa, o filhinho tão querido. O tempo passou e ela continuava a manter a criança longe da árvore. Certo dia, passava Olurombi pelas imediações do baobá, quando, no meio da estrada, bem na sua frente, saltou o temível espírito da árvore. Disse o baobá: “Tu me prometeste o menino e não cumpriste a palavra dada. Transformo-te então num pássaro, para que vivas sempre aprisionada em minha copa.” E transformou Olurombi num pássaro que voou para a copa da árvore a fim de ali viver para sempre. O entalhador a procurou, em vão, por toda parte. Todos os que passavam perto da árvore ouviam um pássaro que cantava, dizendo o nome de cada oferenda feita ao baobá. Até que um dia, quando o artesão passava perto dali, ele próprio escutou o tal pássaro, que cantava assim: “Uma prometeu milho e deu o milho; Outra prometeu inhame e trouxe inhames; Uma prometeu frutas e entregou as frutas; Outra deu o cabrito e outra, o carneiro, sempre conforme a promessa que foi feita. Só quem prometeu a criança não cumpriu o prometido.” Ouvindo o relato de uma história que julgava esquecida, o marido de Olurombi entendeu. Sim, só podia ser Olurombi, enfeitiçada pelo tronco da árvore gigante. Ele precisava salvar sua mulher! Mas como, se amava tanto seu pequeno filho? Foi então à floresta, escolheu o mais belo lenho de outro baobá, levou-o para casa e começou a entalhar. Da madeira entalhada fez uma cópia do rebento, o mais perfeito boneco que jamais havia esculpido, com os doces traços do filho, sempre alegre, sempre sorridente. Poliu e pintou o boneco com esmero, preparando-o com a água perfumada das ervas sagradas. Vestiu a figura de pau com as melhores roupas do menino e a enfeitou com ricas joias de família e raros adornos. Quando pronto, ele levou o menino de pau ao tronco do baobá e o depositou aos pés da árvore sagrada. O Orixá gostou muito do presente, o menino que tanto esperava! Sorria sempre, jamais se assustava quando seus olhos se cruzavam. Não fugia como os demais mortais, não gritava de pavor e nem lhe dava as costas, com medo de o olhar de frente. Embalando a criança, seu pequeno menino de pau, batia ritmadamente com os pés no solo e cantava animadamente. Devolveu a Olurombi a forma de mulher que, aliviada e feliz, voltou para casa e para o marido artesão e o filho, já crescido e livre da promessa. Dias depois, os três levaram para o baobá muitas oferendas. Levaram ebós de milho, inhame, frutas, cabritos e carneiros, e laços de tecido de estampas coloridas para adornar o tronco da árvore. Eram presentes oferecidos por todos os membros da aldeia, felizes e contentes com o retorno de Olurombi. “Até hoje todos levam oferendas ao baobá de Gorèe, sem nada saberem da história verdadeira. Porque baobá dá o que as pessoas pedem, mesmo sem ser um Ori-


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xá. O baobá nada teve a reclamar contra o Orixá (reconhecendo o seu poder), porque disso jamais ninguém ouviu dizer dele. E todos agora dão ao baobá o prometido”. “Quando eu estou entre vocês, Árvores destes grandes bosques. Nisso tudo que me rodeia e por vezes me esconde, Na sua solidão na qual eu me recolho Sinto um grande ser Que me escuta e que me ama.” Victor Hugo


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O DESEMBARQUE SECRETO DOS PRIMEIROS BAOBÁS EM PERNAMBUCO

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historiador Joseph Ki-Zerbo é enfático ao afirmar que – nenhuma coletividade humana foi mais inferiorizada do que os negros depois do século XV–. Foram encomendados escravos negros aos milhões; utilizaram-se os negros como reprodutores de outros negros, em –coudelarias– constituídas para reproduzir novos negrinhos para o trabalho nas plantações. Quantas crianças africanas foram jogadas dos navios, ou abandonadas nos mercados escravos, longe das mães que eram levadas, porque era preciso muito tempo para alimentá-las até que fossem exploráveis–. LOCALIZADA A 65 QUILÔMETROS do Recife, litoral Sul de Pernambuco, Porto de Galinhas é hoje uma famosa praia pertencente ao município de Ipojuca. Por volta de 1850, quando o tráfico de escravos já era proibido por lei, o local tornou-se um porto clandestino improvisado de comercialização de escravos. Os escravos que ali chegavam, camuflados, eram trazidos de Angola e transportados nos porões dos navios. Cada “mercadoria” descia dos navios–encangada–por meio de argolas de ferro, nas mãos e nos pés, para evitar fugas repentinas. O olhar de espanto de cada negro e de cada negra, nessa hora, era como o olhar dos que vão cair no abismo. A sensação do vazio e do desprezo predominava. A sede, uma imensa sede de beber água... o que mais lhes era negado no percurso. Muito se escreveu sobre as dores sofridas pelos escravos nos navios negreiros, mas quase nada foi visto, na bibliografia consultada, sobre a angústia diante da escassez de água nessas embarcações de longo curso, notadamente quando vinham lotadas de gente. No interior dos navios negreiros, de modo geral, sabia-se da existência de carcaças fétidas amontoadas na escuridão infecta dos porões. Lá dentro tinha o cheiro do fogo do inferno, aquele fogo sulfúrico misturado com enxofre que não tem luz. Santa Catarina de Siena, aquela que tinha visões de Cristo e dos Anjos, certa vez viu um demônio e pediu a Deus que jamais lhe desse provação maior na sua vida, preferindo todo dia andar sobre brasas acesas, a olhar novamente para um deles. Imagine o que ela diria se visse de perto ao menos um daqueles –arrumadores–dos na-


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vios negreiros. Para sair do Inferno, Dante teve de passar pelo corpo de Lúcifer. O poeta viu então o demônio de pernas para o ar, como fora jogado do céu depois de sua revolta contra Deus. Dante viu o mal personificado. E se o destino nos seus caprichos inexplicáveis tivesse trazido o poeta florentino para ver o período de negritude escravista do imenso país brasileiro, o que não sairia do seu extremado vigor imaginativo? A grande tarefa de narrar esse outro –inferno– dos navios negreiros coube ao poeta dos escravos, Castro Alves. Depois dele, Graciliano Ramos, humilhado, prisioneiro, de cabeça raspada, sujo, fedendo a fezes, diria numa página de dor e desamparo, nas –Memórias do Cárcere–, o que era o inferno no porão de navio, na época do ditador Getúlio Vargas e do seu cheio de poderes chefe de Policia, coronel Filinto Muller. Escondidas cuidadosamente nos trapos que restavam sobre o corpo, os escravos traziam as sementes dos primeiros baobás plantados em Pernambuco. Para eles, o baobá era uma árvore sagrada, que representava o sonho da liberdade e o símbolo da esperança de um dia voltar às suas origens africanas. Muitos escravos negros, quando descobertos com essas –relíquias–, eram castigados por seus novos donos com uma das mais humilhantes penas: lamber o solado sujo de suas botas até limpá-las.

