O Dragão Vermelho

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O D R A G Ã O V E R M E L H O

J O S É A M A R O

P R E F Á C I O D E A N D R É C O N S C I Ê N C I A



Editora Abismo Humano abismohumano@gmail.com Título: O Dragão Vermelho Autor: José Amaro Prefácio: André Consciência Capa: André Consciência

© Abismo Humano, Agosto de 2017 Composição e paginação: José Amaro


Prefácio

Se em «E Eu Ter Pé», publicado pela Associação de Artes Abismo Humano em Março de 2015, José Amaro emprestava ao instinto e à personalidade da sua própria mito-simbologia as essências brutas da carne, «O Dragão Vermelho» encontra a sua contraparte mais etérea, capaz como uma tapeçaria telúrica, de embarcar os tecidos móveis da realidade cognitiva. O Dragão Vermelho surge na passagem bíblica do Apocalipse munido de dez chifres, sete diademas e sete cabeças, ou seja, a encarnar a forma como o mundo activo, formativo e criativo se emana a arrombar o estatuto de arquétipo. Existe em O Dragão Vermelho uma continuidade linear subtil para com as mito-narrativas de E Eu Ter Pé, e aconselha-se a leitura complementada de ambos como contrapartes polares. Estamos perante uma espécie de Epopeia moderna e criativa, afastada quase com soberba do planalto do clássico, não escondendo, não obstante, a influência nos poemas épicos ancestrais, antes lhes prestando homenagem. É de uma lírica aproximada, em propósito, do lirismo de Camões, utilizando-se das emoções aparentemente pessoais para, como no lirismo comum, tomar o leme que antes pertencia à lógica, mas não velejando tanto ou nada rumo à paixão pessoal, sim ao reino do estabelecimento da razão poética através da carga activa das suas imagens e do tantrismo, aqui ardente, dos seus símbolos.


O dragĂŁo vermelho


Índice Babalim………………………………………………………………………………...1

Gugalanna, grande boi do céu………………………………………………2 Nabucodonosor II sobre Amuhia……………………………………………3 Ishtar entrega-se a Gilgamesh……………………………………………...5 Gilgamesh fala aos Annunaki………………………………………………6 Dumuzi reanimado por Ishtar………………………………………………7 Ishtar pede entrada nos infernos…………………………………………..8 Enkidu………………………………………………………………………….9 Enlil fala a Ninlil……………………………………………………………10

Ilium…………………………………………………………………………………..11

Ilium…………………………………………………………………………...12 Páris…………………………………………………………………………...13 Heitor fala a Príamo………………………………………………………...14 Agamémnon no café Le chat blanc………………………………………..15 Menelau despede-se de Helena……………………………………………19 Ulisses…………………………………………………………………………20 Aquiles………………………………………………………………………...21 Helena…………………………………………………………………………22 Tétis fala a Aquiles………………………………………………………….23 Heitor chora a morte de Pátroclo………………………………………….24 Príamo………………………………………………………………………...25


Cassandra prediz o destino de Agamémnon…………………………….26 O cavalo de Tróia…………………………………………………………….27

A mulher azul e a estrela vermelha………………………………………………28

Antes de roubar a espada vermelha……………………………………...29 Mar chama a estrela………………………………………………………..30 Mar fala da bruxa azul……………………………………………………..31 Mar chora……………………………………………………………………..32 Mar pede de novo……………………………………………………………33 A bruxa azul responde……………………………………………………...34

A serpente que morde a cauda…………………………………………………….35

Na campa do mestre………………………………………………………...36 Vuln para o ladrão…………………………………………………………..37 Mestre anão ensina………………………………………………………….38 No mar………………………………………………………………………...39 O dragão fala a Mar………………………………………………………...40 Mar em Éóuin………………………………………………………………..42 Mar e Vuln……………………………………………………………………43 Vuln e a bruxa branca………………………………………………………44

Chama………………………………………………………………………………...45

Mar chama o dragão………………………………………………………...46


Éóuin ………………………………………………………………………….47 Coríntio………………………………………………………………………..48 A bruxa azul………………………………………………………………….49 Akhum fala a Coríntio……………………………………………………...50 Vuln nas grutas……………………………………………………………...51

Éóuin, o dragão vermelho………………………………………………………….55

De Mar a Éóuin………………………………………………………………56 O dragão vermelho…………………………………………………………..57 Éóuin pelos destroços……………………………………………………….58 O dragão vermelho caça…………………………………………………….60 Éóuin capturado……………………………………………………………..61 A prisão sob a montanha…………………………………………………...62

Ó desertos de Lód……………………………………………………………………63

A dança de Éóuin……………………………………………………………64 Mari……………………………………………………………………………66 Mar escreve o seu destino………………………………………………….67 A escolha de Mar…………………………………………………………….68 Mar pelo deserto……………………………………………………………..69 Éóuin, o espinho do dragão………………………………………………...70 A raiva do dragão vermelho………………………………………………..71 O andarilho vermelho………………………………………………………72 Desejo vermelho……………………………………………………………..73


De Éóuin a Mar………………………………………………………………74

Mar e o dragão……………………………………………………………………….75

Mar antes de Éóuin…………………………………………………………76 Mar chama Éóuin……………………………………………………………78 Acordar do dragão…………………………………………………………...80 Mar a domar Éóuin………………………………………………………….81 Novo fogo em Mar…………………………………………………………...83 Mar renuncia Éóuin…………………………………………………………84


Babalim

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Gugalanna, grande boi do céu

O teu couro é ouro, E luz os chifres, e estrelas os olhos, E a minha mais preciosa posse, É sentir-te um momento, Terna mão ter no sonho.

