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Projeto TMA-SP Neo – uma nova concepção de espaço aéreo para a maior terminal da América do Sul

PROJETO TMA SP-Neo

Uma nova concepção de espaço aéreo para a maior terminal da América do Sul

Por Sérgio Luiz Marques MALECKA Major Aviador Gerente do Projeto TMA-SP Neo

As consequências destas inovações não se restringem a benefícios para o tráfego aéreo: menor consumo de combustível, logo, menor emissão de CO2 na atmosfera e menor emissão de ruído aeronáutico - ganhos advindos do projeto

Oano de 2021 ficou marcado na história do Centro Regional de Controle do Espaço Aéreo (CRCEA-SE) e da aviação brasileira. Um dos mais inovadores projetos do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DECEA) – e, também, dos mais abrangentes – teve sua implementação concretizada. Foram mais de três anos de trabalho conduzido pelo Subdepartamento de Operações (SDOP) do DECEA e gerenciado pelo CRCEA-SE que permitirá que a estrutura da porção do espaço aéreo mais disputada do País comporte o apetite crescente da aviação civil, indo ao encontro das expectativas e projeções mais importantes.

Isso porque a Organização da Aviação Civil Internacional (OACI), por meio da quarta edição do Plano Global de Navegação Aérea (DOC 9750/2013), já indicava que, desde 1977, o volume de tráfego aéreo mundial tem dobrado, consistentemente, a cada 15 anos. Esse alerta serviu de estímulo aos países membros para preparar terreno – e céus – para este crescimento, pela adoção de ferramentas modernas de Comunicação, Navegação e Vigilância (CNS), como também pelo emprego das práticas mais eficientes de Gerenciamento de Tráfego Aéreo (ATM).

No Brasil, as projeções da Secretaria de Aviação Civil (SAC) do Ministério da Infraestrutura feitas em 2017, estimaram incrementos de 3,7% ao ano. Isso apontava na mesma direção que a OACI, para a necessidade iminente de preparação e dava destaque aos aeroportos mais movimentados País.

E, neste aspecto, só a Terminal São Paulo (TMA-SP) contém quatro entre os 12 aeroportos mais movimentos do Brasil no ano de 2019: Guarulhos, Congonhas, Campinas e Campo de Marte. Os três primeiros somam mais de 35% do movimento de passageiros no País. Trata-se, portanto, da Terminal brasileira mais movimentada, uma quantidade que supera o movimento da Região de Informação de Voo de Brasília (FIR-BS) e é duas vezes maior que a TMA-RJ.

A rota SP-RJ, a famosa ponte aérea, figura frequentemente en-

tre as dez mais movimentadas do mundo, tendo sido a quarta nos anos de 2018 e 2019.

Era então evidente a necessidade de voltar a atenção para este centro de gravidade da aviação brasileira. E, assim, o DECEA criou o Projeto TMA-SP Neo. Parte de um dos 30 empreendimentos do Programa SIRIUS Brasil, Otimização do Espaço Aéreo Nacional, este propõe desenvolver e implementar conceitos inovadores para otimizar rotas ATS (Serviço de Tráfego Aéreo), bem como procedimentos em áreas terminais.

O projeto adotou, desde sua concepção, o conceito de decisão colaborativa, dando voz a importantes entes da aviação, como Agência Nacional da Aviação Civil (ANAC), Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (INFRAERO), companhias aéreas e associações, como Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA), Associação Brasileira das Empresas Aéreas (ABEAR) e Associação Brasileira de Aviação Geral (ABAG), que participaram efetivamente nos debates pelo uso mais eficiente da maior terminal do país. Além disso, envolveu diversos órgãos do DECEA, além do CRCEA-SE: Centro de Gerenciamento da Navegação Aérea (CGNA), Primeiro e Segundo Centros Integrados de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo (CINDACTA I e II), Instituto de Cartografia Aeronáutica (ICA), Instituto de Controle do Espaço Aéreo (ICEA) e Grupo Especial de Inspeção em Voo (GEIV).

Seu principal objetivo era alavancar a capacidade desta complexa terminal a um nível pelo menos 10% superior à demanda projetada para os próximos dez anos. E, para isso, foram estabelecidas como premissas: • as cabeceiras mais utilizadas

A rota SP-RJ figura entre as dez mais movimentadas do mundo.

dos aeroportos mais movimentados seriam servidas pelas rotas mais eficientes; • as saídas (fase do voo na qual as aeronaves consomem mais combustível) seriam priorizadas em relação as chegadas (fase do voo na qual as aeronaves consomem menos combustível), com perfis desimpedidos ao máximo praticável; • a estrutura do espaço aéreo seria menos complexa que aquela até então em uso.

