Histórias no prato

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Suspiro

Suspiros da Nina

ra Torta húnga

Bolachas natalinas

Rosquinhas da vovó Cecília

Brigadeiro

Brigadeiro d e batata doc e sem açúca r

Cartuchos

-puxa Bala puxa

minha avó Bala de coco da


Moqueca de tilápia com pirão ..................................................1 2 Bolinho de brócolis ............................................................... 20 Berinjela Catita ..................................................................... 26 Bolinhos de arroz do Pafúncio ...................................... 32 Folar português de tabuleiro da Fernanda .......... 38 Sopa de castanhas tradicional da Galícia ....................44 Salada de ovos ....................... 5 0 Macarrão ..................... 56 Quindim ............................. 6 2 Morango mulato ............. 70 Suspiro ................. 76 Suspiros da Nina .............. 82 Torta húngara .................... 88

Prato do dia!

Bolachas natalinas ............ 96 Rosquinhas da vovó Cecília .............. 104 Brigadeiro ................... 1 1 0 Brigadeiro de batata doce sem açúcar .... 1 1 6 Cartuchos ........................ 1 2 2 Bala puxa-puxa .......................... 1 2 8 Bala de coco da minha avó ................ 1 3 4



HISTÓRIAS NO PRATO II ANTOLOGIA VIRTUAL AEILIJ 2017

Para comemorar a maioridade de nossa associação, reunimos aqui literatura

infantil e arte culinária. São vinte histórias criadas e ilustradas especialmente para esta coletânea. A cada história, uma ilustração e uma receita. Nosso cardápio está repleto de sabores, aromas e memórias. Memórias vividas ou inventadas.

A ideia de misturar palavras e sabores surgiu da notável semelhança entre

escrever, ilustrar e cozinhar. Quando escrevemos uma história, escolhemos não só o enredo e os personagens, mas cada palavrinha. As palavras escolhidas são pensadas e, por vezes, substituídas.

Isto também acontece quando criamos uma ilustração. Escolhemos o conceito,

a técnica, as cores. Uma série de tentativas até que se consiga a total harmonia entre o texto escrito e a imagem criada.


E na cozinha também não é assim? Um temperinho aqui, uma pitadinha

de sal ali, duas gotinhas de baunilha…... muitas provas e palpites até que se chegue à alquimia perfeita.

Com este livro, a AEILIJ, Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura

Infantil e Juvenil, realiza mais uma vez o intercâmbio entre escritores e ilustradores do segmento e a promoção da leitura. Temos aqui autores experientes, atuantes em nossa associação desde o princípio, e autores iniciantes. Todos acreditamos na força transformadora da literatura e reconhecemos que o convívio na cozinha pode fortalecer laços afetivos e ampliar saberes e habilidades.

Dirigida não apenas ao público infantil, Histórias no prato pode ser

apreciada por toda a família. Desejamos encorajar a criança a participar da feitura destes pratos, mas alertamos para que todos os cuidados sejam redobrados, um adulto deve estar sempre por perto. A cozinha pode ser um lugar de experimentação e brincadeira, sim, mas os perigos devem ser evitados.

Histórias no prato deseja aumentar seu apetite de leitura. Afinal, literatura

pode ser uma festa de palavras, amigos e sabores.

Desejamos a todos uma boa degustação!

Cristina Villaça


A pescaria

Escritora: Dailza Ribeiro Ilustradora: Nireuda Longobardi Receita: Moqueca de tilápia com pirão Página 8

Bolinhos de lagar – oops! – brócolis

Escritora: Edna Bueno Ilustradora: Patrícia Melo Receita: Bolinho de brócolis Página 14

Visitando vó Clara Escritora: Alina Perlman Ilustrador: Felipe Campos Receita: Salada de ovos Página 46

Catita

Escritor: Fabio Maciel Ilustrador: JPVeiga Receita: Berinjela Catita Página 22

Almoço de domingo

Escritora: Maria Elaine Altoe Ilustrador: Fabio Maciel Receita: Macarrão Página 52

Batuque na cozinha

Escritora: Cristina Villaça Ilustração: André Flauzino Receita: Bolinhos de arroz do Pafúncio Página 28

O quindim da Dadá Folar de bigode

Escritor: Alexandre de Castro Gomes Ilustrador: Laerte Silvino Receita: Folar português de tabuleiro da Fernanda Página 34

A sopa do monge

Escritora: Renata Goulart Ilustrador: Felipe Vellozo Receita: Quindim Página 58

Morango mulato

Escritor: Gustavo Vazquez Ramos Ilustradora: Márcia Széliga Receita: Sopa de castanhas tradicional da Galícia Página 40

Escritora: Luciana Peralva Ilustradora: Sandra Ronca Receita: Morango mulato Página 64

Os suspiros de meus dias Escritora: Ana Rapha Nunes Ilustradora: Luciana Nabuco Receita: Suspiro Página 72


Por que tanto suspiro? Escritora: Eleonora Medeiros Ilustradora: Patrícia Melo Receita: Suspiros da Nina Página 78

Torta húngara

Escritora: Neide Graça Ilustrador: André Flauzino Receita: Torta húngara Página 84

O príncipe lagartixa

Escritor: Maurício Veneza Ilustrador: Fabio Maciel Receita: Brigadeiro de batata doce sem açúcar Página 112

O avental da doceira Escritora: Lilian Guinski Ilustrador: Laerte Silvino Receita: Bolachas natalinas Página 90

Os cartuchos da D. Alice Escritor: Gabriel Lacerda Ilustrador: Felipe Vellozo Receita: Cartuchos Página 118

Rosquinhas de vovó para sempre Escritora: Simone Mota Ilustradora: Márcia Széliga Receita: Rosquinhas da vovó Cecília Página 98

Vontade que dá...

Escritora: Sol Mendonça Ilustrador: Felipe Campos Receita: Brigadeiro Página 106

PUXA!!!

Escritora: Angela Leite de Souza Ilustrador: JPVeiga Receita: Bala puxa-puxa Página 124

Descubra o espião

Escritora: Anna Rennhack Ilustradora: Cris Alhadeff Receita: Bala de coco da minha avó Página 130


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A pescaria

— Mãe, me deixe ir com os meninos! – implorei, juntando as mãos

em prece, para ver se ela amolecia o coração.

Talvez porque eu era a caçula, Mãe me protegesse tanto. Ela não

se importava que Dedé e Tico fossem pescar, mas quando eu queria ir junto era sempre uma novela.

Encostada na pia, enxugando a louça da janta, ela fechou a boca

em linha fina, como fazia quando não queria discutir um assunto. Então usei minha arma especial para momentos de desespero. Corri para um canto da casa, me deitei no chão de barro batido, e chorei – um choro alto e desconsolado. A coisa que eu mais amava no mundo era pescar à noite.

— Deixe, Mãe. Ela fica na canoa vigiando os peixes. Se um deles

tenta pular de volta pra água, Terezinha agarra ele. – Dedé, meu irmão mais velho, veio em meu socorro.

Não sei se foi o choro, ou a cara de pena dos meus irmãos, que a

fez mudar de opinião.

— Tá bem – capitulou, secando as mãos no pano de prato –, mas

se alguma coisa acontecer com sua irmã... – a mão na cintura e o dedo apontado para Dedé disseram o resto.

— Vai acontecer nada não, Mãe. Fique tranquila. Vamos, Tere-

zinha, se levante! – disse, correndo para pegar o facho e o juquiá que esperavam do lado de fora da porta.

Ele não precisou chamar de novo. Levantei nas carreiras, limpan-

do o rio de lágrimas com as mãos sujas de barro.

— Obrigada, Mãe! Obrigada! – abracei-a rapidamente, com um

medo danado dela mudar de ideia. 11


— Tenha juízo, menina! – ela me abraçou e beijou o topo da cabeça.

Do lado de fora, meu pai fumava cachimbo. Parecia alheio a tudo

que se passara no interior da casa de pau a pique. Pedimos a benção. Ele respondeu com um resmungo, como sempre.

Andando atrás dos meninos, eu mal continha a felicidade. A lua

grandona parecia uma pipa gigante empinada no céu. As estrelas, de tão pertinho, só faltavam cair na nossa cabeça. Chegando perto do rio, começamos a correr sentindo a areia, ainda morna, nos pés descalços.

Na beira do rio, a canoa esperava, amarrada num pé de coqueiro.

Tico desamarrou a corda, puxamos a canoa até a água escura, e subimos. Sempre ficamos só na beirinha, porque o rio é grande e fundo demais. Dedé acendeu o facho: uma tocha feita com folhas de coqueiro amarradas com cipó.

Quem pesca sabe que peixe é bicho desconfiado. Por isso,

ficamos calados. O facho iluminou o chão do rio, e esperamos a primeira vítima. Dedé moveu a luz em volta da canoa, até que vimos uma traíra. A gente não precisava se preocupar dela fugir: o peixe, quando vê luz, fica paralisado. – Vai saber por quê. – Acho que eles não entendem como pode uma luz aparecer, assim de repente, no meio da noite.

Dedé passou o facho para Tico e pegou o juquiá: um cesto sem

fundo, com uma boca aberta em cima. O cesto é feito com lascas fininhas de bambu, que a gente tira e deixa secar. Depois Maria, minha irmã mais velha, pega as tiras e vai trançando para lá e para cá.

Tchibum! Lá se foi o Juquiá, cair bem em cima da traíra paralisada.

Dedé enfiou a mão e puxou o peixe que se sacudia todo, e o jogou dentro do barco. Era aí que começava meu trabalho de vigia, enquanto meus irmãos já iluminavam a água novamente, à espera de outro peixe.

Assim foram passando as horas. O silêncio, o ar morno da noite,

a gente e os peixes. Se eu pudesse segurar algumas horas na vida, seriam essas. Um momento de prazer, no meio de tanto trabalho: plantar, 12


colher, virar terra, cortar cana, fazer tapete de juta, alimentar os bichos. Meu pai não tem empregados na fazenda. Somos nós, seus dez filhos, que fazemos, junto com ele, todo o trabalho.

Com o dia já querendo amanhecer, a gente voltou para casa com o

cesto de palha cheio de peixe: traíras, acarás, morobás, saúnas e bagres. Mãe, já de pé, acendia o fogão à lenha. Pai já tinha ido para a plantação, e meus irmãos se preparavam para ir também. Quando terminamos de nos lavar na bacia, o café da manhã já estava na mesa: café preto, aipim cozido e papa de milho.

Depois do café, ao invés de ir para a roça com os outros irmãos,

ficamos para ajudar a tratar os peixes. Mãe abriu as barrigas, e nós limpamos, lavamos e colocamos numa bacia de barro. Depois de todos limpos, ela separou alguns para fazer no almoço. Fomos à horta buscar pimentões, cebolas, tomates e coentro. – Ia ter peixe cozido com pirão. Só de pensar, minha boca se encheu de água.

Os outros peixes, Mãe salgou e pendurou no varal de cipó que fica

no terreiro. Lá eles ficariam no sol até que estivessem sequinhos. Assim teremos peixe por muitos dias.

Quando terminamos de ajudar, chegou a hora de ir pra roça. – Eu,

já sonhando com a próxima pescaria.

Escritora: Dailza Ribeiro Ilustradora: Nireuda Longobardi

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Moqueca de tilápia com pirão Ingredientes:

6 filés de tilápia 1 pimentão vermelho 1 pimentão amarelo 1 pimentão verde 3 tomates (ou mais, dependendo do tamanho) 1 cebola roxa grande sal pimenta do reino leite de coco molho de tomate coentro

Para o pirão: Caldo da moqueca Farinha de mandioca

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Modo de preparo:

Tempere os filés de tilápia com sal e pimenta e deixar em um prato.

Em uma panela grande, coloque um pouco de óleo e organize uma camada

de cebola, uma camada de pimentão (cores variadas), uma camada de tomate e uma camada de tilápia. Repita as camadas até terminar com a última de tilápia. Coloque o molho de tomate a gosto e o coentro. Cozinhe em fogo alto até ferver, depois passe para o fogo médio. A tilápia vai soltar a própria água, caso não aconteça, coloque um pouco de água para não queimar o fundo. Quando o peixe estiver cozido, adicione o leite de coco e desligue. Pode até colocar mais coentro fresco por cima.

Com uma concha, retire parte do líquido da moqueca e misture a farinha, aos

poucos, até formar um pirão. Sirva imediatamente.

Esse prato fica uma delícia servido com arroz branco e legumes cozidos.

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Bolinho de lagar - oops! - brócolis

Mais um pouco e o grito da minha mãe levantava o telhado da casa.

A gente voava pelos ares. E ela ficou ali, em pé no meio da cozinha, gritando. Eu, bem perto, não entendia nada. Estava concentrada em cortar o brócolis pro bolinho. Só a flor, folha não que amarga. Meu pai chegou correndo. Meus irmãos, três pestes, correndo mais ainda, chegando cada um de um canto. Tia Catarina estava conosco nesse fim de semana, parecia um toureiro louco: da porta da cozinha pra porta da sala, de braços abertos, tentava impedir a entrada dos meus irmãos. — Esses pés, olha, quanta terra! Quanta sujeira! Lavem, lavem, não entrem. Lavem na bica do quintal, pelamordedeus. Tia Catarina era irmã do meu pai. Chata. E minha mãe não tinha muita paciência com ela, na nossa casa se entrava com terra no pé pois era na terra que andávamos. Uma batidinha da sola dos sapatos antes de entrar, claro, mas em caso de grito de mãe, nem pensar que não dava tempo. Foi meu pai aparecer e minha mãe emudecer. Apontava pra geladeira e olhava aflita. Que era aquilo? Tudo acontecendo muito rápido. Larguei na pia a tigela com o brócolis, não sabia o que fazer. E eis que meu pai abre a porta da geladeira e… Vou tentar explicar a visão: uma lagartixa caída numa prateleira, de barriga pra cima, estatelada. Congelada. Aquela cor esbranquiçada transparente. Tia Catarina tentava segurar meus irmãos, vinham dois pela porta da cozinha e outro pela da sala. Parou. Descabelada, ofegante, nem assim parava com a falação: — O que deu na cabeça de vocês pra virem morar nesse mato com essas crianças? Vai tudo virar ogrinho. 17


Naquele momento jurei vingança. Está certo que a casa tinha

lagartixas e que minha mãe esse problema com elas, mas era a casa dos sonhos. Quintal, árvores frutíferas, espaço pra correr. O brócolis da horta, fresquinho. E meu pai estava investindo na vida rural, isso eu tinha ouvido ele falar pra tia Catarina, tudo bem explicado, enxada, ancinho, arado, etc e tal.