O som mudo sussurro é, O mundo o seu filho, a magia testemunha, A palavra a agulha, tece a lua e a desfaz de novo, E a palavra a barca, eleva o sol e o mergulha, Nova a arca mas a aliança antiga, É ter na chegada, é terna partida.

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Nabucodonosor II sobre Amuhia

Os teus robes flutuavam ao luar, Temo estes ares quentes e parados, Eram os olhos a raiz eu digo-te, Nem estrelas lanternas, rainhas na noite, Nem lua estrada estranha pelos uivos dos chacais, Eras a fragrância e o perfume da noite, Eras as ruas na palma da mão, eras as pedras.

Eu vi-te nua e o luar cansado dos meus passos Acordou as mães, as tias, as avós, Eu vi-te nua e de novo te vi, Como se nascido de novo para uma nova mulher.

Eu vi-te acordar os cabelos, e as feras, E animar com carícias o meu corpo, E ergui pilares para fazer jardins, E coroei-os de flores, de aromas das montanhas.

E vi-te crescer nos olhos de todas as cortesãs, Como a irmã perdida, a filha pródiga do mundo, A leoa de sangue, o cruel destino da criança, Em crescer e matar os sonhos da infância, Em esquecer os cheiros e deixar os montes, Para ser sangrada pelo povo

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E a fazer a crianรงa de novo.

Ergue-te e mostra-te, Nenhum jardim alguma vez terรก o teu perfume.

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Ishtar entrega-se a Gilgamesh

Parabéns o teu trabalho está feito, Seguiste o curso do rio até à foz, Foste o céu, a manhã, beijaste o fundo, o leito, Gotejaste das montanhas, parabéns.

Entra agora, depressa, entra em minha casa, Leva-me à cama e canta-me até que eu esqueça, No sono semearei de novo o novo mundo dos homens.

Entrego-me a ti, a voz me segue e promete, Entrego-me a ti, eu sangue, carne, osso, Quando me quiseres, sempre que me queiras, E mesmo quando não.

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Gilgamesh fala aos Annunaki

Estou preso ao teu altar, Aguardo a chama, o portal de fogo, Aguardo a faca, língua de sangue, Que me alimente aos espíritos, E lembre os pactos, A vós.

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Dumuzi reanimado por Ishtar

De novo me guarda, sossego, a calma, Me lembra: inspira, de novo a barriga, Narinas abertas, de novo o fogo, De novo a alma.

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Ishtar pede entrada nos infernos

Junta-te ao meu ombro, aninha-te em mim, Pele com pele, carne com carne, osso com osso, Sonha em mim, deixa-me entrar.

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Enkidu

O fosso que nos cai, o cĂŠu que nos grita, Inspiro os fogos, alimentos os ventos, E percorro o prado gritante, louco, Nu no meu brado.

Final o destino da fera, Encerra em mim o caminho, E abre de novo redemoinho, De ser, de ter fome, De sofrer, e de acreditar.

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Enlil fala a Ninlil

A tua companhia Ê a minha vida, Eu o teu braço escondido, a tua vontade secreta, O teu escudo de luar.

A minha queima o teu chamamento, Eu ardo, aguardo o momento, De ver, tocar e saber, de te ter.

E tu comigo aguardas, atenta e pura e selvagem, Agora nĂŁo mais uma mulher, Agora nunca mais uma miragem, Agora sim te escolho, agora e sempre de novo.

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Ilium

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Ilium

A Ilium antiga caiu, Ou subiu ao céu em chamas.

Que mão o fez? De que homem?

Que mulher o causou? Com que olhos?

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Páris

Eu sei, ou adivinho, um caminho a tomar entre as palavras, Eu escolho, percorro o ar de todos, entre nós o luar. Caminhar, encontrar de novo, entrar, Nova casa, nova mulher, no casco antigo acolho.

Não posso deixar de olhar, Não posso parar de queimar sobretudo, Sobre tudo.

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Heitor fala a Príamo

Não me deves nada, não te peço, não adivinhes. O meu mistério não chega para as tuas barbas, Que barbas seriam se chegasse.

Eu tenho ossos duros, largos e estive quase para te contar Uma dúzia de histórias sobre… Áh sobre tudo… Depois pensei melhor, retive, contive o olhar.

