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GEIV na Pandemia

Em março de 2020, nos deparamos com o surto mundial de COVID-19, causado pela audácia de um coronavírus altamente contagioso. No entanto, nossas aeronaves continuaram como sempre: rasgando os céus do Brasil a zelar pela proteção ao voo. A “aeronave que dá rasantes e intriga moradores” continuou a voar.

Lembro-me do início das quarentenas e das dificuldades em compor tripulações diante dos sintomas que eram os mesmos de uma simples gripe, mas que poderiam representar a ameaça de um vírus mortal. No dia 17 de março de 2020, apresentamos um briefing ao SDOP com a composição de 3 equipes distintas, cada uma com 10 pilotos, entre Pilotos Inspetores e Operacionais.

Inicialmente raciocinamos com a diferenciação entre as equipes (supostamente) operacionais e o pessoal do expediente. Com o prosseguimento das operações pudemos constatar que a veia operacional do Grupo tem um calibre gigante: 70% do efetivo do GEIV é empregado diretamente na operação fora de sede e 100%, de alguma forma, participa da operação (os soldados são chamadores de aeronaves, por exemplo). Logo tivemos que estabelecer a divisão de todo o efetivo em 3 equipes que se revezavam permitindo, assim, um afastamento pós-operação de, pelo menos, 15 dias antes de novo engajamento.

Durante o ano mais crítico, que foi 2020, nenhum auxílio à navegação aérea ou aeroporto brasileiro teve sua operação interrompida pela falta de inspeção em voo do GEIV. A despeito de toda dificuldade de manter-se a operação, da falta de apoio nas localidades (o medo era generalizado), das restrições de deslocamento nas cidades e do próprio receio dos militares (preocupados com os familiares), uma única descontinuidade, de 7 dias, devido a luto, que será explicada à frente, impediu que as aeronaves voassem para cumprir sua missão.

Tivemos que cancelar o programa de treinamento em simuladores realizado anualmente nos Estados Unidos também por causa da ameaça da Pandemia de COVID-19, tendo sido retirados do voo comercial de ida 2 instrutores que já haviam embarcado. A ordem foi não prosseguir, retirar as bagagens e permanecer no Brasil.

Em maio de 2020, o DECEA publicou a matéria “GEIV promove a navegação aérea sustentada” com a foto dos Capitães Teixeira e Brandello utilizando máscaras na cabine do Hawker 800XP, em alusão aos diversos níveis de adaptações a uma rotina de viagens em meio à pandemia. Era preciso antecipar hotéis, que praticamente hospedavam apenas agentes do governo, preocupar-se com o que levar para comer (simplesmente não tinha como comprar comida em algumas cidades), além de coordenar o deslocamento das tripulações em meio a decretos locais de lockdown e isso foi feito até mesmo em outros países, como o Uruguai (agosto de 2020), ocasião em que a tripulação saía do hotel para aeronave e vice-versa, tendo sido a alimentação providenciada pela prefeitura de Montevidéu.

Contudo, a nossa audácia custou a experiência de amargurar a morte de um amigo. Na noite do dia 8 de junho de 2020 (neste dia eu senti tristeza por ser o Comandante do GEIV), o nosso Encarregado de Hangar, função confiada aos Mecânicos de Voo mais experientes, o Primeirão Marcos Aurélio Chaves, se foi. Após lutar durante duas semanas no CTI do Hospital Central da Aeronáutica (HCA), nosso guerreiro, com nome de imperador, não resistiu. Nossas vistas estiveram cabisbaixas e a nossa bandeira ficou a meio mastro durante um bom tempo. Foram 7 dias de luto, período no qual o GEIV não voou.

O nome do Sgt Chaves ficará eternizado no Hangar do GEIV como aquele que criou nosso grito de guerra: “Voar com precisão, Inspeção é a Missão. GEIV, Brasil!”

Um protocolo de contenção elaborado pela DIRSA passou a nortear nossas ações. Um diagrama muito bem elaborado continha uma orientação quanto ao fluxo de investigação de contato com alguém cujo caso tivesse sido confirmado, chegando ao detalhe do nível de ventilação do ambiente eventualmente compartilhado, inclusive viaturas.

Contamos também com uma valorosa ajuda do Hospital Central da Aeronáutica, na pessoa da então CL Carla Lyrio, a Diretora, tendo o GEIV sido a primeira OM da FAB a testar todo o seu efetivo, em julho de 2020, antes mesmo dos próprios militares do HCA, um reconhecimento ao esforço do GEIV em manter os auxílios à navegação aérea operacionais em meio ao cenário pandêmico.

Mantivemos também acesa a chama do saber. O principal curso de formação, CNS-103 (Curso Avançado de Inspeção em Voo), realizado no ICEA, em São José dos Campos, após inúmeros despachos e replanejamentos, teve autorização para prosseguir sem alterações na grade, com o cumprimento de severos protocolos de distanciamento entre alunos e professores, mobilizando também a estrutura de saúde e testagem do CTA.

Finalmente, em novembro de 2020, uma turma de pilotos de Hawker 800xp viajou aos Estados Unidos com a finalidade de realizar treinamento de simulador de voo, tendo sido a missão autorizada pelas autoridades americanas mesmo em meio à COVID-19. Este foi o marco do retorno do treinamento em simulador. A pandemia nos ensinou muitas coisas. Se de um lado temos a consciência de que trabalhamos pelas nossas famílias, aprendemos pela experiência a valorizar o esforço e o sacrifício da disciplina militar em prol da segurança da Nação Brasileira. Regras são bem-vindas, mas em uma situação de emergência mais vale o treinamento, a coragem, a lealdade, o compromisso coletivo e até mesmo a sorte para o cumprimento da missão com efetividade. Diante de uma situação catastrófica, focar no problema real pode ajudar a não criar mais barreiras do que as que, naturalmente, são impostas pela própria catástrofe. Comportamentos ligados à postura de servir, ao perdão, ao despojo de orgulho e à submissão da vaidade são os ingredientes principais da união realmente capaz de gerar força.