— Ogrinhos não, Catarina. Eles frequentam a escola e têm pai e

mãe, eu e Dora. Bom, tudo explicado enxada, etc e tal, tinha sido outro dia. O momento era de pânico materno, cozinha cheia de terra e tia descabelada. Tia que só se calou porque, uma vez aberta a porta da geladeira, minha mãe voou pra sala e desandou a reclamar: — Tira essa coisa daí, por favor! Deve ter andado pelos meus tomates, minhas cenouras, essa nojentinha, vou ter que lavar e esfregar... Tira essa coisa daí, por favor! Difícil de entender. Minha mãe matava barata, aranha, nem se importava com os lagartos, até chamava pra ver mudando de cor quando passavam do chão de terra pro mato. Aquela borboleta bruxa, nem aí, dizia pra gente não fazer escândalo à toa. E não era escândalo o que fazia? Lagartixa uma bichinha tão coitada, tão boba. Comedora de mosquito. Eu já tinha preparado o brócolis pra cozinhar e cortado o queijo pra colocar no bolinho. Queijo prato, meu preferido. Caprichava, fazia pouco que eu andava usando a faca sozinha. Uma faquinha de cortar coisas moles, com inspeção da minha mãe. Olhei pros ingredientes, tudo ajeitadinho na bancada da pia, e a casa pegando fogo. Minha mãe desorientada, a tia tagarelando sem parar, os irmãos entrando e saindo. Meu pai, sempre calmo, abriu de novo a geladeira e pegou a lagartixa. Com uma colher, colocou a bicha em cima de um pedaço de jornal e levou pra fora. Colocou na calçadinha de cimento que rodeava a casa. Num 18


pedaço ensolarado. Fui atrás. Um dos meus irmãos com a gente, mas logo já estava correndo. Ficamos eu, meu pai e a tal. De repente, do nada, a morta deu um tremelique. E lá foi a língua pra fora, uma linguinha, pra fora e pra dentro, o peito arfava. Meu pai virou a bicha de barriga pra baixo. Cada olhão lagartixa tem. Isso durou uns minutos, só eu e meu pai testemunhamos a ressurreição. Então ele me contou que, se uma lagartixa perde o rabo, isso, se o rabo cai, nasce outro no lugar. Fiquei abismada de boca aberta. — Verdade, pai? — Da natureza dela, filha. Nasce outro. Vem cá. Nos fundos da casa, ficava a casinha de ferramentas do meu pai. Ele me mostrou um ninho de lagartixa com ovinhos e, num canto, uns dois ou três rabos que tinham ficado pelo caminho. — Não conta pra tua mãe. Sorri. E enfiei os rabos no bolso. Estavam secos, ressecados. Na cozinha, minha mãe e minha tia: — A porta deve ter ficado aberta, Catarina, e ela entrou. Fica um vão entre a porta e a geladeira, ela entrou por ali, só pode. — Essa geladeira está velha, o vão é grande. Ah, Dora, vocês e esses gastos com o sítio. Acha que isso vai dar certo? Meu irmão é teimoso. — Já deu certo, Catarina, não dá pra… Pararam de falar, eu vinha chegando. Voltando pro bolinho de brócolis. — Tudo aí, filha? — Tudo, mãe. Você põe no forno pra mim, não põe? Minha mãe estava distraída com o resto do almoço, aproveitei e piquei bem picadinho uns pedaços de folha pra cozinhar junto com o resto do brócolis. Inventei. Desobedeci. Pra amargar os bolinhos nesse dia, 19


porque a chata da tia Catarina era de amargar. Botei na panela com água e sal, dei pra minha mãe colocar no fogo, ela nem viu. E mais ainda eu planejava. Que nem anjo, esperei os cinco minutos pro brócolis ficar cozido e macio. Mais um pouquinho. Enquanto isso, moí os rabos de lagartixa no moedor de pimenta. E depois piquei o brócolis cozido bem picadinho, tratando de disfarçar as folhas, e misturei com o queijo, com o alho amassado. Adorava ver aquela mistura verde com pontinhos amarelos. E se lagartixa fosse colorida? Meio que nem jacaré? Ou que nem lagarto que pega cor quando entra no verde do mato? Coloquei a farinha de rosca, misturei, o ovo, misturei. Minha mãe tinha preparado a forma e me ajudou a fazer as bolinhas, foi tudo pro forno. Tia Catarina, a essa altura, andava alugando o ouvido do meu pai. Sim, coloquei os rabos moídos e pimenta. E quando tia Catarina mordeu o primeiro bolinho fez uma cara esquisitona, os olhos da malvada até choraram. Meus irmãos começaram a rir sem nem saber do que, não precisava motivo pra rir. Minha mãe pegou um bolinho, mordeu: — O que você colocou aqui, menina? Folha? Já falei que amarga. E pimenta, não foi? Já disse pra não inventar na cozinha. — Coloquei lagartixa, mãe. Ah! Já levou chicotada de olhar de mãe? Ainda bem que meu pai era calmo e me defendeu, que acontece de errar a receita e eu só tinha oito anos. Meu pai sim, um anjo. Até tia Catarina: — Não brinca desse jeito com sua mãe. Imagina, Dora, se ela ia fazer isso. — Mas você fez isso mesmo, vó? — Uma vingancinha, né, minha netinha. Era tão boa nossa vida. Ah, aquela tia chata, agourenta, que não ia estragar... Agora mistura aí o brócolis com o queijo. 20


— Vó, fala a verdade! — Tô falando. Mistura aí. Tinha também aquela coisa de ajudar na cozinha, preferia correr lá fora. Sempre eu, menina. Meus irmãos ajudavam em outras coisas, mas… Outro tempo, ainda bem que gostei de cozinhar. E gosto, muito. Avó e neta na cozinha se divertiam. A avó falando dos antigamentes, das facilidades de hoje, forma antiaderente, forno microondas. — Mas vamos assar no forno do fogão, tá, minha neta? — Vó, pode tirar um pouco do brócolis? A avó pisca um olho: — Pode. Tá bom. E vira pra lá pra eu colocar os rabinhos de lagartixa moídos. — Vó!!! Isso não! Você nunca fez isso, não é? — Ora, o tempero é a alma da cozinha. As duas rindo. A neta vigilante, olho na avó. Não pusesse nem pimenta, imagina rabos de… E, assim, uma tão juntinho da outra, porque a conversa de rabos de lagartixa podia ser só um pretexto pra viver esse carinho todo. Quer dizer, por via das dúvidas neta de olho na avó. Vigilante.

Escritora: Edna Bueno Ilustradora: Patrícia Melo

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Bolinho de brócolis Ingredientes:

1 cabeça de brócolis (pequeno) 1 dente de alho ½ xícara de farinha de rosca 1 ovo ¼ xícara de queijo de sua preferência sal a gosto

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Modo de preparo:

Cozinhe o brócolis na água e sal. Folhas não, amarga mesmo. Não precisa colocar mais sal na massa. Numa tigela, misture o brócolis picadinho, quase virado farinha, com o queijo previamente cortado em pedaços pequenos. Junte o alho amassado e misture. Depois a farinha de rosca e depois o ovo. Faça bolinhas com a massa, coloque em uma forma antiaderente e asse em forno médio (180oC) por 10 a 15 minutos. Dá uma porção de 20 bolinhos (médios para pequenos). Sirva-se!

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Catita

A mãe escolheu a maior galinha do aviário. O senhor saiu de trás

do balcão, abriu a gaiola e pegou a bichinha.

— Cuidado para não machucar ela, moço.

— Betânia, deixa o moço trabalhar. Ele sabe o que faz – disse

a mãe.

Atendendo a menina, o moço segurou a galinha com todo cuida-

do e colocou dentro de uma sacola. Dali, mãe e filha foram para casa. A galinha ficou num cercadinho no quintal. As três cachorras, Graxa, Estopa e Magrela, estavam curiosas com a nova inquilina. Com os narizes colados na grade, cheiravam e latiam. Os rabos, de tanta animação, mais pareciam leques abanando. A galinha, ihhh, nem era com ela. Estava fazendo o que galinhas fazem de melhor: ciscar a terra.

— Betânia! Entre e me ajude, menina. Deixe a pobrezinha aí, que

seu avô já vem. Ele gosta de preparar a galinha, depenar... Vem e ajuda a mãe fazer o tempero.

O tempero era o segredo para assar o frango perfeito. Na verdade,

o tempero era o segredo para todas as comidas da Dona Lúcia. Tradição da família que aprendeu com a mãe, avó de Betânia, e que agora iria mostrar para a menina. O traquejo era usar tudo fresquinho. As duas foram no jardim e pegaram um ramo de alecrim, um maço de cheiro verde e um punhado de folhas de manjericão. Na cozinha já estava tudo disposto: as cebolas, as cabeças de alho, o sal, a pimenta e o azeite. A mãe foi explicando tudo, passo-a-passo; enquanto ela picava, a menina jogava no liquidificador. 25


Primeiro

cortaram

as

folhas

de

manjericão

e

cheiro

verde

e

separaram o alecrim do ramo. Adicionaram duas colheres de sal, uma de pimenta-do-reino e duas xícaras de azeite.

— Posso ligar, mãe?

— Espera que ainda falta a cebola.

Chop! Chop! Chop! Chop!

— Por que está chorando, menina? É a cebola? Vai no banheiro

lavar os olhos.

— Não, mãe. É cebola, não. É por causa da Catita.

— Que Catita, garota? É a galinha? Menina, já te disse para parar

de colocar nome em tudo que é bicho. Toda vez que se nomeia bicho a gente se apega; e galinha é para comer.

— Não, mãe. Galinha não é comida, né? Galinha é bicho, como a

Graxa, a Estopa e a Magrela.

— Betânia, galinha é ave…

— Ué? Papagaio também é ave e a gente não come, né?

— Não, minha filha... mas papagaio é diferente. Até fala.

— Diferente como? É igual! Tem bico, tem asa, tem pena... E ga-

linha também fala. A gente é que não entende. Ela está lá atrás, falando com os cachorros.

Do lado de fora da cozinha, na área de serviço, Chiquinho, o papa-

gaio, começou a gritar: Catita! Catita! Catita! Catita! Catita!

— Olha só, menina, agora até o Chico está chamando a galinha

pelo nome. Olha que você fez. 26

— Catita! Catita! Catita! Catita! Catita!


— Para, Chiquinho! A mãe gritou da cozinha.

No quintal, os cachorros começaram a latir. A orquestra estava arma-

da: Catita! Catita! Catita! Catita! Catita! Au! Au! Au! Au! Au! Au! Au! Au! Au! Au! Cócó! Cócó! Cócó! Cócó! Cócó! Auuuuuuuuuu...!

Seu Candeia chegou para preparar a galinha.

— Que isso, minha filha? Dá para escutar lá da esquina. Esses

bichos estão doidos? Comprou a galinha que pedi?

— Lá nos fundos no cercadinho, mas aconselho o senhor a

deixar para lá. O almoço de hoje será outro. Aliás, o senhor pode comprar algumas berinjelas e tomates, pai?

— E a galinha?

— Hoje vamos comer berinjelas recheadas com tomate e aquele

molho que o senhor gosta. Sua neta que fez. Aproveita e passa lá na lojinha de bichos e compra um pouco de ração para... galinha, porque sua neta... arrumou um novo bichinho.

Escritor: Fabio Maciel Ilustrador: JPVeiga

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Berinjela Catita Ingredientes:

1 berinjela cortada em rodelas. 3 colheres de sopa de queijo parmesĂŁo fresco ralado. 1 tomate fatiado.

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Modo de preparo:

Pré-aqueça o forno a 200 °C.

Unte uma assadeira com azeite. Distribua a berinjela e salpique o queijo

parmesão. Coloque uma fatia de tomate em cima de cada rodela de berinjela. Salpique mais queijo parmesão.

Asse entre 10 e 15 minutos (até o queijo dourar).

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Batuque na cozinha A festa estava animada. Família e vizinhos rindo e cantando. E, na cozinha, um entra e sai agitado e cheio de gargalhadas. Luíza não se afastava do fogão. Mesmo sendo seu aniversário, não deixava de fazer o que mais gostava: cozinhar. Eram panelões e panelinhas areados com capricho. Verdadeiros espelhos. Oitenta anos! Bia adorava estar perto dos adultos, observando seus gestos e tentando decifrar palavras. Mas o que a menina gostava mesmo era de estar ali, na cozinha, sentindo os aromas, ouvindo as histórias e espiando a habilidade de Luíza. E também porque era lá onde Pafúncio ficava, numa gaiola aberta, próxima à janela. Mesmo que o deixassem sem a correntinha que prendia seu pé, ele permanecia ali. Parece que também gostava do cheirinho gostoso que saía das panelas. — Por que o Pafúncio não foge, Luíza? — Ele tem a asa quebrada. Mas Bia tinha certeza que era porque o louro gostava de ficar perto da amiga. Era Luiza quem o alimentava e ensinava palavras. — Corta em cubinhos! Corta em cubinhos! – Tagarelava Pafúncio toda vez que alguém entrava na cozinha. A fala engraçada e a abundância de cores vivas das penas da ave encantavam a pequena Bia. Às vezes a mãe vinha e mandava que saísse de lá para não atrapalhar. — Deixa a menina, Sinhá, ela não atrapalha nada. Luíza passou a vida inteira cuidando. Cuidava da casa da patroa, das panelas da patroa e dos filhos da patroa. Mais tarde, dos netos e, agora, cuidava de Bia, a bisneta da patroa. — Luíza faz parte da família! – Diziam sempre. 31


De lá Luíza não saía. Mesmo aos oitenta anos. Era como se fosse sua casa também. E tinha a Bia, que era seu quindim, seu docinho de coco... Luíza costumava contar suas histórias enquanto ensinava alguns segredinhos culinários para a menina. Histórias vividas e histórias inventadas. Bia ouvia com muita atenção, entendia que era dali, da magia dos temperos e das memórias que Luíza dividia com ela, que ia aprendendo as coisas da vida. Uma vez Luíza contou que sua bisavó tinha sido escrava. E que a coitada apanhava tanto que resolveu fugir da fazenda do patrão. Tinha uns quinze anos mais ou menos. Andou por três dias e três noites, embrenhada na mata para escapar dos cães farejadores. Sentiu medo, fome e dor. Depois, conseguiu a ajuda de um homem que a levou para um quilombo. Dali em diante foi feliz. Veio a abolição. Veio o amor. A bisavó de Luíza teve onze filhos! E cada um teve montes de filhos e netos até chegar Luíza, que naquela festa comemorava oitenta anos. — Cuidei de sua avó, cuidei de sua mãe, agora cuido de você. E a amizade entre as duas crescia entre colheradas, sorrisos, temperos e o currupaco do papagaio. Mas naquele domingo não havia tempo para prosa. Os convidados traziam presentes e pratos fumegantes para aumentar o cardápio. Tio Mário, com seu pandeiro, era o mais animado. Tinha também Adélia, a vizinha, que gostava de cantar. E muitos primos. A feijoada já estava arrumada na travessa. E também a farofa e a couve, cortada bem fininha. Tudo pronto, em cima da mesa da cozinha. Só faltava o arroz. Quase no ponto. Foi quando, de repente, os primos da Bia entraram na cozinha batucando um “parabéns pra você” em ritmo de samba, meio desafinado, meio fora do compasso, mas muito sincero. 32


Pafúncio se assustou. Tentou voar, mas, desajeitado, esqueceu-se da asa quebrada, deu uma cambalhota no ar e... tibum! Caiu em cima da mesa onde as tigelas fumegavam apetitosas. Era pena para todo lado! Bia chorava, com pena do bicho. Luiza tratou de puxar Pafúncio depressa, antes que o estrago fosse ainda maior. Pobre bichinho, quase ficou pelado. Suas penas, tão coloridas, boiavam na travessa de feijão. O prato de farofa estava tombado no chão, a couve espalhada pela mesa... um desastre! Sobrara o arroz, branquinho. Luíza não desanimou, cuidou do Pafúncio e depois botou todo mundo para trabalhar. Um cortava a cebola, outro quebrava os ovos, outro misturava a massa, outro fritava os bolinhos de arroz crocantes, que Bia tanto gostava. — Corta em cubinhos! Corta em cubinhos! – Gritava o pobre Pafúncio, quase todo depenado. E assim, com batuque na cozinha e bolinhos de arroz, a festa de aniversário da Luíza foi a mais animada daquela casa. Com certeza.

Escritora: Cristina Villaça Ilustrador: André Flauzino

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Bolinhos de arroz do Pafúncio Ingredientes:

2 xícaras (chá) de arroz cozido 1/2 xícara (chá) de leite 1 e ½ xícaras (chá) de farinha de trigo 2 ovos inteiros 3 colheres (sopa) de queijo parmesão ralado 1/2 xícara (chá) de cebolinha verde picada 1 colher de chá de fermento em pó Sal e pimenta do reino a gosto Óleo para fritar

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Modo de preparo:

Misture os ingredientes em uma tigela, menos a farinha, que deverá ser acrescentada aos poucos, quando a mistura estiver homogênea. Esquente o óleo em uma frigideira e, quando estiver bem quente, faça bolinhos com duas colheres de sopa. Frite-os aos poucos até que fiquem dourados. Retire-os cuidadosamente e despeje-os em uma travessa forrada com papel para absorver o excesso de óleo. Se preferir, use arroz integral e, depois de modelados, coloque os bolinhos em uma assadeira untada. Leve ao forno quente.