Arranjei de novo os talheres, fui buscar os guardanapos, E quando a mesa estava posta, bem-posta, Fui para a sala fumar cachimbo, lentamente, E vi as folhas de Outono cair, e desejei sentir o ar frio na cara, Na cara e por todo o lado, que ele soprasse em mim.

E eu vermelho, castanho e laranja fosse, Fosse com vento e rua e Outono e tudo, caísse no chão, Sem estrondo, mas que caísse no chão, sem som mas caído.

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Agamémnon no café Le chat blanc

A sala cheia de fumo. Antes fumo que chuva, a chuva enche a rua e a rua enche a sala de gente. A gente…que gente. - Agente! - Não estou de serviço. O do bigode continua. - Ora essa um coelho é sempre um coelho. - Até entrar para o arroz? - Arroz de coelho! - Um branco se faz favor. - Para já senhor agente. - Não estou de serviço. O do bigode insiste. - Certo mas conte lá da coisa dos sinais. - Sinais? - Sinais homem! Os símbolos estranhos nas paredes, porra sabes bem o que é. - Bem… Gostaria que houvesse alguma coisa para contar. - Mas chegaram a provar que era o gajo? - O tipo não diz coisa com coisa. Suponho que o vão levar para a casa dos maluquinhos mais dia, menos dia e nem tribunal, nem julgamento, nem merda nenhuma. De resto é o costume, pão e circo, já veio tudo nos jornais. - Coisa macabra, espécie de ritual satânico né? - Parece… Corpos mutilados com símbolos estranhos… Só faltam as velas e a galinha. - Os mesmos símbolos que o gajo andava a pintar na rua né? Ou achas que alguém se aproveitou da maluqueira do tipo para o incriminar? - Isso já é novela… 15


- Não mas escuta o tipo um sem-abrigo né, qual é a de começar a matar pessoas, deve estar mais preocupado com comer e dormir. É que maluco, maluco, de pintar paredes a matar e cravar pessoas ainda vai um bocado. - É… Sei lá, se calhar é um culto. O copo pousa e ressoa. - Outro? - Acho que vou precisar de alguma coisa mais forte. - É só escolher. - Jameson, sem gelo. O do bigode riposta. - Éh senhor agente assim é que se fala. Traz-me um desses também querida, estamos a resolver um caso aqui, eu e o agente. Outra rodada, o pianista chega encharcado, uma rajada de ar frio, o som da chuva cresce por segundos e desaparece outra vez atrás da porta, ficam os copos, as conversas e a nuvem de fumo adensa-se. - E os símbolos? Rabiscos ou são alguma coisa? - Ouve esta um professor não sei da onde liga a dizer que tem informação sobre os símbolos, a gente ouve. Diz que são caracteres de uma língua antiga, uma palavra cara qualquer, cunei-alguma coisa, e que nos ajudava a traduzi-los. Portanto o tipo vem, fica umas horas a olhar para as fotos… Golo amargo, careta. - E… - E nada, quer dizer mais baboseira, sobre o fim do mundo, um grande dragão, uma estrela vermelha no deserto, sei lá… - Interessante… - Interessante? - Sim, bem não é nada. - Ora agora… Eu falei, vais ter que falar também. - Bem é um pouco estranho mas eu conheço essa história. - História? 16


- Sim, o dragão, a estrela vermelha, o deserto. - Ai sim e eu pensava que eram só baboseiras aleatórias. - Bem… Talvez. - Mas vamos conta a história. - É sobre um homem, um homem quebrado, pelo menos sem terra, nem propósitos, áh e a namorada morreu. - Promete… - Sim a mulher morreu, os amigos morreram e ele está a fugir, a fugir pela vida mas quase sem saber porquê, está perdido. Então foge e perde-se de facto, no deserto. Eis que no meio de tudo isto ele vê uma estrela vermelha brilhar no horizonte. Segue a estrela e encontra um dragão. Luta com o dragão e mata-o mas nisto vem uma maldição, ele torna-se no dragão. Às vezes pelo menos. - Que coisa… Acho que vou ter de anotar, o pessoal andava às aranhas e nem o professor fez grande sentido do que traduziu. De onde ouviste essa história? - De lado nenhum. - Como de lado nenhum? -Bem… Eu escrevi-a. Silêncio. - Talvez sejam coincidências. - Estás a brincar comigo? Tive um dia de merda e estou farto de aturar parvoíce. - Não, não estou a brincar, bem esquece, estás a ver era por isto que não queria dizer nada. - Como esquece? Estás a dizer que a história que a gente encontrou escrita, cravada em cadáveres e nas paredes, foste tu que a escreveste. Como queres que esqueça? - Sabes que mais tenho de ir, mulher à espera, tu sabes como é, boa sorte com o… - Senta-te e acaba a tua bebida. 17


Sério. O do bigode está tremido, toda a vontade da conversa e do sítio o abandonaram, visivelmente desconfortável. - Ah… A sério que não tenho… - Cala-te. Vira o copo, bate na mesa, olha o horizonte perto através do fumo, o vidro escurecido e além dele a chuva, o cinzento, perpétuo, opaco, sem fim. - O que vamos fazer sobre isto? - Não sei. - Ah talvez… - Conta-me a história outra vez, do início.