A Diáspora Negra estava apenas no começo no solo brasileiro.

Moléstias como disenteria e varíola liquidavam grande parte da carga de escravos no tráfico, antes mesmo de chegarem a Porto de Galinhas. Eles desciam dos navios, todos em fila indiana, vinham de uma embarcação superlotada, com gargalheira, algemas e peias, até aqueles combalidos pelo cansaço e pela doença de bordo, com a sujeira do corpo acumulada durante o doloroso percurso. (Aqui e acolá ouvia-se um grito epiléptico no meio da madrugada, em alto-mar). À espera deles, se fossem desobedientes, estavam o ferro de marcar bois e o libambo. Extensivamente o libambo – um dos mais impiedosos instrumentos de tortura – era toda espécie de corrente que prendia o escravo. Designava o instrumento que prendia o pescoço do escravo numa argola de ferro, de onde saía uma haste longa, também de ferro, que se dirigia para cima, ultrapassando o nível da cabeça do escravo. A haste, ora terminava por um chocalho, ora por trifurcação de pontas retorcidas. Uns – aqueles que sobreviviam durante a viagem – num misto de curiosidade e medo, olhavam-se entre si numa silenciosa sensação de vertigem e torpor diante de tudo o que estava à sua espera, uma vez que tudo estava para sempre perdido.


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No meio de todo esse suplício, guardadas sem a menor suspeita dos senhores do tráfico, entre os trapos das roupas sujas, restavam apenas porções de sementes da árvore sagrada para os escravos: o BAOBÁ. Símbolo para eles do que restou da África-Mãe, terra dos seus filhos e parentes, que também foram todos escravizados. Imaginem tudo isso e terão alguma ideia do que foi essa árvore no imaginário pernambucano, no período da escravidão dos negros trazidos da África.

Imaginem tudo isso e terão alguma ideia do que foi essa árvore no imaginário pernambucano, no período da escravidão dos negros trazidos da África.


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Um primitivo ritual de plantio de baobá

D Que o instrumento utilizado no seu plantio não seja de ferro, como a enxada que faz cair sobre ela as canseiras do trabalhador. Como o ferro do ferreiro fabricante de canhões. Sua marca embora invisível poderá permanecer irremovível, resistente à força das chuvas e do calor solar, portanto, um campo aberto aos raios que abrem em duas partes os elementos arbóreos.

iz uma história oral, quase lenda na cidade pernambucana de Ipojuca, que muitos baobás foram plantados ali por negros vindos da África, embora restem apenas dois exemplares de tradição histórica secular. Os que não sobreviveram por causa do desprezo predador do homem, tiveram o mesmo destino de outros tantos antigos baobás que existiam em Pernambuco no inicio do século passado. Até para lenha de fogão caseiro e para fogueiras juninas eram utilizados seus galhos e partes vitais de seu tronco. Quando, na Eco Fliporto, foram distribuídas mais de 400 mudas de baobá em dois anos (2010/2011), houve um velho afrodescendente que, nos seus mais de 80 anos, se aproximou de um dos contemplados com um broto da Árvore Sagrada, e disse-lhe estas palavras: –Se ainda não sabes, eu te direi como deitar sobre a terra úmida essa semente que um dia vai crescer e se agigantar. Escolhes com cuidado um lugar onde só a voz dos ventos e o canto dos pássaros quebram a paz do silêncio. Na hora de plantar esperas o nascer dos primeiros raios de Sol, porque foi nessa hora que Deus (a Amplitude do Todo em Tudo), fez nascer o primeiro baobá. Logo a seguir, deves descobrir tua cabeça, coloca teu chapéu sobre o peito, olhas para o Céu e fazes uma Oração para que o Deus de tua crença e criador infinito da Natureza Arbórea faça cair sobre a semente o Sopro Divino do zelo e da proteção. Precisas saber que uma quantidade infinita de energia está contida no interior da semente que irás plantar, energias conhecidas ou ainda por conhecer no catálogo das partículas arbóreas. Que o instrumento utilizado no seu plantio não seja de ferro, como a enxada que faz cair sobre ela as canseiras do trabalhador. Como o ferro do ferreiro fabricante de canhões. Sua marca, embora invisível, poderá permanecer irremovível, resistente à força das chuvas e do calor solar, portanto, um campo aberto aos raios que abrem em duas partes os elementos arbóreos. Que a semente seja plantada, isto sim, com as tuas mãos, porque é com elas que fazes as tuas orações. Por mais fascinante que seja este ato germinador de uma nova Vida, deves depositar na semente, com a força de teu pensamento, e com a crença mais profunda nos Poderes da Divindade, a memória dos teus antepassados mais queridos e amados, para que a Árvore cresça como moldura vegetal também ali existenciada no teu íntimo miradouro.


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AS DORES DA ESCRAVIDÃO: UM TESTEMUNHO DO MESTRE LUIZ DE FRANÇA

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lendário Mestre Luiz de França, líder do Maracatu Leão Coroado (Recife/ PE), que era mais que um Babalorixá, era um Oluô – que na língua iorubá significa sacerdote máximo –, nos encontros semanais com um grupo de poetas e intelectuais pernambucanos do Recife, na Rua Oliveira Lima, sabia contar detalhes de episódios ilustrativos das torturas impostas aos seus antepassados: “Após ingerirem um gole de cachaça e uma xícara de café como alimentação da manhã, os negros eram encaminhados pelo feitor para os penosos labores nas roças. Às oito horas da manhã, o almoço era trazido por um dos camaradas do sítio em um grande balaio, e, dentro dele, a panela de feijão, cozido com gordura e misturado com farinha de mandioca. Em algumas fazendas e engenhos, as crueldades dos senhores e feitores atingiram incríveis métodos de castigos, ao empregarem no negro o anavalhamento do corpo seguido de salmoira; marcas de ferro em brasa; mutilações; estupros de negras escravas; castração; fraturas dos dentes a marteladas e uma longa e infinita teoria de sadismo requintado. O libambo era um instrumento que prendia o pescoço do escravo numa argola de ferro de onde saía uma haste longa”.