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Folar de bigode

Toda receita de família é uma espécie de manual de instruções de

uma época. As gavetas da casa da minha mãe guardam os gostos e os cheiros dos tempos em que não havia internet e de quando nem todo tempero podia ser encontrado nos empórios do bairro. Alguns eram trazidos de longe. Assim como algumas tradições.

A primeira vez em que ouvi falar no folar, foi na Páscoa dos meus

7 anos. Minha mãe me disse que na sua infância era costume comê-lo naquela data comemorativa.

— É um ovo de chocolate? – perguntei.

— Não, Olavo. Não é.

— Mas é de chocolate?

— Não. É uma espécie de bolo. Pode ser pão também.

— É doce?

— Não.

— Eca! Um bolo salgado? Onde já se viu bolo salgado na Páscoa?

— Isso mesmo. Um delicioso bolo salgadinho e português. Um

folar português!

Na minha mente veio a imagem de um bolo de bigode. Que nem o

seu Ferreira da padaria. Fiquei com nojinho de comer um pedaço de bolo com cabelo.

— Não como nem morto!

Eu era teimoso. Quando eu encrencava com alguma coisa, nada

me convencia do contrário. Todos sabiam disso. Se eu dissesse que não comeria o tal bolo de nome estranho, é porque eu não comeria de jeito nenhum. 37


— Você pode preparar outra coisa pra mim?

Mãe é mãe, não é? Ainda mais a dona Isabela que vive preocupada

com a minha alimentação. Se fosse o meu pai, ele diria que era aquilo ou nada. Ela não. Acho que pensa que se eu pular uma refeição, cairei doente com os olhos revirados. Mas voltando às minhas memórias, naquela Páscoa ela também preparou os bolinhos de bacalhau que eu e a torcida do Flamengo tanto gostamos. Uma travessa linda com uma pirâmide de bolinhas douradas e crocantes regadas com azeite português.

Me lembro, como se fosse hoje, da mesa arrumada com a toalha

de festa. O pratão com os bolinhos redondos reinava sozinho em um canto. Meu pai papeava na sala de jantar com meus tios e avós, bem ali do meu lado. Todos adoravam os bolinhos de bacalhau da mamãe.

Ninguém os comeu. Esperavam o outro pratão. Aquele que ocupa-

ria o espaço vazio da mesa.

O cheiro irresistível de massa assada veio da cozinha dançar em

nossos narizes. Parecíamos uma família de suricatos empinados sugando o aroma do ar. Dona Isabela finalmente surgiu na sala com uma travessa de quadradinhos de bolo recheados com linguiça calabresa, azeitona, ervilhas e queijo. Era o folar português que me aguava a boca. E não tinha bigode e nem cabelo. Eu olhei bem.

Mas eu disse que não comeria, lembra?

Quadradinhos de um lado, bolinhas de outro. Fui no bacalhau. Não

podia voltar atrás na minha palavra. Todo mundo ouviu. Eu acho. Bem, talvez só a mamãe tenha me ouvido. E ela estava na cozinha... Eu podia pegar um pedaço e ela nunca saberia. Estavam todos entretidos com assuntos de política mesmo. 38


Teria dado certo se não fosse um único detalhe. Eu faço

parte de uma família de fominhas. Enquanto eu reavaliava a minha decisão, os adultos da casa terminaram com o folar diante dos meus olhos compridos.

Acabaram com tudo.

Fiquei mastigando bolinhas de batata com peixe seco. E não comi

nem um quadradinho.

Levei um ano para conseguir provar o bendito folar português.

É uma delícia.

Escritor: Alexandre de Castro Gomes Ilustrador: Laerte Silvino

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Folar português de tabuleiro da Fernanda Ingredientes:

½ xícara de óleo 1 colher de sopa de manteiga 3 ovos 12 colheres de sopa de farinha de trigo 2 xícaras de leite 50g de queijo parmesão Tempero a gosto (pimenta, sal, alho) 2 colheres de sopa de fermento em pó – colocar no fim, lentamente, sem bater.

Recheio:

400g linguiça fresca sem pele 1 cebola picada 1 lata de ervilhas Azeitonas pretas picadas Muçarela picadinha Salsa Sal

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Modo de preparo:

Unte um tabuleiro grande com manteiga e farinha. Bata todos os ingredientes da massa no liquidificador atĂŠ ficar homogĂŞneo. Despeje metade da massa no tabuleiro. Por cima coloque o recheio distribuindo bem. Cubra o recheio com a outra metade da massa. Leve ao forno quente atĂŠ crescer e dourar. Espere esfriar um pouco e corte em quadradinhos.

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A sopa do monge

Há muitos anos, na Galícia, uma região no noroeste da Espanha,

havia um garoto chamado Xosé – seu nome iniciava assim mesmo, com a letra X, pois lá se falava galego, como se faz até hoje. Ele vivia com sua família em uma pequena vila chamada Melón, mais de cem quilômetros distantes do litoral. Lá havia algumas casas e uma bela igreja, além de um mosteiro, onde viviam os monges.

Xosé certa vez ficou curioso em relação ao mosteiro. O que se

fazia lá? Os adultos diziam que os monges rezavam por horas a fio, e Xosé, embora rezasse antes das refeições e antes de dormir, não conseguia imaginar alguém passando um dia inteiro só rezando e nada mais. Os monges deviam fazer alguma outra coisa. Mas o quê? Xosé perguntava para um adulto, para outro, mas todos diziam o mesmo – eles rezam e apenas isso.

Quando os monges deixavam os muros do mosteiro e iam até a

vila, onde faziam compras, a criançada se reunia para vê-los. Que roupas diferentes usavam! Um tecido grosso e rústico, com uma corda amarrada na cintura. E os cabelos! Pareciam ninhos de pássaros, com uma parte careca no cocuruto. As crianças olhavam, apontavam e riam, mas se algum monge retornasse o olhar, elas gritavam de susto e saiam correndo, em disparada.

Os monges raramente conversavam com as pessoas da vila.

Muitos haviam feito voto de silêncio e compravam as mercadorias que precisavam sem dizer uma palavra. Os adultos usavam esse distanciamento que os monges mantinham para assustar as crianças e fazê-las se comportarem:

— E se um desses monges pegasse você e levasse para dentro

do mosteiro? — perguntavam para as crianças. — Você teria de cortar o cabelo daquele jeito, vestir uma roupa daquelas, passar o dia rezando... por isso, coma sua comida!

(Ou “arrume seu quarto”, ou “fale mais baixo”, ou qualquer outra

coisa que os adultos quisessem que a criança fizesse.)

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Mas Xosé não conseguia acreditar nos adultos. Alguém que passa

o dia inteiro rezando não iria querer o mal dos outros; não fazia sentido. Por isso, decidiu fazer algo que nenhum de seus amigos tivera coragem de fazer. Ele iria conversar com um monge.

A partir de então, enquanto brincava na rua, ficava sempre de

olho nos arredores, para ver se algum monge estaria passando por ali. Mas, como se soubessem que ele os estava vigiando, os monges ficaram semanas sem deixar o mosteiro! Que chateação...

Um dia, no fim do outono, Xosé decidiu passear no bosque, indo

até um riacho onde costumava pescar. Estava na metade do caminho quando ouviu um barulho adiante. Por precaução, escondeu-se atrás de uma árvore, mas logo notou que era exatamente quem ele mais procurava que estava a alguns passos de si: um monge. Contente com isso, Xosé foi até ele:

— Olá, senhor monge. Tudo bem com o senhor? — era um rapaz

muito educado.

O monge olhou para o garoto e sorriu com simplicidade.

— Está tudo bem comigo, obrigado por perguntar. E contigo?

— Tudo bem. Tudo ótimo! Mas o que você está fazendo aqui no

bosque? Vocês não vão mais à nossa vila? — Xosé na verdade queria fazer uma centena de perguntas, mas preferiu fazer duas de cada vez, para não assustar o homem.

— Não temos ido à vila, pois já temos tudo que precisamos para

o inverno. Mas mesmo assim decidi sair para colher estas castanhas. É a melhor época. Estão boas para fazer uma sopa. Uma das avós de Xosé, quando ele a visitava, fazia castanhas assadas, mas o garoto nunca havia comido sopa de castanhas. Ele então perguntou ao monge como isso era feito.

— É assim: você ferve as castanhas por alguns minutos, o

bastante para que elas fiquem macias e você consiga cortá-las ao meio. Frite-as um pouco, junto com cebola e alho, no azeite. Depois volte a cozinhar tudo, por pelo menos uma hora. No fim eu coloco um pouco de vinagre, mas isso é opcional, tem gente que não gosta. E pronto.

Xosé estava espantado, pois nunca havia imaginado que um

monge pudesse ser tão simpático, ainda mais falar tanto assim! 44


— Já peguei várias castanhas. Vamos voltar? Seguiram lado a lado pelo bosque. Xosé perguntou sobre a

veracidade do que diziam sobre o mosteiro – que lá passavam o dia inteiro rezando – ao que o monge respondeu:

— Não exatamente. Essas ideias surgem porque somos isolados...

quando uma pessoa se isola, o resto do mundo pensa o que quer a respeito dela. No mosteiro, fazemos muitas coisas. Alguns monges tecem roupas, outros plantam ou criam animais, fazem artesanato com madeira ou palha... eu sou um copista. Seleciono livros raros e antigos e os copio, palavra por palavra, criando assim um outro livro. Temos uma grande biblioteca lá, com livros sobre a língua galega, de história, geografia, contos... Chegaram em frente à casa de Xosé.

— Quem sabe um dia a gente volte a se ver. Na primavera,

talvez? Agora vamos nos recolher para o inverno. Mas antes de eu ir, estique suas mãos...

O monge colocou um punhado de castanhas nas mãos de Xosé.

— Tente fazer a sopa que te falei. Acho que vocês vão gostar.

Despediram-se. Xosé entrou tão agitado em casa que seus pais se

assustaram. O garoto falou de tudo que havia escutado, e quando contou sobre a receita – lembrava-se dela em detalhes – sua mãe comentou que aquele prato era tradicional na região, mas que poucos ali ainda o preparavam. Iria fazer a sopa naquela mesma noite.

E estava uma delícia! As castanhas ficavam melhores cozidas e

fritas com cebola e alho do que apenas assadas, como sua avó fazia. Que outras coisas aquele monge não teria para ensinar. Talvez existisse até um livro de receitas na biblioteca do monastério. Já que era um copista, será que poderia fazer uma cópia para ele? E, afinal, qual seria o nome daquele monge? Esquecera-se de perguntar.

Enfim, agora era esperar o inverno passar e depois tirar todas as

novas dúvidas que tinha. Escritor: Gustavo Vazquez Ramos Ilustradora: Márcia Széliga

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Sopa de castanhas tradicional da GalĂ­cia Ingredientes:

1 colher (sobremesa) de azeite de oliva 1 ½ quilo de castanhas 2 colheres de vinagre Sal a gosto 2 cebolas 1 dente de alho

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Modo de preparo:

Ferva as castanhas em ĂĄgua com sal por alguns minutos. Escorra-as e descas-

que. Corte-as pela metade. Frite-as junto com uma cebola picada e o dente de alho. Volte a cozinhar as castanhas entre uma hora e uma hora e meia, atĂŠ ficarem macias e acrescente a cebola restante.

Tire do fogo, adicione o vinagre e sirva.

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Visitando vó Clara

Silvinha e Renato, de férias, foram passar o dia na casa da avó.

Foram recebidos com beijos e abraços. Vó Clara era muito especial

e as crianças retribuíram com carinho.

Vó Clara quis saber o que eles andavam fazendo de bom.

— Nada, vó. Tudo normal.

— Foram ao clube ontem?

— Sim.

— E fizeram o que lá?

— Nada de especial.

— Tinha muito amigo por lá?

— Sim.

— Quem?

— Você não conhece.

Aquele papo não estava levando a lugar nenhum.

Silvinha e Renato foram se acomodando nas suas poltronas

prediletas e ligando os celulares.

— Não acredito! Vocês vêm pra cá e já ligam os celulares? Vamos

conversar um pouco.

— Mas não tem nada pra contar, vó!

— Vamos jogar algum jogo?

— Não, obrigada!

— Vamos ouvir um pouco de música?

— Pode ouvir, vó. A música não atrapalha.

— Vamos cantar? Dançar?

— Tá de brincadeira, né, vó?

— Já sei! Vamos desenhar!

Aí, nem resposta ela recebeu. Só uns olhares de “não acredito na

sua sugestão!”

— Vamos dar uma volta com o Duque? Vamos ao parque? E se...

a gente plantasse no jardim umas sementes que não joguei fora das últimas frutas que comemos?

— Na boa, vó. Estamos bem. Você não quer ver TV, ler um livro,

brincar com o Duque? 49


— Não! O que você está fazendo no celular, Silvinha? — Falando com a Ana. — A Ana é a amiga que irá na sua casa amanhã? — Sim. — Então você pode falar com ela amanhã! — A gente tem muita coisa pra falar, vó! — E você, Renato? O que você está fazendo? — Jogando um joguinho. — Um muito importante? — Até que não... — E precisa ser agora? — Precisa, vó! Estou perto de bater meu recorde! A avó não se conformava, mas resolveu ficar quieta por um tempo deixando as crianças em paz com seus celulares. Quando achou que era suficiente resolveu mudar de tática. Foi buscar seu celular e mandou uma mensagem aos netos pelo grupo deles três. “Alguém está com fome?” “Sim”, escreveram os dois. “Silvinha, você quer salada de ovo?” “Sim!!!!!!!!”, seguido de vários emojis de beijos. “Renato, você quer uma pasta de atum?” “Quero!!!!!!”, e vários emojis de sorrisos. “Ótimo. Então venham para a cozinha e vamos fazer nosso almoço!” Os irmãos levantaram vagarosamente o olhar do celular. A avó estava zoando com a cara deles ou era verdade? Logo escutaram uma voz vinda da cozinha. — Estou esperando! Onde estão vocês? A comida só fica pronta quando é preparada! Vó Clara tinha se proposto a fazer as comidas que eles mais gostavam... ir ou não ir, eis a questão. Olharam um para o outro, se levantaram de suas confortáveis poltronas e, suspirando, se dirigiram para a cozinha. Vó Clara, cantarolando, já tinha colocado uns ovos na panela para ferver e estava abrindo uma lata de atum. O resto era com eles. Colocou o livro de receitas sobre a mesa, disse em que páginas estavam a salada e a pasta e se sentou numa banqueta para apreciar a obra dos netos. 50

— Tem certeza, vovó?


— Toda a certeza do mundo!

Silvinha e Renato foram separando os ingredientes que, se não

estavam sobre a pia, também não estavam longe de seu alcance.

Começaram o preparo bufando, mas... foram devagarinho

curtindo a brincadeira e logo começaram a rir. E a conversar. E a cantar. E rir mais. E fazer palhaçada.

— Vó! Me dá uma ajudinha com a frigideira!

Fizeram a maior bagunça. Embaralharam um pouco os ingredientes,

mas as receitas foram dando certo. E os pratos foram ficando parecidos com os que eles gostavam.

Vovó tirou um montão de fotos no seu celular.

A salada de ovos, que devia ficar uns minutos na geladeira, foi

direto para as barrigas!

Silvinha e Renato salvaram um pouco de comida para a avó e

devoraram o resto. Cada um a sua e um pouco da do outro! E mais um monte de torradas que a avó arrumou.