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Menelau despede-se de Helena

As varandas da lua caíram sobre a cidade, Eu desci pelos tapetes, encontrei-te à beira da cidadela, Em queda, inclinada sobre o varandim.

Agarrei-te pelo braço, tu olhavas para baixo, os cabelos negros pendiam, Olhavas o azul profundo, a velha nobreza.

A cidade ainda reluzia em baixo, Sete oceanos dentro dos portões, Eu sei, eu vi-os também.

Mas não vás, Fica mais um pouco.

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Ulisses

O portĂŁo encarquilhado descobre-se do lado de dentro, Eu entro e recolho as folhas, A coroa caĂ­da feita das ervas silvestres regadas por sangue.

Eu fui o primeiro a saltar, Mas mais do que isso eu resgatei os meus soldados, E por isso eu valho mais do que louro, Podem ficar com o louro, com os louros, Eu sou ouro.

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Aquiles

No café Le chat blanc O ar toma uma leveza Que em tudo se assemelha À queda das pétalas da cerejeira.

Primavera caliente… No cimo da estante do piano o cinzeiro suspirava, Reminiscências de bocas ardentes, de pausas e andantes, Bolero caído na cinza, Eu danço, eu danço…

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Helena

A estrela obsidiana, o conteúdo dos teus sonhos, A vida cortada em momentos, tudo junto, sem sentido, Uma mescla, uma lama informe que as mãos nuas amassam, Calcam e recalcam.

Sabe bem mexer-lhe, Senti-la a desfazer-se entre os dedos, Voltar a juntá-la numa esfera, E atirá-la à parede, E rir.

22


Tétis fala a Aquiles

A estrada serpentina que te nasce no peito recusa-se a subir, Eu conheço-te, eu vi-te crescer, Eu fui a razão, a causa da tua dor, Da tua tristeza, do teu desalento.

Nas caves mais fundas, para além do escuro, Este escuro sente-se, é palpável, húmido, Eu vi-o, eu sei.

Não há Em mim Mais promessas.

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Heitor chora a morte de Pátroclo

A lança escrava do céu. Eu queria-o tanto que me custou matá-lo, mas matei. O golpe final derrama oceanos, Como chorei a sua morte.

Os seus caracóis negros sufocaram-me o sono e eu não dormi, Três dias não dormi, Trinta reluzindo sob a lua caídas a meus pés… Eu juro, juro que não fui eu…

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Príamo

O velho conta uma história, Sobre como na juventude foi um grande herói, Como derrotou muitos inimigos, E se apoderou de um imenso tesouro.

Onde está ele avô? Vejo a tua cabana, o teu gato, Mas não vejo ouro.

Eu tive-o, e mulheres e grandes carros, casas, palácios, Mas a maldição do faraó tudo me tirou, Estava escrito: “Que a morte venha sobre asas velozes Àquele que quebrar os selos”, eu quebrei-os mas não morri.

Eu devolvi o ouro e perdi o resto. Do herói resta um rosto destroçado, Uma voz quebrada, um falcão de asa ferida, O sol caído, a noite funda, Não verei outra manhã, mas já fui a luz do dia.

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Cassandra prediz o destino de Agamémnon

Cigano, cigano, Que fazes este ano? Que doce agonia Terás tu na pia?

Que festa, que choro, Será teu decoro? Eu sei, eu sei, Mas não te direi.

Dois sapos sentados, Três papos calados, E um a coaxar, Até te faltar o ar!

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O cavalo de Trรณia

Sรณ queria estar quieto E mesmo assim Ganhar.

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A mulher azul e a estrela vermelha

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Antes de roubar a espada vermelha

A entrada no mundo meu, tirado de mim, Ele fala-me e fala-se, vê-se no escuro, E espreita-me na cama e eu encolho-me à chegada, E temo as formas, as formas de ser.

E sou algo diferente e presente, real, Não fantasia nem ação, mas ser, Não evocação nem invocação, susto, surpresa, Sendo outro eu, outro eu, Outro.

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Mar chama a estrela

Não tenho a perícia dos magos, Nem a arte, nem a vontade, Não tenho os olhos do vidente, A coragem do guerreiro, as mãos do artesão, Não tenho as pernas do atleta, As coxas da prostituta ou o coração de Deus, Não tenho e não posso ter estas coisas, Que são presentes de algo obscuro e silencioso.

No meu silêncio eu encontro a disposição do suicida, A sinistra, mas calma e atenta, paciência do ladrão, E os olhos do gato, esperando, e da serpente, Certa do veneno e da mordida em espiral mortífera.

Queda de uma estrela me chame E me abrase os metais em vidros extraterrenos, Me diga mentiras, me cante os prantos dos Deuses, Os coros dos loucos, os choros das meninas Pelas virgindades ensanguentadas, Perdidas às bruscas, aos tropeções.

