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Enjoy your flight: o inglês aeronáutico nos céus do CRCEA-SE

Os passageiros podem não se dar conta, mas os céus em que voam são, no mínimo, bilíngues

Por THALITA DINIZ de Souza Moraes Segundo Sargento Especialista em Controle de Tráfego Aéreo e NATÁLIA de Castro GUERREIRO Professora de Inglês

Workshop para os Jogos Olímpicos - Rio 2016 no DTCEA-MT e no DTCEA-GW

No âmbito do Centro Regional de Controle do Espaço Aéreo Sudeste (CRCEA-SE), as comunicações entre pilotos e serviços de tráfego aéreo (ATS) podem ocorrer em português ou em inglês, sendo - esta última língua usada sobretudo na interação com os voos internacionais, que correspondem a aproximadamente 12% dos movimentos desta região que é a mais movimentada do País.

Evidentemente, a língua inglesa empregada por pilotos, controladores de tráfego aéreo (ATCO) e operadores de estação aeronáutica (OEA) não é a mesma que se aprende na escola ou nos cursos livres. A bem da verdade, mesmo o português falado na radiotelefonia soaria estranho aos ouvidos dos brasileiros leigos em aviação. Além do conhecimento prévio das situações aeronáuticas, o entendimento das interações piloto x ATS exige o conhecimento do que chamamos de “fraseologia padrão”, uma lista de palavras e sentenças que embutem procedimentos operacionais e são previstas na documentação nacional e internacional. Por exemplo, na fraseologia padrão, cleared for take-off significa mundial e inequivocamente, uma autorização para levantar voo, ao passo que qualquer frase similar com departure não autoriza a decolagem imediata. Se o saudoso Garrincha aqui estivesse, perceberia que, ao contrário de seu técnico, a aviação, sim, combinou as táticas com os russos, bem como com os americanos, asiáticos etc.

É claro que nenhuma lista de frases poderia ser exaustiva e abarcar a infinidade de situações que podem ocorrer na aviação. Por exemplo, embora uma alternância de destino esteja prevista na fraseologia, informar que o motivo de tal mudança é um passageiro sofrendo um derrame ou um infarto já foge à fraseologia. Para esses casos, é necessário que os pilotos, ATCO e OEA recorram às suas habilidades de se expressar e de compreender para além da fraseologia padrão, ainda que tentando manter a concisão e precisão que requerem as comunicações aeronáuticas.

A esse uso linguístico para além da fraseologia padrão, a Organização da Aviação Civil Internacional (OACI) convencionou chamar de plain language ou “língua comum”.

A OACI também estabeleceu um grupo de trabalho (GT) para analisar incidentes e acidentes aeronáuticos em que falhas na proficiência de inglês, a língua internacional da aviação, possam ter sido um fator contribuinte ou determinante. Com base no resultado desses estudos, o GT desenvolveu os requisitos de proficiência linguística (LPRs, na sigla em inglês), que estabeleceu, no Anexo 1 da OACI, que todos os pilotos, ATCO e OEA deverão apresentar um nível de proficiência (NP) mínimo nas línguas em que operam, que seria o nível quatro de proficiência (NP4) em sua escala de seis níveis.

No que tange ao inglês aeronáutico, os ATCO e OEA do Brasil são avaliados pelo EPLIS, o Exame de Proficiência em Inglês Aeronáutico do Sistema de Controle do Espaço Aéreo Brasileiro (SISCEAB), desenvolvido e aplicado pelo Instituto de Controle do Espaço Aéreo (ICEA).

Assim, a elevação dos níveis de proficiência e o uso seguro do inglês

aeronáutico motivaram a criação da, então, Subseção de Idiomas, em meados de 2014, pelos sargentos controladores (Sgt BCT) Daudt e Brenzink, com o apoio do Capitão Alessandro Geronimo Bonani, chefe da Seção de Instrução e Atualização Técnica (SIAT) à época. Com o intuito de prover o estudo recorrente da língua inglesa para o efetivo de controladores de tráfego aéreo da sede, uma das primeiras atividades da seção foi ministrar aulas de inglês semanalmente, utilizando o livro Aviation English da Macmillan, além de monitorar a participação dos controladores do regional em curso contratado pelo Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DECEA) e acompanhar os indicadores de proficiência oferecidos pelo EPLIS.