Sujaram-se, sujaram a cozinha, mas se divertiram loucamente.

Encheram a avó de beijos e deixaram em suas bochechas uma

mistura de ovo com atum que dava prazer de olhar.

Então, eles resolveram fotografá-la. Montes de fotos da avó

melecada, selfies dos três morrendo de rir e dos pratos, praticamente vazios, que prepararam.

Depois da refeição, a arrumação. Uma parte meio chata, mas feita

com o maior bom humor, misturando a folia do uso do sabão, da espuma, das bolhas com o barulho dos pratos dentro da pia. Tudo devidamente registrado no celular de vó Clara!

A farra terminou no meio da tarde e quando a mãe veio buscar os

filhos os três ainda estavam dando boas gargalhadas, olhando as fotos que tiraram!

Escritora: Alina Perlman Ilustrador: Felipe Campos

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Salada de ovos Ingredientes:

4 ovos 1 cebola picada 1 colher de chá de açúcar Sal a gosto 3 colheres de sopa de azeite

Modo de preparo:

Cozinhe os ovos por 10 minutos numa panela. Deixe esfriar, descasque e pique

os ovos. Aqueça o azeite com o açúcar e doure a cebola picada numa frigideira. Deixe esfriar e misture aos ovos picados. Tempere com sal e pimenta. Coloque na geladeira por 15 minutos, num potinho com tampa.

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Pasta de atum Ingredientes:

1 lata de atum (em รณleo ou รกgua) 1 colher de chรก de mostarda 1 colher de chรก de cebolinha verde picada 1 colher de chรก de salsinha picada 1 pitada de noz-moscada Sal 1 colher de sopa de maionese

Modo de preparo:

Escorra o atum numa peneira. Amasse o atum com um garfo, num prato fundo.

Acrescente a maionese e a mostarda e misture bem. Acrescente a salsinha, a cebolinha e a noz-moscada. Tempere com sal.

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Almoço de domingo: macarronada à bolonhesa

Todo domingo minha mãe reunia a família e os agregados para o

almoço de domingo.

Italiana, não deixava faltar sua fantástica macarronada à bolonhesa,

a salada de batata, e o frango assado.

As ajudantes eram Uti, minha prima, Tereza, uma amiga

solteira e eu.

Começávamos cedo, eu e Ela.

Momentos mágicos, mãe e filha em perfeita sintonia.

Enquanto ela colocava as batatas para cozinhar e o frango para

assar, eu fazia aquele montinho branco de farinha, abria um buraquinho no meio e quebrava os ovos.

Papai ia buscar Tereza, Nino, Jorge e Uti.

Meus irmãos? Dormiam.

Eu fazia devagarinho, com cuidado, batia os ovos dentro da

farinha, em cima da mesa. Eu fazia devagarinho, com cuidado. Os ovos eram batidos dentro da farinha, em cima da mesa.

Verdadeiro encantamento.

Aos poucos, ovos e farinha iam se transmutando em massa em

minhas mãozinhas pequenas, e então ficava pesado e mamãe já estava ao lado para amassar, amassar e amassar.

Então deixávamos descansar por uma meia hora para a química

acontecer.

Fazíamos um chimarrão e a turma chegava.

Era sempre uma alegria e muita risada. Nino e Jorge iam

acordar Gordo e Dudu. Tereza e Uti já pegavam as batatas e descascavam, contando como tinha sido a semana. A maionese era especialidade delas.

Mamãe abria a massa com aqueles rolos de macarrão, bem

fininha. 55


Eu enrolava cada fita daquelas e cortava os rolinhos, bem fininhos.

E ia fazendo acontecer, ao abrir os rolinhos, um por um, virava macarrão.

Pulverizava farinha de trigo ou fubá por cima e ¨soltava¨ as

tirinhas – era especializada nisso!

Com muito cuidado para não grudar, íamos fazendo a comida

a 8 mãos com muito carinho.

Mamãe sempre acabava antes de mim e ia fazer o molho à

bolonhesa.

Nesta altura o frango já estava quase assado, a maionese pronta,

e a água fervendo para cozinhar nosso macarrão.

Limpávamos a mesa e os guris colocavam os pratos e os talheres.

Ficava uma bagunça de gente, mas cada um sabia sua obrigação.

O macarrão era colocado em uma travessa enorme, o molho por

cima, queijo ralado e umas folhas de manjericão para enfeitar. O frango e a maionese já estavam lá.

Sentávamos ao redor daquela mesa enorme e, sem pressa,

comíamos. Às vezes saía briga pela coxa ou pela asa do frango, mas papai sempre resolvia cortando o disputado pedaço em 2.

A receita? Claro! É assim, ó:

Um ovo e meia xícara de farinha de trigo por pessoa.

Faz um buraco no meio da farinha e quebra os ovos lá dentro.

E aí começa o gostoso: derruba um pouco de farinha da beirada,

bate com o garfo, derruba mais um pouco e vai misturando até não conseguir mais fazer isso com o garfo.

Daí bota a mão – limpa, é claro.

Amassa, amassa, amassa, e amassa a massa.

Se grudar na mão, tem que por mais farinha. Se ficar muito dura,

um pouco de água – só um pouquinho, dentro do buraco de dedo, e amassa mais. 56

Aí deixa ela lá, quietinha, coberta com um pano por meia hora.


Ela precisa desse tempo para deixar de ser ovo e farinha e virar

macarrão.

A mamãe faz o molho:

500g de carne, um pouco de óleo no fundo da panela, 1 cebola

grande, um tomate bem grandão e um pimentão, tudo bem picadinho. Vai botando para cozinhar com a carne.

Um pouco de sal e um pouco de água para ficar molhadinho. Põe

também louro, umas folhinhas para dar um gosto bom. Quando era muita gente, ela aumentava o molho com uma cenoura ralada no ralo grosso – fica muito bom!

Depois de trinta minutos, pega uma mão de massa – daquela que

já dormiu, abre com o rolo até ficar fininha, da largura de um palmo de mão de criança, e comprida como duas mãos!

Com cuidado, polvilhando com farinha ou com fubá, enrola pela

largura e corta rodelinhas da massa como uma fita mimosa.

Abre a rodelinha e pronto, tá feito o macarrão! Salpica novamente

farinha ou fubá, para não grudar uma na outra.

A mamãe já colocou bastante água para ferver, com louro e fio

de óleo.

Aí é colocar no panelão, esperar cozinhar até ficar molinho e es-

correr.

Coloca numa travessa, macarrão, molho bem distribuído e folhas

de manjericão.

Por cima, muito, mas muito mesmo, do tal queijo parmesão.

Bom mesmo é fazer com a mamãe ou com supervisão.

Sozinho é perigoso.

Vai que precisa dar uma coçadinha no nariz e a mão tá suja de

farinha! Escritora: Maria Elaine Altoe Ilustrador: Fabio Maciel

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Macarrão Ingredientes: (para 2 pessoas) 2 ovos 1 xícara de farinha de trigo Mais farinha para polvilhar Folhas de manjericão e um pacote de queijo parmesão ralado Modo de preparo:

Coloque a farinha em um lugar grande, salpicado de farinha. Faça um bura-

quinho no meio e quebre os ovos dentro do buraquinho. Com um garfo, vai batendo e derrubando a farinha até ficar pesado para bater com garfo. Lave bem as mãos e sove a massinha que ficou. Amasse muito! Aí deixe ela “descansar” por trinta minutos. Quando passar os trinta minutos, corte em 4 e com um rolo de macarrão abra a massa para ela ficar comprida. Assim, um palmo de largura por meio metro de comprimento. Polvilhe com farinha e deixe secar em cima da mesa polvilhada. Faça com o outro. Quando tiver os 4 prontos, enrole pelo comprimento cada massa. Corte tirinhas fininhas e abra em cima da mesa polvilhada de farinha. Deixe secar enquanto faz o molho e coloque 3 litros de água para ferver. Dentro da água, ponha uma pitada de sal, uma colher de sopa de óleo e um pouco de louro em pó. Quando tiver fervendo bem, vai colocando aos poucos o macarrão. Deixe cozinhar mais ou menos uns 10 min. Experimente para ver se está molinho. Escorra.

Mamãe colocava uma colher de manteiga no macarrão escorrido, eu sou diet.

Só coloco o molho. 58


Molho à bolonhesa Ingredientes: 2 colheres de óleo de girassol 500g de carne moída 1 cebola grande bem picadinha 1 tomate grande maduro bem picadinho 1 pimentão verde bem picadinho 1 xícara de água 1 colher de sopa de sal Meu segredo: uma pitada de noz moscada moída e 1 colher de chá de louro em pó, mas se não gostar pode deixar sem.

Modo de Preparo:

Coloque o óleo de girassol na panela com a carne. Deixe refogar, mexendo de

vez em quando. Se grudar, coloque um pouco da água.

Pique bem miudinho a cebola, o tomate e o pimentão. Coloque na panela jun-

to com a carne. Mexa bem. Coloque a noz moscada, o louro e o sal e o resto da xícara de água. Mexa bem. Tem que ficar molhadinho. Deixe cozinhar mais uns 5 minutinhos com a tampa da panela fechada enquanto escorre o macarrão.

Para terminar:

Coloque o macarrão cozido numa travessa. Coloque o molho por cima do ma-

carrão. Dê uma mexida. Salpique com as folhas de manjericão e bote muito, mas muito queijo ralado em cima.

Sirva quentinho. Coma com vontade. Fica bom!!! 59


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O quindim da Dadá

Dadá estava agitada naquela manhã ensolarada de domingo. Dona

Tereza havia lhe dado uma incumbência que ela ainda não sabia como iria executar. Andava de um lado para o outro na cozinha, tentando arrumar uma solução.

— Ai, ai, ai. Já falei com toda gente! Mas as amêndoas que vieram

de Portugal já acabaram. Não sobrou nenhuma sequer – bravejava Dadá, preocupada.

Dadá nasceu na Bahia, que ela tanto amava. Mas seus pais vieram

da África e já haviam passado por muita coisa nessa vida. Dadá havia herdado de seus antepassados o espírito guerreiro e criativo, que havia lhes permitido superar tantas dificuldades até então.

Dona Tereza, nasceu em Portugal e havia chegado ao Brasil junta-

mente com seu marido, um nobre da corte portuguesa. Ela sentia muita falta da sua terra e uma forma de amenizar essas saudades era através das receitas tradicionais da sua família, que Dadá, uma cozinheira de mão cheia, preparava com perfeição. Mas nesse dia, e com esse doce específico - a tal brisa-do-lis, que Dona Tereza lhe pediu que fizesse - Dadá estava encrencada, pois faltava um dos seus ingredientes principais: as benditas amêndoas.

Bem que Dadá tentou explicar a Dona Tereza que dessa vez não

seria possível preparar a sobremesa do jantar. Mas Dona Tereza nem lhe deixou completar a frase e logo afirmou:

— Dadá, tu és muito talentosa e sei que vais conseguir dar um

jeito – disse Dona Tereza com seu característico sotaque português. 61


Dadá suspirou, um tanto preocupada e resignada. Sim, ela sa-

bia que daria um jeito, sempre dava. Dadá decidiu ir um pouco para fora da casa. Apreciar aquela paisagem da Baía de Todos-os-Santos costumava lhe inspirar. E ficou assim, observando o movimento das palhas dos coqueiros, que pareciam dançar com a brisa fresca do fim da tarde. Foi quando, de repente, Dadá teve uma ideia:

— Coco! É isso! Vou usar coco! E Deus que me ajude! Exclamou

Dadá, correndo de volta para a cozinha para pôr em prática a ideia que acabara de ter.

Um fruto muito abundante na Bahia, o coco era usado em muitos

tipos de pratos, doces e salgados. Por isso, Dadá tinha certeza que daria certo. E na hora de, finalmente, servir a sobremesa, Dadá estava confiante. Já havia provado sua receita e havia ficado deliciosa.

Dona Tereza deu a primeira mordida um tanto incrédula, como

haveria de ter ficado bom se lhe faltava o principal ingrediente, as nobres amêndoas?

Após algumas garfadas, saboreando lentamente cada mordida, o

que só aumentava a ansiedade de Dadá, Dona Tereza lhe disse:

— Dadá, de certo que esta não é a minha brisa-do-lis. Mas devo

confessar-lhe, e que ninguém mais me escute, ficou ainda melhor! Como se chama esta delícia? Dadá respirou aliviada e pensou por um instante: amarelo e brilhante como o sol, de sabor doce e delicado. Uma delícia que desmancha na boca...

— Quindim! Ele se chama quindim! – Dadá festejou.

— Quindim? É um nome simpático, mas significa alguma coisa?

— Sim. Na África, terra dos meus antepassados, significa encanto!

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— Definitivamente, é muito apropriado! – disse Dona Thereza,

ainda maravilhada com o que havia acabado de experimentar.

Este é um texto de ficção. Mas, segundo muitos historiadores,

foi mais ou menos assim que nasceu o nosso quindim: um típico doce português, o brisa-do-lis, que ganhou uma versão brasileira, graças à criatividade das africanas escravizadas, que tinham que improvisar com os ingredientes existentes no Brasil Colônia.

Escritora: Renata Goulart Ilustrador: Felipe Vellozo

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Quindim Ingredientes:

320g de açúcar 100g de manteiga 10 gemas 2 ovos inteiros 200ml de leite de coco 50g de coco ralado seco

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Modo de Preparo:

Misture a manteiga com o açúcar até formar uma pasta homogênea.

Acrescente as gemas uma a uma e os ovos inteiros, sempre mexendo.

Acrescente também o leite de coco e o coco ralado. Deixe a massa descansar

por, pelo menos, 30 minutos. Coloque a massa nas forminhas untadas com manteiga e polvilhadas com bastante açúcar.

Leve, então, ao forno pré-aquecido e em temperatura baixa, em banho-maria,

por cerca de 1 hora ou até que esteja bem bronzeado por cima e cozido por dentro.

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Morango mulato

A festa de final de ano da turma era o assunto da semana. Ia ter

enfeite, refrigerante e um monte de comida gostosa. Só faltava escolher uma coisa: a sobremesa.

— Tem que ser de leite condensado! – levantou a mão o Pedrinho.

— Não! Eu prefiro morango! – gritou a Rafinha.

— Que nada! Pode ser qualquer coisa, mas tem que ser de choco-

late, claro! – berrou o Joca.

E todos começaram a falar ao mesmo tempo.

— Calma, calma, pessoal! Não vamos decidir nada desse jeito! – disse

a professora. – Vamos fazer uma votação.

— Ah, não! Vai ser de morango e pronto! – tornou a gritar a

Rafinha.

— Rafinha, a gente vive numa democracia, não numa ditadura.

Que história é essa?

Todos se calaram. Que diabos eram aquelas palavras esquisitas

que a professora tinha dito? O Guga, que era muito curioso, perguntou:

— Que é ditadura, professora?

— Bem... é quando se faz as coisas de acordo com a própria

vontade, sem levar em consideração a opinião dos outros.

— Aaaaahhhh... E democracia?

— É quando todos têm direito de opinar para decidir alguma coisa.

Aí se faz a votação.

— Legal! Entendi! Mas, então, quem escolheu as comidas da festa

foi a ditadura, né, professora? – perguntou o Guga. 67


A professora fez cara de ponto de interrogação.

— Ué, professora, ninguém me perguntou se eu queria que tivesse

salada com pimentão. Detesto pimentão! Eca!

Achando graça, a professora concordou e mudou rapidinho de

assunto, antes que a confusão recomeçasse.

— E nossa sobremesa, pessoal?! Quem quer de morango levanta

a mão.

Foi perguntando sobre todas as sugestões dadas pelos alunos. No

final, deu empate entre o chocolate e o morango.