Adeus, terra, terra, terra que fui criado Adeus campo de bataia, Adeus, terra que fui criado, e como temo bataiado. (Canto de Moçambique)


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Dos cerca de cinco milhões de escravos importados da África para o Brasil, que foi o maior consumidor deles nas Américas (cerca de 45% do total), a imensa maioria morreu escravizada, não teve a chance de conhecer a liberdade, provavelmente morreu servindo ao primeiro e único senhor. Altair Maia, no seu livro BAOBÁ, nos faz outra revelação chocante, segundo a qual havia um portão na Casa dos Escravos, em Gorèe, por onde eram conduzidos os escravos de baixa categoria comercial, que não resistiam aos maus-tratos do cativeiro, e eram atirados ao mar. Dizem historiadores que o trauma da viagem nos navios negreiros era tamanho que, mal desembarcavam no Brasil, os negros escravizados tentavam fugir. Havia os que ousavam e quando eram recapturados, eles se mutilavam, estrangulavam-se. Muitos foram publicamente decapitados. Como foi possível tamanho horror? Como podemos, hoje, entender que a posição da igreja cristã, na fase da escravidão negra, tenha sido permissiva durante quase quatro séculos? Como mensurar o fato de que a Igreja Católica tenha apoiado a escravidão negra, sustentado a sua expansão, possuindo escravos negros, comercializado-os, e nutrido por eles um preconceito racial evidente, durante tanto tempo?

”Escravos, obedecei em tudo aos senhores desta vida, não quando vigiados, para agradar aos homens, mas em simplicidade de coração, no temor do Senhor. (1Col 3,22).” “Escravos, obedecei, com temor e tremor, em simplicidade de coração, a vossos senhores nesta vida, como a Cristo, servindo-os, não quando vigiados para agradar a homens, mas como servos de Cristo, que põem a alma em atender à vontade de Deus. Tende boa vontade em servi-los, como ao Senhor e não como a homens, sabendo que todo aquele que fizer o bem receberá o bem do Senhor, seja ele escravo ou livre. E vós, senhores, fazei o mesmo para com eles, sem ameaças, sabendo que o Senhor deles e vosso está nos céus e que ele não faz acepção de pessoas. (Ef 6,5-9)” Usando como símbolo cascas verdes do tronco do baobá, alguns sacerdotes tribais africanos combatem ainda hoje o catolicismo e não adotam a cruz cristã, por a considerarem um símbolo de morte. “O baobá é a vida.” Segundo eles, o Deus cristão está indignado com os seres humanos e é preciso apaziguá-lo, rezando o rosário três vezes ao dia. Mas era preciso pedir misericórdia a Jesus, a Maria e a Nkadiankema. Além disso, era preciso purificar-se, tomando banho de chuva.


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“[...] Não há nenhuma sombra de ideia abolicionista nos textos do Padre Antônio Vieira e, pelo que se sabe,

em nenhum momento pleiteou com D. João IV leis que regularizassem ou diminuíssem a “mercancia diabólica” (termo utilizado pelo próprio Vieira), como fez com a questão da mão de obra indígena, a qual defende com mais constância, veemência e menos contradição.

(Darcy Ribeiro)


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A ICONOGRAFIA DO SUPLÍCIO EXTREMO Em algumas velhas fotos de negros escravos fujões, que podem ser vistas em museus nacionais da escravidão, entre os da África e os do Brasil, são visíveis no rosto de cada um as cicatrizes do ferro quente no corpo e no rosto, como castigo e como marca. Gilberto Freyre retrata no seu famoso livro O ESCRAVO NOS ANÚNCIOS DE JORNAIS BRASILEIROS DO SÉCULO XIX, como essa “mercadoria” era vista por seus senhores, mais como um animal, semelhante a uma vaca, um boi, uma porção de porcos. “Alguns anúncios de escravos fugidos parecem colocar os fujões na categoria de simples animais de trabalho. Trocavam-se animais e coisas por escravos: cabras-bichos por cabras-pessoas, canoas por negras, cavalos por molecões.” Já em sua tese de mestrado, apresentada em 1922, nos Estados Unidos, Gilberto Freyre afirmava: “Na verdade, a escravidão no Brasil agrário-patriarcal pouco teve de cruel. O escravo brasileiro levava, nos meados do século XIX, quase vida de anjo, se compararmos sua sorte com a dos operários ingleses, ou mesmo com a dos operários do continente europeu, dos mesmos meados do século passado”. Abordagem mais ampla e com caráter definidor da famosa tese de Freyre será vista no excelente ensaio “Escravidão ‘suave’ no Brasil: Gilberto Freyre tinha razão?”, de Flávio Rabelo Versiani, do Departamento de Economia, Universidade de Brasília.


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BAOBÁ – A ÁRVORE DO ESQUECIMENTO

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determinação, no percurso pelo mar, era tirar dos seres aprisionados, homens e mulheres de todas as idades, todo e qualquer sentimento de ESPERANÇA, a qual deveria ser extinta, naquelas horas de total flagelação e abandono. Os velhos e arraigados costumes tribais, além das suas crenças religiosas, teriam de ser extintos, esquecidos. Os alimentos e a água eram embarcados em quantidades mínimas. O espaço útil se destinava a atulhar escravos. Um copo de água a cada três dias, no entender de alguns capitães, era suficiente para manter vivo, por meses, um negro escravizado dentro de um navio.