Em 2015, a Sargento Thalita Diniz, controladora de tráfego aéreo, substituiu o Sargento Daudtt na subseção de Idiomas. Visando à preparação do efetivo do Regional para as operações aéreas durante os Jogos Olímpicos Rio 2016, a equipe organizou o primeiro grupo de trabalho para desenvolvimento de material. Nesse GT, os instrutores de inglês aeronáutico do Regional desenvolveram apostilas, revisando os principais desafios que o controle de espaço aéreo brasileiro poderia viver no ano seguinte. Com o material em mãos, a equipe passou a ministrar as oficinas em sede e nos Destacamentos de Controle do Espaço Aéreo (DTCEA).

Em 2016, houve uma reestruturação na equipe e o Suboficial R1 Spalado, controlador de tráfego aéreo, deu início a duas novas atividades ao longo de um ano: aulas de inglês geral para o efetivo em horário fora do expediente e revisão de fraseologia para o efetivo do DTCEA-SP, como foi requisitado pelo chefe do órgão.

Além dessas atividades, a subseção de Idiomas é responsável por coordenar e aplicar os cursos PAEAT (Programa de Atividades de Ensino e Atualização Técnica) de inglês aeronáutico e fraseologia em inglês no âmbito do Regional. Com a crescente demanda de tarefas nas seções de Inglês Aeronáutico em todo o País, em 2018, o DECEA convocou oficiais temporários, especializados em magistério em inglês, para reforçar as equipes com seu conhecimento didático e linguístico, enquanto os sargentos controladores de tráfego aéreo continuavam a contribuir com seu conhecimento operacional após curso de práticas didáticas no ICEA. Como consequência, a subseção de Idiomas do CRCEA-SE passou a contar com a chefia do Primeiro Tenente Rony Anderson de Lima.

No ano seguinte, a 2S Thalita Diniz, da subseção de Idiomas, e a 2S Stephanie Faria, na época no DTCEA-GL tiveram a ideia de criar um perfil no Instagram para ajudar seus colegas e alunos a reverem o vocabulário de inglês aeronáutico. O nome An Eye on You (AEOY) foi fruto de uma ilustração que a Sargento Stephanie, artista autodidata, fez ainda na escola de formação em alusão à invisibilidade da profissão de controlador de tráfego aéreo: “You may not see us, but you can be sure that we keep an eye on you.” (você pode não nos ver, mas pode ter certeza de que estamos cuidando de você). No decorrer do ano, o projeto foi se expandindo para cobrir todas as categorias avaliadas pela Escala de Níveis de Proficiência da OACI, contando com o apoio da professora Natália

Controladores de Tráfego Aéreo da TWR-SP na instrução de revisão de fraseologia

Workshop de Doutrina Operacional, sob organização do Capitão Geziel, em 2019

Guerreiro, recém-transferida do ICEA.

Em 2019, a 2S Stephanie Faria também foi responsável por criar no DTCEA-GL o Food4Thought, aulas de inglês aeronáutico que acompanhavam um pequeno lanche que instrutora e alunos traziam. Além disso, sob pedido do comandante do DTCEA-AF, ela fez uma análise de necessidades de inglês dessa localidade através da observação do serviço e de entrevistas com os OEA da Rádio Afonsos. A partir disso, ela elaborou um material e conduziu uma oficina de fraseologia e inglês aeronáutico com base nas dificuldades e nas situações específicas da rádio.

Já em São Paulo, a convite do Capitão Geziel, então chefe da Doutrina Operacional, a 2S Thalita Diniz e a professora Natália Guerreiro participaram das duas edições do Workshop de Doutrina Operacional, palestrando sobre a história e a relevância do inglês aeronáutico dentro da segurança operacional do controle de tráfego aéreo. Ainda em 2019, o DECEA escolheu o CRCEA-SE para sediar o GT de reformulação do curso de fraseologia de emergência em inglês, o CTP004, contando com o acompanhamento didático da Tenente Pedagoga Lívia Donnini Carneiro, então chefe da SIAT, e a participação de quatro instrutores do Regional. Por fim, em atenção ao Manual do Comando da Aeronáutica (MCA) 37-225, a subseção de Idiomas solicitou sua promoção ao status de seção, mudança aprovada pelo Regimento Interno (RICA).

Dentre as iniciativas planejadas para 2020, foi formalizado o Food4Thought também para São Paulo, que teve sua aula inaugural em uma hora de jogos de tabuleiro em inglês aeronáutico no Controle de Aproximação (APP-SP) e DTCEAMarte.