— E agora? Que vamos fazer? – preocupou-se a Laurinha.

— E se tiver alguém que não gosta de morango, nem de chocola-

te? – perguntou o Júlio.

— Impossível! – gritou o Joca.

— Ei, ei, meninos, acalmem-se. Se algum dia vocês descobrirem o

segredo para agradar a todos, por favor, contem para mim, tá? – disse a professora.

— Mas não é uma democracia? – questionou Lili.

— Sim, Lili. Vai ser o que a maioria preferir, ok?

— OOOOKEEEEIIII – disseram juntinhos os alunos.

— A votação final vai ser amanhã. Morango versus chocolate. Os

representantes vão ser a Rafinha e o Joca, já que as sugestões foram deles. Primeiro vamos fazer um debate e depois a votação. Até amanhã, meninos!

A proposta da professora entusiasmou ainda mais os alunos.

Os que já tinham preferência de sobremesa se juntaram para pensar no que dizer para convencer os indecisos. Fizeram reunião, discutiram, pesquisaram na internet e prepararam cartazes. 68


No dia seguinte estava tudo pronto para o debate. O pior é que

tiveram que conter a ansiedade até metade da aula! Mas finalmente chegou a grande hora.

A professora tinha dois papéis na mão, que embaralhava sem

parar.

— Vou escolher o candidato que vai abrir o debate. Quem será...

Chocolate! Vamos lá, Joca.

O Joca falou por dez minutos sobre os efeitos positivos do

chocolate. Depois, pelo mesmo tempo, foi a vez da Rafinha.

— Agora um espaço para comentários finais, meninos. Joca, você

primeiro.

— Quero lembrar que a Rafinha tá defendendo uma fruta que é

cheia de agrotóxicos! Isso ela não falou.

— Ah, é? Você também não disse que chocolate é danado pra

engordar! E tem mais: o Joca não sabe de nada. Tá sempre dormindo do fundo da sala! Vaias tomaram a sala.

— O que eu posso fazer, se não preciso puxar o saco da professora

pra tirar nota boa?!

Mais vaias.

— Ok, ok! Tá bom, gente! Sem brigas! Vamos à votação!

A votação era secreta. Cada um tinha que depositar um papel

numa caixinha atrás de um biombo. Quando o último voto foi depositado, a professora fez a apuração.

— Foram doze votos para o morango e vinte e três para o

chocolate!!

69


O grupo do Joca pulou de alegria e a Rafinha abriu o berreiro. Aos trancos e barrancos a aula se seguiu. O Joca não tirou mais os olhos da Rafinha. Como pode alguém chorar tanto tempo?

A festa era no domingo. Antes de liberar a turma, a professora

perguntou:

— Quem pode trazer a sobremesa de chocolate?

— Eu mesmo, professora!! – gritou o Joca.

A professora só teve tempo de fazer um ok antes do sinal da saída

tocar e começar a correria.

No domingo, a festa iniciou à tardinha. Toda a turma compareceu

e os quitutes estavam uma delícia. A sobremesa que o Joca levou estava numa tigela fechada. Ninguém conseguia ver o que era.

Terminada a comilança de pratos salgados, a expectativa das

crianças era enorme. Que será que o Joca trouxe? Ficaram todos esperando o menino abrir a tigela. Ele fez isso cheio de graça. Estava adorando aquele clima de suspense. Foi então que...

— Não acredito!!! – Rafinha ficou histérica.

— O nome é Morango Mulato, especialidade da minha mãe. – disse o

Joca, orgulhoso, mostrando a sobremesa. Era de morango! Com muito chocolate! E ainda levava leite condensado pra deixar mais gostoso.

Não teve ninguém que não quisesse provar. Até a professora, que

estava de dieta, pegou um naco. Espetacular. Acabou rapidinho e, no final, todos elogiaram e pediram a receita. A primeira foi a Rafinha, que tascou um baita abraço no Joca. 70


Ao se despedir da professora, o menino cochichou no seu ouvido.

— Professora, descobri o segredo pra agradar a todos!

Ela olhou para ele com um sorriso doce.

— Verdade? Qual é?

— Vontade, professora! É só querer! Então o Joca a beijou e se foi, todo prosa. Tomada de ternura, ela

observou o menino até o perder de vista.

— E, quem dera, o mundo inteiro fosse feito de crianças.

Escritora: Luciana Peralva Ilustradora: Sandra Ronca

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Morango mulato Ingredientes:

3 latas de leite condensado 1 colher (sopa) de margarina 2 latas de creme de leite 3 caixas de morangos lavados 500g de chocolate meio amargo

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Modo de preparo:

Leve ao fogo o leite condensado com a margarina e mexa até engrossar. Retire

do fogo e misture uma lata de creme de leite. Despeje o creme em um refratário e reserve. Corte os morangos ao meio e espalhe sobre o creme (reserve alguns inteiros para decorar). Derreta o chocolate em banho-maria, acrescente uma lata de creme de leite e misture até ficar homogêneo. Após amornar, despeje sobre os morangos no refratário, decore com os morangos restantes e leve à geladeira. Sirva gelado.

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O suspiro dos meus dias

Ainda hoje, quando sento à mesa para o lanche e encontro uma

cesta com suspiros frescos e quentinhos, o meu coração dispara, a minha boca saliva e a minha memória viaja no tempo…

Rio de Janeiro. 1988. Bairro da Tijuca. Eu, apenas uma menina de

seis anos de idade. Olhos castanhos grandes e profundos, narizinho arrebitado, covinhas na bochecha, cabelos castanhos com as pontas douradas. Uma menina que estava descobrindo o mundo e que adorava assaltar a dispensa e a geladeira da vovó. Amália, que doce de vó!

A senhora de quase setenta anos, com olhos cor de mel, cachinhos

brancos como floquinhos de neve, era um amor de pessoa. Daquelas que colore os dias cinzas com aromas e sabores diferentes, sempre com uma pitada de poesia.

Além de Amália ser alegre, divertida e amorosa, ainda cozi-

nhava como ninguém. Tudo o que ela fazia era saboroso. Desde um simples pão caseiro até os pratos mais carnavalescos. Mas o que eu amava mesmo era o suspiro. Aquele doce que mais parecia uma nuvem a derreter em nossos lábios. Crocante por fora, quentinho por dentro. Um sabor indecifrável, de fazer qualquer um suspirar.

E o suspiro acompanhou a minha infância. No início, o suspiro era

apenas o melhor doce do mundo. Mas, depois, com o passar do tempo, fui descobrindo outros significados para o suspiro…

Ainda lembro do dia em que me formei na pré-escola. Mamãe

estava nervosa, papai não falava coisa com coisa. Está ficando uma mocinha, Dora!, era só o que eu ouvia de cada parente que passava e 75


apertava as minhas bochechas, que estavam mais vermelhas do que dois pimentões. Ganhei muitos beijos, diversos abraços, quinhentos elogios. Ainda lembro do gosto açucarado daquele dia. Ali, suspirei emocionada!

Em uma tarde chuvosa do mês de abril, fui ao supermercado

com a mamãe. Eu gostava de passear por aquele lugar recheado de cores e sabores. Mas, ao invés de ajudar com as compras, brinquei de esconde-esconde comigo mesma. Acabei perdida entre estantes cheias de leites e biscoitos. O medo tomou conta de mim. O choro veio alto. Mamãe apareceu com cara de zangada. Mas o abraço veio em seguida, com um gosto doce e feliz. Suspirei contente!

Meses depois, quando completei sete anos, ganhei uma grande

festa. Com direito a muitos amigos, fantasias, brincadeiras. Eu era a verdadeira princesa naquele reino de gente a dançar e a conversar por ali. A alegria invadiu o salão naquela tarde ensolarada de domingo. Mamãe e papai vestiam seus melhores sorrisos. Que dia mais doce e inesquecível! Suspirei agradecida!

Tempos depois, caí de bicicleta no meio da rua e quebrei o braço.

Eu gritava de dor e ainda tinha de aguentar o susto da mamãe ao ver o sangue jorrado no meio fio junto da voz rude do papai ao me culpar pelo ocorrido. Fui para o hospital, gemendo de dor. Horas depois, a cirurgia foi um sucesso. Mais um gosto adocicado depois de um grande susto. Deu tudo certo. Suspirei aliviada!

Nas férias de julho, papai e mamãe decidiram: Dora, vamos viajar

pelo mundo! Fomos para vários lugares. Mais de vinte dias longe de casa. Trocava cartinhas com a vovó Amália, mandando fotos dos lugares por onde íamos. Havia praia, com água quentinha para eu me banhar. Havia parques, com brinquedos diferentes para eu me divertir. Havia shoppings, 76


com muitas lojas para eu passear. Havia museus, com diversos segredos para eu descobrir. Voltei com um sorriso no rosto. A viagem mais doce da minha vida. Suspirei animada!

Em um outro dia, meus pais brigaram feio. Papai não parava de

gritar. Mamãe não parava de chorar. Ele pegou suas roupas e foi embora. Eu e mamãe ficamos ali, sentadas no sofá da sala, entre lágrimas e soluços. Até que vovó Amália chegou. Conversou, abraçou, beijou. O carinho também é doce. Suspirei esperançosa!

Assim, com sete anos de idade, descobri que o suspiro pode ser o

doce mais saboroso. Não apenas o doce que a vovó Amália fazia, mas o doce que a vida prepara para a gente. Que mais suspiros encham a minha mesa e a minha vida!

Escritora: Ana Rapha Nunes Ilustradora: Luciana Nabuco

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Suspiro Ingredientes:

6 claras 3 xícaras (chá) de açúcar 1 colher (chá) de suco de limão 1 colher (chá) de raspas de limão

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Modo de preparo:

Em uma panela, em fogo baixo, misture as claras com o açúcar por aproxima-

damente 3 minutos, mexendo sem parar. Retire do fogo e coloque direto na batedeira em velocidade alta, até dar o ponto firme, por aproximadamente 5 minutos. Adicione o suco de limão e as raspas, batendo mais um pouco para incorporar bem. Coloque em um saco de confeitar, e sobre uma assadeira forrada com papel manteiga faça os suspiros. Leve para assar em forno pré-aquecido a 180° até dourar levemente. Retire do forno com cuidado, espere esfriar e está pronto para servir.

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Por que tanto suspiro?

Lá em casa tem uma cadeira de papai, bem fofinha. Quando ele

não está em casa, sento nela com a minha avó. Eu sou pequena e a minha avó é bem magrinha, então sentamos juntas bem abraçadas, para contar e ouvir histórias. É a minha hora favorita do dia! Tem história de boneca que fala, de coelho de relógio e de príncipe que mora em um planetinha lá no céu. No final de cada história, tem abraço, beijo e um cafuné que não termina nunca. No meio deste carinho, tem suspiro. Um, dois, três – incontáveis suspiros.

No pé da estante de livros, ao lado do toca-discos, encontro

sempre a minha mãe. Perguntei a ela:

— Porque tanto suspiro? A vovó está na janela e escuto

suspiro. Está cozinhando e escuto suspiro. Está passeando na praça e escuto suspiro!

Minha mãe disse que a gente suspira por vários motivos.

Saudade do tempo que já passou, felicidade, amor, decepção, preocupação. Quando estes sentimentos não cabem dentro da alma, escapam um pouquinho na respiração e a gente escuta.

A Nina escutou essa conversa e me chamou na cozinha:

— Vamos fazer um doce?

— Oba, vou poder cozinhar? – Respondi com uma alegria que não

cabia em mim.

Nina pegou ovos e açúcar e eu pensei: Vem coisa boa aí! Pegou 81


uma tigela e um objeto esquisito, todo entrelaçado por fios de metal.. Ela viu minha cara de curiosidade e explicou que o nome daquela colher era batedor. Vou levar na escola este batedor! Quando aquela menina vier me bater, eu mostro o batedor e ela vai sair correndo, nem vou precisar chamar minha irmã caçula para me defender.

Lá estavam os ingredientes, em cima do balcão. Nina quebrou os

ovos e separou as claras das gemas. Acho que as gemas ficaram com ciúmes, pois elas foram deixadas de lado. As claras foram todas para a tigela, batidas até virarem espuma. Eu ajudei a bater e, enquanto me esforçava para fazer igual, Nina ia colocando o açúcar branquinho e brilhante. Quando eu cansava o braço, nós trocávamos, ela batia e eu derramava o açúcar bem devagarzinho. Se eu derramava um pouco fora da tigela, ela batia com o dedo no açúcar espalhado na mesa, lambia e dizia “alegria, alegria, alegria”, como ensinou a minha tia. As claras viraram merengue e, com uma colher, foram colocadas na assadeira várias porções que pareciam pequenas nuvens lá do céu. Depois disso, direto para o forno quentinho. Voltei para o livro “Clarissa”, de Erico Veríssimo. Estava lendo escondido dos adultos que diziam não ser para criança da minha idade. Este livro me fazia suspirar.

No fim da tarde, Nina chamou-nos e fomos todos para a sala,

queria apresentar um suspiro diferente. Sentamos no sofá verde e dentro da bomboneira de vidro estavam os merenguinhos assados, coradinhos, crocantes por fora e moles por dentro. Respiramos aquele aroma doce e o tempo parou por alguns instantes como se o coelho de relógio 82


estivesse por ali. Provamos e estava muito bom! Logo a bomboneira ficou vazia e todas nós suspiramos juntas de saudades dos suspiros. Caímos na risada!

É, minha mãe tinha razão! Hoje não sou mais criança, mas sus-

piro de saudades daqueles momentos na cadeira do papai onde eu e minha avó sentávamos juntas suspirando de felicidade!

Escritora: Eleonora Medeiros Ilustradora: Patrícia Melo

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Suspiros da Nina Ingredientes:

3 claras 6 colheres de sopa de açúcar

UtensĂ­lios:

Vasilha para bater as claras Recipiente com tampa para guardar as gemas Batedeira ou batedor de ovos Colheres Assadeira Papel manteiga Forno

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Modo de Preparo:

Quebre os ovos e separe as claras das gemas. Bata as claras em neve e, aos

poucos, vá acrescentando o açúcar. Bata até obter um merengue firme e brilhante.

Pré aqueça o forno e forre uma assadeira com papel manteiga.

Com ajuda de duas colheres, coloque pequenas porções de merengue

sobre o papel.

Asse em forno baixo por 1 hora. Desligue o forno e deixe os suspiros lá

até esfriar.

Dicas da Nina:

A vasilha para bater o merengue deve estar bem limpa e seca. As de alumínio ou

de vidro são as mais indicadas.

Raspas de limão podem ser acrescentadas no merengue firme e brilhante.

Se o forno for a gás, deixe a porta entreaberta com ajuda de um guardanapo de

pano dobrado.

Sempre peça ajuda para um adulto quando for usar o forno ou fogão.

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A torta húngara

Aparentemente é uma casa vazia. Entramos e chegamos à

cozinha e lá está, até hoje, o fogão a lenha, de ferro, da tia Isa. O silêncio atualiza minhas lembranças. É como se o fogo do passado acordasse todas as minhas memórias. Um delicioso aroma de infância, com cheiro de passas e canela, toma conta de mim. Ou será ilusão do meu afeto pelo que se passou ali?

Muito estranho estar aqui depois de tanto tempo. A casa do

tamarineiro é a cara da nossa infância. A árvore de folhas miúdas sombreia o muro branco da casa e se destaca das outras da redondeza. Relembro suas flores amarelas avermelhadas, que às vezes também combinavam o rosa e o roxo. Da fruta, de polpa agridoce, posso sentir, agora, aqui, o gosto e o aroma. E também seus vários sabores que acompanharam minha vida: doces, geleias, refrescos, sorvetes e tudo mais delicioso que a fruta podia dar. Conta a lenda familiar que a árvore tem a minha idade. Mas isso não é uma unanimidade. A minha irmã mais velha reivindica para si a honraria. No quintal, muitas outras árvores e frutas despertam minhas emoções.