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Mar fala da bruxa azul

Tirei poesia do saco e montei-a e esperei, Mas ela não cantou o mar em vermelho, Não abriu as portas do meu sonho E não me deu a mão para me tirar da cama, Não me encontrou mas teve-me E se não me escondeu não me mostrou, manteve-me.

E se a culpa do não ver é minha, Então tomo-te de novo e bebo-te até ao fim, Para que dentro te tenha Como dentro tu és parte de mim.

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Mar chora

Tracei o trilho da lua Para chamar um demónio que me servisse, Esmaguei com as mãos as uvas E esperei a alquimia do tempo, Em que fruta se torna em espírito.

Joguei as cartas mas não tirei premonições, Não tirei avisos nem contas fiz ao destino, Vi-me a mim, ao meu caminho, A praga e a justiça de estar sozinho.

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Mar pede de novo

Ajuda-me a escolher ventos, A erguer chamas, a colher mares, E ajuda-me aqui, a ser abrigo do ser.

A ser barco vivo, carapaça, A ser destino sem regra, sem raça, A ser homem e a não ser homem.

A ser senso sem saber, A saber sem ditar, A ditar sem palavra, A falar, nĂŁo dizer nada.

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A bruxa azul responde

Fiz bardo o poeta, O teu caminho brilha, É luar.

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A serpente que morde a cauda

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Na campa do mestre

As luas, a passagem das eras, As almas, a entrada no mistĂŠrio, Protejam-me, guardem-me, Deixem-me entrar, E voltar a casa quando terminar a tarefa, Deixem-me passar.

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Vuln para o ladrão

Eu não chamei, não te quero aí, Não me ouviste? Vai-te! Abandona-te e entra em casa dos teus pais.

Antes e depois e durante, As tentativas de tocar são o teu crime, Mas o meu desejo.

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Mestre anão ensina

Anão me entrevês e anda, E gira o teu rosto e cora, E chora e une.

Começa a entediar os deuses, Eles que se movam, Fica parado e não mexas um único sonho.

O jarro é mais fundo do que crês, Mas acreditas na deusa dourada? Ou é uma charada? Um disparate.

Dispara-te! Diz para te encontrares sob a cúpula das estrelas, Entre as faias, sobre as pedras, Que são a língua da terra, A passar pelo rosto do céu, E a deixá-lo a pedir mais…

Não é um diário, nem um poema, A história dobra-se e encontra-te, Mesmo quando achas que és tu que a fazes.

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No mar

Ele achava que sabia o segredo, Ele podia falar horas, E discorrer amargura por semanas.

Mas eu nado no último mar, E os meus cabelos navegam no último vento.

Não juro e não tento, Não componho, não me componho, Não me formo, nem forço.

Escrevo, Mas escrevo baixinho, Para ninguém ouvir.

39


O dragão fala a Mar

Antigo e novo, Nunca mais, De novo.

O teu sorriso é o bronze, O teu olho esquerdo…

Não me conquistes, entrega-te! Entra na mais funda das mulheres, E pede-lhe o toque, As pernas, o beijo, peito e prata.

Não estás cansado, Não te conheces, E não comeces… Não comeces a chorar.

Estou aqui para te comer, E para me alimentar de ti.

Quando discorrer as misérias de todos, Os dias, os planetas e todas as estrelas, Orbitarem o meu nome, Então vou realizar atos da maior força,

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Forma, formusura.

E até depois de acabares, Eu serei mais de ti que os olhos, Que os testículos, que os poemas, Que as faces da rosa.

Os dedos do amor, da pureza, Da dor e da mágoa de ser comido, Por estranhos seres que ninguém conhece.

Eu entro, Eu castigo, Eu espero, Espera.

41


Mar em Éóuin

Nunca disse que cairias bem, Somente que cairias, E somente bruxos o poderiam ver, Porque mais ninguém tem A serpente na forma e nos olhos.

Eu gostava de te beijar, lentamente, De conhecer o que te faz, tu.

De entrar na teia das tuas aranhas E de dançar nelas os ossos da lua, E de dar com elas negros augúrios, De banhos de cristal, de novidade, E de maldade, e de bem-estar.

Eu ameacei-te e vou devorar A estrela que te fizer, E brilha por ela, E devora-a também.

42


Mar e Vuln

Não. Convence-o. Não. Conta-lhe. Não. Entra e comanda. Não. Dissolve o mistério. Não. Recupera as areias do deserto. Não. Entrega-te!

Só se me deres o primeiro beijo, E a filha.

43


Vuln e a bruxa branca

Ela dança estrelas, E conhece cada brilho do universo, Com os seus pés descalços, abraçou-me, E eu sorri para ela.

44


Chama

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Mar chama o dragão

A chama purpúrea, a entrada na gruta, Ó grande! Ó besta! Atende a minha chamada, mostra-me os dentes!