Infelizmente, a necessidade de isolamento social, a partir de 16 de março de 2020, suspendeu as iniciativas presenciais planejadas. No entanto, nem a pandemia de COVID-19 esmoreceu a vontade de fazer do CRCEA-SE a referência na capacitação em inglês aeronáutico. Com enorme apoio do então comandante, Coronel Aviador Chrystian Alex Scherk Ciccacio, a equipe da seção de Idiomas mergulhou no ensino a distância e remoto, aprendendo e inovando com o processo.

Assim, em 2020, a equipe aumentou a frequência das postagens no Instagram @ an.eye.on.you, criou o site bit.ly/ aneyeonyou para aqueles que não tinham acesso à rede social poderem acompanhar o conteúdo e, a pedido dos comandantes dos DTCEA, elaborou verificações mensais para poder haver um acompanhamento dos indicadores de aprendizagem. Na segunda metade do ano, ainda foi desenvolvida uma identidade visual do AEOY, dando início às lives, entrevistas ao vivo no Instagram, para as quais foram convidados diversos profissionais da aviação do Brasil e do mundo, como Michael McCormick, gerente do ACC Nova York durante o 11 de setembro, e Capitão Jacqueline Pulido, piloto mexicana a quem o livro Latinas in Aviation dedicou um capítulo por seu pioneirismo.

Além disso, sob sugestão do Coronel Ciccacio e, em parceria com a Seção de Investigação e Prevenção de Acidentes/Incidentes (SIPACEA) e o Centro de Operações (COP), começou a série “Phraseology Refresher” no Instagram, para retomar pontos de fraseologia aeronáutica em inglês, hoje sob responsabilidade de Thiago Silva, do DTCEA-GL.

Ainda em 2020, a equipe dedicou todo o mês de julho para conduzir, através da plataforma WebEx, o novo Getting Ready 4 EPLIS, que se concretizou na forma de uma palestra sobre os mitos ao redor do EPLIS e de sete miniaulas sobre cada parte do exame. Nas críticas dessa iniciativa, além de uma grande aprovação das instruções e dos instrutores, dentre os quais estavam os Sargentos Franz, Ritter Varich e Suelen Gouvea, pode-se notar uma enorme preferência dos controladores por abordagens virtuais.

Sem ferir as orientações de afastamento social, a Seção de Idiomas organizou um grupo de trabalho em agosto de 2020 para rever o MCA 100-16 - Fraseologia de Tráfego Aéreo, então em PRENOR. Essa iniciativa inédita foi elogiada pelo Subdepartamento de Operações (SDOP) do DECEA, que incorporou muitas sugestões do CRCEA-SE, e gerou convite da Infraero para que três de nossos instrutores ministrassem uma oficina virtual de fraseologia para os controladores daquela empresa.

Por fim, em um ano em que circunstâncias excepcionais exigiram esforços ainda mais excepcionais, o Coronel Ciccacio implementou o prêmio Destaque EPLIS para o efetivo do Regional, homenageando, no Dia Internacional do Controlador de Tráfego Aéreo, aqueles que tiveram o melhor desempenho na prova e, também, o controlador com maior nível de inglês no seu órgão de atuação. No fim do ano, o comandante também reconheceu o trabalho da Seção de Idiomas com placas em agradecimento.

Com a volta gradual à normalidade, a seção de Idiomas organizou um Encontro de Instrutores em 2021, com o objetivo de elaborar material e de promover uma reciclagem e troca de conhecimentos, contando para isso com a palestra do Coronel Especialista em Controle de Tráfego Aéreo Eduardo Silverio de Oliveira, mestre em Linguística Aplicada pela Universidade de São Paulo (USP) e então chefe da SIPACEA, que discorreu sobre a importância da integração do ensino de inglês com o reforço da cultura de segurança de voo, e com encerramento pelo Coronel Ciccacio, que falou da relevância do trabalho da equipe de inglês e da formação continuada para os profissionais. Em 2021, também foram organizadas versões híbridas do workshop preparatório para o EPLIS e se acompanhou a primeira turma do novo curso contratado pelo DECEA junto à Universidade EmbryRiddle, na Flórida, a qual alguns de nossos instrutores e controladores já tiveram a oportunidade de conhecer em treinamento presencial.

O resultado desse trabalho conjunto foi visto no retorno da avaliação EPLIS em 2021, quando o CRCEA-SE recebeu uma menção elogiosa do DECEA por ter galgado posições entre os Regionais. Esse reconhecimento reforçou a consciência do papel e da responsabilidade de buscar conhecimento e trabalhar incansavelmente, com o apoio e a dedicação do efetivo operacional e de suas chefias, a fim de contribuir para a cultura de segurança aeronáutica do CRCEA-SE através de comunicações solo-ar ainda mais seguras em inglês.