Revivo na minha imaginação, nas vozes infantis do passado, a

algazarra dos nossos piqueniques. A única grande preocupação da época era escolher, no quintal, a sombra da árvore da vez. Bons tempos, aqueles!

Torta húngara ou torta búlgara?

O tio João:

— Isa, isto é torta búlgara. Não sei porque você insiste que é

torta húngara! 87


A tia Isa:

— Você não entende nada, João. A torta búlgara é uma torta de

chocolate com cara de bolo solado e jeito de pudim. Muito diferente da minha torta húngara. Não insista!

Essa polêmica nos acompanhou no dia a dia daquela casa tão

especial.

Ficávamos imaginando a torta húngara da tia Isa, que conhecía-

mos tão bem, acompanhada do chocolate da torta que o tio João tanto falava. A grande torcida era mesmo pela parceria das duas. E permanecemos, assim, na dúvida, na torcida e na expectativa.

A tia Isa continuou firme na sua receita da torta húngara e o tio

João repetindo a mesma reclamação com a sua torta búlgara. A nossa esperança era que um dia ele resolvesse provar a sua teoria e fizesse a tal torta com chocolate. Para nós não interessava o nome e sim o sabor que já imaginávamos delicioso.

Mas não era só essa a polêmica existente entre os dois. O tio João,

que também gostava de cozinhar, vivia implicando com o fogão a lenha da tia Isa. Ele torcia o nariz para o fogão dela porque o achava muito trabalhoso. Desencontros familiares! E, um dia, parou de reclamar porque resolveu comprar um fogão, comum, a gás. Desde então, a cozinha tinha dois fogões. E nós é que saímos ganhando. Os fogões ficavam separados pela mesa de toalha quadriculada de vermelho, onde ficávamos acompanhando, interessadíssimos, as receitas dos dois.

Mas foi do fogão da tia Isa que saiu a receita da torta húngara, que

povoou a nossa preferência e lembranças da infância. A torta húngara era unanimidade até entre os adultos.

Nós, crianças, achávamos que a torta húngara tinha gosto de

Natal. Talvez, por conta da combinação de passas, açúcar e canela da 88


receita. Quando o seu aroma invadia a casa nós interrompíamos qualquer brincadeira e corríamos para a cozinha. Era a hora do acabamento da torta que ficava por nossa conta. Ainda quente, depois de desenformada, a cobríamos com açúcar e canela. Era a maior farra! E ficávamos, por ali, ansiosos, rondando, aguardando ela esfriar e enfim poder competir e discutir a quantidade da delícia a que teríamos direito. Ainda hoje, só de pensar, a boca enche de água e o coração de muita saudade.

Torta húngara ou torta búlgara?

Na visita anterior à casa do tamarineiro, a tia Isa já tinha partido e

tive a minha última conversa com um tio João já muito velhinho. Papo muito bom! Muita recordação dos velhos tempos. Ao final a pergunta que nos fizemos durante muito tempo:

– “E a sua eterna reclamação sobre a torta búlgara, tio João?”

No único momento em que um sorriso apareceu no seu rosto,

confessou:

– “Foi uma invenção minha para despertar a atenção de vocês!

A torta búlgara, até deve existir, mas como eu nunca soube fazer torta alguma e queria fazer concorrência com o interesse de vocês pela torta da sua tia, inventei essa história.” Fiquei feliz com mais esse carinho do tio João.

Torta húngara ou torta búlgara?

Será que a torta búlgara é mesmo “uma torta de chocolate

com cara de bolo solado e jeito de pudim”, como dizia a tia Isa? Na dúvida, prefiro continuar na minha preferência pelo sabor das minhas lembranças. Escritora: Neide Graça Ilustrador: André Flauzino

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Torta Húngara Ingredientes:

3 ovos inteiros 2 xícaras de açúcar 100g de margarina derretida + um pouco de óleo 1 lata de creme de leite 2 e 1/2 xícaras de farinha de trigo 2 colheres de sopa de queijo parmesão ralado 1 colher de sopa de fermento em pó 100g de uva passa Açúcar e canela

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Modo de preparo:

Bata no liquidificador: os ovos, a margarina derretida e o óleo, o queijo e o creme de leite. Em uma tigela, coloque a farinha de trigo, as passas e o fermento e junte a mistura feita no liquidificador. Mexa delicadamente. Coloque em uma forma de buraco untada com margarina e polvilhada com farinha de trigo. Leve ao forno médio, pré-aquecido por cerca de 30 minutos, ou até dourar. Depois de assada, desenforme e polvilhe açúcar e canela em pó.

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O avental da doceira

Mãe e filha viviam em uma cidade triste, tão triste que com o

passar dos anos os moradores foram se esquecendo das pequenas coisas que dão sabor à vida, como brincar, conversar e rir. Ninguém conversava mais, e com o passar do tempo foram esquecendo-se de pronunciar palavras e expressões como “te amo!” ou “não fale de boca cheia!” e até o nome das pessoas foi sendo esquecido.

Como todo mundo precisa se comunicar – não necessariamente

conversar – os moradores passaram a se chamar pelas profissões em que trabalhavam. Assim, na cidade não havia mais Marias e Joões, apenas a Professora, o Mágico, o Sapateiro. Até o nome das crianças se perderam com o tempo e elas passaram a ser chamadas de Pequenos.

As pessoas da cidade estavam tão preocupadas em trabalhar.

trabalhar… trabalhar, que a criatividade para inventar nomes esdrúxulos para os bichos de estimação acabou e eles se tornaram o cachorro, o gato, o passarinho, a tartaruga.

E na casa da Lavadeira não foi diferente.

— Pequena! Desce para me ajudar. E o som da voz materna tirou

a menina dos devaneios infantis.

Ao descer do último degrau da escada, correndo e pulando como

toda criança, a menina tropeçou em uma imensa trouxa de roupas que a mãe lavaria para depois passar e dobrar – uma trabalheira!

Depois de se aprumar novamente, a Pequena tratou de desatar o

nó que unia as pontas de um grande lençol florido que formava a trouxa e um perfume adocicado flutuou no ar. 93


— Gostoso! Murmurou.

— Ah! O cheiro vem das roupas. Esta trouxa é da Doceira.

— É perfumosa com os perfumes mais perfumosos que meu nariz

já se perfumou.

Com o avental da Doceira nas mãos, Pequena percebeu que além

do cheiro, o pedaço de tecido tinha tatuado em suas fibras as cores e formas mais lindas que o olhar poderia ver.

Então, mãe e filha, esquecendo-se do trabalho, sentaram no de-

grau da escada e começaram a ler as histórias contadas pelo avental da Doceira.

— Mãe, uma mancha pinica meu dedo e a outra não. Pequena

encantou-se com as manchas brancas do avental quando seus dedinhos deslizaram sobre o tecido.

— A manchinha que arranha a pontinha dos seus dedos é feita de

cristais de açúcar e a outra feita de floquinhos de trigo.

Agora na cozinha da pequena casa, mãe e filha brincavam com os

ingredientes culinários conforme apareciam na história contada nas tramas do tecido.

— Vou colocar dois punhados de trigo e um de açúcar na peneira.

Rapidamente a Pequena perguntou:

— Quanto é um punhado? É mais ou menos que uma “mãozada”?

— Um punhado? Ora! É uma mão cheia de qualquer coisa.

Mas a resposta não convenceu a pequena, que continuou a

perguntar:

— Da minha mão ou da sua? E mostrou à mãe a diferença de

tamanho entre elas. 94


E a mãe, sabendo que a filha não desistiria de receber informações

precisas disse: — Vamos usar uma caneca? E pegando um punhado de trigo e colocando na caneca, as duas perceberam que um punhado da mão da mãe correspondia a uma caneca, e assim foram medindo os ingredientes.

— Veja! Criei uma tempestade de neve fininha e brilhante dentro

da tigela.

E a menina ficou hipnotizada com a mágica feita pela mãe.

— Pequena, esta mancha amarela é da gema de ovo.

E as pequeninas mãos da menina, quebraram a casca de um ovo

sobre a farinha e o açúcar: “– É um lindo e redondinho sol entre nuvens brancas e fofinhas”.

— Decifrando esta manchinha, digo que a Doceira usou manteiga

na receita. Vamos colocar uma colherada grande e três ou quatro gotinhas de baunilha também, pois o perfume da baunilha está adocicando a nossa respiração quando tocamos o avental.

De repente Pequena achou um pedacinho de castanha grudado no

pano e gritou de alegria:

— Achei pedrinhas iguais às do nosso jardim!

— São lasquinhas de castanhas.

— UAU!

— Temos ainda duas ou três guardadas da época do Natal, vamos

picá-las para juntar à massa. Nossos biscoitos ficarão mais gostosos e bonitos.

— HUUUUM! 95


E a quatro mãos e muitas brincadeiras, mãe e filha trabalharam

a massa até esta ficar lisinha e uniforme. Depois de a massa descansar por meia hora, enquanto o forno era aquecido e a forma untada, ela foi estendida sobre a mesa enfarinhada. Com o rolo deslizando para todos os lados, a massa ficou fina e uniforme, pronta para ser cortada nos mais diversos formatos: bonecos, flores, estrelas, coraçõezinhos. Finalmente a mãe colocou com cuidado a forma no forno quente.

O perfume dos biscoitos assando no forno foi como uma brisa que

nasce das flores após uma chuva de gotas de pedacinhos do céu.

— Como vamos colorir os biscoitos?

— Vamos ler o avental da Doceira. Oh! Sinta o doce perfume

de chocolate.

— HUUUM! A mancha parece o focinho de um cachorrinho chama-

do Choco que late... late... late.

E chocolate derretido foi deitado sobre algumas bolachas que ain-

da foram salpicadas de confeitos coloridos, outras ganharam geleia de framboesa, e até melado foi usado na brincadeira de colorir. Conforme as bolachinhas foram ganhando aromas e cores de alegria, a casa ganhou vida e a vida das moradoras ganhou alegria.

Depois de horas decifrando o mistério escondido nas tramas do

avental da Doceira e fazendo deliciosos biscoitos e rindo para a as pequenas alegrias da vida, mãe e filha perceberam que tinham assado e enfeitado dezenas e dezenas de biscoitos.

— O que faremos com tantas bolachinhas? São muitas para ape-

nas duas bocas as devorarem. 96

— Ora, ora, mamãe! Vamos distribuí-las.


E assim, a Lavadeira e sua filha, a Pequena, bateram de porta em

porta. No início, elas ouviam apenas um tímido murmúrio de agradecimento, que vinha acompanhado de um sorriso sem prática de sorrir. Obrigado!

De bolacha em bolacha, de conversa em conversa, a cidade voltou

a ser povoada por Marias e Joões, felizes moradores da agora cidade feliz. E assim os moradores relembraram como é bom conversar e rir e brincar, relembraram para nunca mais esquecer.

Escritora: Lilian Guinski Ilustrador: Laerte Silvino

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Bolachas natalinas Ingredientes da bolacha:

200g de farinha de trigo 75g de açúcar 80g de manteiga sem sal 2 gemas 2 colheres de sopa de leite Gotinhas de essência de baunilha

Modo de preparo:

Peneire junto todos os ingredientes secos. Faça um vulcão e no centro coloque as gemas, o leite, a manteiga e a baunilha. Misture tudo delicadamente até obter uma massa lisinha. Deixe descansar por 30 minutos na geladeira e depois abra com o rolo e corte nos formatos desejados. Asse em forno quente por 15 minutos.

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Ingredientes do glacê:

1 clara em neve 225g de açúcar de confeiteiro Gotas de suco de limão Corante alimentar hidrossolúvel (cores variadas)

Modo de preparo:

Bata as claras até obter ponto de neve e junte aos poucos o açúcar e as gotas de

limão, sempre batendo. Divida o glacê branco em potinhos para colorir com o corante.

Com as bolachas já resfriadas decore e enfeite com o glacê e, se desejar, com

confeitos coloridos.

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Rosquinhas da vovó para sempre

A história das rosquinhas da vovó não começou exatamente com

o tio Jaime. Vovó herdou essa receita da mãe dela, minha bisavó. É uma receita cheia de histórias da família. Quando a gente faz as rosquinhas com a mamãe, ela conta um monte dessas histórias. Às vezes até repete uma ou outra, mas a gente nem liga. Uma das histórias que mais gosto é da época que a vovó fazia rosquinhas para vender.

Vovó fazia e quem saía para vender era a minha tia Catarina, a

irmã mais velha da mamãe. Ela já casou muitas vezes. E duas vezes com o mesmo ex-marido. Isso mesmo. Ela se casou com meu tio Jaime três vezes, e de cada um dos casamentos com ele, nasceram suas três filhas. Tia Catarina se arrumava, enchia o cesto de rosquinhas e saía com o cesto morro abaixo para vender. Vovó dizia que ela só podia voltar para casa com o cesto vazio e o dinheiro no bolso. E tia Catarina obedecia. Voltava de cesto vazio, dinheiro no bolso, mas cada dia mais tarde. Vovó começou a desconfiar daquela demora, e, um belo dia, deixou mamãe cuidando da louça e seguiu tia Catarina.

Primeiro

vovó

teve

da

tia.

Subir

e

descer

aquele

morro com o cesto exigia habilidade e muito cuidado. Depois ficou toda orgulhosa vendo o quanto ela se esforçava para vender. Embrulhava 101


nos saquinhos para quem pedia para viagem, dava o troco rápido, limpa-queixo para dar conta do açúcar e da canela e etc. Vovó ficou até pensando que talvez ela ainda fosse muito mocinha para aquele trabalho.

Quando vovó viu o cesto praticamente vazio pensou em chamá-la

e dizer que não precisava vender aquelas últimas rosquinhas, que poderia voltar para casa. Mas, de repente viu titia atravessar a rua. Do outro lado, um moço todo arrumadinho e perfumado acenava para ela. Vovó recuou para observar. “É apenas um cliente”, pensou.

Tia Catarina desceu o cesto, o moço esticou o dinheiro e ela

entregou as rosquinhas. O moço mordeu um pedaço da rosquinha e elogiou. Tia Catarina sorriu e os dois sentaram em um banco próximo. Vovó atravessou a rua dando um grito que ecoou por toda a praça do morro:

— Catarinaaaaaaaaa!

Tio Jaime não pensou, apenas correu. Mas depois voltou algumas

vezes, até ficar noivo e se casar com tia Catarina. Na família todo mundo diz que ele se casa com tia Catarina toda vez que sente falta das rosquinhas da vovó. Se for isso, ele está certo. Não dá para viver sem essas rosquinhas!

Vovô não concorda com isso, ele já anda cansado de rosquinhas.

Diz que já passou da hora de criar outra receita. Eu entendo os motivos do meu avô. Não é para rir, não, mas mamãe conta que ele era fissurado nas 102


rosquinhas e que uma vez vovó errou a receita e a dentadura do vovô ficou presa na rosquinha. Ok, pode rir. É engraçado! Se o vovô está perto fica mais engraçado ainda, porque ele jura que é tudo invenção. Eu nem ligo. Verdadeiras ou não, todas as histórias das rosquinhas da vovó são fantásticas.

Seu Rosquinha, vizinho da vovó e do vovô, ganhou esse apelido de

tanta rosquinha que comprava. Dona Maria comia as rosquinhas rezando. Tio Mário, um dos melhores vendedores da vovó, era conhecido como o gigante das rosquinhas. A gente conhece essas histórias de trás para frente, mas sempre que mamãe conta soltamos gargalhadas.