Vejo a cauda espinhosa, sinto o cheiro, O fétido hálito da tua morada, Ó besta! Ó dráco! Atende a minha lancinante chamada, Respira, acorda e respira em mim o teu fogo.

Que serei eu senão a brisa que te chama, Que serei eu senão a lança, a espada, o cinto, Sem escudo nem cota de malha, sem elmo nem roupa, Eu nu no teu covil e tu que te escondes no escuro.

Aberta a nossa via é estreita, Colhe-me pelo pescoço e cresce em mim, Eu te seguro, eu te acolho no meu ventre, Nascerás no mundo, Cem mil vezes o meu fruto, a vontade ardente em mim, Nascerás no mundo, acorda.

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Éóuin

Eu sem braço, caído em queda para mim, Para dentro de mim, Caído em queda para mim, Dentro de mim.

À esquerda o braço ardido, Por ti, por sobre o que vi, Olho que falta, metade negra de mim, em mim, Por sobre o que perdi caio de novo, Vermelho, real, sobre os ares de chama.

Ó desertos de Lód o fim do mundo é o nosso espelho, E eu que me sei, eu que me cuido e caio em mim, Para fora de mim, Soprem fogos, chamas as areias e eu em mim, Para fora, para dentro em mim.

Acontece o mar que sobre si se conhece, Eu monstro na cidade me despeço de mim, fora de mim, Para fora de mim, Eu te conheço e te sei em mim, Éóuin.

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Coríntio

Eu chama me esqueço e peço ao fogo casaco, Ou fumos passagens escondidas, entre os corpos, Eu sozinho me despeço e entro onde não há caminhos, E só, nada me prende e exila, eu novo, eu todo.

Ó minha mãe negra, meu grande vil pai, Eu novo na vontade de ver e acontece delírio de mim, Que me escorre o esquecimento.

Espada de fogo me nasce na mão, É mão a chama e fumo o corpo, E além da alma presa chama: o fundo, o início, O pacto com a deusa que devora a terra e a cria, Também eu a queria E quero ainda.

Em mim se aninha, Negra e vermelha E me faz gritar, e me morde, e me esquece, Para sempre.

48


A bruxa azul

A laia que lambe o céu, e eu, e eu… O céu que anda e eu que sossego, Sobre as crisálidas os nossos corpos.

Escolhi-te no verão e não mais pedi outra, Minha amada de abril, minha flor dos mundos, Minha pétala de eternidade.

Eu te escolhi nesta vida para que me tomes em ti, E me nasças de novo, quando me for, Conhece-me, ó conhece-me, Chama-me quando me perderes, Eu atendo-te sempre, eu sempre te atendi.

49


Akhum fala a Coríntio

A lua corre, gira e grita, Eu te acolho, eu te encontro, Vem comigo.

A lua chora a minha canção, Eu te peço, te quero, te envio, No escuro que é o meu sentido.

O meu enviado te ensine as estranhas línguas do meu reino, O meu arauto te guie pela voz que é espada e caminho, A minha vontade te encontre.

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Vuln nas grutas

I – A entrada nas cavernas

Estremece o começo e entra comigo, Lançaremos labaredas de cristal pelos túneis, caves de almas, Saberei lagoas puras, águas calmas.

Entrarei devagar em ti, Para que me chegue junto e me encontre no fundo, E me erga por céus de brilhos ao trono de pedra, Ao assento forjado pela terra, E me seja destino cumprido o meu caminho.

Entrarei de novo, juntarei as pedras, Remarei para a outra margem, E comerei com os mortos da comida subterrânea.

Permite-me ficar, permite que fique contigo mais um momento, De novo me nasce alento, E cometa erguerei vida do escuro, Quando me sentir seguro.

Quando a espada que empunho brilhar clarão nos olhos, E me ser carne, como dente, unha e garra, E me ser livro, conhecimento,

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Saber da via, saber da vida, sabedoria, E me deixar gritar sem pensar o nome, sem pensar o grito, Só gritar, gritar somente, E me erguer do peito ar, de saber a grande montanha E os lentos, fortes segundos antes da queda, Me voltar uno e subterrâneo ou não de todo.

II – A queda

Eu ergo a mão para descer e subo o precipício que há em mim, Não há distância no escuro, a morte é real e sente-se, Cair légua ou cem mil é tanto aqui como ali, é igual, Ou é como se fosse.

Caio, caio, caio e me ergue a alma e caio, E calo, calo, calo, E entro por demais dar a mão ao dragão negro, Que volta em mim e me merece.

Ó mestre dá-me água, dá-me sangue novo, Aquece a alma, levanta o dedo, aponta a estrela, Que dizes? Que palavra sentes sair-te a boca E correr nua pela pedra crua?

III – A resposta

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Molda a mão, cria a chama, Eu água me lambo e entorno solene, Só leme, não há vento, não há brisa, Não há tormento nem tempo, não há momento.

A tua vida é como a minha, comprida, escura, Cumprida, escuta: É bem-vinda a tua via, caminha, É bem-vinda a tua vinda, a tua linda chama, A tua chama exclama clamor e amor e vida e entra, persegue.