O projeto pretendia com a aplicação de tais premissas - além do já mencionado aumento de capacidade - reduzir esperas e atrasos, diminuir a carga de trabalho de pilotos e controladores, manter os elevados índices de segurança operacional e contribuir com o meio ambiente, emitindo menos gases poluentes e ruídos aeronáuticos para a vizinhança dos aeroportos.

Todos esses anseios foram sintetizados, então, pela proposta oficial do projeto: “Elaborar o conceito do espaço aéreo da TMA-SP, considerando os aeroportos de operação IFR (Regras de Voo por Instrumentos) de maior movimento como prioritários na definição das melhores trajetórias, aplicando, sempre que possível, os conceitos de navegação baseada em performance.”

Para atingir tais propósitos, dois cenários foram desenvolvidos e testados em simulação em tempo acelerado. O primeiro foi concebido

a partir de uma abordagem “de dentro para fora”, ou seja, a estrutura interna da Terminal foi totalmente redesenhada e a rede de rotas externa, ajustada a ela. O segundo cenário, apesar de também ter sido estruturado como novo, foi a rede de rotas externa à terminal e não sofreu alterações. Após avaliações multidisciplinares, o Cenário 1 foi tido como o de maior vantagem operacional pelo SDOP. Seus resultados globais mostraramse superiores, e foi, então, levado à próxima fase: Simulação em Tempo Real (STR). Nesta etapa, o novo cenário foi submetido à avaliação técnico-operacional dos controladores de tráfego aéreo do Controle de Aproximação São Paulo (APP-SP) e outros órgãos envolvidos.

Era esperada uma resistência à mudança significativa de estrutura e filosofia de controle neste primeiro contato com a nova circulação, mas surpreendeu o fato de que a avaliação foi positiva. Isso indicou que o cuidado em tornar a estrutura menos complexa, de fato, surtiu efeito, com destaque ao critério de “capacidade de controle”, com uma média muito próxima de quatro (melhor). Para se ter ideia, a maior avaliação na mudança ocorrida em 2017, a Navegação Baseada em Performance (PBN SUL), a média do critério melhor avaliado foi 2,89 - abaixo da faixa de neutro. Este resultado reforçou a confiança dos membros do projeto de que o caminho estava sendo corretamente trilhado.

Passada a avaliação em simulação em tempo real (STR), iniciou-se a fase de elaboração e publicação de procedimentos de chegada, aproximação e saída por instrumentos, bem como atualização de cartas de rota. Foi um trabalho grandioso do ICA em conjunto com o GEIV. Foram criados e voados mais de 200 procedimentos, 36 cartas de área ou rota; mais de 400 modificações em páginas do AIP (Publicação de Informação Aeronáutica) e todo trabalho foi entregue com mais de três ciclos AIRAC (Regulamentação e controle de informação aeronáutica) de antecipação. Isso permitiu às empresas provedoras e companhias áreas conhecerem as mudanças a fundo e atualizarem seus bancos de dados completamente.

O treinamento dos controladores de tráfego aéreo (ATCO) foi a última fase antes da implementação. Para que estivessem adequadamente

preparados a prestar serviços no novo cenário, mais de mil controladores estiveram envolvidos no extenso treinamento realizado em duas fases – ambientação e complementar - no Laboratório de Simulação (LABSIM) do ICEA.

Em um dos períodos de treinamento, o CGNA procedeu uma medição provisória de capacidade, que já deu indícios de redução da complexidade e aumento de capacidade.

Tomando como indicador a circulação desenvolvida pelo projeto para o aeroporto de Guarulhos (considerado como o mais crítico pelo seu volume de demanda e seu retrospecto de quantidade de esperas associadas) foi observado um incremento total na capacidade de cerca de 32% em comparação à circulação anterior. Destacou-se o aumento de cerca de 80% para o setor noroeste da terminal, alimentado pelo centro de Controle de Área Brasília (ACC-BS). O fluxo do setor norte, apesar de já saturado, também apresentou um ganho mais modesto, de 6%.

Um dos principais responsáveis pelo incremento de capacidade, redução de complexidade e da carga de trabalho da circulação IFR para o aeroporto de Guarulhos foi a implementação do Point Merge System. A sistemática de sequenciamento desenvolvida pela Organização Europeia para a Segurança da Navegação Aérea (EUROCONTROL) consiste, basicamente, de dois arcos de entrada, separados lateralmente em três milhas náuticas e verticalmente em 1000 pés. O arco interno, mais próximo do ponto de convergência, neste caso o fixo SANPA (merge point), recebe o maior fluxo de chegada na terminal, proveniente do setor nordeste da TMA, adjacente à FIR-BS.