Nossa chance de comer rosquinhas também está virando uma das

histórias. Papai adora pudim de claras. Receita que mamãe aprendeu para aproveitar as claras que sobravam do preparo das rosquinhas. Naquela época a mamãe fazia o pudim para não desperdiçar as claras. Agora ela faz as rosquinhas para não desperdiçar as gemas. Trocou seis por meia dúzia, é o que dizem os meus tios para provocar a mamãe. Mas, a verdade é que ela sabe fazer um monte de receitas com gemas. Isso dificulta nossa vida, e aumenta nossa expectativa nos dias de pudim de clara. Rosquinhas. Quindim. Fio de ovos. Baba de moça. Creme de sonho. Barriga de freira. Queijadinha. Bom-bocado. A gente torce, mas nunca sabe o que mamãe vai preparar até seu chamado ecoar pela casa: 103


— Venham, crianças, vamos fazer as rosquinhas da vovó.

Depois do chamado da mamãe corremos e lavamos as mãos. Mi-

nha irmã prende os cabelos também. Nós já sabemos a receita ‘de cor e salteado’, mas mamãe sempre repete. Os ingredientes e o passo a passo. Parece que ela não quer que a gente esqueça nada. Ou será apenas porque temos que fazer matemática para essa receita? É impressionante! Nunca tem um número certo de ovos para fazer o pudim.

Hoje, o almoço da família foi aqui em casa. Mamãe fez pudim de

claras e nós ajudamos a preparar as rosquinhas. Na hora que as rosquinhas chegaram à mesa, a farra, ou melhor, a batalha de histórias das rosquinhas da vovó começou. Fiquei ali escutando tudo, e pensando quem vai levar essas histórias adiante. Na dúvida, corri para escrever essa primeira carta de memória. Vou anotar a receita no verso dessa folha e guardar bem guardadinha no meu baú.

Eu gosto tanto da cozinha, digo, rosquinhas!

Assinado Pierre Monção, o mestre das rosquinhas!

Rio, 17/03/1980

— Pai, vem aqui! Achei uma cartinha no fundo falso do seu baú. 104


Quem é Pierre?

— Sou eu, filha. Era assim que sua vó me chamava na cozinha.

— Caramba, pai! Você sempre soube que seria um Chef

de cozinha? — Não sei. Talvez sim. Vamos testar esta receita? E pode revirar este baú. Tem um monte de cartas e receitas escondidas nele.

Escritora: Simone Mota Ilustradora: Márcia Széliga

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Rosquinhas da vovó Cecília Esta é uma receita da minha família. Mamãe fazia muito quando éramos criança e minha tia ainda faz. No mês de março deste ano, sem saber da antologia, ela fez e mandou algumas para mim. A história é ficção ou talvez uma memória inventada.

Ingredientes:

8 gemas ¾ de xícara de açúcar 1 colher de sobremesa de margarina 1 colher de chá de essência de baunilha 1 colher de sopa de fermento químico em pó 1 xícara de chá de farinha de trigo aproximadamente Óleo para fritar Canela e açúcar para polvilhar

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Modo de preparo:

Em uma tigela, misture bem as gemas, o açúcar, a margarina e a baunilha até

obter uma mistura homogênea e cremosa. Aos poucos vá acrescentando farinha de trigo para obter uma consistência parecida com massa de empada, apenas um pouco mais mole, ainda sujando as mãos. Polvilhe farinha sobre uma superfície lisa e plana, pegue uma colherada da massa jogue sobre essa farinha e modele as rosquinhas. Se não tiver muita habilidade, coloque farinha em um tabuleiro, jogue as colheradas de massa e faça pequenas bolinhas, depois transforme as bolinhas em canudinhos e finalmente modele as rosquinhas. Farinha apenas para enrolar e modelar. Não exagere na farinha para que suas rosquinhas não fiquem endurecidas.

Depois aqueça óleo em uma frigideira com boa profundidade. Frite as ros-

quinhas e polvilhe com uma mistura de açúcar e canela, usando a proporção de sua preferência.

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Vontade que dá...

É do temperamento dela não avisar que vem. Sim, também acho

que é falta de educação chegar na casa de uma pessoa sem avisar. Mas sabe o que é? Ela sabe que é importante e está sempre convidada. Mas é verdade que, às vezes, ela chega quando estou distraída ou focada em alguma coisa bem urgente. No ônibus, na fila, no banho, no meio da noite, ela me procura, se encosta e diz que está na hora de... escrever.

É feito chuva que resolve cair em dia de passeio ao ar livre...

Ou gripe que assalta na sexta-feira...

Ou convite bom que compete com outros três melhores ainda para

a mesma hora no mesmo dia...

E então era dia de festa: a minha, do meu aniversário.

A casa inteira estava se arrumando. A mesa, as flores, o bolo no

forno. E eu, a aniversariante, a encarregada de fazer os brigadeiros*, me sinto intimada a... escrever! Eta, vontade entrona! Não sabe que não é hora!

Escrever o quê agora? Serve receita de brigadeiro?

Eu perguntava para provocar.

A vontade estava lá, mas desacompanhada de ideia. Me diz: para

escrever não é preciso personagens, enredo, cenário, mistério, herói, fada, princesa, cavalo, castelo?

Fato é que eu só pensava que aquele era dia de festa. Que festa

tinha que ter música, comida boa, convidados... e brigadeiro!!!

A toda hora me chamavam para ver um detalhe dos preparativos.

Eu tentava largar do computador e só vinha a vontade danada, sem me apresentar nenhuma ideia fabulosa, mas sem largar do meu pé. Ou da minha mão, sei lá. Que era da minha mão que eu precisava para mexer a colher de pau.

Resolvi, então, passar a receita na cabeça para ver se a vontade

se tocava e deixava para aparecer em outra hora. 109


Ah, como eu adoro brigadeiro! A melhor história envolvendo essas

preciosas bolinhas passadas no açúcar (ou não) é que era uma vez uma quarta-feira à tarde (ou era quinta, terça, segunda, não sei); devia eu ter uns dez anos. Telefonei para o trabalho da minha mãe. Liguei porque me deu AQUELA vontade. Eu estava assistindo à TV e acho que chovia. Não importa. A vontade, enlouquecida e incontrolável, de comer brigadeiro despencou na minha cabeça. Então liguei para saber se podia fazer. Disseram que minha mãe estava em reunião. E perguntaram se era urgente. Não titubiei: SIIIIM, é urgeeeeente.

A vontade de comer brigadeiro era maior e tinha mais ou menos a

mesma idade que eu, mas pesava mais e gostava de uma briga. Se eu não comesse brigadeiro naquela tarde, podia até ser que ficasse sem dormir por uma semana. Tipo quando dá vontade de escrever. Se a criatura não obedece, explode. É o que diz a lenda.

Voltando ao dia em que eu interrompi uma reunião para perguntar

à minha mãe se podia fazer brigadeiro...

Pode, ela respondeu, com raiva entre os dentes. E alívio talvez,

porque deve ter imaginado em série uma dúzia de barbaridades que podiam ter me acontecido.

Nesse dia aprendi a abrir lata de leite condensado e a fazer

brigadeiro. Demorei quase a tarde inteira para abrir a lata. Era difícil manusear o abridor, o dedo ficava todo marcado. Mas, enfim, consegui!!!

Saber abrir lata de leite condensado, para quem ama brigadeiro

é um divisor de águas. Quando não tem ninguém para abrir a lata para você, como é que você faz?

Foi realmente libertador, como saber ler e escrever. Não consigo

imaginar como é a vida de alguém que não pode escrever quando bate A vontade.

Depois de abrir a lata de leite condensado, quase instantaneamen-

te, a vontade passa. Juro, antes mesmo de se começar a fazer o brigadeiro. É incrível! Não acredita? Faça o teste. Mas mesmo podendo comer todo o leite condensado cru, resista e jogue o conteúdo da lata na panela. 110


Adicione o chocolate em pó do bom e do melhor. E quanto à manteiga, uma dica é deixá-la um pouco fora da geladeira. É mais fácil de derreter na panela.

Não sei se foi a primeira vez que fiz brigadeiro na vida, mas me

lembro da voz da moça que trabalhava na minha casa me ensinando a encontrar o ponto perfeito do brigadeiro.

Me lembro de nós duas à beira do fogão. Com certeza, esse dia

também deve ter sido libertador para ela porque antes disso eu vivia pedindo por brigadeiro.

— Primeiro, o fogo deve ficar médio e depois baixinho, o mais

baixo que puder. Então, você vai mexendo, mexendo, mexendo sem parar até o brigadeiro começar a desgrudar do fundo da panela.

Todo livro de culinária diz isso e só depois de muitos brigadeiros é

que fui entender exatamente o teor desta preciosa dica. O que posso lhe dizer é que esta é uma questão de prática. Mas é mais ou menos o seguinte: Depois que o brigadeiro ferver, ele vai borbulhar. Nessa hora, você começa a mexer com mais velocidade para ele não embolotar. Mexa bem, vá passando a colher dos lados também para desgrudar o mais que puder o brigadeiro da panela. Para mim, essa sensação de dar o ponto é incrível até hoje. Já sinto até água na boca! Você vira a panela na sua direção e vê se o brigadeiro desce ligeiro ou se fica colado no fundo. Se já estiver no ponto, você saberá a diferença entre “descer ligeiro” ou “ficar colado”.

O melhor brigadeiro do mundo é o que a gente faz e come direto

da panela quando dá vontade. Assim como tenho certeza de que a melhor história de hoje foi essa. Não sei bem por que, foi essa que desceu ligeira. As outras ficaram grudadas. Não estavam no ponto.

Escritora: Sol Mendonça Ilustrador: Felipe Campos

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Brigadeiro Ingredientes:

1 lata de leite condensado 3 colheres de sopa de chocolate em pĂł 1 colher de sopa (rasa) de manteiga com sal

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Modo de preparo:

Em uma panela funda, coloque 1 lata de leite condensado, o chocolate em pó

e a manteiga. Mexa sem parar, em fogo bem baixo até a mistura borbulhar e desgrudar toda do fundo da panela. Este é o ponto de enrolar.

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O príncipe lagartixa

A mãe da Maria Lúcia tem engordado um pouquinho. “Um pouqui-

nho” é uma maneira delicada de dizer as coisas.

Ela diz que não entende por que isso acontece. Afinal, caminha na

praia todos os dias, vai à academia três vezes por semana...

Existe uma palavra que explica tudo. E nem é uma palavra mági-

ca: brigadeiro. É aquele docinho gostoso à beça, feito com chocolate...

No início, há mais ou menos um ano, ela mesma fazia os briga-

deiros em casa. Comprava o chocolate, os outros ingredientes, demorava um tempo até acertar o ponto, tinha que esperar esfriar... Depois viu que estava ganhando uns quilinhos, jurou que nunca mais ia fazer brigadeiros em casa. Não é que ela cumpriu a palavra? Agora ela manda Maria Lúcia comprá-los na confeitaria.

Na semana passada, Maria Lúcia ia caminhando pela calçada em

direção à Padaria e Confeitaria Flor de Coimbra, pra comprar os brigadeiros da mamãe, quando ouviu uma voz baixinha e esganiçada:

— Ei! Psiu! Princesa!

Olhou prum lado, olhou pro outro. Passava gente pra lá e pra cá

pela calçada. Mas a voz não parecia vir de nenhuma daquelas pessoas.

— Ei, princesa! Aqui! No poste!

Maria Lúcia olhou pro poste. Só viu uma lagartixa. Mas a lagartixa

estava olhando para ela.

— Você falou comigo? — perguntou a menina.

Ela disse isso bem baixinho, meio envergonhada, morrendo de

medo das pessoas acharem que ela tinha ficado maluca. Onde já se viu, conversar com lagartixa?

— Fui eu, sim, princesa — respondeu a lagartixa.

— Eu não sou princesa — disse a menina, dando uma ajeitadinha

no cabelo. Ela esperava que a lagartixa dissesse “mas bem que parece”, só que a lagartixa disse outra coisa:

— É, eu sei. É que está muito difícil encontrar princesa hoje em

dia. Então é capaz de você servir.

— Servir pra quê?

— Pra me dar um beijo. 115


— Vai sonhando. Eu, beijar uma lagartixa?

— Lagartixo.

— Como assim, lagartixo?

— É que eu sou uma lagartixa macho.

— Mas não existe essa palavra, “lagartixo”. Então fica sendo

lagartixa, mesmo.

— Você é quem sabe.

— Pra quê? — perguntou Maria Lúcia.

— Pra que o quê?

— Esse negócio de beijo.

— Ah, é pra me desencantar.

— Desencantar?

— É, eu fui enfeitiçado por uma bruxa muito malvada e invejosa.

Sabe, na verdade, eu sou um formoso príncipe.

— Não diga.

— Digo. E pra voltar ao meu estado normal, preciso que uma

princesa me dê um beijo.

— Mas eu não sou uma princesa.

— Você já falou. Mas eu estou esperando faz um tempão e até

agora não passou princesa nenhuma.

— Bom, meu pai até hoje, quando liga ou vai me pegar lá em casa,

me chama de princesa.

— Então! Eu sabia, uma coisa estava me dizendo...

— Só que...

— O quê?

— Esse negócio de beijo. Não vai rolar.

— Por quê?

— Sem querer ser preconceituosa... É que lagartixas são assim...

meio... Você entende.

— Cafuné, então.

— Como?

— É, cafuné. Se não dá pra ser beijo, que tal uma coçadinha na

minha cabeça? Eu A-DO-RO.

A menina pensou. Estava gastando muito tempo naquela conversa.

A mãe ia acabar ficando impaciente. Quando batia a vontade de comer brigadeiro, ela ficava muito ansiosa. 116


— É. Pode ser.

Deu uma coçadinha de leve na cabeça da lagartixa. O bichinho

chegou a fechar os olhos, de tão satisfeito que ficou. Se fosse um gato, teria ronronado.

— Não aconteceu nada — disse a menina.

— Como assim? É claro que aconteceu! Eu A-DO-REI!

— Você não virou príncipe. Continua sendo uma lagartixa.

— Bem, a bruxa falou que tinha que ser um beijo. Não falou nada

de cafuné. E você também não é uma princesa de verdade.

— Não sou mesmo. Pensando bem, acho que você também não

é príncipe coisíssima nenhuma.

— Tem razão. Desculpe. Eu inventei a história todinha. Sou apenas

uma lagartixa falante comum. É que eu gosto à beça de cafuné, coçadinha nas costas...

A mãe de Maria Lúcia é que não gostou nem um pouquinho quan-

do a filha apareceu em casa com uma lagartixa. Gritou, deu faniquito, perguntou se a menina tinha botado aquelas mão sujas de lagartixa nos brigadeiros dela. Só não jogou os brigadeiros no lixo, porque achou que seria um baita desperdício.

Mandou a menina se livrar o quanto antes daquele bicho nojento.

— Alto lá, madame. Assim a senhora me ofende!

Quando a mãe da menina viu que a lagartixa falava, mudou de

ideia. Resolveu ficar com o bichinho, deu-lhe o nome de Príncipe. Até arrumou pra ele uma caminha feita de caixa de sapatos num cantinho perto da máquina de lavar roupa.

Passaram a ganhar um dinheirão apresentando a lagartixa falante

em programas bobos de televisão. E puderam comprar um montão de brigadeiros, que, aliás, Príncipe A-DO-RA.

Cá entre nós, ele também tem engordado um pouquinho.

Escritor: Maurício Veneza Ilustrador: Fabio Maciel

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Brigadeiro de batata doce sem açúcar Ingredientes:

½ batata doce grande cozida e descascada 1 colher de café de cacau em pó sem açúcar 1 colher de chá de canela em pó 2 colheres de chá de mel Coco ralado sem açúcar

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Modo de preparo:

Amasse bem a batata doce, até ficar bem amassadinha feito um purê. Depois

adicione o cacau, o mel e a canela, misturando bem. Se a massa ficar muito grossa, acrescente um pouquinho de água. Depois que esfriar, faça as bolinhas com as mãos e passe no coco ralado. E bom apetite!