A palmatória e as chicotadas deixavam as costas e as nádegas dos negros em carne viva. Por sobre as feridas, colocavam montes de sal para prolongar a dor por dias. Assim, não esqueciam o castigo recebido. Esse era o “primeiro aviso” do que estava reservado para essa gente em terras pernambucanas. O método fazia parte do jeito peculiar de conduzir um comércio altamente rendoso, disputado e lucrativo, porque dele dependia o destino econômico da Nação. Para que se tenha ideia da força do mercado escravo-mercantilista de Pernambuco, uma pesquisa citada por Emília Viotti da Costa no seu famoso Da Senzala à Colônia diz que, em 1823, enquanto Minas e Rio de Janeiro contabilizavam 215 mil escravos, Bahia e Pernambuco possuíam 237.458 seres escravizados, a maioria, na mais humilhante condição humana e obrigados ao trabalho forçado em geral de 15 horas por dia. Sabemos quanto são precárias essas pesquisas, mas estávamos, em Pernambuco, na lista dos maiores empreendedores do tráfico interno, comprando e exportando homens e mulheres escravizados vindos do continente africano. O litoral de Angola e o do Golfo da Guiné foram os principais fornecedores desses escravos, de início comboiados às toneladas pelos portugueses e mais tarde pelos espanhóis, holandeses, ingleses e franceses. A estimativa do


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EM GRANDE PARTE do continente africano, diz-se que por intermédio do baobá a vida pode ser recriada, pois dele são extraídos água, comida, moradia e remédio. Por isso, a robusta árvore é considerada sagrada, à qual os grandes chefes e sábios recorriam em busca de conselhos e tomadas de decisão. O tronco do baobá pode chegar a dimensões tão grandes que nele podem se construir até moradias. Há numerosos exemplos dessa tradição nas savanas africanas.

número de africanos introduzidos em nosso país durante esse período, superior a três séculos, é muito difícil. Tradicionalmente, aceita-se a cifra, meramente hipotética, de 3,3 milhões negros aventada pelo escritor e acadêmico da ABL Roberto Simonsen, na sua História Econômica do Brasil. Segundo gravuras da época, existentes na coleção do INSTITUTO RICARDO BRENNAND (Recife), o local onde foi instalada a primeira Sinagoga dos Judeus, na Rua do Bom Jesus, ficava cheio de homens negros sentados no chão, colocados à venda, era uma enorme vitrine a céu aberto do tráfico negreiro. Vendiam-se e trocavam-se negros até por animais usados no corte de cana. Há uma versão histórica segundo a qual os escravos eram proibidos, sob o efeito da chibata, na hora da negociação, de olharem para o rosto de seus futuros donos e legítimos proprietários. “Era ali que começava o olhar de quem odeia”. Era o temor do traficante na hora decisiva dos seus negócios. O comprador podia, sim, examinar como quisesse a sua mercadoria. O conto EMBRIAGUÊZ DOS ULATES trata de um campeão de Ulster, Triocastal, cujo simples olhar é o suficiente para matar um guerreiro. Mas há um paradoxo nisso: O olhar dirigido lentamente de baixo para cima é um signo ritual de bênção, ainda hoje, nas tradições da África negra. O olhar do escravo, se depender dele, mata, fulmina. O olhar do negro que via, num só lance comercial, a separação para sempre dos filhos e das filhas trazidas com ele de longe, porque a lei do negócio era não juntar jamais, numa só senzala, escravos da mesma família. E os filhos desses, ainda em fase do leito materno, eram levados para serem criados por outras amas também escravas. Eis um tema ainda não devidamente visto por nossos grandes autores, seja na Literatura, na Pintura, na Poesia, no Teatro, no Cinema: a grande dor da separação dos negros escravizados.

“Quando uma árvore é cortada ela renasce em outro lugar.” “Quando eu morrer quero ir para esse lugar. Quem disse isso foi Tom Jobim, que sabia compor músicas ao som dos ventos sobre as folhas do seu jardim. A todos que, por maldade ou por triste desinformação, foram levados a destruir alguns dos nossos mais antigos baobás, diremos então: Mesmo que tenham levado ao abandono e queimado as suas raízes, aqueles exemplares centenários e históricos, fiquem certos de que, sendo o baobá a Árvore da Vida (tamanha a sua força no reino das transcendências arbóreas), ele tomará uma forma na Natureza vegetal talvez não percebida pelo olhos finitos das pessoas. Nada destruirá sequer as entranhas de sua existência e origem.” (Antônio Campos – EcoFliporto 2011)


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Foi durante um passeio em 1881 que Nietzsche refletiu sobre os sentidos das vivências em alternâncias que se ”repetem”. Embora em várias de suas obras sejm encontradas pistas do que seria o Eterno Retorno, é na sua obra A Gaia Ciência (1882), um dos mais belos livros antes de Nietzsche sofrer das baixas de sua saúde, que ele nos brinda com a idéia mais nítida do que seria esse conceito: a LEI DO ETERNO RETORNO. Antes dele, um velho griot viandante do Senegal teria dito: Toda energia tem de ser devolvida. “As árvores como seres vivos no reino arbóreo vegetal foram criadas com uma destinação no Universo e não fogem desse desígnio divino”. Muitos têm assistido em todos os lugares, lacrimosos, à destruição de árvores centenárias. Entre as quais, velhos baobás plantados por negros afrodescendentes. Sabe-se que muitos caminhos têm suas estradas e lugares assinalados com as cinzas das árvores que não deveriam ter sido sacrificadas.


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BAOBÁ: “O PÃO DOS MACACOS”

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m 1749, quando o pesquisador francês Michel Adanson voltava de uma viagem ao Senegal, elaborou desenhos e descreveu a tal árvore incomum: “Chamou-me a atenção uma árvore cujo tamanho era incrível. Era uma árvore que tinha frutos com formatos de abóboras, de nome ‘pão de macaco’, ao qual os Wolots diziam ‘goui’ no idioma deles. Provavelmente, a árvore mais útil em toda a África. A árvore universal para os nativos”. A partir disso, pesquisadores creditaram a Michel Adanson o nome científico do baobá, chamando-o Adansonia digitata. A Ilha Gorèe, hoje Patrimônio Histórico da Humanidade, tombada pela Unesco, é um misto de magia e de tragédia. Essa ilha, de arquitetura colonial, jamais seria esquecida pelos escravos negros trazidos para Pernambuco entre os séculos XV e XIX e transformada num local de horror, castigo e humilhações as mais cruéis, pois era dali que aportavam milhões de nativos feitos escravos para a “triagem”. Uma visita ao Museu Casa dos Escravos mostra cenas de arrepiar, na pintura de artistas locais contemporâneos, além de documentos históricos. Figuramos entre os maiores centros mundiais de compra e tráfico de escravos negros. De Gorèe, teriam vindo as primeiras sementes de baobás para Porto de Galinhas. O BAOBÁ –, que trazia a semente do seu último desejo: A ESPERANÇA!