O externo, por sua vez, conduz os fluxos do setor noroeste, também provenientes da FIR-BS, e do setor sudoeste, oriundos da FIR-CW (Curitiba). Tem como grande vantagem o fato de que as aeronaves

Entry Point estarem preparadas, ao chegarem no sistema, para percorrer todo o arco antes de serem direcionadas ao ponto de convergência (merging point). Cabe, então, ao controlador definir o momento da curva, de acordo com a separação que planejou para a aeronave precedente. Para isso, o controlador pode utilizar como auxílio marcas de distâncias (range marks), que permitem um refinamento maior e eficiência superior aos sequenciamentos realizados de forma convencional - somente por vetorações. Além disso, os tráfegos ingressam e deixam o sistema com velocidade indicada pré-estabelecida em carta, o que permite maior previsibilidade sobre o comportamento dos tráfegos. Grosso modo, pode-se dizer que o Point Merge System funciona como uma “espera linear”, diferindo das convencionais por ser possível utilizar frações de espera, já que a qualquer momento pode autorizar o início da curva. O aumento da capacidade de absorção se dá precisamente pela redução das comunicações permitida pelas autorizações de voo direto, em comparação à que seria necessária para vetorações.

O projeto apresentou, ainda, como uma de suas entregas, os benefícios da revisão das Cartas de Altitude Mínima sob Vigilância ATC – controle de tráfego aéreo (ATCSMAC), as quais, em resumo, estabelecem a altitude mínima para descida de aeronaves pelos controladores, incorporando novas

técnicas de cálculo que permitiram uma precisão maior na definição destas altitudes. Além disso, incorporou as áreas de vetoração para aproximação final (FAVA) nos aeroportos, flexibilizando a ação.

Destacam-se, também, novas cartas com procedimentos de saída IFR convencional (SID OMNI), que independem de auxílios à navegação para todos os aeroportos da Terminal que operam IFR - um ganho amplo em acessibilidade, especialmente em situações meteorológicas menos favoráveis.

As consequências destas inovações não se restringem a benefícios para tráfego aéreo: menor consumo de combustível, logo, menor emissão de CO2 na atmosfera e menor emissão de ruído aeronáutico - ganhos advindos do projeto.

De acordo com estudos conduzidos pela INFRAERO, estima-se, só para os entornos do aeroporto de Congonhas, uma redução de mais de 15% do ruído aeronáutico. E, conforme a análise das empresas que participaram do projeto, a redução no consumo de combustível com a nova estrutura figura entre 1,5 e 3%, o que significa deixar de lançar até 55 mil toneladas de gás carbônicos na atmosfera a cada ano.

Em 20 de maio de 2021, o Projeto TMA-SP Neo foi finalmente implementado, e já apresentou resultados positivos. Segundo o grupo de estudos de Performance ATM do DECEA, os indicadores apontam para uma economia, de junho a dezembro de 2021, da ordem de quatro milhões de litros de querosene de aviação, em comparação com 2019. E, confrontando-se os meses de dezembro de 2020 e janeiro de 2021 com os meses de dezembro de 2021 e janeiro de 2022, houve uma redução de 62% na aplicação de medidas táticas de gerenciamento de fluxo de aeronaves (como esperas em solo e distanciamento em rota). Mesmo com a diminuição destas medidas, houve uma queda na quantidade de esperas de 23%, indicativos robustos de que o ganho de capacidade pretendido foi, de verdade, atingido.

A implementação deste grandioso projeto, por todos os seus aspectos técnicos e suas entregas, reflete o pioneirismo presente no espírito do CRCEA-SE, o qual, desde o advento do primeiro controle radar no Brasil, mostra seu arrojo para estar sempre à vanguarda do tráfego aéreo.

Com a visão de ser referência no Sistema de Controle do Espaço Aéreo Brasileiro (SISCEAB) e ter seu foco voltado à excelência na qualidade na prestação de um serviço essencial à sociedade, o Projeto TMA-SP alavancou a qualidade do serviço do APP-SP a um novo patamar, preparando sua equipe para os desafios futuros.

TMA - SPNeo

Era esperada uma resistência à mudança significativa de estrutura e filosofia de controle neste primeiro contato com a nova circulação, mas surpreendeu o fato de que a avaliação foi positiva