NÃO SE ESQUEÇA:

A cozinha é um lugar cheio de coisas que podem ser perigosas. Quando for

usá-la, peça sempre a ajuda de um adulto.

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Os cartuchos da D. Alice

A mãe de minha mulher, minha sogra, portanto, chamava-se

Alice; morreu há pouco tempo. Era uma senhora carinhosa e doce, falava baixinho e devagar.

D. Alice era uma grande cozinheira, ou, como se dizia antigamente,

uma cozinheira “de forno e fogão”.

Sabia fazer alguns pratos maravilhosos, como, por exemplo, a

bacalhoada, que preparava cada dia primeiro de janeiro para comemorar, em um almoço com a família, o ano novo que começava.

A grande receita de D. Alice, porém, a mais apreciada na família,

não era o bacalhau. Eram os cartuchos.

Os cartuchos eram pequenos cones, como se fossem casquinhas de

sorvete, feitos de uma massa muito fina, tão fina como massa de pastel, e com gosto parecido com gosto de biscoito doce, mas muito melhor.

Depois de prontos, eram recheados com um creme bem amarelo,

feito em casa, também doce.

A receita dos cartuchos, copiada lá embaixo, estava escrita com

letra de mão, em um papel já amarelecido pelo tempo. Dava muito, muito trabalho fazer os cartuchos; por isso, apenas para ocasiões especiais, aniversários ou outras comemorações, D. Alice preparava a receita.

O recheio de creme era fácil de fazer. Era geralmente preparado

antes e guardado na geladeira. O problema maior era a massa de que eram feitos os cartuchos; tinha que ser tirada do forno na hora certa, no momento exato em que começava a ficar dourada.

A arte era essa – encontrar o ponto certo. Se passasse do ponto,

a massa ficava dura e quebrava na hora de enrolar os cartuchos em forma de casquinha de sorvete; se tirada antes do tempo, ficava mole demais e não dava para enrolar.

Hoje, com a nova tecnologia, talvez isso fosse fácil. A receita não 121


seria escrita à mão e ia dizer que a massa deveria ser colocada em um forno elétrico, pré-aquecido, a uma temperatura de não sei quantos graus, durante um determinado tempo, medido em minutos e segundos.

Mas, naquele tempo, não; a massa dos cartuchos tinha que ser

assada no forno comum, na parte de baixo do fogão a gás. E para vigiar o ponto exato da massa, D. Alice tinha que ficar sentada, no chão, quase imóvel, olhando fixo pela janela de vidro do forno, prestando atenção.

Um dia, D. Alice resolveu me prestar homenagem, preparando

especialmente para mim, de presente de aniversário, uma lata de cartuchos. Quando estava na cozinha, sentada olhando a massa assar no forno, tocou a campainha da porta de serviço. D. Alice não podia levantar e desviar a atenção para abrir a porta. Perguntou então, falando mais alto do que costumava falar: — Quem é?

— Sou eu, D. Alice, Efrozina, sua vizinha.

— Um momento só, D. Efrozina, estou muito ocupada olhando a

massa no forno. Já vou abrir.

— Pode deixar, D. Alice, não é nada grave. Volto mais tarde,

respondeu a vizinha, com voz de quem ficou chateada.

D. Alice não sabia, mas a vizinha era bruxa. Uma bruxa moderna,

que andava de carro, não de vassoura, e não usava chapéu pontudo. Mas que sabia muito bem fazer feitiços.

Se a Alice está olhando massa no forno é porque está preparando

os tais cartuchos – pensou D. Efrozina. Mas ela não pode me tratar dessa maneira. Eu ia só pedir a ela emprestado uma xícara de açúcar.

D. Efrozina, como as bruxas, era uma pessoa má. Não gostava de

ninguém e ninguém gostava dela. Tinha inveja de D. Alice, que era querida de todos.

Resmungando entre dentes, disse as palavras mágicas para por

feitiço nos cartuchos: Oi, muzum, muzum, muzum; osto, osto, osto, muda, muda gosto. 122


— Pronto! – disse a bruxa satisfeita. Esses cartuchos agora, em

vez de doces, vão ser salgados, muito salgados. E ardidos, como se levassem muita pimenta.

E riu aquele risinho fino que as bruxas gostam de rir – hi, hi, hi, hi.

D. Alice, sem saber do feitiço, continuou seu trabalho. Dois dias

depois, no meu aniversário, me levou de presente a lata, com uma dúzia de cartuchos.

Agradeci, comovido, a homenagem. E durante doze noites seguidas

fui esvaziando a lata, comendo um a um, devagarzinho para aproveitar melhor, os cartuchos feitos pela minha sogra. Estavam deliciosos; talvez porque tivessem sido feitos em minha homenagem, achei que estavam até melhores que outros que eu tinha comido antes.

Dessa vez, o feitiço de D. Efrozina não pegou. O carinho com que

D. Alice fez os cartuchos e o carinho com que eu recebi o presente impediram seu efeito.

Feitiços de bruxas não funcionam quando há carinho.

Escritor: Gabriel Lacerda Ilustrador: Felipe Vellozo

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Cartuchos Ingredientes:

3 ovos 1 colher de sopa de açúcar 1 colher de chá de farinha 1 pitada de sal

Modo de preparo:

Bata os ovos de leve; acrescente primeiro sal e açúcar e vai misturando bem de

leve; depois coloque a farinha e continue misturando devagar.

Unte um tabuleiro com manteiga; espalhe a massa e leve ao forno para assar.

Quando a massa começar a ficar dourada, corte em quadradinhos e forme os cartuchos.

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Deixe esfriar os cartuchos e guarde em lata bem fechada.


Recheio

Ingredientes:

1/2 litro de leite, 50g de farinha de trigo, 5 gemas, 175g de açúcar, 1 gota de essência de baunilha.

Modo de preparo:

Desmanche a farinha com um pouco de leite, adicione as gemas e depois o

resto do leite. Peneire tudo. Acrescente depois o açúcar e a baunilha. Bata um pouco e guarde na geladeira.

Recheie os cartuchos com o creme e sirva.

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PUXA!!!

Há muitos e muitos anos, numa terra onde as novidades demora-

vam a chegar, vivia um menino chamado Bié. Ou melhor, seu nome era Gabriel, mas todos o conheciam pelo apelido.

Certo dia, ele entrou em casa aos berros, anunciando:

— Ganhei uma pedra de gelo!

E exibia na palma da mão o prodígio, que já começava a derreter

e escorrer por entre os dedos.

Naquela cidade atrasada, ter uma geladeira ainda era luxo para

poucos. De modo que Gabriel ficou nas nuvens quando Seu Juca, dono do armazém, lhe deu de graça aquela maravilha!

Dorinha, a irmã mais velha do Bié, era brincalhona como ela só. E,

às vezes, esse bom humor se transformava em pequenas maldades. Esta era uma grande oportunidade, portanto, de se divertir à custa do menino.

— Você já provou doce de gelo, Bié? – perguntou.

— Não! – respondeu ele, entusiasmado. – Você faz pra mim?!

Correram para a cozinha, onde Dora acendeu uma boca do fogão,

pôs em cima um tacho e disse:

— Agora joga o gelo aqui depressa, Bié!

O garoto acompanhava tudo, meio aflito, meio encantado ao ver

aquela pedra transparente virando uma poça de água, com borbulhas em volta... 127


Foi a partir desse momento que os remorsos começaram a morder

o coração de Dorinha. A brincadeira podia se tornar choro e tristeza. Teve dó do irmão.

Assim, acrescentou água ao restinho que havia na frigideira, colo-

cou açúcar, manteiga e espremeu em cima um pouco de caldo de limão.

Mexeu, mexeu, e a mistura começou a engrossar. Bié torcia as

mãos, ansioso, os olhos brilhando.

Dorinha pegou um prato fundo, encheu de água fria, e, de vez

em quando, pingava ali um pouco da calda, experimentava com a mão, enquanto explicava ao menino:

— Estou fazendo assim para ver o ponto. Daqui a pouco vou poder

tirar do fogo.

Quando isso aconteceu, ela derramou o doce sobre o mármore da

pia, untado com manteiga e esperou que começasse a esfriar. Depois, com uma colher, foi levantando os lados da placa brilhante que tinha se formado. Ia juntando essas beiradas no centro, até formar uma bola, que segurou com as duas mãos e começou a puxar e esticar. Puxa que puxa, estica que estica, o doce chegou ao ponto de bala: era hora de cortar em pedaços, com uma faca.

— Bié, vê se você encontra aí na gaveta papel-manteiga e tesoura!

– Dorinha pediu. – Agora, corte uns quadrados do tamanho de sua mão.

O menino obedeceu. No meio de cada pedaço de papel, ela pôs

então uma bala e enrolou, torcendo as pontas. 128


— Pronto, tá aí o seu doce de gelo!

Chupando a primeira puxa-puxa, ele saiu aos pulos, as mãos

cheias dos caramelos improvisados, que foi repartir com os amigos da vizinhança.

Escritora: Angela Leite de Souza Ilustrador: Jp Veiga

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Bala puxa-puxa

Existem muitas maneiras de fazer uma bala puxa-puxa. Aqui estão duas recei-

tas bem tradicionais. A diferença, além do sabor, é que a bala de rapadura fica mais escura que a de açúcar.

RECEITA Nº 1

Ingredientes: ½ copo de água Duas xícaras de açúcar Suco de meio limão

Modo de preparo:

Numa panela, misture os ingredientes e leve ao fogo alto. Vá mexendo sempre

e, quando estiver formando borbulhas e escurecendo, comece a ver o ponto. Para isso, pingue um pouco da calda numa vasilha com água fria. Experimente com os dedos: se a massa não desmanchar, é porque está em ponto de bala.

Despeje a calda em uma pedra untada com manteiga. Deixe esfriando. Depois

que esfriar, passe um pouco de manteiga nas mãos e puxe a massa (puxe as pontas e junte no meio, várias vezes). A massa irá ficar mais clara. Quando estiver bom, estique-a até ficar um cordão fino e corte as balas. Ou, se preferir, faça pequenas bolas. Depois, é só embrulhar com papel-manteiga ou celofane.

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RECEITA Nº 2

Ingredientes:

½ copo de água 800 g de rapadura triturada Suco de limão

Modo de preparo:

Coloque a água em uma panela e leve ao fogo alto. Junte a rapadura. Deixe no

fogo até a rapadura derreter completamente. Depois, coloque o suco de limão e mexa delicadamente, só para misturar. Não mexa mais até dar o ponto. Se mexer, a mistura volta a ser só rapadura.

Depois de uns oito ou dez minutos, coloque um pouco da mistura em um copo

com água fria. Se a massa estiver em ponto de bala, retire do fogo. Agora, é só espalhar a massa no mármore e seguir os mesmos passos da receita nº 1.

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Descubra o espião Vovó Lili faz bala puxa-puxa. São de coco, uma delícia! Todo final de semana, distribui pra garotada; de graça, sem cobrar nada!

Reginaldo, muito esperto, quer a receita da bala para levar pro padeiro e vender pro bairro inteiro.

Quem sabe ele até consiga vender para a grande indústria, embrulhar para presente, vender pra muita gente!

Ficar rico, de repente!

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Ele procura a receita, vai sempre atrás da vovó... Às vezes, banca a criança, pra ver se ganha uma bala. E a vovó dá... só de dó!

Fica na porta da escola... Na pracinha... Na cozinha... Reginaldo não desiste... Mas a Vovó sempre vê o Reginaldo por perto.

Ela finge que não vê e tem pena do coitado. E ele nunca desiste, mesmo quando está cansado...

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Lá está ele, procurando... vai fuçando, não descansa. Quer que a receita apareça...

Mas, o que ele não sabe é que a vovó, muito esperta, guarda tudo... na cabeça!

Escritora: Anna Rennhack Ilustradora: Cris Alhadeff

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Bala de coco da minha avó Atenção: É necessária a participação de um adulto para cuidar da panela quente no fogão, usar a faca e esticar a massa quente.

Ingredientes:

1 vidro de leite de coco 1 quilo de açúcar 3 xícaras de água 1 colher de sopa de vinagre

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Modo de preparo:

Prepare antes o local onde você vai colocar a bala. Limpe a bancada da pia, de mármore ou granito, com água fria, e depois passe manteiga ou margarina para a bala não grudar. Coloque todos os ingredientes em uma panela de alumínio e misture tudo muito bem, até o açúcar dissolver completamente. Coloque no fogo baixo, sem mexer, com a panela destampada, por cerca de 40 minutos. Quando começar a borbulhar e engrossar, tire um pouquinho com uma colher e coloque em uma xícara com água fria. Se não desmanchar, está no ponto de bala. Se for preciso, deixe um pouco mais no fogo. Quando estiver no ponto, retire do fogo e despeje a massa sobre o mármore. Deixe esfriar um pouco e, com a ponta da faca, veja se a massa já desgruda facilmente do mármore. Agora está no ponto de puxar. Passe manteiga ou margarina nas mãos e comece a puxar, esticando bem a massa. Com a ajuda de outra pessoa é mais fácil e mais rápido. Divida a massa em duas partes. Puxe a massa até que fique bem branca. Isso tem que ser feito antes da massa esfriar, pois ela vai endurecer. Faça rolinhos compridos com a massa esticada e corte os pedacinhos com uma tesoura. Você pode embrulhar as balas uma a uma em papel colorido ou arrumá-las em saquinhos enfeitados com fita colorida.

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Alexandre de Castro Gomes – www.alexandredecastrogomes.com Alina Perlman – www.alinaperlman.com.br Ana Rapha Nunes - www.facebook.com/anarapha.nunes André Flauzino - www.andreflauzino.com.br Angela Leite de Souza - www.caleidoscopio.art.br/angelaleite Anna Rennhack – http://annarennhack.wix.com/amor Cris Alhadeff - www.crisalhadeff.com Cristina Villaça – www.cristinavillaca.com Dailza Ribeiro – www.dailza.com.br Edna Bueno - www.aeilij.org.br/associados/detalhe/204 Eleonora Medeiros - http://luziaagatinhapretinha.blogspot.com.br Fabio Maciel - www.fabiomaciel.blog.br Felipe Campos - http://www.flickr.com/photos/camposfelipe/albums Felipe Vellozo - http://felipevellozo.blogspot.com.br Gabriel Lacerda - g.a.lacerda@uol.com.br Gustavo Vazquez Ramos - www.facebook.com/titoogato


JPVeiga – www.jpveiga.com.br Laerte Silvino – www.laertesilvino.com.br Lilian Guinski - www.facebook.com/lilian.guinski Luciana Nabuco - www.facebook.com/tempodecriar Luciana Peralva - www.peralvaperalta.com.br Márcia Széliga - http://marciaszeliga.wixsite.com/art-poesia Maria Elaine Altoe - www.facebook.com/coisasdemana Marilia Pirillo - www.mariliapirillo.com Maurício Veneza – http://mauricioveneza.wix.com/site Neide Graça - www.artedeguardar.com.br Nireuda Longobardi - http://nireuda.blogspot.com.br Patrícia Melo - www.patriciamelo.net Renata Goulart - www.facebook.com/conte.uma.historia Sandra Ronca – www.sandraronca.com.br Simone Mota - http://simonecsmota.wix.com/simonemota Sol Mendonça - http://soldeler.blogspot.com.br


Histórias no prato II antologia de escritores e ilustradores da AEILIJ Uma produção da AEILIJ - Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil

Organizadora | Cristina Villaça Editor | Alexandre de Castro Gomes Diagramação, projeto gráfico e vinhetas | Varal Editorial (Patrícia Melo e Fabio Maciel) Revisão | Flávia Côrtes Ilustração da capa | Marilia Pirillo

1ª edição, 2017 Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio eletrônico, mecânico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização, por escrito, da Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil.


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