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PERNAMBUCO: UM GRANDE MERCADO DO TRテ:ICO NEGRO


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EM ALGUMAS CERIMÔNIAS religiosas de tribos nômades da Nigéria, em torno do baobá, os participantes as praticam sem vestes. Ficam nus. Formam os círculos de cantos e magias perto da árvore, visando à canalização de força. Por não usarem roupas em algumas cerimônias e por desenvolverem rituais ligados à fecundidade da natureza, foram acusados de praticar rituais libidinosos, quando, na realidade, se trata de rituais sagrados. Eles ainda hoje dão à árvore o poder mágico da cura de seus males físicos e espirituais.

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ernambuco, desde então, estava a caminho de se tornar o segundo berço mundial do baobá. Para essa gente que veio de longe para nunca mais voltar às suas origens, a árvore sagrada – pelo somatório de suas lendas e mitos – era para todos o símbolo máximo da ESPERANÇA. O último elo e a mais tênue linha de ligação material que eles tinham com seus lugares de origem. Essa imensa dor do homem preso ao ferro dos navios provocou inúmeros suicídios; e a luta pela sobrevivência na condição de escravos em situação de completa miserabilidade levou à morte milhares de homens, mulheres e crianças. O resultado se inscreve em números arrasadores. A quantidade de mortos nas senzalas e nos campos de trabalho forçado dificilmente poderá ser calculado com precisão. Um aspecto ainda não devidamente estudado, no período da escravidão negra em Pernambuco, é o que diz respeito aos suicídios ocorridos nas senzalas. Há uma tese de doutorado, na UFPE, no campo da História, de autoria de Ezequiel David do Amaral Canário, que aborda o tema. O desejo do escravo de retornar à sua terra natal e ao seio de seus amigos e familiares, na África, as consequências da fuga do cativeiro, o medo de castigos severos, entre outras questões, eram as grandes causas motivadoras. Segundo afirma Ezequiel, “suicídios em momentos de fuga, para evitar a venda a outro senhor, temor de castigos ‘imoderados’, o chamado banzo e mesmo aquilo que era apresentado como alienação, levam-nos a refletir sobre o processo de desgaste físico e emocional que sofreram vários indivíduos submetidos à escravidão”. O PESQUISADOR Ezequiel David Amaral, baseado na observação atenta de notícias veiculadas na imprensa recifense, em textos literários e registros policiais, datados da segunda metade do século XIX, oferece-nos importante estudo sobre “suicídios de escravos” no Recife. Segundo o autor, que recebeu orientação da professora do Departamento de História da UFPE Christine Dabat, “na medida em que a escravidão era, pelo menos no plano da retórica, questiona-


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! OS SACERDOTES TRIBAIS da África Negra Rural entendem ainda hoje que a terra comporta-se como um autêntico ser vivo, que a energia do baobá flui tal como nos meridianos de acupuntura de uma pessoa. Eles sabem como utilizar meios de controlar essa energia em beneficio da vida, das colheitas e da saúde.

da e vista com um elemento de atraso, o suicídio entre escravo ganhava novos sentidos, tornava-se uma prova dos efeitos degeneradores da escravidão na sociedade recifense”. A poucos quilômetros dessa capital, no mesmo século, a cidade de Santo Antão, hoje Vitória de Santo Antão, possuía a fama de ter entre os seus moradores, um número talvez recordista de escravos negros trazidos da África. Segundo dados coletados pelo historiador vitoriense José Aragão Bezerra Cavalcanti, em estatística levantada no volume I de sua obra HISTÓRIA DA VITÓRIA DE SANTO ANTÃO, a cidade possuía nessa época cerca de 4,4 mil escravos negros trazidos da África. Os mais de 150 engenhos de açúcar, quase todos, tinham suas plantações e cortes de cana, quentíssimas caldeiras, engenhos de moagem e tanques de agitação, tudo movida com mão de obra escrava. Mas um fato ainda hoje lembrado por velhos moradores do engenho Pagão, deles ouvindo-se histórias ou lendas herdadas de seus avós e primitivos moradores do lugar, diz respeito ao suicídio que houve ali de um casal de escravos negros “faltosos” reincidentes e rebeldes. Depois de terem passado pelas mais humilhantes torturas de que se tem notícia no meio rural escravocrata da Zona da Mata, incluindo açoites no tronco de madeira (dizem esses moradores), depois de terem sido marcados – ele no rosto, ela no peito esquerdo – com o ferro ainda em chamas, tirado da brasa acesa, fizeram juntos um pacto de liberdade e de uma nova vida muito longe dali. Foram ao pé de um baobá que haviam plantado, único existente no engenho, e cometeram o suicídio. Viram naquele gesto um modo de se livrar dos castigos impostos pelo senhor de engenho. Um cordelista vitoriense muito famoso no seu tempo, hoje esquecido, Severino Milanez, chamaria esse engenho, num folheto impresso na Gráfica J. de Deus, de BASTILHA NEGRA. Recife e Olinda foram transformados em um mercado nacionalmente conhecido como distribuidor de escravos para várias regiões do país. Angola, então, na dependência direta da capitania de Pernambuco, passou a enviar escravos exclusivamente para esse mercado. Tal prática foi favorecida pela proximidade das costas, permanecendo o Recife e Olinda, durante muito tempo, como principal sítio receptor e distribuidor de escravos para as demais regiões do país.

“O europeu saltava em terra escorregando em índia nua; os próprios padres da Companhia precisavam

descer com cuidado, senão atolavam o pé em carne. Muitos clérigos, dos outros, deixaram-se contaminar pela devassidão. As mulheres eram as primeiras a se entregarem aos brancos, as mais ardentes indo esfregar-se nas pernas desses que supunham deuses. Davam-se ao europeu por um pente ou um caco de espelho.

(Gilberto Freyre)


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OS ESCRAVOS NA VOZ DO GÊNIO DA POESIA BRASILEIRA: CASTRO ALVES

“[...] Era um sonho dantesco... o tombadilho

Presa nos elos de uma só cadeia,

Que das luzernas avermelha o brilho.

A multidão faminta cambaleia,

Em sangue a se banhar.

E chora e dança ali!

Tinir de ferros... estalar de açoite...

Um de raiva delira, outro enlouquece,

Legiões de homens negros como a noite,

Outro, que martírios embrutece,

Horrendos a dançar...

Cantando, geme e ri!

Negras mulheres, suspendendo às tetas

No entanto o capitão manda a manobra,

Magras crianças, cujas bocas pretas

E após fitando o céu que se desdobra,

Rega o sangue das mães:

Tão puro sobre o mar,

Outras moças, mas nuas e espantadas,

Diz do fumo entre os densos nevoeiros:

No turbilhão de espectros arrastadas,

“Vibrai rijo o chicote, marinheiros!