Entende, e sempre cumpre o destino de saberes aqui o outro, Não eu, o outro e agora justo, perene, solene o busto e a face clara, Entrada, saída, mistério da vida, A tua é minha, a minha é a vinda, as duas uma só vida.

E não te chames no escuro, segue somente, O silêncio, duro, compreende, E não te estiques, não te ofendas, Não me critiques e não te compreendas.

Não me digas não, nunca que sim E segue sempre, sempre assim E segue, segue somente, Ri-te e chora, cora e queima e deseja, E corre, corre muito, rápido esconde e mostra,

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E gosta e segue, segue somente, ruge castelos da mente.

E rasga cabelos e roupas, e lâmina te mostres, E poucas as tuas roupas, e poucas e poucas mas muitas, Sedas do céu entornadas em véu de mostrar o caminho, Sempre, sempre, sozinho.

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Éóuin, o dragão vermelho

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De Mar a Éóuin

O único curso a tomar na seara, Rosa dourada de alentar a dourada raposa, Que em mulher se teima e esconde.

Por onde andará a Medeia? Que treva conjura? Tece que teia?

Por que caminho acidentado o rato? Por que canídeo, solto, bruto? Por que astuto e culto gato? Por que sereia…

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O dragão vermelho

Ó que coisa tamanha, A manha, a manha, Que teima, enteima em cereja, Aberta, nova, pura, Em carqueja, E grande…

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Éóuin pelos destroços

Jogo… o teu monstro é meu, E espinhos caem trovões, E chovem lágrimas e sangue.

As safiras perdidas pelas ruinas do mundo, E os fundos fossos escondidos, À vista de belezas inexprimíveis, inexpressáveis, Inertes mas vivas.

Na poeira dos dias do sol eterno e lento, E do vento, e do vento… Que levanta as areias púrpura.

O manto negro e rasgado, E a minha espingarda carregada, Ao ombro a levo e ceifo, A colheita dos crepúsculos eternos, Dos finais de tarde, Da memória…

Ó as histórias que as crianças dançam, E as vozes das mulheres de cara queimada, Ó a beleza sem fim do horizonte que acaba, E os esquilos de novo nos prédios da hera,

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Nos cimos das montanhas de sucata.

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O dragão vermelho caça

A presa entra na toca, A raposa espera, o toque espera, Aberta a janela, entra, A colheita feita à espreita.

A presa olha, o escuro encolhe, Embora escudo, não dobra, não uso, Impulso à queda impera, Espera, espera, espera, Não!

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Éóuin capturado

O Mar dobrado, os gritos dos chacais, Á urram: Á, Á, Á, Entram, entre dentes entram, Encerram a tumba, entumbam costumes, E caem, gritam: Áuuuuuuuuuu! Áuuuuuuuuuuuuuuu!

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A prisão sob a montanha

Castelos, entradas, grutas e túmulos, Antigos reis esperam, Os seus tesouros e as suas concubinas.

Eles acolhem o salteador, E sussurram as vitórias, As derrotas, os amores, traições… Eles querem contar histórias.

Bem-vindo o amigo, Dobra a asa, tira as sandálias, Beijos fundos de chegada, Para sempre.

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ร desertos de Lรณd

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A dança de Éóuin

O veludo escure a sala, Os cheiros pesados trazem-me A queda das tuas coxas.

Entre os panos um tigre segue a presa, Espera o momento, E tu tens a selva no olhar.

A queda das estrelas Não me trouxe o teu toque, As perseidas esperei em vão.

Esperando a tua mão na minha pele, O tempo tornou-a dura, impermeável, Áspera à espera do toque.

Eu toco e colho o último bago, Roubado ao vinho, Espírito esperando o tempo, De em espírito se tornar.

Entorna sobre os meus olhos o leite, Deixa cair as pétalas, Nas rosas perdidas encontro o espinho,

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De te montar sobre a cruz, Sacrificar-te pelos meus pecado, E tu tens a selva no olhar.

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Mari

A noite no deserto É quase tão má como o dia.

É fria da forma como Éóuin espera, Mergulhado na areia, Como Vuln descansa, Sentado sobre a pedra talhada, Como caem os caracóis dourados de Mari Sobre o meu colo.

E eu afago-os levemente, Da forma como o vento abana o trigo.

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Mar escreve o seu destino

Nunca fui o que tive, Nunca disse, Nunca disse…

Se me é o meu ser para mim, Acredito, E se me deixa ser eu, Serei eu quem o dito.

Poder criar a palavra É ter a alma presa, Mas poder vivê-la sem medo, E ser credo, ser crente, Ser tudo, Sendo eu.

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A escolha de Mar

A minha terceira tentativa, É a esquerda, direita, Endireita.

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Mar pelo deserto

O camelo navega as areias do tempo, O passado, o presente, o futuro.

O passado como uma galeria, A arte da vida, o pó, o cheiro, Fixo e a fixar-se, continuamente, Cada vez mais sólido e remoto, certo.

