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O tripé da Vida Religiosa

É muito importante ter sempre presente aquela realidade que se encontra além dos votos e que constitui o coração da vida religiosa. Esta realidade, que no fundo se identifica com a vida cristã, apresenta três dimensões fundamentais, sendo: o acesso à intimidade com Deus. Também na história da minha Ordem podemos distinguir claramente as três dimensões na vida do fundador. Em primeiro lugar, Camilo teve a experiência de Deus, descoberto como amor e ternura, que o levou à conversão do coração, no caminho de Manfredônia. Restabelecida a comunhão com Deus, Camilo se sentiu reenviado ao homem, a serviço do Reino. Assim o vemos no hospital de São Tiago, vivendo intensamente a primeira e a terceira dimensão: a comunhão com Deus e o serviço aos doentes. Mas não estava plenamente feliz. Sofria enormemente ao ver-se sozinho no serviço de tantos necessitados.

Já encontramos estas três dimensões expressas no Evangelho, quando Jesus chamou os primeiros discípulos para estar com ele e ser enviados a serviço do Reino. Nos Atos dos Apóstolos, os primeiros crentes, desejando imitar a comunidade dos apóstolos que tiveram o privilégio de partilhar a vida com Cristo, decidiram viver juntos a experiência de Deus e da comunhão fraterna. Destas reuniam força e coragem para anunciar o Reino de Deus, presente, graças à ressurreição de Cristo.

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Na vida religiosa da Igreja pós-apostólica, buscou-se, num primeiro momento, viver somente a primeira dimensão. Os anacoretas partiam para o deserto para viverem sozinhos a experiência de Deus. A que desilusão eles foram ao encontro, bem a testemunha Pacômio, que depois de sete anos de mortificação solitária no deserto, viu o seu pretendido autodomínio ruir numa discussão com um coirmão. Perdeu o controle porque um coirmão pensava de modo diferente dele! Depois de anos de ascese, estava ainda na fase da polêmica...

Descoberta a segunda dimensão – a comunhão fraterna – a vida religiosa não tardou a viver de maneira mais empenhada também o serviço ao Reino, que concretamente se traduz em um serviço ao homem, seguindo Jesus que não veio para ser servido pelos outros, mas colocou-se a serviço dos outros para tornar possível a todos

Estava Camilo com esta angústia no coração, percorrendo as enfermarias do hospital nas horas noturnas, quando subitamente, perto da festa da Assunção de 1582, teve uma inspiração – o carisma do Espírito – de não mais trabalhar sozinho, mas junto, em comunhão com um grupo de homens de Deus que tivessem a mesma vocação de servir os doentes por amor. Imediatamente chamou os primeiros cinco que, confortados e animados pelo Crucifixo, juraram viver e trabalhar juntos. Naquele momento nasceu a Ordem camiliana, que depois se desenvolveu e foi aprovada pela Igreja como Congregação e depois como Ordem. Foi quando descobriu e viveu a dimensão comunitária que Camilo se tornou Camiliano.

Lendo a vida manuscrita de Pe. Sanzio Cicatelli, contemporâneo de São Camilo, vemos com quanto cuidado Camilo e os nossos primeiros coirmãos cultivaram as três dimensões: oração, vida comum e serviço aos doentes. Viver estas três dimensões é também conditio sine qua non para ter novas e autênticas vocações. Os jovens de hoje que batem à porta da vida religiosa buscam no fundo uma experiência profunda de Deus, uma comunidade viva de pessoas e um serviço ao homem que mereça a doação da própria vida. Mais urgente que o problema das vocações é formar comunidades que vivam plenamente este tripé.