Em ânsia e mágoa vãs!

Fazei-os mais dançar!...”

E ri-se a orquestra irônica, estridente...

E ri-se a orquestra irônica, estridente. . .

E da ronda fantástica a serpente

E da ronda fantástica a serpente

Faz doudas espirais ...

Faz doudas espirais...

Se o velho arqueja, se no chão resvala,

Qual um sonho dantesco as sombras voam!...

Ouvem-se gritos... o chicote estala.

Gritos, ais, maldições, preces ressoam!

E voam mais e mais...

E ri-se Satanás!...


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V Senhor Deus dos desgraçados!

São mulheres desgraçadas,

Dizei-me vós, Senhor Deus!

Como Agar o foi também.

Se é loucura... se é verdade

Que sedentas, alquebradas,

Tanto horror perante os céus?!

De longe... bem longe vêm...

Ó mar, por que não apagas

Trazendo com tíbios passos,

Co’a esponja de tuas vagas

Filhos e algemas nos braços,

De teu manto este borrão?...

N’alma – lágrimas e fel...

Astros! Noites! Tempestades!

Como Agar sofrendo tanto,

Rolai das imensidades!

Que nem o leite de pranto

Varrei os mares, tufão!

Têm que dar para Ismael.

Quem são estes desgraçados

Lá nas areias infindas,

Que não encontram em vós

Das palmeiras no país,

Mais que o rir calmo da turba

Nasceram crianças lindas,

Que excita a fúria do algoz?

Viveram moças gentis...

Quem são? Se a estrela se cala,

Passa um dia a caravana,

Se a vaga à pressa resvala

Quando a virgem na cabana

Como um cúmplice fugaz,

Cisma da noite nos véus ...

Perante a noite confusa...

... Adeus, ó choça do monte,

Dize-o tu, severa Musa,

... Adeus, palmeiras da fonte!...

Musa libérrima, audaz!...

... Adeus, amores... adeus!...

São os filhos do deserto,

Depois, o areal extenso...

Onde a terra esposa a luz.

Depois, o oceano de pó.

Onde vive em campo aberto

Depois no horizonte imenso

A tribo dos homens nus...

Desertos... desertos só...

São os guerreiros ousados

E a fome, o cansaço, a sede...

Que com os tigres mosqueados

Ai! Quanto infeliz que cede,

Combatem na solidão.

E cai p’ra não mais s’erguer!...

Ontem simples, fortes, bravos.

Vaga um lugar na cadeia,

Hoje míseros escravos,

Mas o chacal sobre a areia

Sem luz, sem ar, sem razão. . .

Acha um corpo que roer.


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Ontem a Serra Leoa,

Senhor Deus dos desgraçados!

A guerra, a caça ao leão,

Dizei-me vós, Senhor Deus,

O sono dormido à toa

Se eu deliro... ou se é verdade

Sob as tendas d’amplidão!

Tanto horror perante os céus?!...

Hoje... o porão negro, fundo,

Ó mar, por que não apagas

Infecto, apertado, imundo,

Co’a esponja de tuas vagas

Tendo a peste por jaguar...

Do teu manto este borrão?

E o sono sempre cortado

Astros! Noites! Tempestades!

Pelo arranco de um finado,

Rolai das imensidades!

E o baque de um corpo ao mar...

Varrei os mares, tufão! ...

Ontem plena liberdade,

VI

A vontade por poder...

Existe um povo que a bandeira empresta

Hoje... cúm’lo de maldade,

P’ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...

Nem são livres p’ra morrer. .

E deixa-a transformar-se nessa festa

Prende-os a mesma corrente

Em manto impuro de bacante fria!...

– Férrea, lúgubre serpente –

Meu Deus! Meu Deus! Mas que bandeira é esta,

Nas roscas da escravidão.

Que impudente na gávea tripudia?

E assim zombando da morte,

Silêncio. Musa... chora, e chora tanto

Dança a lúgubre coorte

Que o pavilhão se lave no teu pranto! ... [...]”

Ao som do açoute... Irrisão!... “O Navio Negreiro”


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DENOMINAÇÕES CIENTÍFICAS MAIS CONHECIDAS DO BAOBÁ

Adansonia digitata – Baobab africano (Norte-Este, Oeste, Centro e Sul da África) Adansonia grandidieri – Baobab grandidier (Madagascar) Adansonia gregorii (sin. A. gibbosa) – Boab ou baobab australiano (Noroeste de Austrália) Adansonia madagascariensis – Baobab de Madagascar (Madagascar) Adansonia perrieri – Baobab de Perrier (Norte de Madagascar) Adansonia rubrostipa (sin. A. fony) – Baobab de Fony (Madagascar) Adansonia suarezensis – Baobab de Suarez (Diego Suarez, Madagascar) Adansonia za – Za Baobab (Madagascar)


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BAOBÁ: ALGUMAS DEFINIÇÕES POPULARES NA ÁFRICA E NO BRASIL, COM DESTAQUE PARA PERNAMBUCO

É conhecida como árvore do rato morto (devido à forma como os frutos aparecem). Árvore do macaco-pão (o fruto faz lembrar a pele do macaco e quando seco faz lembrar farinha de pão). Árvore de creme tártaro. Em francês, é conhecida como arbre de mille ans (árvore dos mil anos). Na Guiné-Bissau, o baobá é muito apreciado, é mais conhecido como Árvore de Cabaceira. Em suaíli (idioma banto), como Mbuyu, Mkuu hapingwa, Mkuu hafungwa e Muuyu. É conhecida por Momret na língua Tigrigna da Etiópia, onde surge privilegiadamente nas áreas de várzea úmida e com solos bem drenados, como o vale do rio Tekezé. É conhecido por Kuka pelos povos de língua Hauçá da África Ocidental. No Sudão, a árvore é chamado de Tabaldi e o seu fruto é chamado de Gongu laze. Na Nigéria, é uma árvore muito popular nas savanas do norte e suas folhas são utilizadas para preparar a sopa local chamado de Miyan kuka.


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Outras denominações para o baobá: “Árvore garrafa” Assim nomeado, em razão da capacidade de armazenar até 120 mil litros de água em seu caule gigante.

“Árvore de cabeça para baixo” Porque seus ramos esparsos assemelham-se a raízes.