O presente andante, aéreo, Tanto aqui como em todo o lado, Ninguém o captura mas tudo está nele.

O futuro como um inevitável vortex, Que tudo chama para si, E nunca nada o toca, O tambor triunfante do universo, Cego mas com um sentido próprio, Inabalável mas devorador, Cedo, em breve…

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Éóuin, o espinho do dragão

Os céus conhecem a minha cara, A terra os meus pés, Eu moldei com as mãos um corpo, E cresci no olhar de todos.

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A raiva do dragão vermelho

As celas profundas da alma, O desconforto do corpo, Visões, demónios e bruxas, Mordidelas, espigões etéreos na noite, No dia.

Eu vi, senti, Fui espezinhado por espíritos, E por homens e por mulheres, Fui devorado vivo, E continuo a sorrir-lhes, Como poderia não estar zangado?

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O andarilho vermelho

Vermelho deserto, meio lua, Me dá tecedeira nua, destino, Cortado o fio.

É aquela que me ama, Me traz na cama, E se abre para mim no ventre.

Com quanto o vento chama, Chama acalma a alma, Traz-me paz no cimo.

Ir é meu caminho, Ir eu alinho.

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Desejo vermelho

Eu crio, E queria-o, E quero.

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De Éóuin a Mar

Cobra, copa, corno, Conjunto sobre o olho, Colho inveja, ciúme, raiva, Não há paz, nem paz, nem alma.

Contudo, cu no coiso, E coisa esta desfaleça, Desta vez não presta.

Parece cinzento, sem mão na venta, Atenta, sobe e cicatriza, A mão na vida.

O pé no chão, Tenta, tenta, não, E diz se bem atenta o coração.

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Mar e o dragĂŁo

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Mar antes de Éóuin

Cai, arde, chora, Come, cora, corre, cora, Descobre, prima, prima por descobrir, Em cima.

As estrelas em samba, Brilhos distantes em melódica dança, Contam histórias.

E nós de costas na relva, Ouvimos os últimos acordes da festa, E corremos com os foliões, Para afirmar que temos pulmões, E vontade de ir.

E rir com eles A falta das últimas cervejas, E cravar um cigarro ao vento, E não ir para casa, Não ir para casa.

Fica mais um pouco, Deixa-me contar-te um segredo, Em azul os espelhos choraram,

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E a cósmica agonia sentiu o sopro Do único vortex que realmente nos faz crescer.

Eu sento-me, impelido ao centro do mundo, E nada pode parar a minha moção, E eu sou através dela.

Na última crueldade De me saber destinado, De me saber destino.

Não sei onde, nem como, Quando, porquê, Mas é demais para uma carcaça, De menos para um homem, O destino é criança, E muda.

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Mar chama Éóuin

Eu cruzei os setes mares, Os planaltos ergueram-se, E com eles os exércitos dos mortos.

Corremos pela terra a fragmentar-se, E eu bebi sangue das mulheres de prata, Para que a relva não parasse de crescer.

Eu quis acreditar em deus, Quis acreditar em deuses, Eu quis, eu quis, Eu quero!

Dá-me um braço, uma mão, Dá-me força para matar, E tira-me a cara, E dá-me tudo.

Quando puder tirá-lo, eu dou-to, Eu entrego-to, E depois entrego-me a tudo, Sem misericórdia mas sem miséria.

Eu dito, eu digo,

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Eu quero, E sou.

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Acordar do dragão

Guarda a tua mão, Tira o macaco, E deita-o para fora.

Acorda trinta, Trezentos tigres do vento, Que rujam a raiva, E o ser Único.

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Mar a domar Éóuin

Dá-lhe um último prazer, O de te ver, Dá-te, dá-me, dá, Escolhe sem escolha a vida.

Envia o ser e pára, Tudo quieto, parado, Estagna, estarrece, Aquece no escuro e guarda.

Acorda a arma, dispara! Envia a alma, clara, Pura e tua e minha, Do mundo o mundo profundo desaba.

Não ama nem chama, Mas cala, Magia, energia humana e cara, Esconde a cara, calma.

Entende e prende o dedo No túnel da alma, A tua, é minha, É nossa, é tinta,

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Ensina, excita, pinta, Em mais trinta.

Sem quadro, nem quadros, quadrados, Nem cubos, nem estudos, nem nada, Sรณ รกgua, sรณ ar, O fogo perigoso do nosso lar.

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Novo fogo em Mar

Vir onde vais, vai, Busca à brusca a bruxa, Pede o medo ao poço, Mostra o pescoço, E dá-te, dá-lhe fogo.

Sem alma nem paz, Cantiga da calma trás, Consigo o seu desejo.

Anseio o beijo, Perdi o pejo, Quero-o agora.

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Mar renuncia Éóuin

Recria em ti enigma, Eu não sei, Eu nem quero saber, Eu sou quem sou e quero ser.

A morte tem asas, A vida atrasa a morte, Mantendo-se rente ao chão.

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