Em toda a África, a Adansonia digitata é conhecida como “ÁRVORE DA VIDA” Na província de Limpopo, ao norte da África do Sul, existe um exemplar único de baobab, famoso internacionalmente por ser o maior do mundo entre os de sua espécie. Chegou a ser capa do Wall Street Journal. No Recife, é conhecida como “barriguda”. Meninos de cor preta nas fazendas rurais pernambucanas de Araripina, Serra Talhada, Limoeiro, São José do Belmonte ficam o ano todo à espera das sementes brancas do baobá, para delas fazerem seus deliciosos sucos. Para eles, não é difícil subir num pé de baobá.


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BAOBÁS QUE ESTÃO SE PERPETUANDO, PELA LONGEVIDADE, NA PAISAGEM URBANA E RURAL DE PERNBAMBUCO

D

os cerca de 150 baobás documentados pelo Instituto Maximiano Campos/EcoFliporto, que serão vistos com suas localizações detalhadas no site www.pernambucojardimdebaobas.com.br, destacamos os mais belos e tradicionais exemplares.


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1. PRAÇA DA REPÚBLICA RECIFE


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2. ENGENHO POÇO COMPRIDO VICÊNCIA


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3. ENGENHO ARIPIBU RIBEIRテグ


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4. SÍTIO CAPIVARINHA SANHARÓ


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Assentamento Chico Buarque de Holanda

Quando eu morrer, que me enterrem na beira do chapadão – contente com minha terra cansado de tanta guerra crescido de coração Tôo (apud Guimarães Rosa) Zanza daqui Zanza pra acolá Fim de feira, periferia afora A cidade não mora mais em mim Francisco, Serafim Vamos embora

Ver o capim Ver o baobá Vamos ver a campina quando flora A piracema, rios contravim Binho, Bel, Bia, Quim Vamos embora Quando eu morrer Cansado de guerra Morro de bem Com a minha terra: Cana, caqui Inhame, abóbora Onde só vento se semeava outrora Amplidão, nação, sertão sem fim Ó Manuel, Miguilim Vamos embora


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5. ESTRADA VELHA DO BONGI RECIFE


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6. ESTAÇÃO EXPERIMENTAL IPA SERRA TALHADA


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7. ESTAÇÃO EXPERIMENTAL IPA ARARIPINA


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8. ESTAÇÃO EXPERIMENTAL IPA ARCOVERDE


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UM POEMA DE MIA COUTO cego de ser raiz imóvel de me ascender caule múltiplo de ser folha aprendo a ser árvore enquanto iludo a morte na folha tombada do tempo


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9. RANCHO BAOBÁ GRAVATÁ


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10. RECANTO DAS ANDORINHAS ALDEIA/CAMARAGIBE


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11. PRAÇA CHORA MENINO RECIFE


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12. JARDIM DA ANTIGA Fテ。RICA RONDOM CABO DE SANTO AGOSTINHO


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13. JARDIM DO VIADUTO JOANA BEZERRA RECIFE


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14. FAZENDA GAMELEIRA

PORTO DE GALINHAS/IPOJUCA


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15. SÍTIO SANTA CRUZ

SÃO JOSÉ DO BELMONTE


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16. JARDIM DA OFICINA F. BRENNAND RECIFE


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17. PRAÇA DA VÁRZEA RECIFE


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18. UNIVERSIDADE RURAL

FEDERAL DE PERNAMBUCO

RECIFE


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19. PRAÇA FARIAS NEVES RECIFE


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20. PRAÇA DO MERCADO DA ENCRUZILHADA RECIFE


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21. BAIRRO DE CASA FORTE RECIFE


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22. RUA PONTE D’UCHOA RECIFE


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23. CASA DAS RELIGIOSAS FOCOLARI IGARASSU


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24. MUSEU DA ABOLIÇÃO RECIFE


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25. DISTRITO DE NOSSA SENHORA DO Ó IPOJUCA


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OLHO AS MINHAS MÃOS Mário Quintana “A que mundo Pertenço? No mundo há pedras, baobás, panteras, Águas cantarolantes, o vento ventando E no alto as nuvens improvisando sem cessar, Mas nada, disso tudo, diz: “existo”. Porque apenas existem...”


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26. ENGENHO MASSANGANA CABO


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27. CAXANGÁ GOLF CLUB RECIFE


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28. AV. BEIRA RIO TORRE/RECIFE


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29. LAGOA DO ARAÇÁ RECIFE


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30. FACULDADE DE DIREITO – UFPE RECIFE


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31. JARDIM DA SUDENE RECIFE


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32. PRAÇA DO BOM SUCESSO OLINDA


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33. SEMENTEIRA DA PREFEITURA RIO DOCE/OLINDA


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34. HOTEL ARMAÇÃO

PORTO DE GALINHAS/IPOJUCA


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35. PRAÇA DA BANDEIRA CARPINA


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36. FAZENDA ESPINHO PRETO LIMOEIRO


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37. ESTACÃO EXPERIMENTAL IPA ITAMBÉ


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38. ENGENHO CRIMEIA BUENOS AIRES


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ORAÇÃO DO BAOBÁ

D Obrigado, Senhor pela lição que o baobá nos dá de um tempo histórico de Resistência, Amor à Liberdade e de repúdio a todas as formas de escravidão e de humilhante servidão.

epois de um longo percurso que fizemos, do litoral ao sertão mais distante de Pernambuco, para mapear e fotografar os nossos baobás, ao todo cerca de 150, durante os dois anos que antecederam a publicação deste e-Book, tivemos a tristeza de encontrar, na cidade de Exu, as cinzas ainda no chão de um exemplar que, segundo nos disseram, estava prestes, antes do seu abate, de completar o ciclo inicial da sua juventude: Um século de existência. Mas, as pessoas do lugar não deixaram isso acontecer... Fomos levados à casa de um ancião morador da cidade, ele ainda entristecido pelo que fizeram com a Árvore da Vida, numa noite de festejos juninos, e nos deu uma cópia desta ORAÇÃO DO BAOBÁ, retirada de um velho baú da família: Obrigado, Senhor, por nos ter concedido o dom da Vida e o Milagre do olhar e sentir as belezas do firmamento. Assim, também se ascende à Divindade pela Natureza. Tudo de Deus (o Senhor dos Rochedos) está em todas as coisas. Obrigado, Senhor, por nos ter dado como morada este Planeta. Obrigado, Senhor, por nos ter permitido a companhia de outras formas de vida, que se apresentam em milhões de espécies, sendo uma das mais belas o BAOBÁ. Obrigado, Senhor pelo baobá que mata nossa sede durante os dias secos do longo verão. Obrigado, Senhor pelo que tiramos das suas folhas e dos seus galhos para a cura dos nossos males do corpo. Obrigado, Senhor pela sombra que o baobá nos dá nos dias quentes do verão. Obrigado, Senhor pela lição que o baobá nos dá de um tempo histórico de Resistência, Amor à Liberdade e de repúdio a todas as formas de escravidão e de humilhante servidão. Obrigado, Senhor por esta Árvore inaugural da Natureza arbórea. Que venham para mim e todos de minha casa, como Sopro Divino, humilde Lhe peço, os


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bons ventos que sopram seus galhos e suas folhas. Não por mim, somente, e pelos meus, mas por outros que não sabem ainda dessa Árvore a sua grandeza. Obrigado, Senhor pelo baobá que me deste. E então com alguma sorte, ao pé dessa Árvore Sagrada, orarei por não ter morte injusta, mas vida e alegria nesta terrena permanência.


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AO BAOBÁ SÓ SE CHEGA COM O CORAÇÃO

D

epois da África, só nas terras pernambucanas o baobá seria predestinado pelos deuses africanos a ter o seu segundo berço. Não se chega ao baobá apenas como paisagista ou jardineiro. Ao baobá só se chega pelo coração. A terra pernambucana se abriria inteiramente, como nenhuma outra fora da África, às sementes do baobá. Outra árvore, também de forte apelo religioso, é a gameleira, chamada de iroko. Suas folhas são utilizadas no preparo de água sagrada nos rituais da cultura afro-brasileira. Ambas são vistas, pelos afrodescendentes, como um elemento de conexão entre as multiplicidades dos mundos. Iròkò é uma das espécies vegetais mais imponentes da terra yorubá. Iròkò é um Orixá muito cultuado no Brasil. Vive nas suntuosas árvores dos terreiros de candomblé e também nas matas. Representa a ancestralidade, nossos antepassados, pais, avós, bisavós, tataravós. Representa também o seio da Natureza, morada dos orixás. Desrespeitar Iròkò é desrespeitar sua dinastia, seus avós, seu sangue.


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BREVE PERFIL DOS ORGANIZADORES

Antônio Campos, pernambucano do Recife, é poeta, escritor,

Marcus Prado é jornalista profissional e fotógrafo, coautor do li-

advogado, editor e empresário. Sócio titular da Campos Advogados empresa associada à Noronha Advogados, com atuação em diversos países. Presidente do Instituto Maximiano Campos e da Carpe Diem Edições e Produções. Curador da Festa Literária Internacional de Pernambuco (Fliporto). Membro da Academia Pernambucana de Letras (APL), da Academia de Artes e Letras de Pernambuco (AALP), Membro e Sócio Benemérito da UBE-PE; entre outras importantes organizações literárias. Campos é ainda articulista do Jornal do Brasil (RJ) e da Folha de Pernambuco, além de colaborar para demais jornais pernambucanos. Algumas de suas publicações: Mensagens (2002); Pense S.A. (2002); O grande portal (2003); Direito eleitoral – Eleições 2004 (2004); A arte de advogar (2004); Viver é resistir (2005); Pernambuco, terra da poesia, coletânea organizada em parceria com Cláudia Cordeiro (2005; 2010, 2. ed.); Território da palavra (2006); Panorâmica do conto em Pernambuco, coletânea organizada em parceria com Cyl Gallindo (2007; 2010, 2. ed.); Portal de sonhos, poesias (2008); [Em]Canto – A voz do poema – leitura de Antônio Campos, poesia CD (s.d.); Diálogos culturais no mundo pós-moderno, palestra realizada em Estocolmo, março, 2010, (2010); Clarice Lispector – uma geografia fundadora, palestra proferida na APL, quando da comemoração do Dia Internacional da Mulher, 25 de março de 2010 (2010); A reinvenção do livro, conferência proferida na UBE-PE, em comemoração ao Dia Internacional do Livro, 23 de abril de 2010 (2010); Diálogos contemporâneos (2010); Cronistas de Pernambuco, coletânea organizada em parceria com Luiz Carlos Monteiro (2010); Construtor de sonhos (2011), acesse o e-Book; Diálogos entre Ocidentes e Orientes (2011), acesse o e-Book.

vro Flores tropicais, edição bilíngue (Embrapa/Brasília), finalista do Prêmio Jabuti/Fotografia-1997. Integra o Conselho Estadual de Cultura de Pernambuco. Ex-colunista e editor de Literatura do Diario de Pernambuco. Diretor da empresa Rubrovëio – Assessoria de Imprensa & Marketing Ltda. Produziu, em parceria com o escritor Antônio Campos, o livro digital Pernambuco, jardim de baobás. Ainda no campo da Fotografia, fundou a revista Flores de Pernambuco. É autor de um ensaio fotográfico, Olinda secreta e Três ciiidades (1.800 imagens) sobre o Recife e Olinda, e a terceira uma cidade imaginária concebida com base no cotidiano poético da cidade-capital do estado e da Cidade Patrimônio Mundial da Humanidade. Como fotógrafo, conseguiu reunir um acervo na ordem de 180 mil peças sobre temas do cotidiano humano, de arquitetura histórica, patrimônio histórico e Natureza. Tem realizado exposições individuais no Brasil e no Exterior. Com a temática Flores do Brasil, realizou mostras na Universidade Blaise Pascal (França), na Galeria Consigo (São Paulo), na Fundação Joaquim Nabuco, no Museu de Arte Contemporânea de Pernambuco (Olinda), na Galeria Arte Plural (exibição de DVD). Em todas destacou a obra paisagística genial de Roberto Burle Marx, sobre quem produziu o livro digital Burle Marx, o poeta dos jardins (Editora Carpe Diem). Está atualmente produzindo, em parceria com Antônio Campos, o e-Book e um curta-metragem intitulado Mario Shenberg, um homem que ouvia estrelas, antecipando-se às comemorações do centenário do cientista pernambucano, em 2014. Pelos seus trabalhos no campo da Cultura, recebeu condecorações e comendas nacionais e estrangeiras, uma das quais, do presidente Mário Soares, de Portugal, a Comenda do Mérito Cultural.

Blog de Antônio Campos: <http://blog.antoniocampos.com.br>


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